Artigo Original AVALIAÇÃO DE PACIENTES PORTADORES DE VARIZES E DE INSUFICIENCIA VENOSA CRÔNICA ATRAVÉS DO DOPPLER ULTRA-SOM. Rosa Elizabeth Menezes' Esther Azoubel Sales" Foram avaliados 50 pacientes portadores de varizes e de insuficiência venosa crônica, através de exame clínico e Doppler Ultra-Som, no Hospital das Clínicas da UFPE e no Hospital dos Servidores do Estado de PE, no período de maio a agosto de 1987. O Doppler Ultra-Som evidenciou lesão do sistema venoso profundo em 28% dos pacientes. A presença de obstrução dos principais troncos venosos não se associou a um quadro clínico mais grave. Por outro lado, a presença de refluxo fêmoro-poplíteo esteve associada a uma maior freqüência de complicações das varizes. UNI TERMOS: Varizes, Insuficiência Venosa, Doppler Ultra-Som. INTRODUÇÃO A insuficiência venosa crOnIca constitui patologia bastante freqüente nos .ambulatórios de angiologia em nosso meio. Ela é responsável por complicações limitantes e até invalidantes para os seus portadores tais como a hipodermite, o eczema e a úlcera de origem venosa. Estas complicações podem se associar a quadros de varizes essenciais, após longo período de evolução, ou mais freqüentemente, serem uma conseqüência tardia da trombose venosa profunda. Entre nós o diagnóstico da trombose venosa profunda na fase inicial, é bem menos freqüente que nos centros desenvolvidos. Este fato é de certa forma conflitante com o grande número de pacientes portadores de insuficiência venosa crônica que freqüenta nossos ambulatórios. Seriam os casos de insuficiência venosa crônica conseqüentes a varizes essenciais, ou à síndrome pós-trombótica? Esta questão nem sempre pode ser respondida apenas através da anamnese e de exame físico, sendo necessária a realização de exames complementares. O exame com o Doppler ultra-som pode determinar de forma simples e precisa, a nível ambulatoríal,a existência de lesão do sistema venoso profund0 2,4,5,6,9,11, sendo considerado o exame complementar de maior utilidade ao diagnóstico das doenças venosas. O presente trabalho tem por objetivo: 1) Verificar a freqüência de exames Doppler sugestivos de lesão do sistema venoso profundo; 2) Estudar a associação entre as alterações clínica'5 decorrentes das varizes e da insuficiência venosa crônica e as lesões do sistema venoso profundo verificadas ao Doppler. MATERIAL E MÉTODOS Seleção de Pacientes No período de abril a setembro de 1987, foram avaliados no ambulatório de Cirurgia Vascular no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco, 50 pacientes com varizes dos membros inferiores apresentando ou não complicações. A distribuição dos pacientes por idade e sexo figura na tabela 1. SEXO GRUPO ETÁRIO 10 20 30 40 50 60 - 19 29 39 49 59 69 TOTAL MASCULINO OI OI OI OI OI Z 05 FEMININO TOTAL 06 09 15 10 05 45 07 10 16 11 05 50 OI Tabela I: Distribuição dos 50 pacientes quanto ao sexo e à faixa etária: • Mestre em Cirurgia Vascular - UFPE •• ProL Adjunto do c.C.S. - Departamento de Cirurgia - UFPE Trabalho realizado na Disciplina de Cirurgia Vascular do Departamento de Cirurgia do c.c.~. - UFPE e no Serviço de Cirurgia Vascular do Hospital dos Servidores do Estado de Pernambuco. Dos 50 pacientes, 46 apresentaram ao exame clínico varizes ou insuficiência venosa crônica nos dois membros e quatro em apenas um. Representavam pois 96 membros com varizes ou insuficiência venosa crônica. -, CIR. VASC. ANG.6(l): 11,14,1990 11 Rosa Elizabeth Menezes e cal. Varizes e sistema venoso profundo A valiação dos Pacientes Cada paciente foi avaliado através de anamnese, de exame clínico e de exame dirigido para o sistema venoso dos membros inferiores. Todos foram submetidos a avaliação do sistema venoso profundo através do