10 | PORTUGAL | PÚBLICO, SEG 27 JUL 2015
Quase 36% dos partos nos hospitais
públicos são feitos sem epidural
Valores gerais do país não desmerecem
na comparação com o resto da Europa. O
problema está nas assimetrias registadas
no acesso à epidural: faltam anastesistas,
sobretudo nos hospitais do interior
Saúde
Romana Borja-Santos
Em Agosto de 2009 chegou o João.
Nasceu no Hospital de S. Francisco
Xavier, em Lisboa. Célia Silva deu
entrada na maternidade já com o
trabalho de parto bem encaminhado
e duvidou se precisaria de epidural,
mas perante os conselhos da equipa
de enfermagem aceitou-a. “Foi uma
maravilha, pude aproveitar muito
mais o momento”, conta. Por isso,
quatro anos depois, em Novembro
de 2013, não duvidou de que queria
fazer o mesmo no parto de Tiago. Só
que o anestesista, desta vez na Maternidade Alfredo da Costa (MAC),
já não chegou a tempo. “Senti tudo,
acho que até mordi a enfermeira e
não vivi o nascimento da mesma forma por causa da dor”. Cerca de 36%
dos partos realizados nos hospitais
do Serviço Nacional de Saúde (SNS)
são feitos sem qualquer analgesia,
de que a epidural é o exemplo mais
conhecido.
De um total de 70.692 partos registados em 2013, houve 44.956 que
contaram com a participação de um
anestesiologista, isto é, menos de
64% do total. Tendo em consideração que as cesarianas são necessariamente feitas com analgesia, isto
significa que de fora ficam principalmente os partos vaginais, como
o de Célia. Em alguns casos o valor
reflecte a vontade das mulheres ou
a velocidade a que se desenvolveu
o parto, mas a explicação também
está na carência de anestesiologistas. Os números fazem parte de um
trabalho conduzido pelo Colégio de
Anestesiologia da Ordem dos Médicos com o objectivo de apresentar
uma fotografia da realidade nacional
nesta especialidade.
A analgesia nos partos é apenas
um dos pontos no estudo, pelo que
não é possível aprofundar alguns
dados. Por exemplo, não é possível
perceber em concreto qual a proporção de epidurais apenas nos partos por via vaginal, uma vez que a
resposta foi conjunta com as cesarianas e que ainda há casos, como as
anestesias gerais nas cesarianas, que
podem estar de fora destas 44.956
analgesias avançadas pela Ordem
dos Médicos, explicou ao PÚBLICO
o presidente do Colégio de Anestesiologia daquele organismo, Paulo
Lemos.
O estudo da Ordem dos Médicos
salienta que, se tivermos em conta
que houve perto de 83.000 partos
em 2013 e que 85% aconteceram em
hospitais públicos, “o valor encontrado de 44.956 analgesias poderá
corresponder”, no máximo, a dois
terços dos “partos ocorridos nos
Serviços de Obstetrícia dos Hospitais do SNS”. Paulo Lemos salienta
que o número é “positivo”, quando
comparado com realidades como a
do Reino Unido, “onde há um valor
de epidural mais baixo”. No entanto, o anestesiologista recorda que,
regra geral, os hospitais ingleses oferecem outras alternativas tanto no
desenrolar no parto como no controlo da dor.
“Cesarianas por medo”
Célia acabou por ter mais estas experiências diferentes no segundo
parto na MAC, para onde foi encaminhada devido a um problema de
coagulação que obrigava ao uso de
um medicamento não disponível no
S. Francisco Xavier. “Como o anestesista não vinha, os enfermeiros deixaram-me circular e usar uma bola
de pilates para ajudar na dilatação.
Isso aliviou, mas o problema é que
já tinha a expectativa de pedir a epidural e a dor é mesmo exponencial.
As enfermeiras até repetiram várias
vezes ‘olhem que esta senhora quer
epidural´, mas quando o anestesista
chegou já estava o bebé a sair”, relata ao PÚBLICO. Além disso, no primeiro parto fez aulas de preparação
e neste acabou por não conseguir,
pelo que teve menos “treino psicológico para lidar com a dor”.
Para esta mãe de 39 anos, as portas da natalidade já se fecharam. Pela idade e por questões financeiras.
