Service Design e a Realidade Brasileira Falar sobre a necessidade de melhorar a qualidade dos serviços e em particular do atendimento no Brasil é chover no molhado. As pesquisas e os órgãos de defesa do consumidor confirmam o que todo cidadão comum sabe: nossos serviços são irritantemente ineficientes. Nesse cenário, o incentivo à prática do Design de Serviços parece ser absolutamente bem-vinda. Antes de tratar de como difundir o Design de Serviços no Brasil, nos parece fundamental discutir porque a qualidade dos nossos serviços é tão errática. Existem inúmeras razões estruturais exaustivamente mencionadas na literatura e na impressa. Porém, há uma razão fundamental e pouco explorada que explica muitas facetas da baixa qualidade dos serviços: somos brasileiros. Isso significa dizer que temos uma formação cultural única, complexa, cheia de virtudes e defeitos e que não pode ser ignorada. Quem somos? O nosso caráter gregário, caloroso, diverso e otimista poderia nos colocar em uma posição única como bons prestadores de serviços. E por que não usamos esses traços de caráter a nosso favor? Nós temos uma opinião sobre esse assunto. Isso ocorre porque não consideramos nosso DNA cultural no centro do planejamento e desenho dos nossos serviços. Acreditamos haver, pelo menos, 5 traços fundamentais do DNA verde e amarelo que impactam diretamente nossa maneira de atender clientes. 1. Somos cordiais Somos o povo da abreviação e do diminutivo. Aqui Luciana é Lu, Eduardo é Edu e toda Carmem vira Carminha. Temos necessidade de tornar familiar e íntimo qualquer indivíduo. Usamos o humor para aproximar. Assim nos ensinou Sergio Buarque de Holanda, que também chama atenção para o fato de que a nossa cordialidade rapidamente vira uma muleta social, uma desculpa para o desrespeito às regras e um escudo contra nossas ineficiências. Ele chega a apontar a bajulação como nossa maior arma contra a incompetência. Não é difícil imaginar como esse traço central de caráter se manifesta positiva e negativamente no exercício do atendimento ao cliente. Por um lado, nosso jeito cordial humaniza as relações profissionais. No entanto, esse mesmo traço nos impede, por exemplo, de avaliar e cobrar objetivamente a qualidade dos serviços recebidos. Afinal, quem não se constrange de reclamar do erro daquela atendente que nos chamou de querido e ainda contou como acabou a novela ontem com um genuíno sorriso no rosto? 2. Somos todos coronéis No Brasil é uma ousadia contrariar os desejos do cliente, mesmo quando atendelos implica desrespeitar a regra ou a ordem coletiva. Quem nunca presenciou a madame explicando para atendente que a ela, e somente a ela, cabe certa margem de tolerância em qualquer consulta ou hora marcada? Da mesma forma, é dado que o cliente importante não precisa escolher seu prato antes de chamar o garçom. Ao contrário, o garçom deve contemplar de pé e submisso enquanto o cliente lê todo o cardápio sem pressa. Roberto da Matta explicita nosso coronelismo crônico manifesto na frase “Você sabe com quem está falando?”. Assim são nossos clientes: superiores e sempre merecedores de privilégios Assim, não é difícil imaginar como essa subversão da ordem e da regra em nome dos mandantes gera graves rupturas dos processos, quebra do fluxo de atendimento e por conseqüência, ineficiência geral dos sistemas. 3. Temos muita calma e pouco foco Um dos personagens mais emblemáticos e representativos da cultura brasileira é Macunaíma, personagem que “logo que nasce já manifesta uma de suas características mais fortes: a preguiça”. Certamente é uma generalização exagerada dizer que somos preguiçosos. Mas sem dúvida nos falta senso de urgência e agilidade. Talvez o traço que nos aproxima mais ainda do personagem de Mário de Andrade é o nosso crônico déficit de atenção e nossa sistemática falta de foco. É impossível não notar quantas vezes somos obrigados a repetir pedidos a pessoas que claramente não se atentam a detalhes. Da mesma maneira, é difícil não observar quão frequentemente o foco que deveria ser dado ao cliente é desviado para conversas paralelas e brincadeiras entre colegas de trabalho. 4. Somos criativos Gilberto Freyre defende que “nossa criatividade tem raízes profundas em nossa formação miscigenada e diversa, o que nos ensinou a agir com improvisação e flexibilidade diante de tamanha complexidade”. Esse traço poderia representar uma grande vantagem para o nosso povo, não fosse o fato que o utilizamos para re-criar, interpretar e dar um toque pessoal à qualquer regra, lei ou procedimento que nos é imposto. Assim, damos folga para as leis aos finais de semana. Estacionar em local proibido? Aos sábados pode. Meia entrada para maiores de 60 anos? Claro que vale para quem tem 59, afinal, se trata de um pequeno arredondamento. 5. Temos muita fé Quem há de negar que Jesus Cristo, Moisés, Alá, Olorun, entre outros estão em na folha de pagamento e trabalham em tempo integral para o Brasil? Assim,não há planejamento que possa competir com esse pelotão de divindades. Deixamos detalhes ao acaso, temos aversão ao planejamento e o excesso de detalhes nos parece entediante. No entanto, todos sabemos que a excelência em serviços é justamente consequência de minucioso planejamento, nunca obra do acaso. Assim, a maneira como projetamos a forma de atender clientes hoje nos coloca em posição extremamente frágil. A falta de reconhecimento e de ação sobre nossos defeitos e virtudes pode levar, conforme exemplificado, a uma série de erros e problemas de qualidade nos serviços. A prática do Design de Serviços prega justamente o desenho profundo e detalhado de cada ponto de contato de forma altamente centrada nas características de quem vai consumi-lo: ou seja nós brasileiros. Então, fica a pergunta: será que a difusão do Design de Serviços não seria potencialmente uma resposta a muitas das questões apontadas acima? Nós, particularmente, acreditamos que sim! Jorge Kodja – Consultor Associado Eduardo Schubert – Sócio Diretor SAX – Customer Experience Specialists