PEDAGOGIA JURÍDICA: UMA INOVAÇÃO NECESSÁRIA Maria Cecilia Lorea Leite UFPel Palavra-chave: educação; 1. Introdução Este trabalho tem como objeto o ensino jurídico, propondo, como finalidade, a reflexão sobre novas formas de conhecer a realidade do Direito. Insere-se no campo da Pedagogia Jurídica. Embasa-se em tese de doutorado da autora, defendida em 2003, cujo tema foi as decisões pedagógicas e as inovações no ensino jurídico. A partir dos dados da pesquisa desenvolvida junto a um curso de graduação em Direito, em uma universidade pública do Rio Grande do Sul, foca as relações entre currículo, conhecimento e poder. Pretende que se examine o discurso jurídico como um discurso pedagógico e, nesta perspectiva, seja estudada sua Pedagogia e sua prática pedagógica. Assim, inicialmente apresenta a conceituação elaborada pela autora sobre a Pedagogia Jurídica e a concepção de prática pedagógica, com base em referencial bernsteiniano. A seguir, trata do discurso jurídico, identificando-o como um discurso pedagógico oficial. Posteriormente, analisa a articulação dos campos Pedagógico, Jurídico e Pedagógico do Ensino Jurídico e desenvolve uma reflexão a partir dos dados da pesquisa empírica realizada. Finalmente, a título de conclusão, argumenta que a Pedagogia Jurídica oficial não é adequada para a transmissão do conhecimento jurídico e apresenta proposta de uma nova Pedagogia no campo do Direito, com vistas à socialização do discurso jurídico. 2. Pedagogia Jurídica Inicialmente, considero o que compreendo por Pedagogia Jurídica. Trata-se do campo do conhecimento que estuda os processos de educação jurídica. Esta ocorre mediante o ensino e a aprendizagem dos princípios, das normas, dos institutos e dos procedimentos jurídicos de caráter oficial ou não, dos significados criados por seus conteúdos e aplicações, pelas formas de regulação produzidas, 2 mediante processos interativos desenvolvidos por pessoas e instituições em tempos e espaços determinados (LEITE, 2003, p. 14). Neste sentido, a Pedagogia Jurídica abrange duas grandes vertentes. A primeira envolve o estudo das teorias e dos processos de educação jurídica que informam e conformam uma pluralidade de diferentes normas as quais integram e constituem, de forma implícita ou explícita, o ordenamento jurídico de um Estado, sociedade ou grupo social. A segunda refere-se ao estudo das teorias e dos processos que embasam o Ensino Jurídico tal como se constitui e se desenvolve em cursos jurídicos em diferentes instituições, bem como em outras instâncias do poder do Estado, considerado como um todo ou no âmbito dos diferentes órgãos e níveis que o integram, ou em processos formais e/ou informais que se desenvolvem em outras organizações nos mais diversos grupos sociais. Como o ensino jurídico envolve o conhecimento jurídico normativo, é possível afirmar que esta vertente comporta uma dupla via de regulação (LEITE, 2003, p. 14). Inspirada em Bernstein (1998, p.35), assumo uma concepção ampla de prática pedagógica, que não se restringe à sala de aula, à escola ou à universidade. Assim, com base no autor mencionado, entendo-a como “um contexto social fundamental” por meio do qual se efetiva a “reprodução e produção culturais” A teoria bernsteiniana possibilita identificar “as práticas de organização, as práticas discursivas e de transmissão constitutivas de toda ação pedagógica, bem como mostrar o processo mediante o qual se produz uma aquisição seletiva” (Bernstein, 1998, p. 35). Neste sentido, considero primeiro os estudos do autor relativos à prática pedagógica, no que concerne à sua tipologia. Bernstein (1996, p.103-132) define e caracteriza dois tipos de prática pedagógica que denomina Pedagogia Visível e Pedagogia Invisível. Pedagogia Visível é considerada aquela “cuja estrutura subjacente se reveste de um caráter de visibilidade para o adquirente”. Suas regras de hierarquia e de seqüenciamento “são explícitas”, assim como os critérios, “explícitos e específicos, definidos pelo transmissor” (BERNSTEIN, 1988, p.155). Segundo Bernstein (1996, p.103), há várias formas ou modalidades de Pedagogia Visível, que acentuam, como característica comum entre elas, o desempenho do adquirente, o texto que o adquirente cria e o grau em que este texto preenche os critérios. 