“Não é pelo segundo parto, ainda
que sinta que não tenha aproveitado tanto o momento, porque na
maior parte do tempo nem os olhos
conseguia abrir”. Célia ressalva
que, apesar de tudo, teve sorte. No
Também há partos vaginais sem recurso a epidural por opção da mulher ou por ocorrerem num momento em q
Estudo de 2009
já alertava para
assimetrias de
acesso (de 37 a
93%) à epidural,
consoante o
hospital e a hora do
de parto — embora
seja suposto haver
anestesista 24
horas por dia
primeiro parto esteve várias horas
em casa com contracções. Chegou
ao hospital às 10h30 e o João nasceu às 15h, com 3,7 quilogramas. No
caso de Tiago, entrou na MAC 14h
às sem qualquer dilação e o bebé
nasceu às 19h com 3,7 quilos. “Se
fosse ao contrário era pior”, brinca, entre risos. “Mas acho que esta
insegurança da epidural faz com
que muitas mulheres corram para o
privado, com medo da dor. Depois,
claro, que há imensas cesarianas
por medo.”
O obstetra Diogo Ayres de Campos, do Hospital de São João e professor da Faculdade de Medicina da
Universidade do Porto, começa por
dizer que a utilização de epidural
em Portugal está “enraizada culturalmente”, muito mais do que em
alguns países com que nos comparamos. O também presidente da
Comissão Nacional para a Redução
da Taxa de Cesarianas defende, por
isso, que “os valores nacionais são
bons” e que o principal problema
está nas assimetrias no acesso à
epidural. Se nos grandes hospitais
universitários o peso dos partos com
epidural ultrapassa largamente os
90%, há casos onde o valor não atinge sequer os 20%.
Os valores da Ordem dos Médi-
PÚBLICO, SEG 27 JUL 2015 | PORTUGAL | 11
PJ de Faro procura
mãe que fugiu do
hospital com recém-nascido numa mala
467
é o número de
anestesiologistas hoje em
falta no Serviço Nacional de
Saúde, segundo os dados
da Ordem dos Médicos
JOÃO SILVA
que já não é possível recorrer a esta solução para alívio da dor
cos estão em linha com alguns dos
números identificados em 2009
num estudo da anestesiologista
Maria Rui Crisóstomo, do Hospital
de Braga. A clínica adiantava que
a epidural é o método privilegiado
para aliviar a dor durante o parto,
mas alertava que o acesso a esta
técnica variava entre os 37% e os
93% nos vários hospitais públicos
do país, consoante tanto a unidade
de saúde como a hora do trabalho
de parto. O problema da assimetria
salientado por Ayres de Campos era
um dos alertas deixados pelo trabalho. Em teoria o anestesista tem de
estar disponível 24 horas por dia,
independentemente da unidade ou
da hora do parto.
“O principal problema está nos
hospitais do interior, em que não
há um anestesiologista em exclusivo
na obstetrícia”, diz Ayres de Campos. De acordo com os dados da Administração Central do Sistema de
Saúde (ACSS), citados pelo médico,
os valores mais baixos na analgesia
dos partos de 2013 encontram-se
nos centros hospitalares do Alto
Ave, Gaia/Espinho, do Médio Tejo,
Cova da Beira e Algarve, nas unidades locais de saúde do Nordeste
e de Castelo Branco e no Hospital
Distrital de Santarém. Em muitos
destes casos o valor nem sequer
ultrapassa os 20%.
O especialista considera que a epidural “tem de estar disponível”, cabendo à mulher decidir se quer ou
não, “até porque no momento do
parto, mesmo as que não queriam,
acabam por pedir”. O clínico defende que controlar a dor é uma questão de “humanização” de um momento tão importante como o nascimento e salienta que o nível de dor
varia muito de mulher para mulher.
Paulo Lemos lembra, contudo,
que, com a falta de anestesiologistas
no SNS, é cada vez mais difícil chegar a outras áreas que não a cirurgia
convencional. Paulo Lemos destaca
que, além dos partos, é urgente contar com mais profissionais na área
controlo da dor aguda no pós-operatório, dor crónica ou sedação nos
exames complementares de diagnóstico e terapêutica. O trabalho
da Ordem dos Médicos alerta que o
problema da falta de anestesiologistas tem vindo a agravar-se, com as
contas a apontarem para que sejam
necessários mais 467 clínicos desta
especialidade em todo o país.
