Orientando pesquisadores
MÉTRICA DO DINHEIRO
Diferença entre a vida acadêmica na universidade brasileira e na universidade
norte-americana
Professores, pesquisadores e estudantes brasileiros frequentemente me
perguntam sobre as diferenças entre a vida acadêmica em uma universidade
norte-americana e brasileira. Apesar de nunca haver trabalhado profissionalmente
em uma universidade brasileira, eu tenho colaborado com professores e
estudantes brasileiros desde o início da minha carreira.
Nos Estados Unidos, minha principal experiência é com a Duke University, mas
também trabalhei em colaboração com professores em várias outras instituições. O
texto abaixo resume minha visão sobre as principais diferenças:
1. Uma moeda única
No Brasil, as métricas para avaliação de produtividade acadêmica são variadas,
envolvendo conceitos como colaborações internacionais, número de alunos
orientados para mestrado ou doutorado, atividades educacionais, interface com
indústria, atividades acadêmicas administrativas, entre outros. Nisso, o Brasil
segue uma linha que é comum em vários países na Ásia e na Europa. Nos EUA,
apesar de universidades diferentes apresentarem métricas institucionais
diferentes, na prática a métrica se reduz a uma única coisa: Trazer recursos
financeiros para a sua pesquisa dentro da instituição. Uma segunda métrica
relacionada à primeira é a geração de publicações originais em revistas de alto
impacto. Apesar de uma série de tentativas de valorização de outras métricas, e
todo um discurso retórico institucional, na prática todo o restante é secundário.
Por exemplo, no setor de pesquisa biomédica, atividades clínicas são consideradas
uma importante fonte de renda e professores são fortemente encorajados a manter
os seus volumes de pacientes tão ocupados quanto possível. Mas em termos de
reconhecimento acadêmico o trabalho clínico é quase irrelevante. Orientar
estudantes de pós-graduação é considerado bom, desde que essa orientação seja
financiada por alguma agência de financiamento externa. Ao contrário, essa
atividade será vista como um item de despesa no orçamento. Mesmo os artigos
originais que possam representar contribuições para o campo podem ser
considerados secundários se não forem apoiados por financiamento externo. E por
último: um financiamento que venha de uma instituição de prestígio como o
National Institutes of Health (NIH) é preferível a um financiamento via indústria.
No entanto, se o valor vindo da indústria for alto, ninguém irá reclamar, apesar de
que isso está mais e mais difícil com a crise da indústria farmacêutica mundial.
2. Professores são responsáveis por cobrir o seu próprio salário
Embora haja variações entre diferentes universidades, há duas categorias
principais de professores: Professores de pesquisa (Research Professors) e
Professores em um tenure-track. Professores de pesquisa são responsáveis por
cobrir os seus salários por meio de financiamento de pesquisa. Caso não consigam
cobrir pelo menos uma boa parte do seu salário, eles são demitidos. Ao contrário
dos professores de pesquisa, outros professores que tenham um maior potencial
começam suas carreiras com um tenure-track. Nessa categoria, depois de algo em
torno de oito a dez anos, eles são avaliados e nesse momento ou são promovidos
para uma posição de tenure ou são "convidados a sair". Os que receberem a tenure
não podem mais ser mandados embora a não ser em casos extremos, como por
exemplo: quando for comprovada fraude científica ou no caso de haver um
relacionamento amoroso com um estudante.
3. Mérito e política
Em contraste com muitos países na América Latina, Europa e Ásia, promoções e até
mesmo ser contratado como professor é uma questão primariamente de mérito e
bem menos de política. Obviamente, egos, alianças políticas e contar vantagem
podem ajudar, mas esses fatores geralmente não se sustentam em longo prazo a
não ser que o professor consiga atingir a métrica central: trazer financiamento
para a universidade.
4. Atividades de empreendedorismo
A criação de empresas por professores, as assim chamadas startups, é uma
tendência crescente nos EUA. E por boas razões: com o crescimento do sistema de
pesquisa no país, a capacidade do governo para financiá-lo é limitada, havendo
uma necessidade urgente de integrar a produtividade acadêmica com necessidades
reais da sociedade. Apesar de toda uma retórica de apoio ao empreendedorismo, a
universidade é uma organização muito grande e geralmente lenta, onde os hábitos
antigos persistem por um tempo prolongado. Isso significa que apesar de todo um
discurso pró-empreendedorismo a moeda única ainda prevalece: Aquisição de
financiamento é considerada imensamente mais importante do que a criação de
empresas. Como as atividades empresariais não são um método particularmente
eficaz para atrair financiamento, na maioria dos casos, há muito mais conversa do
que ação em relação a realmente promover a criação de startups, apesar de que
existem instituições que fogem a essa regra e provem ambientes realmente
fecundos.
5. Cérebros, egos e orientadores
Nas melhores universidades americanas, a fama dos professores normalmente se
conecta com a realidade, o que quer dizer que você se vê circundado por pessoas
realmente inteligentes, gerando ideias excelentes. Obviamente, esses grandes
cérebros são, muito frequentemente, mas não necessariamente, acompanhados de
egos que superam em muito o tamanho dos cérebros. Ou seja, se você tem as
habilidades políticas para lidar com esses egos, a possibilidade de sucesso é
grande. Mas sempre, apesar de manobras políticas ajudarem, a moeda única de
atração de financiamento predomina, e sem ela a política sozinha não vai levar a
lugar algum. Em relação a orientadores, existem bons e maus orientadores.
Algumas pessoas simplesmente tem sorte e conseguem encontrar um verdadeiro
orientador que vá guiá-lo. Eu tive essa sorte. Tendo dito isso, os orientandos
absolutamente não devem esperar que os seus orientadores lhes digam tudo o que
deve ser feito. A iniciativa é essencial, assim como a capacidade de trabalho sem
esperar que o seu orientador vá monitorá-lo. A expectativa e que todos os que
estejam trabalhando sejam profissionais maduros e com responsabilidade. Outros
têm menos sorte vão cair com alguém que não se vê como um verdadeiro
orientador.
escrito por Ricardo Pietrobon
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