REDE DE ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL: CONSIDERAÇÕES SOBRE AS PUBLICAÇÕES NESTE CAMPO Ana Carolina de Ramos Castelhano Fuentes1, Iara Monteiro Smeke de Miranda2 Maria Luisa Gazabim Simões Ballarin3 1 Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Centro de Ciências da Vida, Faculdade de Terapia Ocupacional. Bolsista do Fundo de Apoio à Iniciação Científica, FAPIC-Reitoria [email protected] 2 Bolsista do Fundo de Apoio à Iniciação Científica, FAPIC-Reitoria. [email protected] 3 Orientador, [email protected] RESUMO Este trabalho tem por objetivo identificar as principais características das publicações científicas relacionadas à rede de serviços de saúde mental, considerando-se os trabalhos publicados entre os anos de 1997 a 2008. Caracteriza-se como um estudo bibliográfico, descritivo e de natureza quanti-qualitativa. Para seu desenvolvimento, realizou-se consulta às bases de dados LILACS e SciELO. A análise dos dados revelou que há um predomínio de trabalhos publicados em periódicos científicos em detrimento de trabalhos acadêmicos, assim como uma prevalência de estudos que empregam metodologias qualitativas. Constatouse que as publicações abordam temáticas diversificadas que incluem analise teórica, avaliação de serviços substitutivos, relatos de experiências nos diferentes dispositivos que compõem a rede de atenção à saúde mental, bem como estudos sócio-antropológicos. Observou-se, ainda, que as publicações enfatizaram a desconstrução de práticas assistências tradicionais, a reorganização da atenção com base na assistência comunitária e territorial, a existência de convergência entre a Reforma Psiquiátrica e a Reforma Sanitária Brasileira, sendo a noção de rede fundamental, em ambos. Palavras-Chave: Saúde Mental, Revisão, Serviços de Saúde Mental Área do Conhecimento: Ciências da Saúde – Fisioterapia e Terapia Ocupacional Introdução O interesse em identificar as principais características da produção de conhecimento relacionada à rede de atenção à saúde mental justifica-se à medida que, a noção de rede permeia a estruturação das políticas de saúde mental e pressupõe a existência de diferentes serviços de assistência. Estes podem ser descritos como os Centros de Atenção Psicossocial - CAPS, Serviços Residenciais Terapêuticos - SRT, Centros de Convivência, Ambulatórios de Saúde Mental, leitos em Enfermarias de Psiquiatria em Hospitais Gerais, Oficinas de Geração de Renda, entre outros dispositivos assistenciais. A estruturação e implantação desses serviços evidenciam, por um lado, os inúmeros avanços decorrentes do processo da Reforma Psiquiátrica e, por outro, a presença constante de desafios que se apresentam tanto no campo teórico, como no campo prático, neste novo cenário que se configura. Além disso, a revisão bibliográfica detalhada revelou a existência de diferentes perspectivas conceituais para a compreensão das redes de saúde. Assim é a noção de rede vem sendo utilizada em diferentes campos de conhecimento, informática, matemática, física, sociologia, antropologia, psicologia, medicina, biologia, entre outros. Portanto, faz-se necessário salientar que a noção de rede varia de acordo com o referencial teórico e os instrumentais analíticos empregados em cada uma dessas áreas (BALLARIN; CARVALHO, 2007). Do ponto de vista histórico, a ideia de “rede de atenção à saúde mental” ganha maior consistência e visibilidade a partir de meados da década de 1980 (AMARANTE, 1995) e as discussões que se relacionam a estruturação de uma rede de atenção estão associadas ao conceito de integralidade e de integração de serviços. Um dos acontecimentos importantes para a consolidação da Reforma Psiquiátrica Brasileira foi a III Conferência Nacional de Saúde Mental, realizada em 2001 (BRASIL, 2001), que além de favorecer o protagonismo dos usuários na construção de uma rede de atenção à saúde mental, estabelece que os cuidados oferecidos às pessoas com transtornos mentais sejam territoriais, articulados e comunitários. Há, portanto, neste novo cenário, uma convergência XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 1 dos princípios da Reforma Psiquiátrica com os da Reforma Sanitária. Em síntese, ao se adotar os princípios do Sistema Único de Saúde – SUS, articulando-os à saúde mental, há que se entender a importância de aspectos como: atenção básica, território, acolhimento, vínculo, responsabilização, integralidade, equidade, reabilitação psicossocial, intersetorialidade, desinstitucionalização e participação da comunidade. A revisão bibliográfica preliminar evidenciou que vários foram os municípios brasileiros que se mobilizaram e se envolveram no processo de construção de uma rede de atenção à saúde mental, com vistas à construção de práticas assistências inovadoras, especialmente, a partir da década de 1990. Dentre eles destacam-se Santos e Campinas, ambos no estado de São Paulo. Rodrigues e Figueiredo (2003) salientam a importância de se analisar as práticas institucionais desenvolvidas no interior dos serviços de saúde mental. Para os autores, esta análise deve incluir a discussão de questões políticas, bem como, o conjunto das representações e as legislações e diretrizes dos órgãos governamentais. Carvalho et