A carência é agravada pelo facto
de os mais de 1200 anestesiologistas
que estão nos hospitais do Serviço
Nacional de Saúde trabalharem, regra geral, simultaneamente no sector privado. Só 40% destes médicos
estão nas instituições públicas com
um contrato de trabalho de 42 horas
e em regime de exclusividade. Há
ainda mais 200 profissionais que já
só trabalham no sector privado. Até
2020, a Ordem dos Médicos acredita que se podem formar dois terços dos mais de 400 profissionais
em falta. Mas o problema poderá
manter-se se o sector público não
os conseguir fixar e ter outro tipo
de organização.
O tema da presença do anestesista para proporcionar uma epidural
é, aliás, recorrente nos fóruns online
onde mães, grávidas e “treinantes”
(nome dado a quem está a tentar
engravidar) partilham informação
sobre esta fase da vida. Dos eventuais riscos ou ineficácia da epidural
às vantagens de um parto com menos dor, são várias as perguntas e
dúvidas formuladas no fórum onde
conhecemos Célia. Há quem considere a dor suportável, há quem
a ache impossível de descrever, há
quem deixe sugestões para preparar
o colo do útero para uma melhor
dilatação. Nos testemunhos que escreve, Célia diz não ter dúvidas de
que “quem conhece a epidural não
quer outra coisa”.
Polícias
Idálio Revez
PSP e GNR vasculharam
até contentores do lixo,
mas o recém-nascido, que
corre risco de vida,
não foi encontrado
A Policia Judiciária desencadeou
neste domingo uma intensa operação para tentar localizar a mulher
que na véspera fugiu do Hospital de
Faro com o filho acabado de nascer,
em condições de particular fragilidade. O bebé corre perigo de vida.
Os investigadores estiveram durante
todo o dia nas instalações do hospital a tentar apurar como é possível
que a mulher tenha conseguido sair
do estabelecimento de saúde com a
criança sem ser interceptada.
A mãe, de 28 anos, tóxico-dependente, pôs-se em fuga com o filho
dentro de uma mala, cerca das 8h
de sábado, apenas duas horas depois do parto. O bebé, informou
entretanto o Hospital de Faro, encontrava-se internado no serviço
de Medicina Intensiva Neonatal e
Pediatria.
Fonte do gabinete das relações
públicas do Centro Hospitalar do
Algarve disse à Lusa que “a utente
abandonou inesperadamente o hospital de Faro e sem conhecimento da
equipa de saúde, onde se encontrava internada, levando consigo o filho
recém-nascido que estava internado no serviço de medicina intensiva
neonatal e pediátrica”. “Visto haver
risco para a saúde e potencialmente
perigo de vida para o bebé, foram
notificadas as autoridades policiais”,
sublinhou, escusando-se a revelar
mais pormenores sobre o caso.
Durante o dia de ontem, uma
equipa de investigadores da Polícia
Judiciária interrogou os funcionários e colaboradores da empresa segurança privada que presta serviço
neste estabelecimento de saúde. Os
inspectores detiveram-se particularmente nas circunstâncias que
terão permitido a saída da mulher,
sem levantar suspeitas. Ao mesmo
tempo, outra equipa da PJ desencadeou uma operação de investigação
e busca da mãe e sobretudo do bebé
na zona de Albufeira, onde a jovem
mulher vivia.
Como aliás se avisa num cartaz
afixado junto à portaria, o Hospital
de Faro dispõe de um sistema de videovigilância. No interior, à posta
da serviço de Neonatologia, no 5.º
piso — prescreve o regulamento interno — deveria estar um funcionário a controlar as entradas e saídas.
Os inspectores estiveram a tentar
reconstituir o percurso da mulher,
que terá retirado o recém-nascido
da incubadora onde este se encontrava devido ao seu frágil estado de
saúde. Iludindo toda a vigilância, a
mulher pôs-se em fuga. De acordo
com a informação prestada ao PÚBLICO por fonte hospitalar, a doente
aproveitou a mudança de turno do
pessoal do serviço para concretizar
a fuga com o bebé.
Num primeiro momento, as buscas deste domingo foram desencadeada pela PSP e GNR. Numa luta
contra o tempo, os policias chegaram a vasculhar os contentores do
lixo em redor do hospital, à procura
do bebé, sabendo que corre perigo
de vida. As forças policiais não tiveram contudo sucesso. Nesta fase,
o crime está a ser investigado pela
Polícia Judiciária.
MELANIE MAP’S
Mulher terá aproveitado mudança de turno para fugir com bebé
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