O grande vídeo
Por Marcus Bastos
Tela do vlogue "screenfull.net"
Reprodução
Os videoblogues anunciam novos formatos na web e são uma alternativa ao modelo fechado da TV
Junte duas pitadas de blogue. Adicione arquivos de vídeo a gosto. Misture antes de salvar. Essa é a
receita do vlogue, um derivado dos blogues, que ganha novos temperos, conforme aumenta a
largura de banda na internet e em sintonia com a disseminação de celulares multimídia e câmeras de
vídeo digital baratas.
Ninguém sabe ao certo quando o fenômeno começou. Há quem procure suas origens na transmissão
feita por Douglas Engelbart, em 1968, na Fall Joint Computer Conference, em formato de
videoconferência.
Na “Videoblogging timeline”, alguns dos exemplos mais antigos citados são o vlogue de Adrian
Miles (que se auto-proclama “o primeiro, mas não necessariamente o melhor”), on line desde 2000,
e projetos como a “Blog TV”, de 2002, e a “Browse TV”, de 2003.
Steve Garfield, produtor de vídeo independente sediado em Boston, batiza 2004 o ano dos
videoblogues. Na edição de 19 de abril de 2004, a revista “Time” apresenta Garfield como parte de
uma pequena, mas crescente legião de videobloguers, que estão transformando a web numa mídia
que algum dia permitirá dribles nas redes de televisão.
Faz sentido. São comuns sites que usam a internet como alternativa ao modelo fechado das redes de
TV. Um exemplo é o espanhol “delete.tv”, misto de “comunidade virtual, laboratório de “bedroom
media” e guerrilha urbana”.
Outro, é o site do coletivo brasileiro “MediaSana”, “que atua nas relações entre a comunicação e a
cidadania”, facilitando “o acesso do cidadão comum ao complexo midiático”. Um terceiro, é o site
do grupo “SubMídia”, que mistura rádio, TV e portal de textos.
Contudo, um das vozes mais criativas da emergente vlogosfera, o brasileiro radicado nos EUA,
Rick Silva, adverte que “os vlogues não são uma forma de integrar web e TV”, mas uma nova linha
de ação de perfomance em rede.
Os “data diaries”, de Cory Arcangel, ecoam essa idéia. Ao apresentar o projeto, o artista e professor
da NYU, Alex Galloway, afirma que a descoberta de Arcangel foi a seguinte: “Pegue um arquivo de
dados grande (...) e iluda o Quicktime (programa para edição de vídeo digital) a pensar que se trata
de um arquivo de vídeo. Então aperte play. A memória de seu computador agora é videoarte. O
Quicktime executa o arquivo, sem saber que os riscos e rabiscos na tela são de fato bits e bytes no
cérebro do computador”.
Atualmente, a maior parte dos vlogues é uma coleção de “posts”, mas alguns indicam que o formato
“um celular na mão um clipe na internet” pode render coisas mais interessantes do que debates
sobre o enterro do papa e hordas de usuários entusiasmados com a possibilidade de tornar público
seu hábito de entornar copos de ovomaltine.
“scratch vídeo”, da fictícia scratch, e “Daily Report”, do surreal David Lynch, são bons exemplos
de vlogues que mantém a periodicidade regular, sem ceder à tentação de mimetizar os reality shows
num quadradinho menor que a televisão, que engasga antes do vídeo chegar ao fim, na maioria dos
computadores.
Em sintonia com a previsão do cineasta francês François Truffaut de que os filmes de amanhã serão
“cada vez mais pessoais (...), como uma confissão ou um diário”, “scratch vídeo” reúne exercícios
audiovisuais despretensiosos que, apesar de irregulares, rendem bons momentos.
Alguns destaques desse diário criado por uma editora de vídeo nova-iorquina não-identificada são:
“Morning Glory”, que emula os pensamentos que Patti Smith teria sobre a estrela da manhã ao
olhar da janela de seu quarto a sombra de árvores sob o vento; “Simple”, em que cores e texturas
discretas misturam-se enquanto o esmalte sobre as unhas de scratch somem sob a água que enche
sua banheira; e “Interpretive Dance”, seqüência em que um ovo é sucessivamente esmagado e
“desesmagado”.
Com periodicidade menos regular, o relatório no título do projeto de Lynch é um comentário que o
cineasta faz sobre o noticiário em Los Angeles, às vezes entremeado de comentários esdrúxulos.