al. (2004) e Souza et al. (2004) evidenciam as inúmeras possibilidades de combinação e articulação entre os diversos serviços que configuram a rede de atenção em saúde mental. Tais serviços, dispositivos ou ações são comumente vistos como pontos da rede. Assim, este estudo tem por objetivo discorrer sobre as principais características das publicações científicas relacionadas à rede de serviços de saúde mental, considerando os últimos anos. Material e Métodos Caracteriza-se como uma pesquisa bibliográfica, descritiva e de natureza quantiqualitativa. O trabalho de investigação contemplou a consulta às bases de dados LILACS (Literatura Latino-americana en Ciencias de La Salud) e SciELO (Scientific Electronic Library Online), e utilizou-se como descritores os termos “redes de serviços de saúde mental”, “articulação da rede de serviços de saúde” e “concepção de rede em saúde”. Tais bases de dados incluem informações que abrangem tanto publicações em periódicos, como documentos oficiais, livros e trabalhos acadêmicos. A amostra dos trabalhos publicados limitou-se ao período compreendido entre os anos de 1997 a 2008. Procedeu-se, inicialmente, a leitura dos resumos das publicações levantadas nas bases de dados consultadas e, em seguida, elaborou-se um banco de dados, com o objetivo de facilitar a análise do material coletado, buscando-se destacar aspectos como o ano da publicação, o tipo, a fonte, o periódico em que foi publicado e a temática abordada na publicação. Documentos oficiais e publicações relevantes que não constavam nas bases de dados consultadas, também, foram utilizados para se efetivar a análise quantitativa dos dados. Observou-se a duplicação de publicações nas duas bases de dados, bem como artigos que não apresentavam relação com o tema estudado, de modo que, a amostra final contemplou 78 publicações. Seguindo-se a perspectiva de análise temática e processual, procedeu-se a leitura por amostragem na íntegra de alguns artigos. Em seguida, buscou-se identificar os eixos temáticos relacionados aos objetivos da investigação aferindo seus núcleos de sentido. Resultados A análise dos dados evidenciou que das 78 publicações, 63% relacionava-se a artigos publicados em periódicos, 2,5% a documentos oficiais e 34,5% a trabalhos acadêmicos, estes últimos, caracterizados como dissertação de mestrado e tese de doutorado. Compreendiam ainda publicações em português, inglês e espanhol. Além disso, verificou-se um aumento significativo do número de publicações do primeiro quadriênio (1997-200) do período estudado, 11 publicações em periódicos, com os do terceiro quadriênio (2005-2008) que contemplou 23 publicações em periódicos. O estudo de Passos (2003) que analisa a produção nacional de conhecimento no campo da saúde mental, no período de 1980 a 1996, ao efetivar um mapeamento da ocorrência e importância e evolução da investigação científica neste novo campo de práticas e discursos, identifica evolução da produção científica sobre a Reforma Psiquiátrica no Brasil. Dentre as principais revistas identificadas na amostra, destacam-se as revistas: LatinoAmericana de Enfermagem, Saúde Pública, Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, Texto e Contexto, Saúde Coletiva e Brasileira de Enfermagem, entre outras. Destacam-se também revistas que não são da área de saúde propriamente dita, como as revistas de Direito Sanitário e de Administração Pública. Do total de publicações observou-se predominância de trabalhos cuja origem relacionase região sudeste, de acordo com a tabela 1. XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 2 Tabela 1: Número de publicações por região Região de Publicação Número Sudeste 57 Nordeste 8 Sul 5 Centro-Oeste 4 Outros países 4 Total 78 Ainda em relação aos trabalhos acadêmicos – dissertações de mestrado e teses de doutorado foi possível constatar, uma maior concentração de produção de trabalhos vinculadas as instituições de Ensino do eixo São Paulo - Rio de Janeiro, de acordo com tabela 2. Tabela 2: Instituições de trabalhos acadêmicos Local USP [1] ENSP [2] UERJ [3] CPAM [4] UNIFESP [5] UNC [6] Total Número 11 9 3 2 1 1 27 % 41 33 11 7 4 4 100 Nota: [1] Universidade de São Paulo, [2] Escola Nacional de Saúde Pública, [3] Universidade Estadual do Rio de Janeiro, [4] Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, [5] Universidade Federal de São Paulo, [6] Universidad Nacional de Córdoba Quanto às metodologias empregadas nos trabalhos analisados observou-se predomínio de estudos de natureza qualitativa (85%), seguidos dos quanti-qualitativo (12%) e quantitativo (3%), de acordo com a tabela 3. Tabela 3: natureza das metodologias empregadas nos estudos Metodologia N % Qualitativa 66 85 Quali-quantitativa 9 12 Quantitativo 2 3 Outros* 1 Total 78 100 * Um texto sem possibilidade de identificação. Foi possível constatar que as publicações fundamentavam-se em abordagens teóricas pertinentes à fenomenologia, hermenêutica, dialética, etnografia, etnopsicologia, antropologia, epidemiologia, entre outras. A utilização de entrevistas semi-estruturadas com profissionais, usuários dos serviços e familiares, bem como os dados documentais e bibliográficos foram os principais instrumentos de coleta de dados. Em