O QUE SE VIVE ... O QUE SE SENTE ! ... 1 - No sector dos registos e do notariado vivem-se momentos de grande preocupação, de tensão silenciosa e silenciada. Sendo a estabilidade, bem absolutamente essencial ao regular funcionamento dos serviços da administração, por evidentes reflexos na qualidade do serviço prestado, será importante solver e clarificar os problemas com que se debatem os serviços dos registos, hoje dependentes do recém-criado Instituto dos Registos e do Notariado. A linguagem do silêncio, caminho adoptado pela maioria dos profissionais que laboram nos serviços dos registos e do notariado, constitui para nós sinal revelador da evidente preocupação e tensão que se vive. Quando os média deste País, na sua maioria, se limitam a apontar os defeitos da nossa administração pública, onde quase todos os dias se anunciam decisões, e se conjectura sobre essas mesmas decisões, omitindo-se o essencial, não se tornando claro o caminho, o rumo, se é que existe, teremos de dizer que está criado o clima propício à destabilização. Será muito mais fácil, perante uma administração pública enfraquecida, impor o quer que seja, sendo mesmo muito mais fácil, por este caminho, reduzir o núcleo essencial dos direitos dos agentes da administração. Exigiam-se, efectivamente, reformas no sector administrativo do Estado, como há muito e repetidamente temos revelado. Cremos, no entanto, que o modus fasciendi, primando não pela inclusão, terá consequências profundamente negativas na realidade que se pretende modificar. Injustamente diaboliza-se toda a administração pública. Mas o que ninguém revela, e que é evidente, é a falta de qualidade, a falta de eficácia e eficiência de muitos serviços do sector privado, nomeadamente dos serviços de algumas instituições bancárias, algumas delas, hoje transformadas em autenticas agências imobiliárias. E não será preciso ter “olhos de lince”, pois o tempo que se perde e o modo como são atendidos os cidadãos em muitas dessas instituições não é comparável sequer com muitos dos nossos serviços públicos. 2 - Como diz Fernando Paulouro das Neves, in Jornal do Fundão «o direito ao pensamento e a sua formulação pública, funde-se na própria dignidade da vida». E dizemos isto porque há questões complexas, algumas mesmo profissionalmente graves, outras relacionadas com a capacidade e qualidade dos nossos serviços, que por evidente responsabilidade profissional e cívica, os oficiais do registo e os conservadores deveriam questionar, já que, estranhamente, a própria ASCR e os sindicatos que se dizem representativos dos trabalhadores não se dignam abordar. Afinal, para que servem estas organizações? Será que existem apenas para cobrar as quotizações mensais aos seus associados? E estando legitimadas as direcções destas associações, porque não promovem um amplo diálogo em torno dos reais problemas com que os serviços se debatem? E podendo, eventualmente, promover acções de formação dos seus associados, como normalmente referem os seus estatutos, será que poderão substituir o Estado na urgente missão de propiciar formação necessária e adequada a todos os agentes da administração? Parece que tinha razão o pedagogo, o filósofo, pois parafraseando o saudoso Agostinho da Silva, preferimos assumir-nos apenas pelas semelhanças, quando era essencial afirmar-nos essencialmente pelas nossas diferenças. E enquanto a Santa Madre Igreja parece ter posto fim ao limbo, lugar destinado às criancinhas não baptizadas, a sociedade portuguesa, pelo contrário, mostra-se ou revela-se límbica para todos os que não pensam ou não agem muito igualzinho. Assim se anatematiza, se fulmina com a exclusão. A crítica, salvo raras excepções, emerge a mais das vezes daquela esperteza que todos nós conhecemos. Censura-se alguém, o ministro A, o secretário B, o deputado dum qualquer partido, o autarca, mas no fundo o que se inveja são sempre os maus exemplos. Como alguém com responsabilidades um dia disse, “ é assim a vida”. E cá vai andando o País, não como se dizia antigamente “cantando e rindo”, mas agora de gemido em gemido, de lamento em lamento. 3 - Os problemas nos serviços administrativos do Estado, e em especial no sector dos registos e do notariado, têm história longa. O caminho por onde se caminha, que se tem acentuado em centralismo exacerbado, apenas tem contribuído para tornar a realidade dos serviços dos registos muito mais complexa. A actividade desenvolvida nos nossos serviços, embora, tecnologicamente, tenha tido alguns avanços, revela-se hoje, no entanto, além de insegura, muito mais burocratizante. O arranjo ou a necessidade de aquisição de coisas simples nos serviços, exigindo a intervenção de um director de serviços, ou de um outro qualquer responsável dos serviços centrais, torna a vida em muitos deles mais complexa. Sendo as conservatórias dirigidas por conservadores, pela formação adquirida, e pelo estatuto que têm ou deveriam ter, não se compreende muito bem porque não é reforçada a sua responsabilidade. Afinal, para que servem estes profissionais? Apenas para assinarem registos? Ou para os responsabilizarem por problemas que estão fora do seu controlo? E como será possível laborar com seriedade, e num serviço onde é essencial a concentração e reflexão, se constantemente os oficiais e o próprio conservador são telefonicamente interpelados pelos cidadãos utentes do serviço, aos quais todos temos o dever de responder até ao fecho do serviço? E como foi possível optar por uma aplicação informática (SIRP), que não deixando de ter algumas soluções positivas a nível dos procedimentos contabilísticos, constituiu genericamente um entrave sério ao desenrolar normal do serviço? Com alguns dos nossos serviços assoberbados de trabalho e problemas, é de realçar o elevado profissionalismo de oficiais dos registos e conservadores, que, com evidente prejuízo, da vida pessoal e familiar, trabalham, muitas vezes, muito para além do que é normal. E não sendo possível a reflexão durante a jornada normal de trabalhos, muitos dos problemas terão de ser reflectidos e decididos, mesmo durante os próprios fins-de-semana. Não será de todo compreensível, sendo mesmo injustificável, a agressividade de que são alvo muitos dos nossos serviços públicos. Os momentos que se vivem são assim de intranquilidade, de insegurança, fruto da apelação neoliberal, que vê e elege os serviços públicos como inimigos do cidadão e da própria sociedade. As palavras não são nossas, pois como refere Batista Bastos: «Há trinta e três anos alimentamos um sonho buliçoso, sentimental, ocasional e frágil. O despertar desfez a fábula de que as coisas devem pertencer a quem as ama. Talvez sejamos culpados porque não soubemos defender com paixão o que, apaixonadamente, desejávamos nos pertencesse.» Não soubemos, assim, transformar Abril em acção e missão de cumprimento. Setúbal, 27 de Maio de 2007. J.C.P. Alves