Atualmente, o “Daily Report” está inativo, mas é possível encontrar uma amostra em
“screenfull.net”, de abe linkoln e jimpunk. Segundo Rick Silva, o interessante no “Daily Report” é
justamente o aspecto performático que os vídeos ganham, na medida em que os comentários feitos
por Lynch são inúteis para quem não mora em Los Angeles.
São raros os vlogues que fogem deste modelo próximo ao do diário. Mas são justamente esses os
exemplos mais interessantes, por problematizarem com contundência as possibilidades da
linguagem digital.
Mais que um diário
Se a graça da internet é permitir formas de comunicação alternativas aos modelos consolidados em
outras mídias, por que o público deveria se conformar com vlogues que não passam de cabide para
arquivos que poderiam ser vistos com mais resolução e conforto num aparelho de DVD em frente
ao sofá da sala?
“screenful.net”, de abe@linkoln e jimpunk, é um vlogue que foge desse formato, incorporando
recursos de net art na construção de um diário experimental que tem de remixes conceituais a
trechos de áudio, passando por um livro eletrônico e troca de mensagens em formatos próximos a
das listas de discussão.
Um aspecto importante dos experimentos que abe linkoln e jimpunk compartilham é o uso de
recursos de programação, muitas vezes incorporando elementos cinéticos à interface web. Alguns
exemplos são “Nu descendant un escalier” (in “La Boite... V1- Rem:x 2004”), “Le Grand verre /
large glass ___rem:x #1” e a performance “magnum i.p”, de que restam, atualmente, apenas
vestígios digitais.
A interface do “screenfull.net” difere do padrão comum em sites populares como o UOL Blog,
Blogger e em publicadores de código aberto, como Movable Type. As mensagens são organizadas
como “posts”, mas aparecem sobre fundos que mudam regularmente, muitas vezes “perdidas” entre
tantos elementos quanto a disposição do usuário por seguir, descendo a barra de rolagem, fizer
visíveis na tela.
Em alguns dos exemplos reunidos na série dedicada a Marcel Duchamp, (“Le boite en Valise”), os
vídeos -apesar dos formatos típicos do vídeo digital- são precários e bastante breves. Isso responde
a um problema dos videoblogues, que é a facilidade relativa de acesso a formatos sofisticados de
vídeo na internet, apesar do número crescente de usuários com recursos de banda larga.
Para entender melhor, vale a pena navegar por “AnémiC:nema P4rt 1 - (popup de precis:on)
rot0Relief N°1”, “fountain (linkoln's 04 screenfull mix)” e “Re : À bruit secret -(Ready made
assisté) film Ready made rectifié”.
A partir deste exemplos, é possível ampliar o conceito de vlogue. Mais do que diário animado, ele
aponta para uma exploração de formatos em que os elementos da interface tornam-se componentes
de um grande vídeo que migra pelas diversas telas onde pode ser acessado.
.
link-se
AnémiC:nema P4rt 1 - (popup de precis:on) rot0Relief N°1 07- Dec -2004 02:07 AM http://www.screenfull.net/stadium/2004/12/an1.html
Blog TV - http://ceicher.homeunix.com/archives/2002_04.html
Browse TV - http://www.browsetv.net/
Daily Report - http://www.davidlynch.com/dailyreport/index.html
data diaries - http://turbulence.org/Works/arcangel/
delete.tv - http://www.delete.tv/
Fall Joint Computer Conference - http://www.livinginternet.com/w/wi_engelbart.htm
fountain (linkoln's 04 screenfull mix) - http://www.screenfull.net/stadium/2004/12/fountainlinkolns-04-screenfull-mix.html
Le Grand verre / large glass ___rem:x #1 - http://www.screenfull.net/LeGrandverre/
Media Sana - http://www.mediasana.org/menu.html
Nu descendant un escalier (in La Boite... V1- Rem:x 2004 ) http://www.screenfull.net/stadium/2004/12/nu-descendant-un-escalier-in-la-boite.html
Re : À bruit secret -(Ready made assisté) film Ready made rectifié http://www.screenfull.net/stadium/2004/12/re.html
Rick Silva - http://www.cuechamp.com
scratch vídeo - http://www.scratchvideo.tv
Sub Mídia - http://submidia.radiolivre.org/
Videoblogging Timeline - http://www.metv.org/wakka.php?wakka=VideoBloggingTimeline&v=4cm
magnum i.p. - http://magnum-i.p.screenfull.net/
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Marcus Bastos
É jornalista e professor do curso de Tecnologia e Mídias Digitais da PUC-SP. Foi meio-campo
reserva do Bauru Tênis Clube, na temporada 1996 da Helsinki Cup (Finlândia).
http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos/2639,1.shl
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