pa u l o h e n r i q u e s b r i t t o
Formas do nada
Copyright © 2012 by Paulo Henriques Britto
Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990,
que entrou em vigor no Brasil em 2009.
Capa
Kiko Farkas/ Máquina Estúdio
Edição
Heloisa Jahn
Revisão
Ana Maria Barbosa
Renata Favareto Callari
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)
(Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)
Britto, Paulo Henriques
Formas do nada / Paulo Henriques Britto. — 1ª- ed.
— São Paulo : Companhia das Letras, 2012.
isbn
978-85-359-2053-6
1. Poesia brasileira i. Título.
12-00707
cdd-869.91
Índice para catálogo sistemático:
1. Poesia : Literatura brasileira 869.91
[2012]
Todos os direitos desta edição reservados à
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Sumário
Lorem ipsum, 11
Circular, 12
Oficina, 13
Poética prática, 18
Tríptico com hotel e sirene, 19
Limiar, 22
Horácio no Baixo, 23
Cinco sonetos frívolos, 24
Biographia literaria, 29
Apêndice, 37
Ecce homo, 38
Fogo-fátuo, 39
Pequeno manual de retórica, 40
Man in a chair, 41
Fábula, 42
Cave canem, 43
Seis sonetos soturnos, 44
Lagniappe, 50
Biscuit, 51
Carrossel, 52
Par délicatesse, 53
Canção, 54
Eleática, 55
Três peças dispépticas, 56
Quatro bagatelas, 60
Três autotraduções, 64
Mosaico, 66
Uma lenda, 67
Madrigal, 70
Instant replay, 71
Pós, 72
Envoi, 74
Nota do editor, 75
formas do nada
Lorem ipsum
“Venham”, diz ele, “que eu lhes ofereço
sinéreses, cesuras, hemistíquios
e muito mais, e em troca só lhes peço
sofríveis simulacros de sentido.
Venham, que a noite é sólida e solícita,
e aguarda apenas o momento exato
de nos servir a suprema delícia,
como um garçom anódino e hierático.”
Porém apelos tantos, tão melífluos,
atraem tão só máscaras sem rosto,
cascas vazias e rabiscos pífios.
Tudo resulta apenas neste dístico:
Ninguém busca a dor, e sim seu oposto,
e todo consolo é metalinguístico.

Circular
Neste mesmo instante, em algum lugar,
alguém está pensando a mesma coisa
que você estava prestes a dizer.
Pois é. Esta não é a primeira vez.
Originalidade não tem vez
neste mundo, nem tempo, nem lugar.
O que você fizer não muda coisa
alguma. Perda de tempo dizer
o que quer que você tenha a dizer.
Mesmo parecendo que desta vez
algo de importante vai ter lugar,
não caia nessa: é sempre a mesma coisa.
Sim. Tanto faz dizer coisa com coisa
ou simplesmente se contradizer.
Melhor calar-se para sempre, em vez
de ficar o tempo todo a alugar
todo mundo, sem sair do lugar,
dizendo sempre, sempre, a mesma coisa
que nunca foi necessário dizer.
Como faz este poema. Talvez.

Oficina
i
Escrever, mas não por ter vontade:
escrever por determinação.
Não que ainda haja necessidade
(se é que já houve) de autoexpressão,
ou sei lá qual carência faminta:
toda veleidade dessa espécie
estando de longa data extinta,
resta o desejo (que se não cresce
por outro lado também não míngua)
de estender frágeis teias de aranha
tecidas com os detritos da língua.
Uma ocupação inofensiva:
quem cai na teia sequer se arranha.
(E a maioria dela se esquiva.)

ii
Umas às vezes aparecem
sem nem ter sido convocadas.
Não têm razão, origem, nada
que se calcule, pese ou meça.
E mesmo assim elas se impõem
com a força de quem não admite
contra-argumentos nem limites,
nem desculpas, nem exceções.
Há que deixá-las entrar sempre,
por dever de hospitalidade
e temor supersticioso:
pois não se bole impunemente
com a contingência, com o acaso,
esses deusinhos perigosos.

iii
Música ingrata, música orgulhosa,
capaz de se enquistar nos intestinos
mais íntimos da mais agreste prosa
em cálculos duros e cristalinos,
à revelia de quem desejava
um rio de sentidos retilíneos,
colocando aqui e ali uma trava,
revelando aquilo que nada tem
de relevante, turvando o que estava
mais límpido, enviesando o que ninguém
vai desvirar, desviando da rota
o que não devia nunca ir além
do rotineiro, música que brota
onde a palavra era pra ser mais bruta.

iv
Tudo se perde, nada se aproveita,
eu sei. Porém a impressão permanece:
alguma (pouca) coisa que foi feita
pode talvez merecer uma espécie
de não exatamente eternidade,
mas mais que o imediato esquecimento.
Será ilusão? Será pura vaidade?
Bem provável. Sendo assim, me contento
com o vago prazer (se é mesmo prazer)
de rabiscar num caderno, ao acaso,
o que talvez jamais venha a ser lido
por mais ninguém. Nem por mim. Escrever
é preciso. Por quê? Não vem ao caso.
E faz sentido? Não. Não faz sentido.

v
Por só dispor destas palavras.
Não outras. As que se ambiciona,
mais plenas, mais prenhas, pejadas
de algum sentido além da soma
dos meros significados
das partes — essas, não. E sim
nada mais do que um somatório
de peças discretas (tão indiscretas, tantas vezes) que ora
caem constrangedoramente
aquém do alvo, ora de tal
modo extrapolam o pensamento —
Nem mesmo destas, no final
das contas. A coisa vai mal.

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