3 Bernstein (1998, p.155) considera como Pedagogia Invisível aquela cuja “estrutura subjacente” apresenta-se invisível para o adquirente, estando implícitas as regras de hierarquia e de seqüenciamento. Neste tipo de Pedagogia, os critérios de avaliação são implícitos, múltiplos e difusos, propiciando a idéia de que o adquirente seja fonte desses critérios. As regras discursivas são conhecidas somente pelo transmissor, fazendo com que esse tipo de prática pedagógica seja invisível para o adquirente. Assim, é possível afirmar que a Pedagogia Invisível está centrada nos procedimentos internos ao adquirente, a partir dos quais um determinado texto é elaborado e vivido. Nesta perspectiva esses procedimentos de aquisição são concebidos como compartilhados por todos os adquirentes, embora o texto efetivamente realizado por cada um gerará diferenças entre eles, as quais serão entendidas como decorrentes de suas singularidades (BERNSTEIN, 1996, p.104). A propósito, nesta perspectiva, reportando-se aos anos sessenta, Bernstein (1996, p.105) identifica, uma notável convergência produzida entre as principais disciplinas das ciências humanas, ou seja, Psicologia, Lingüística e Antropologia, a partir do conceito de competência, considerado central nas teorias estruturalistas de Piaget, Chomsky e Lévi Strauss. Com base nessas teorias, Bernstein (1996, p.105) observa que, no plano analítico, “a aquisição da competência ocorre no nível do social e não do cultural”, depende de interação social, mais especificamente, envolve a “interação com outros não culturalmente específicos”. Assim, afirma, que as teorias da competência ao articularem apenas o biológico com o social, dissociam estes últimos do cultural. N âmbito dessa teorização a aquisição da competência envolve uma participação ativa do adquirente. É interessante destacar que essas teorias identificavam vínculos com idéias tidas como democráticas, considerando que “todas as pessoas são iguais em sua aquisição”, que todas “participam ativamente em sua aquisição”. Assim, enfatizavam a criatividade como inerente ao processo de se constituírem sujeitos em sociedade. As diferenças entre estes, desta forma, são entendidas como um produto da cultura. No entanto, o autor observa o custo dessa concepção: “(...) deixar de lado a relação entre poder, cultura e competência, entre os significados e as estruturas que os significados tornam possíveis. A democracia nestes termos “é uma democracia separada da sociedade” (BERNSTEIN, 1996, p.105). 4 3. Discurso jurídico A teoria bernsteiniana possibilita identificar e interpretar a lógica interna do dispositivo jurídico, suas regras distributivas, recontextualizadoras e de avaliação. Estes três conjuntos de regras, a exemplo do que Bernstein (1998, p. 58-66) argumenta sobre o dispositivo pedagógico, estão relacionados de forma hierárquica, sendo que as segundas derivam das primeiras e as terceiras das segundas, estabelecendo-se, entre elas, relações de poder. Além da hierarquia relativa às inter-relações destes conjuntos de regras, destaco como característica distintiva do dispositivo jurídico, a hierarquia presente no próprio texto jurídico, no conjunto de normas do ordenamento jurídico. Tal característica pode ser relacionada a uma estrutura hierárquica de conhecimento, motivada, segundo Bernstein (1998, p.198; 2000, p. 161), pelo que denomina “código integrado”. O princípio de estruturação deste conhecimento impele “as conformações a proposições cada vez mais gerais que integram o conhecimento de níveis mais baixos e, desta forma, mostra a uniformidade subjacente que atravessa uma série de fenômenos aparentemente diferentes, em expansão”. Considerando a argumentação até aqui desenvolvida, em meu entendimento, o discurso jurídico pode ser identificado como um discurso pedagógico oficial. Este é definido por Bernstein (1996, p.272) como: