UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE ODONTOLOGIA
GUSTAVO COHIM QUEIROZ
FASCIÍTE NECROTIZANTE – RELATO DE CASO
CLÍNICO
Salvador, 2013
1
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE ODONTOLOGIA
GUSTAVO COHIM QUEIROZ
FASCIÍTE NECROTIZANTE – RELATO DE CASO
CLÍNICO
Trabalho
de
conclusão
de
curso
apresentado à Faculdade de Odontologia da
Universidade
Federal
da
Bahia
para
obtenção do Diploma de Cirurgião‐Dentista.
Orientador(a): Profa Dra. Luciana Maria Pedreira Ramalho.
Co-orientador(es): Ms.André Leonardo de Castro Costa.
Ms. Rebeca Mota Vasconcelos.
Salvador, 2013
2
FASCIÍTE NECROTIZANTE – RELATO DE CASO
CLÍNICO
Necrotizing Fasciitis - CLINICAL CASE REPORT
Gustavo Cohim QUEIROZ1; Rebeca Mota VASCONCELOS2; André Leonardo de
Castro COSTA3; Luciana Maria Pedreira RAMALHO4.
1
Graduando em Odontologia, Faculdade de Odontologia - UFBA
2
Cirurgiã-Dentista, Mestre em Odontologia (Estomatologia), e Doutoranda em Odontologia
(Estomatologia).
3
Cirurgião-Dentista, Mestre em Odontologia (Estomatologia), Médico, Cirurgião de Cabeça e
Pescoço, Doutorando em Oncologia- INCA, Preceptor da Residência Médica em Cirurgia de
Cabeça e Pescoço.
4
Cirurgiã-Dentista, Mestre em Odontologia (Estomatologia), Doutora em Odontologia
(Estomatologia Clínica) e Professora Adjunta da Universidade Federal da Bahia- UFBA.
Endereço para correspondência:
Gustavo Cohim Queiroz
Avenida Princesa Isabel, 80 – Barra Avenida
40140-000 – Salvador – Bahia
[email protected]
3
4
RESUMO
Objetivo: Esse presente trabalho tem como objetivo relatar um caso clínico de
Fasciíte Necrotizante (FN) extensa na região cervical originada de um abscesso
dentário, mostrando a importância de distinguir a FN de outras infecções de tecidos
moles. Caso Clínico: Paciente adulto, diabético, com histórico de sintomatologia
dolorosa na região de molar inferior direito com 15 dias de evolução, progredindo para
um quadro de fasciíte necrotizante incidente, fato pouco relatado na literatura.
Conclusão: As infecções de origem dentária constituem um dos problemas mais
difíceis no tratamento odontológico. Estes processos infecciosos podem variar desde
lesões bem localizadas, que exigem um tratamento menos invasivo, até lesões com
alta complexidade que envolvem um tratamento multidisciplinar, geralmente em
ambiente hospitalar.
Palavras chave: Fasciíte Necrotizante, Abscesso, Estomatologia.
ABSTRACT
Purpose: This present work to report a case of Necrotizing Fasciitis extensive cervical
originated from a tooth abscess, showing the importance of distinguishing the FN other
soft tissue infections. Case Description: Patient adult diabetic with a history of painful
symptoms in region molar lower right with 15 days in evolution, progressing to a
presentment of necrotizing fasciitis incident, a fact little reported in the literature.
Conclusions: Infections of dental origin are sometimes one of the most difficult
therapeutic approaches to the dentist. These infectious processes can range from very
localized infections, which require a less invasive treatment, even highly complex
infections involving a multidisciplinary treatment, usually in a hospital setting.
Keywords: Necrotizing fasciitis, abscess, Stomatology.
5
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
PÁGINA..........................................................................................................................9
FIGURA 1- Rarefação óssea difusa observada na região de molar inferior direito.
FIGURA 2- Tomografia computadorizada (corte axial) evidenciando a coleção de
gases no tecido subcutâneo.
FIGURA 3- Exploração cirúrgica inicial com drenagem do abscesso cervical profundo
e cultura.
FIGURA 4- Curativos e desbridamentos programados.
FIGURA 5- Retração cicatricial por segunda intenção com remissão clínica da doença.
FIGURA 6- Área da lesão cicatrizada e sem evidência clínica de doença.
6
INTRODUÇÃO
A Fasciíte Necrotizante (FN) é uma infecção severa, polimicrobiana e caracterizada
por rápida progressão1,2,3,4. Essa enfermidade acomete tecidos subcutâneos, pele,
fáscia e músculos, promovendo necrose e existência de gases nestas regiões1,5. É
comumente encontrada em adultos e idosos não havendo predileção por sexo1. Os
pacientes muitas vezes são portadores de doenças sistêmicas, como diabetes
mellitus, alcoolismo, má nutrição, e insuficiência renal crônica5,6.