Doppler. No exame do sistema venoso foram valorizados a presença de: 1) varizes (uma ou mais veias dilatadas e tortuosas); 2) queixa de dor e/ou desconforto em um dos membros inferiores; 3) edema; 4) hipercromia; 5) hipodermite; 6) eczema; 7) úlcera_ Para cada um dos itens valorizados no exame do sistema venoso foi estabelecida uma pontuação de 1 a 4 de acordo com a gravidade. Para a determinação da pontuação e dos itens foi tomada por base a tabela usada por Browse7 com algumas modificações. Na tabela 2 figura a pontuação atribuída aos sete ítens. Os resultados do Doppler, foram avaliados em cada grupo a fim de se verificar se havia uma relação entre as alterações do fluxo e os achados clínicos. Análise Estatística Foram empregadas as provas do Qui Quadrado e Mann-Whitney. Aceitou-se como nível de significância o valor correspondente a 0,05. RESULTADOS A distribuição dos membros em cada grupo conforme a pontuação, consta da tabela 3. GRUPO I 11 ITENS Varizes Dor elou desconforto Edema Hipercromia Hipodermite Edema Úlcera TOTAL PONTOS N2 DE MEMBROS 0/0 1a 4 5a 8 9 a 16 47 30 19 96 49,3 31,3 19,7 100,0 TOTAL X' = 24,584 1 1 2 2 3 3 4 16 Tabela 2: Pontuação estabelecida aos itens valorizados no exame do sistema venoso Desta forma cada membro recebeu uma pontuação de 1 a 16. Na tabela de Browse constam, além dos itens usados por nós, a claudicação venosa e a queixa de câimbra. O eczema venoso, que não consta da tabela de Browse, foi incluído na nossa tabela. Para a realização do exame Doppler utilizamos um aparelho portátil com um transdutor de 5 MHz. Foram analisadas ao Doppler as veias femoral comum, femoral superficial, poplítea, tibial posterior, e quando foi possível a safena interna, em cada membro. Em todas as veias examinadas foi realizada uma análise do fluxo espontâneo, quando presente. Foram observadas também as respostas à manobras dinâmicas. Em posição ortostática foi feita a pesquisa de refluxo ao nível do segmento fêmoro-poplíteo. O sinal foi avaliado em cada uma das fossas poplíteas, com o paciente apoiando o peso do corpo no membro contralateral e fletindo ligeiramente o joelho do membro examinado. Foi detectado inicialmente o fluxo na artéria poplítea e realizada compressão manual ao nível da panturrilha para provocar o fluxo da veia poplítea e verificar se havia refluxo ao se aliviar a compressão. Nos membros em que o refluxo foi observado, a manobra de compressão foi repetida pondose um garrote logo abaixo do ponto de pesquisa do sinal, a fim de excluir o sistema superficial e de ter certeza que o refluxo era realmente conseqüente a insuficiência valvular fêmoro-poplítea. Após o exame clínico foram estabelecidos quatro grupos, conforme a pontuação obtida. No grupo I os membros que ao exame clínico obtiveram pontuação entre 1 e 4. No grupo 11 os membros com pontuação entre 5 e 8 e no grupo III os que obtiveram entre 9 e 16 pontos. 12 111 PONTUAÇÃO p <0,01 Tabela 3: Número de membros em cada grupo de pontuação Quatorze pacientes (28%) apresentaram lesão do sistema venoso profundo (obstrução ou refluxo) ao Doppler. Em quatro pacientes a lesão foi observada no membro inferior direito, em sete no membro inferior esquerdo. Três pacientes apresentaram lesões bilaterais. Houve portanto 17 membros com lesão do sistema venoso profundo, constituindo 17,7% dos 96 membros com varizes e/ou insuficiência venosa crônica. Setenta e nove membros (82,3%) apresentaram um exame Doppler normal. Qu.a nto ao tipo de lesão houve oito membros que apresentaram lesão do tipo obstrutivo e nove apresentaram refluxo. Em cinco dos membros com refluxo foi observada uma assimetria do fluxo nas veias femorais comuns, testemunhando uma recanalização incompleta ou o desenvolvimento