as regras oficiais que regulam a produção, distribuição, reprodução, inter-relação e mudança dos textos pedagógicos legítimos (discursos) e a organização de seus contextos (organização). O discurso pedagógico oficial é um discurso embutido, constituindo a realização das inter-relações entre dois discursos aparentemente especializados: o discurso instrucional e o discurso regulativo. Com relação ao processo de recontextualização, juntamente com sua complexidade, destaco seu potencial, que não pode ser desconsiderado. A lógica interna do Direito que é transmitido e sua relação com outros discursos está relacionada às atividades do campo de recontextualização. Quando as regras recontextualizadoras, estabelecem os limites externos e internos do discurso legítimo, constituem o discurso jurídico específico. Este, inclui, com base em estudos inspirados em Bernstein (1998, p. 62), por um lado, “regras que criam destrezas e regras que regulam suas relações mútuas”; e, por outro lado, “regras que criam uma ordem social”. Assim, o discurso jurídico pode ser entendido como a comunicação 5 especializada por meio da qual a transmissão/aquisição diferencial é efetuada e sujeitos pedagógicos são seletivamente criados. As teorias da instrução, na teoria bernsteiniana, apresentam-se importantes em dois aspectos. No primeiro, na construção do discurso pedagógico, estão relacionadas às regras da transmissão. Assim, as teorias da instrução regulam a ordem da prática pedagógica jurídica, constroem o modelo do adquirente e da competência pedagógica comunicativa. Penso que o princípio jurídico/constitucional “Todos são iguais perante a Lei”, tenha alguma relação com o pressuposto teórico de que todos são iguais em sua aquisição. Mais. Este pressuposto, associado à idéia de que todos participam ativamente em sua aquisição, fundamenta, a meu ver, o artigo 3o da Lei de Introdução ao Código Civil, segundo o qual ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece. No segundo aspecto mencionado, na prática pedagógica, as teorias da instrução estão embasadas em uma teoria que permite ao professor, por exemplo, gerar formas e conteúdos de avaliação ou, ainda, realizar uma “leitura’ do adquirente em estado de desenvolvimento, a partir os significados de sua conduta. Em meu entendimento, a teoria da instrução recontextualizada na realização do discurso jurídico estende-se às regras de interpretação desse mesmo discurso. Neste sentido, em minha perspectiva, essas regras estão embasadas em conceitos teóricos do campo da Psicologia, priorizando habilidades, atitudes e atributos, enfatizando o potencial da mente e o comportamento, de forma dissociada do contexto social e político. Como afirma Popkewitz (1997, p.111), ao estudar a ciência social durante os anos formadores da escolarização de massa, a Psicologia proporcionou “um discurso que podia atribuir os problemas do governo do Estado ao indivíduo”. Este fato trouxe consequências políticas de alta relevância para o currículo, para a organização social das instituições de ensino e, inclusive, para a limitação das possibilidades de ampliação da democracia. 4. Campo Pedagógico, Campo Jurídico e Campo Pedagógico do Ensino Jurídico Considerando o argumento de Bernstein (1998, p. 205), no sentido de que “a organização interna das estruturas de conhecimento e os campos de atividade a que dão lugar e mediante os quais se estruturam e mudam suas realizações devem integrar-se em uma mesma análise”, foco o Campo Jurídico e o Campo Pedagógico 6 do Ensino Jurídico, procurando descrever as posições desses campos e as práticas especializadas que reproduzem sua estrutura. Nesse sentido, enfatizo a construção e estruturação do discurso jurídico e seu processo de pedagogização. Previamente, no entanto, ainda que de forma sucinta, faço referência aos argumentos de Bernstein (1998, p.66-67) sobre o Campo Pedagógico, construído a partir do estudo do Campo Religioso por Weber (1991). Campo Religioso e Campo Pedagógico Figura 1 Fonte: Bernstein (1998, p.67) Três posições distintas compõem o Campo