Esta doença pode ser resultante de infecções dentárias, sinusais, peritonsilares, das
glândulas salivares e de infecções secundárias, provenientes de cirurgias ou traumas,
apesar de raramente ser encontrada na região cervical. Quando não prontamente
reconhecida e tratada, a FN pode disseminar para os espaços profundos do pescoço e
comprometer as vias aéreas. Além disso, em algumas situações se espalha para o
mediastino resultando em ameaça para a vida por sepse7. O diagnóstico de FN na
fase inicial é difícil, devido aos sinais inespecíficos semelhantes às infecções mais
comuns dos tecidos moles, como sensibilidade, edema, eritema, e dor no local
afetado8. Porém, a FN, apesar de rara, não deve deixar de ser hipótese diagnóstica
nos casos de infecções orais e bucomaxilofaciais que apresentam esses sinais
clínicos5.
A FN é uma emergência cirúrgica, devendo ser tratada através de desbridamento
agressivo8. A terapêutica do quadro clínico demanda regime intra-hospitalar, com
abordagem cirúrgica emergencial e agressiva, administração endovenosa de
antibióticos e suporte clínico. Então, os pilares do tratamento constituem-se em
desbridamento cirúrgico precoce e antibioticoterapia endovenosa9,10. O objetivo desse
artigo é relatar um caso clínico de Fasciíte Necrotizante extensa na região cervical
originada de um abscesso dentário, mostrando a importância de distinguir a FN de
outras infecções de tecidos moles.
DESCRIÇÃO DO CASO
Paciente JSM, sexo masculino, diabético em uso de hipoglicemiante oral, 48 anos de
idade foi internado no hospital Português, da cidade de Salvador-Bahia, apresentando
abscesso cervical profundo. Na anamnese, o paciente relatou sintomatologia dolorosa
na região de molar inferior direito, e que estava fazendo uso de antibiótico para então,
iniciar tratamento odontológico na unidade 46, que apresentava rarefação difusa,
imagem esta observada através de radiografia panorâmica (Figura 1). Não havendo
7
melhora do quadro com o uso dos medicamentos e com a progressão da lesão, o
cirurgião-dentista encaminhou o paciente para atendimento médico emergencial. Na
história médica, o paciente relatou uso de hipoglicemiante oral. Foram realizados
exames de tomografia computadorizada de face/pescoço e tórax (Figura 2), e exames
laboratoriais (hemograma, coagulograma, uréia, glicemia, creatinina, cálcio e proteína
C reativa), obtendo-se o diagnóstico de abscesso cérvico-facial profundo com
extensão à parede do tórax e coleção purulenta disseminada.
Foi realizada uma primeira cirurgia, na qual foi feita a drenagem do abscesso cervical
profundo, desbridamento da região e cultura da secreção que estava presente (Figura
3). Face às condições apresentadas, retomou-se a antibioticoterapia, com 1 g de
Ciproflaxina + 2,4 g de Clindamicina uma vez ao dia juntamente com controle
glicêmico.
Após essa primeira fase, curativos diários seguidos de 5 desbridamentos programados
(Figura 4) foram realizados até se alcançar a estabilização clínica. Posteriormente, o
paciente foi encaminhado ao centro cirúrgico para ser submetido à exodontias
múltiplas. Porém, apresentou episódio de infecção do sítio cirúrgico acompanhado por
sepse. Após oxigenoterapia hiperbárica, com melhora progressiva, o paciente recebeu
alta hospitalar sendo iniciados curativos em domicílio.
A cirurgia plástica já estava programada, entretanto, o enxerto de pele total não foi
autorizado pelo convênio e o paciente evoluiu com retração cicatricial cervical (Figura
5) progressivamente após sessões de fisioterapia. No momento, encontra-se sem
evidência de doença, com limitação parcial de movimentos cervicais que não
inviabilizam suas atividades cotidianas (Figura 6).
8
Figura 1
Figura 2
Figura 3
Figura 4
Figura 5
Figura 6
9
DISCUSSÃO
No caso relatado, foi a sintomatologia dolorosa com origem odontogênica que levou o
paciente à procura do primeiro atendimento. Suehara et al11., (2008) em estudo
retrospectivo, avaliou 80 casos de Infecções Cervicais Profundas (ICP), e em sua
casuística revelou que a etiologia mais comum das ICP foi de origem odontogênica,
seguida de causa tonsilar . Apesar da Fasciíte Necrotizante com origem mediante
processos odontogênicos ser dificilmente relatada, dentre as descritas, são mais
comumente encontradas na região cervical e estão relacionadas a abscessos
periapicais provenientes de cáries extensas, doença periodontal e pericoronarites6 .