de circulação colateral. A média com o desvio padrão da pontuação fornecida através da avaliação clínica dos membros que apresentaram obstrução foi de 4,50 e 3,99 respectivamente. Nos membros com refluxo os valores foram: x = 8,44 e s = 4,55. Pela prova U de Mann-Whitney U = 9,5 p < 0,05 . Isto é, a pontuação média destes dois grupos de membros é diferente, a média dos com refluxo é mais alta. Se compararmos os membros com refluxo e os que apresentam um Doppler normal, pela mesma prova estatística constataremos que os membros com refluxo apresentam uma média mais alta. As médias com desvio padrão dos membros normais, com obstrução e com refluxo, figuram na tabela 4. DOPPLER Normal Obstrução Refluxo NQ DE MEMBROS M DA Pj)NTUAÇAO DESVlO PADRAO 79 08 09 5,23 4,50 8,44 3,94 3,39 4.35 Tabela 4: Média e desvio padrão da pontuação dos membros normais e com lesão ao doppler CIR. VASC. ANG .6( I): I LI 4,1990 Rosa Elizabeth Menezes e cal. Varizes e sistema venoso profundo Ao observar a distribuição dos membros nos grupos, conforme o tipo de lesão, vamos verificar que a maioria dos que apresentaram obstrução se encontram no grupo I e que os membros com refluxo estão em sua maior parte nos grupos 11 e m. Na tabela 5 consta o número de membros com cada tipo de lesão em cada grupo. GRÚPO I " IIJ Total OBSTRUÇÃO 0"7 O] 08 Gl = 8,3 REFLUXO 01 04 04 09 p < 0,05 Tabela 5: Distribuição dos membros com cada tipo de lesão ao doppler nos grupos I, " e 111 . DISCUSSÃO J t O diagnóstico precoce de lesão do sistema venoso profundo é de importância para orientar a conduta terapêutica no sentido de prevenir as complicações decorrentes da insuficiência venosa crônica 2, 14, que ocorre com freqüência nos portadores de varizes associadas a uma lesão do sistema venoso profundo 13. Estas complicações também podem ocorrer sendo que mais raramente, associadas ás vanzes essenCiaIs. Quatorze dos 50 pacientes por nós estudados, apresentaram exame com Doppler indicativo de lesão do sistema venoso profundo. Barnes 3 estudou 21 membros através do Doppler ultra-som e da pletismografia, de 14 pacientes com varizes. Ele evidenciou lesão do sistema profundo em 12 membros. Ao analisar os nossos 14 pacientes que apresentaram um Doppler positivo para lesão do sistema venoso profundo, verificamos que três deles apresentaram lesões bilaterais. Tivemos portanto um Doppler anormal em 17,7 % dos 96 membros. Na trombose venosa profunda, a obstrução dos principais troncos ge:ralmente persiste por alguns meses. Na maioria dos casos ocorre repermeabilização dentro de seis a 18 meses. A persistência da obstrução pode ser compensada pelo desenvolvimento de colaterais, acarretando desta forma pouco ou nenhum sintoma. Neste trabalho tivemos oito membros com lesão obstrutiva ao Doppler e esta lesão não se associou a um quadro clínico mais grave na maioria dos casos. A média da pontuação dos oito membros que apresentaram obstrução foi de 4,50 pontos. Inferior, portanto, á pontuação média dos membros que apresentaram um Doppler normal a qual foi de 5,23 pontos. O refluxo ao nível dos principais troncos profundos ocorre em fase mais tardia, em conseqüência da destruição valvular que é secundária à recanalização da trombose. O refluxo se acompanha mais freqüentemente da insuficiência venosa crônica. No nosso material nove membros apresentaram refluxo. A presença do refluxo se acompanhou em oito casos de insuficiência venosa crônica. O exame clínico destes CIR. VASC. ANG.6( 1): 11.14.1990 membros com refluxo objetivou uma pontuação superior a quatro em oito membros e cinco destes oito membros apresentaram uma pontuação superior a oito. A média da pontuação dos membros com refluxo ao Doppler foi 8,2, portanto bem superior á