Religioso, a saber, os profetas, os sacerdotes e os leigos. Tais posições sustentam, entre si, relações de complementaridade e oposição. Nessas posições estão os profetas, os sacerdotes e os leigos. Com relação à estrutura do Campo Pedagógico, Bernstein (2000, p.36; 1996, p.264-265) identifica, basicamente, três categorias similares. Os “profetas” são considerados os “produtores do conhecimento”, os “sacerdotes”, os “reprodutores ou recontextualizadores” e, finalmente, os “leigos”, os “adquirentes”. Segundo Bernstein (1998, p.70; 2000, p.62), um Campo Pedagógico recontextualizador é constituído por “posições e práticas opostas e complementares”, construindo-se, assim, “um campo de conflito e luta” por hegemonia. Essas posições podem ser estudadas em três níveis analíticos, ou seja, “autor”, que concerne ao “discurso autorizado”, “ator”, aos “patrocinadores”, e “identidades”, “resultado das especializações pedagógicas”. É possível observar que uma posição no campo “constitui uma especialização do discurso, uma especialização dos atores patrocinadores e uma identidade especializada, que adquire sua significação das posições opostas e complementares” (BERNSTEIN, 1998, p.70). De acordo com Bernstein (1998, p.194), as atividades dos campos ocultam “a arbitrariedade de suas bases de conhecimento e suas formas de domínio e 7 legitimação”, de forma que não se percebe prontamente, sem um estudo mais complexo, a sua base social. A seguir, procuro abstrair o Campo Jurídico e o Campo Pedagógico do Ensino Jurídico, a partir do Campo Pedagógico. 4.1 Campo Jurídico Na posição dos produtores do conhecimento e das regras distributivas do dispositivo jurídico, situo os Legisladores (e o Presidente da República, no caso específico em que exercer funções legislativas); na posição de reprodutores, situo os Juízes, Promotores e Advogados; e na posição de adquirentes, os Civis. Observo que, no Campo Jurídico, a posição relativa aos Civis/Adquirentes, não possui uma base local de ensino, uma prática pedagógica concreta. Assim, identifico a existência de uma posição e agentes com vocação para o Ensino Jurídico oficial universalizado na população, sem o respectivo oferecimento e acesso garantido pelo Estado. Há uma ênfase na competência dos Civis, em seu processo de aquisição do discurso jurídico, cujo processo é considerado como compartilhado por todos os cidadãos. A prática pedagógica tem como base os procedimentos internos aos cidadãos/Adquirentes. Segundo meu entendimento, a Pedagogia do Campo Jurídico, apresenta as características de uma Pedagogia Invisível. No entanto, por outro lado, a Pedagogia Jurídica apresenta regras hierárquicas, regras de conduta e procedimentos explícitos, com base em um conhecimento hierarquicamente construído. Estas normas que visam a assegurar a convivência social, estão garantidas por relações de poder e de autoridade. O seu descumprimento aciona as agências reguladoras do Estado, por meio do Poder Judiciário e do aparelho de segurança do Estado. Neste momento, emerge a Pedagogia Visível e, assim, toda uma prática pedagógica é desenvolvida, geralmente com forte assimetria nas relações entre Transmissores e Adquirentes. Com base nesta Pedagogia, prescrevem-se as ações que se devem realizar face ao texto ou situação trazidas para o contexto pedagógico, as competências que devem ser adquiridas e todo um processo avaliativo com regras criteriais explícitas estabelecem o que é exigido como um comportamento ou uma produção legítima. 8 É possível, assim, perceber que a Pedagogia Invisível não se apresenta de uma forma pura no Campo Jurídico, está inserida em uma Pedagogia Visível. Esta se encontra sob a superfície de uma Pedagogia Invisível, emergindo especificamente quando surgem problemas relacionados ao seu âmbito de competência. 