Esta infecção, se não tratada, pode se espalhar para o espaço sublingual,
parafaríngeo, submental, e em seguida para região cefálica, na base do pescoço, no
mediastino e cavidade torácica12. Porém, no caso relatado, foi observada uma
disseminação inicial a partir do espaço submandibular, o qual é limitado pelo milohióideo e o digástrico, seguido da região cervical anterior, sem comprometimento do
mediastino, mostrando uma possível relação da lesão odontogênica, como causa da
evolução da doença em questão.
Diabetes mellitus (DM) é a doença sistêmica mais comum associada à FN, seguida do
alcoolismo, abuso de drogas, infecção por HIV, doenças cardíacas, cirrose hepática,
insuficiência cardíaca e esquizofrenia5. Tilkorn et al13., (2012) analisou características
e diferenças entre a Fasciíte Necrotizante e Mionecrose em uma série de 36 pacientes
e a DM também foi o fator de risco mais prevalente. Desta forma, o estado
hiperglicêmico do paciente diabético prejudica a função dos leucócitos suprimindo o
sistema imunológico do hospedeiro. Esses pacientes têm menor circulação de
linfócitos e das células T, comprometendo a resposta dos anticorpos e a função das
células polimorfonucleares, sendo assim impossibilitadas de combater a infecção6. No
presente caso, o paciente apresentava diabetes, relatado pelo mesmo o uso de
hipoglicemiantes e confirmado através de testes glicêmicos, e os picos hiperglicêmicos
favoreceram para que o sistema imunológico não contivesse o processo infeccioso,
apresentando então coleção purulenta disseminada e dificultando mais ainda o
tratamento inicial.
O processo de disseminação da doença é proveniente de uma redução das reservas
de oxigênio dos tecidos, ativando os sistemas enzimáticos que agravam a isquemia
tecidual10. Isto ocorre por causa do menor potencial de oxidação-redução, que produz
10
gases como hidrogênio, nitrogênio, sulfureto de hidrogênio e metano, que se
acumulam nos espaços dos tecidos moles devido à solubilidade reduzida em água15.
Além disso, necrose da fáscia é tipicamente mais extensa do que sugere o aspecto
clínico devido o acometimento de planos mais profundos, que leva a formação de
crostas
necróticas
extensas.
Complicações
graves
decorrentes
de
Fasciíte
Necrotizante da face são trombose da veia jugular, obstrução de vias aéreas,
pneumonia, acometimento de sistema nervoso central, nervos superficiais, havendo
indícios de anestesia local, em sequência septicemia com toxicidade sistêmica e
progressão para mediastinite, esta última cursando com mortalidade superior a
50%6,10. Foi observado no caso descrito, hiperemia com evolução para necrose
tecidual progressiva, ocasionada pela difusão de patógenos pelos planos fasciais
superficiais e profundos, o que pode ter sido a causa da septicemia observada neste
caso.
As manifestações sistêmicas das infecções necrotizantes dos tecidos moles
destacam-se por febre alta, hipotensão, prostração e insuficiência de múltiplos
órgãos16. No entanto, a FN pode apresentar cursos de progressão sub ou
hiperaguda17. Já a fase subaguda, a qual foi observada no caso clínico descrito,
possui um curso com ausência de manifestações sistêmicas, necrose gradual do
tecido com alterações cutâneas progressivas sobre o local afetado e evolução da
doença apesar do uso de antimicrobianos18. O paciente apresentou alterações
cutâneas e necrose dos tecidos de forma gradativa, fazendo uso de antimicrobianos
até ser submetido às primeiras intervenções cirúrgicas.
A maioria dos pacientes apresentam sinais de inflamação na pele, como por exemplo,
dor, edema na pele, e eritema17. O estadiamento clínico é importante para melhor
definir a progressão da doença e aumentar a consciência durante a avaliação seriada
da infecção nos tecidos moles14. Quando há o início de sinais críticos de isquemia na
pele encontra-se o estágio 2, ocorrendo também a formação de bolhas provenientes
da necrose por isquemia-induzida, como nos vasos que cruzam a fáscia para suprir a
pele, havendo também trombose pela ação de organismos invasores14. Este estágio é
o que melhor descreve o caso clínico em questão, estando compatível com as
características observadas nas múltiplas abordagens cirúrgicas realizadas.