pontuação média dos membros que apresentaram um Doppler normal, a qual foi de 5,2 pontos. A análise estatística mostrou que ao se considerar em conjunto os membros que apresentaram lesão ao Doppler (obstrução ou refluxo), não houve relação entre lesão ao Doppler e quadro mais grave. Entretanto, ao considerar apenas o refluxo, observa-se que o mesmo se relacionou mais com quadros de insuficiência venosa crônica que os membros com um sistema venoso profundo normal. Os nossos resultados concordam com a literatura. Em geral é atribuído ao refluxo uma contribuição mais importante na gravidade da síndrome pós-flebítica 1.11. Dentre as considerações a respeito da importância do Doppler na avaliação dos portadores de varizes e de insuficiência venosa crônica, destacamos que o Doppler ultrasom possibilitou o diagnóstico de lesão do sistema venoso profundo em 17 membros. No grupo I houve uma maior concentração de membros com lesão ao Doppler (oito membros), porém sete destes membros apresentavam lesão obstrutiva, a qual é mais precoce e muitas vezes se acompanha de quadros apenas discretos de insuficiência venosa crônica. No grupo 11 tivemos quatro membros com refluxo. Neste grupo estavam os membros que já apresentavam sinais de insuficiência venosa crônica. É neste grupo, assim como no grupo I, onde o diagnóstico de lesão do sistema venoso profundo é da maior importância no sentido de orientar o tratamento, prevenindo as complicações mais graves. No grupo 1lI tivemos uma incidência de 26,3% de exame Doppler positivo. Neste grupo, esperávamos uma freqüência maior de lesão do sistema venoso profundo. HOê:lre IO , encontrou 25% de membros com úlcera sem lesão do sistema venoso profundo, e Cranle y 8, citado por Maffei I2 , relam que em sua experiência, 25% das úlceras se devem ás varizes essenciais. É importante ressaltar que em nosso grupo 111 não havia apenas membros com úlcera, mas todos apresentavam sinais marcantes de insuficiência venosa crônica. I - O exame do sistema venoso profundo através do Doppler ultra-som mostrou a presença de lesão em 28%. servada em nosso material, explica-se pelo fato de que as varizes essenciais também podem descompensar, ocasionando a insuficiência venosa crônica. As condições sócioeconômicas dos nossos pacientes certamente contribuíram para este tipo de evolução. CONCLUSÕES I - O exame do sistema venoso profundo através do Doppler ultra-som mostrou a presença de lesão em 28%. 2 - A obstrução venosa foi obse .. vada em 8,33% dos membros e não esteve associada com um quadro clínico mais grave; 3 - O refluxo foi observado em 9,37% dos membros e mostrou-se associado á presença de complicações clínicas das varizes. 13 Rosa Elizabeth Menezes e col. Varizes e sistema venoso profundo SUMMARY ASSESSMENT OF PA TlENTS WITH VARICES ANO CHRONIC VENOUS INSUFFICIENCY USING DOPPLER UL TRA SOUND. We assessed 50 patients with varices and chronic venous insufficiency, both clinical/y and using Doppler Ultrasound at Pernambuco Federal University Hospital and Pernambuco State Employess' Hospital, during the period of may to august in 1987. Doppler ultrasound demonstrated a lesion in the deep venous system of 28 % of the patients. Obstruction of the main venous system was not associated with a more severe clinicai picture. Femoral-popliteal reflux, however, was associated with an increased frequency of complications involving varices. UNITERMS: Varices, Venous insufficiency, Doppler Ultrasound 4 5 6 7 8 9 10 Ii REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 12 BARNES RW, COLLICOTT PE, SUMNER DS, STRANDNESS, DE Jr - Noninvasive quantitation of ve· nous hemodynamics in the postphlebitic syndrome. 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