4.2 Campo Pedagógico do Ensino Jurídico No Campo Pedagógico do Ensino Jurídico, nas categorias análogas, estão os Pesquisadores, os Professores de Direito e os Estudantes/Adquirentes. Observo outro vazio discursivo, agora na posição do produtor do conhecimento, face à quantidade ainda incipiente da produção científica sobre a Educação e o Ensino Jurídicos, e sua Pedagogia no Brasil. Identifico, neste campo, uma Pedagogia Oficial transmitida por uma Pedagogia Visível no Ensino de Graduação, em Faculdades de Direito. Caso se admita, como faço, um espaço na posição do Produtor, este fato traz conseqüências para cada uma das demais posições deste campo. Segundo Bernstein (1998, p.70), um “campo pedagógico recontextualizador está composto por posições (opostas e complementares) que constroem um campo de conflito e luta por predomínio”. Tal situação pode estar destensionada, “suavizada” pela não-ocupação da citada posição no campo. Igualmente, este fato também pode se refletir em uma maior ou menor complexidade e autonomia relativa no processo de recontextualização do conhecimento jurídico para o Campo Pedagógico, em seus dois níveis importantes, ou seja, tanto no da definição do “que” e do “como” do discurso pedagógico do Ensino Jurídico, como no da prática pedagógica concreta no contexto específico da Faculdade de Direito investigada. Observo uma certa circularidade na relação entre os dois campos: do Campo Jurídico para o Campo Pedagógico do Ensino Jurídico, a recontextualização de leis, jurisprudência e, relacionada a elas, a doutrina; do Campo Pedagógico do Ensino Jurídico, a ação de formar profissionais para as carreiras jurídicas do Estado. 4.3 Refletindo a partir dos dados Com base nos estudos realizados sobre as decisões pedagógicas no curso investigado, observo que há fortes limitações à atividade de seleção de conteúdos e de recontextualização no Ensino Jurídico, quando se têm como referência as disciplinas do plano profissional, baseadas no Direito Positivo Brasileiro. A forma como o Ensino Jurídico, na Faculdade de Direito estudada, está sendo 9 desenvolvido, considera como dadas, sem questionamentos, a base social do conhecimento e a relação hierárquica. Tampouco é realizada uma análise do conhecimento como produto de relações sociais de poder. Um contraste com esta situação foi possível, ao analisar decisões pedagógicas e práticas docentes de disciplinas formativas no curso. Considero alguns conflitos identificados no estudo. Inicialmente, entre alunos e professores, os primeiros identificam como poucas as situações práticas proporcionadas pelo processo de ensino-aprendizagem. Os docentes, por seu turno, regra geral, priorizam a teoria, afirmando que, primeiro, o aluno deve conhecer bem a teoria para depois poder analisar os fatos dentro da legislação. Parafraseando Bernstein (1998, p.109), afirmo que, antes da teoria, não há mundo jurídico. São percebidos conflitos entre as decisões pedagógicas e as exigências relacionadas, por um lado, ao Exame Nacional de Cursos, promovido pelo Ministério da Educação, e, por outro, ao Exame da OAB e Concursos Públicos para a Magistratura e Ministério Público. Seus reflexos são traduzidos pelos docentes entrevistados como produzindo um tensionamento que faz com que a atenção ao intrínseco do currículo, à ênfase humanística pretendida fique prejudicada. Foco agora conflitos entre a Faculdade de Direito e as demais faculdades. Considero a falta de “sintonia” identificada entre as disciplinas formativas do Curso e as profissionalizantes. O aluno, ao sair do primeiro ano, ingressa em outro mundo, com as disciplinas positivadas do segundo. A incomunicabilidade detectada, a meu ver, ocorre devido à estrutura hierárquica do conhecimento jurídico que, da forma como é transmitido, não só é reproduzido, como também posiciona os estudantes em uma determinada ordem. Quanto aos conflitos entre a Faculdade e a sociedade, dados levantados na Assistência Judiciária e em um Posto Médico evidenciam um importante conflito concernente a dois problemas que dizem respeito ao conhecimento jurídico, à falta de sua circulação e ao seu processo de transmissão, ambos inter-relacionados. Nesses três espaços foi identificado um dado comum, ou seja, o desconhecimento do Direito por parte das pessoas atendidas. 