O diagnóstico é baseado em uma combinação de história clínica que considera
inclusive fatores predisponentes à infecção, coloração de Gram e cultura, análise
imaginológica e, em última instância, exploração cirúrgica19. O fato de acometer,
11
principalmente fáscia e subcutâneo, poupando inicialmente as camadas superficiais da
pele determina dificuldade diagnóstica10. Apesar da história da doença e evolução
clínica com as manifestações teciduais encontradas já exibirem a suspeita diagnóstica
de FN, a relevância dos achados tomográficos e os resultados laboratoriais
contribuíram decisivamente para sua confirmação, justificando a importância dos
exames complementares propostos.
Três fatores contribuem para que se torne rara a suspeita inicial de Fasciíte. Primeiro,
pelo fato da doença ser incomum, também em virtude dos sinais e sintomas serem
compatíveis com benignidade e por último, devido a frequente ocorrência de faringite
ou infecção dentária19. Portanto, uma maior atenção deve ser dada quanto às
principais características da Fasciíte Necrotizante Cervical (FNC), as quais são:
acúmulo de gás nos tecidos, infecção odontogênica espalhando-se na região abaixo
do pescoço e anteriormente ao tórax, e a pele envolvida com aspecto de casca de
laranja podendo mudar para uma coloração escurecida20. No caso clínico em questão,
manifestações clínicas e sua progressão são compatíveis com o que é encontrado na
literatura, quando é evidenciado infecção odontogênica como origem da FN.
Segundo Puvanendran et al17., (2009), durante a exploração cirúrgica, a integridade do
tecido e profundidade de invasão devem ser avaliados. Geralmente, há pouca
aderência do tecido subcutâneo com ausência de sangramento e liquefação da
gordura presente na região21. Perda de integridade e necrose fascial indicam uma
infecção necrosante. Já o envolvimento muscular juntamente com necrose, são
indicativos de um estágio avançado17. A perda de integridade tecidual foi observada
durante os desbridamentos, além
de características como pouco sangramento e
escurecimento da região superficial explorada.
Achados imaginológicos podem contribuir no diagnóstico precoce da FN, sobretudo
em casos que não possuem os sinais clínicos típicos. Um enfisema subcutâneo, por
exemplo, é um sinal característico de FN, porém a crepitação nem sempre será
detectada
na
realização
da
palpação22.
Portanto,
papel
da
tomografia
computadorizada (TC) em FN é duplo, ou seja, ajuda a estabelecer o diagnóstico em
fase clínica inicial e a detectar complicações devido à necrose tecidual progressiva
após início tratamento cirúrgico. Os achados tomográficos mais comuns em FN são o
espessamento e a infiltração subcutânea tecidual, coleções de fluidos em múltiplas
partes do pescoço intensamente difuso e espessamento da fáscia cervical, platisma,
esternocleidomastóideo e músculos intrínsecos da laringe. Características incomuns
12
incluem existência de gás em tecidos moles18,23. A TC exibiu a presença de coleção
purulenta desde o espaço submandibular até a cicatriz umbilical, ocupando a porção
cervical anterior e tórax, expondo também presença de gás nos tecidos circunvizinhos.
A terapêutica do quadro denominado Fasciíte Necrotizante demanda regime intrahospitalar, com abordagem cirúrgica emergencial e agressiva, administração
endovenosa de antibióticos e suporte clínico6. Hemoculturas e cultura de material
colhido, no procedimento cirúrgico, poderão auxiliar durante a identificação dos
microorganismos envolvidos e a sensibilidade aos antibióticos21. A antibioticoterapia
deve ser iniciada imediatamente com o uso de drogas de amplo espectro, enquanto
aguardam-se os resultados das culturas. Posteriormente será modulada de acordo
com o antibiograma e depois alterada periodicamente para reduzir a incidência de
germes resistentes que por ventura possam aparecer24.
A necessidade de métodos diagnósticos mais rápidos e científicos levou ao
desenvolvimento de um sistema baseado em um score clínico chamado Laboratory
Risk Indicator for Necrotizing Fasciitis (LRINEC)14. O score deste método é capaz de
detectar casos iniciais de FN entre os pacientes com graves infecções dos tecidos
moles. Para tal, achados laboratoriais relacionados com a enfermidade como a
proteína C-reativa, células brancas, hemoglobina, sódio, creatinina e glicose, são
avaliadas e quantificadas sendo então atribuídos valores de acordo com a quantidade
dos mesmos. Considera-se então que, no score do LRINEC, quando for ≥ 6 deve-se
levantar suspeita de FN e um score ≥ 8 é fortemente preditiva a presença dessa
doença18,28. Analisando-se as variáveis propostas pelo sistema LRINEC chegou-se ao
score 12, onde de acordo com a literatura, é confirmada a presença da FN
diferenciando de outras infecções de tecidos moles.