relação ao conteúdo temático observou-se que as publicações abordaram questões diversificadas que incluíam análise teórica, avaliação de serviços substitutivos, relatos de experiências nos diferentes dispositivos que compõem a rede de atenção à saúde mental, bem como estudos sócio-antropológicos. Observou-se, ainda, que as publicações enfatizaram a desconstrução de práticas assistências tradicionais, a reorganização da atenção com base na assistência comunitária e territorial, a reabilitação psicossocial, a existência de convergência entre a Reforma Psiquiátrica e a Reforma Sanitária Brasileira Discussão Quanto aos resultados identificados neste estudo relativos ao aumento de publicações em periódicos, pode-se dizer que corroboram com outros estudos como os de Passos (2003), Minayo (2007) e Barreto; Barata, 2008. Os principais veículos de publicação (revistas e periódicos) descritos também coincidem com os identificados por Passos (2003). Em relação à origem das instituições de ensino que produziram os trabalhos acadêmicos, os dados coincidem com os apresentados no estudo de Mari (2002), no qual, são apontados como os principais centros de produção científica na área médica, as instituições localizadas no estado de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia. O estudo ainda aponta que em relação à psiquiatria e à saúde mental, houve um crescimento importante da produção científica na comparação dos quinquênios (198119885) com (1996-2000). Ao se analisar o aspecto das metodologias utilizadas nas publicações, notou-se predominância de estudos com abordagem qualitativa. De acordo com Passos (2003), isso se deve as características do objeto de estudo que se revestem de uma ordem hermenêutica, remetendo a discussões teóricas, éticas, políticas ou estéticas, sendo assim passíveis de novas interpretações. Quanto aos achados desse trabalho, relativos à predominância de abordagens metodológicas qualitativa das publicações analisadas, coincidem com os dados do estudo de Benetti et al. (2007). Já em relação aos conteúdos temáticos identificados, constatou-se que tratavam de questões pertinentes a aspectos como: avaliação de serviços e da própria rede de atenção à saúde mental, avaliação dos serviços substitutivos de saúde mental, análise crítica da Reforma Psiquiátrica, reabilitação psicossocial e desinstitucionalização, experiências desenvolvidas XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 3 em diferentes dispositivos que compõem a rede de saúde mental, entre outros. A análise detalhada das publicações investigadas evidencia que o processo de substituição do hospital psiquiátrico por uma rede de atenção em saúde mental envolve inúmeros aspectos. Não se trata somente de um deslocamento dos serviços e do cuidado, ao contrário, segundo Amarante (1996), se trata sim, de uma mudança de paradigma. Tal mudança implica na superação de vários desafios e em especial, de acordo com Alves e Guljor (2004) o da própria articulação entre os serviços e ações de saúde mental, pois apesar da constituição de diferentes serviços ainda não se pode falar que a rede esta efetivamente articulada. Conclusão Considerando os objetivos deste trabalho, depreende-se que foi possível com o estudo proposto, traçar um panorama das principais características das publicações à rede de atenção à saúde mental. Neste sentido, evidenciou-se aumento no número de publicações, relevância na produção de conhecimento de instituições de ensino pertinentes ao campo da saúde situadas nas regiões Sudeste e Sul, respectivamente bem como, predominância de publicações decorrentes de pesquisas e estudos de natureza qualitativa. As publicações revelam que a noção de rede em saúde mental reveste-se de diversas acepções. Ao descreverem experiências de serviços ou problematizarem resultados de pesquisas teóricas e práticas apontam, de modo geral, para os avanços efetivados na constituição, implementação e consolidação de estratégias e serviços substitutivos ao modelo tradicional de assistência psiquiátrica e consequentemente, para a construção de uma atenção que enfatiza as inter-relações possibilitando a circulação, a troca de experiências, a colaboração e o aprendizado coletivo. Por outro lado, as publicações também revelam que apesar dos avanços apontados há inúmeros desafios a serem superados para que a rede de atenção à saúde metal seja realmente efetiva e possa de fato, consolidar os princípios do Sistema Único de Saúde – SUS de maneira a responder todas as demandas das pessoas envolvidas na construção desta rede, qual sejam, os profissionais que atuam no campo da saúde, os usuários dos serviços e seus familiares e comunidade. Referências - AMARANTE, P. D. C. (coord.) Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. Rio de janeiro: Fiocruz, 1995. - AMARANTE, P. D. C. O homem e a serpente: outras histórias para a loucura e a psiquiatria. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1996. - ALVES, D. S.; GULJOR, A. P. O cuidado em saúde mental. In: PINHEIRO, R.; MATTOS, R. A. de. (Org.). Cuidado: as fronteiras da integralidade. Rio de Janeiro: Hucitec: Abrasco, 2004. p. 221240. - BALLARIN, M. L. G. S; CARVALHO, F.B.. 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