5. Conclusão 10 Identifiquei, neste estudo, que a Pedagogia Jurídica Oficial, no Brasil, é uma Pedagogia Invisível embutida em uma Pedagogia Visível e que o conhecimento jurídico é um discurso Vertical, com uma Estrutura de Conhecimento Hierárquico, exigindo um processo de transmissão longo. Assim, argumento que a Pedagogia Jurídica Oficial não é adequada para a transmissão do conhecimento jurídico, que demanda uma Pedagogia explícita, Visível. Considerando o exposto, afirmo que existem novas formas de conhecer o Direito, que são possíveis inovações no ensino jurídico. Assim proponho que o estudo do Direito seja realizado no Ensino Fundamental, com o objetivo de socializar todos os brasileiros na Pedagogia Jurídica Oficial (LEITE, 2003, P. 303). Com base na teoria bernsteiniana, identifico, nesta perspectiva, o envolvimento de três direitos pedagógicos (BERNSTEIN, 1998, p.24-25). No nível do desenvolvimento individual, o Direito ao desenvolvimento pleno (op. cit.,p. 24-25), no sentido do estudante adquirir os meios de compreensão crítica da gramática da sociedade como ordem jurídica, de sua construção como cidadão/cidadã nessa ordem, bem como do que é considerado uma realização legítima do conhecimento jurídico (LEITE, 2003, p. 303). No nível do social, o direito à inclusão (op. cit.,p. 24-25), constitui-se condição de vida em sociedade. Considero que o fato de estudar o conhecimento jurídico, em muito contribuirá para a realização deste direito, para o estudante sentir-se parte da vida da comunidade e da sua ordem jurídica (LEITE, 2003, p. 303). No nível político, o direito à participação (op. cit.,p. 24-25) implica a possibilidade de debater o Direito e de contribuir para os processos de construção, reprodução e mudança do ordenamento jurídico. Além de constituir-se uma prática cívica cidadã, reforça os dois outros direitos mencionados (LEITE, 2003, p. 303). A proposta mencionada inter-relaciona-se com o Ensino Jurídico atual desenvolvido nas universidades e no campo profissional do Direito. Em meu entendimento, mudanças poderão ser esperadas. Entre elas, a afirmação de especificidade do Campo Pedagógico do Ensino Jurídico universitário, a autonomia relativa da educação e o compromisso com a sociedade. Nesta perspectiva, assinalo a importância da formação docente do professor universitário do Ensino Jurídico, a pesquisa jurídica, a Extensão e as decisões pedagógicas no Ensino Jurídico. Os estudos desenvolvidos evidenciam a importância da Pedagogia Jurídica para a identificação e interpretação das formas de comunicação que estão na base 11 dos processos pedagógicos e das regras subjacentes que configuram o discurso jurídico e suas práticas. A Pedagogia Jurídica abordada no âmbito deste estudo distingue-se da Pedagogia tradicionalmente adotada no Campo Jurídico, inspirada por teorias psicológicas e influenciada por idéias liberais. Em minha perspectiva, a Pedagogia Jurídica precisa dialogar com a Educação e a Sociologia, bem como com a História, a Política e a Ética, tendo em conta o processo educativo exigido pelo Direito e os interesses coletivos em jogo (LEITE, 2003, p. 304). Assim, também assumem relevância a formação pedagógica dos profissionais do Campo do Direito e do Campo Pedagógico do Ensino Jurídico (LEITE, 2003, p. 304). Com base no exposto, defendo o argumento que o campo da Pedagogia Jurídica apresenta um potencial de alta relevância para viabilizar inovações no Ensino Jurídico e no campo do Direito (LEITE, 2003, p. 204). 6 Referências BERNSTEIN, Basil. Class, codes and control. Revised edition. London: Routledge and Kegan Paul, 1977. v. 3. _____. A estruturação do discurso pedagógico: classe, códigos e controle. Petrópolis: Vozes, 1996. _____. Pedagogia, control simbólico e identidad: teoria, investigação e crítica. Madrid: Morata; La Coruña : Paidéia, 1998. _____; SOLOMON, Joseph. Pedagogy, identity and the constrution of a theory of symbolic control: Basil Bernstein questioned by Joseph Solomon. British Journal of Sociology of Education, London, v.20, n.2, p.265-280, 1999. _____. 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