Segundo Lima et al15., (2003) a flora bacteriana muda durante o curso da doença,
sendo um fator que dificulta o tratamento. Mesmo que historicamente esteja associado
com os Streptococcus beta-hemolíticos pertencentes ao Grupo A, a FN pode estar
relacionada a uma variedade de bactérias incluindo os Staphylococcus aureus,
Pseudomonas sp., e outros cocos gram negativos assim como os anaeróbios24. A
literatura relata que, o Streptococcus hemolítico do grupo A e o Staphylococcus
aureus, isoladamente ou em sinergismo são com frequência os agentes iniciadores da
FN. Então, dentre os outros patógenos, mesmo que eles não causem a infecção
diretamente, contribuirão na redução da produção de interferon e da capacidade
fagocitária de macrófagos e polimorfonucleares3. Através da realização do exame de
13
cultura, o resultado foi uma flora mista não apresentando crescimento específico,
dificultando um tratamento característico, que neste caso optou-se pela utilização de
antibioticoterapia empírica com 1 g de Ciprofloxacina 1g + 2,4 Clindamicina por dia.
A cobertura antibiótica adequada de largo espectro, combinada com outros meios de
suportes adequados e monitorização, ajuda os pacientes durante a fase aguda da
doença. A utilização de inibidores da síntese de proteínas tais como clindamicina,
pode ajudar a inibir a produção de toxina, sobretudo nas infecções por estreptococos e
clostridiais25. No entanto, é apenas o desbridamento completo de tecido infectado, que
controla a infecção e permite uma recuperação futura26. Quando esse tipo de
tratamento é realizado por infecção das partes moles, deve ser executado com
brevidade e agressividade, para evitar provável evolução desfavorável, com
consequências graves, como sepse, choque séptico e até óbito10. Uma vez que a FN é
confirmada durante a exploração cirúrgica, a incisão é estendida, e o desbridamento
adicional deve ser realizado26. Então, o controle e consequente remissão da patologia
abordada, só foram alcançados na utilização da antibioticoterapia juntamente às 5
abordagens cirúrgicas realizadas, já que deve-se sempre realizar desbridamentos
quando o processo encontra-se resistente.
Neto et al10., (2011) propõe que a ferida operatória deve permanecer aberta, pois há
risco de infecção residual e novos desbridamentos
podem
ser
necessários. O
fechamento e a reconstrução da lesão devem ocorrer tardiamente quando não houver
mais evidências de infecção e o processo de reparação demonstrado com a deposição
de tecido de granulação tiver iniciado. Após a primeira intervenção cirúrgica do caso
foram realizados curativos diários seguidos de desbridamentos programados até a
estabilização clínica, com a evidência de um processo cicatricial efetivo.
Como tratamento coadjuvante, utilizou-se a câmara hiperbárica com o intuito de
acelerar a redução da infecção. O tratamento por oxigenoterapia hiperbárica consiste
em uma administração inalatória e intermitente de O2 a 100% sendo assim realizada
em uma câmara hiperbárica27. Essa hiperoxigenação causa uma série de efeitos
fisiológicos e metabólicos básicos, como por exemplo, efeitos antimicrobianos, efeitos
compensatórios da hipóxia celular, efeitos fisiológicos e biofísicos, efeitos mecânicos
da pressão e efeitos farmacodinâmicos sinérgicos15. Isto ocorre possibilitando o
aumento da tensão de oxigênio nos tecidos e evitando a oxigenação deficiente
existentes em certas áreas infectadas24. No caso da FN, como a progressão alcança
um estágio de isquemia e falta de oxigenação tecidual, a câmara hiperbárica se torna
14
uma opção viável como tratamento complementar, assim como proposto no caso,
onde 40 sessões na câmara hiperbárica foram realizadas, contribuindo para uma
melhora progressiva do quadro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É imprescindível para um diagnóstico precoce, a rápida intervenção e o conhecimento
das condições sistêmicas que podem influenciar na evolução das afecções locais da
região bucomaxilofacial. Nos processos da Fasciíte Necrotizante Cervical, apesar de
rara, o cirurgião-dentista deve atuar ainda na causa, prevenindo uma posterior
disseminação e mobi-mortalidade para o paciente.
15
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19
ANEXO I- TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)
20
ANEXO II – PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP
21
22
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fasciíte necrotizante – relato de caso clínico