MEDIA
PÚBLICO•DOMINGO, 16 JULHO 2006
DAVID CLIFFORD
O ACORDO
Redução de 4.150
empregos na RTVE
O pré-acordo alcançado esta semana
entre os sindicatos e a RTVE, a televisão
e rádio públicas espanholas, prevê uma
redução de 4.150 empregos dos actuais
14.500 que integram as duas entidades,
de acordo com dados parciais citados pela
Lusa. O acordo aumenta ligeiramente o
número total de funcionários que permanecerão na empresa, para 6.400 (5.900
fixos e 500 contratados), comparativamente aos 5.170 propostos inicialmente
pela empresa.
O L ANÇ AMENTO
RFM inaugurou loja
virtual de música
A rádio nacional RFM lançou esta semana um serviço on-line de compra de
música, em parceria com a loja portuguesa de música digital, MusicaOnline.
Acedendo ao site www.rfm.pt, o ouvinte
pode ter acesso a informações sobre
as músicas que acabaram de tocar ou
ainda ouvir excertos de músicas e agora
passa também a poder adquirir essas
músicas, a partir do computador, indo
ao site da MusicaOnline, disponível na
morada www.musicaonline.pt. Os preços
variam, sendo o mínimo 79 cêntimos por
uma música. Além dos modos habituais
de pagamento para compras feitas na
Internet, para quem não quiser utilizar
o cartão de crédito, o site também oferece a possibilidade de usar vales de 5, 10
ou 20 euros que, por enquanto, só estão
disponíveis nas lojas BP.
Sobre os novos jornalistas, Edite Soeiro tem uma opinião: “Acho que chegam cá com muita semiótica e pouca aprendizagem”
“O que eu sei fazer
é jornalismo e nada mais”
Edite Soeiro foi jornalista a vida quase toda. O Clube de Jornalistas decidiu reconhecê-la
este ano com o Prémio Gazeta de Mérito. Por quase meio século de profissão.
É a jornalista portuguesa com mais anos de profissão e ainda no activo
ANA MACHADO
De estatura baixa, de cabelo
curto, espetado e grisalho e
olhos muito abertos e muito
azuis, só a bengala em que se
apoia denuncia os 72 anos que
já conta. Edite Soeiro é a jornalista portuguesa com mais anos,
ainda no activo. Fã confessa do
futebol e do Sporting, vem com
uma camisola com a caricatura
de Hugo Leal. E de ténis. O segredo para a longevidade não o
revela. Ou não sabe qual é. Mas
recomenda à nova geração: “Não
se deixem levar pela ambição.
Pensem no que representam e
no poder que têm.”
“Comecei com 15 anos, no dia
15 de Novembro de 1950”. A data
sai-lhe disparada, sem hesitar,
assim que perguntamos quando é que começou o seu longo
percurso nos jornais. “Tenho
72 anos”. Edite, a criança, queria continuar a estudar. Mas
o pai, funcionário da fazenda,
em Benguela, a Angola onde a
guerra nunca chegou, afirma,
não podia dar escola a todos os
três filhos. Saiu o mais novo, rapaz, o engenheiro. Aos 15 anos
saiu do colégio das Doroteias
para a oficina do Intransigente,
jornal de Benguela. Nunca mais
abandonou o meio e a escrita.
“Era mesmo intransigente,
aquele jornal”. E lembra como
os buracos brancos, abertos
nos textos pela censura, eram
mantidos em branco com Vivas
à República. “Isso foi moldando
o meu carácter”.
A menina Edite de Benguela,
que nos primeiros tempos era
conhecida por lidar bem com
a caixa — a caixa de caracteres
de chumbo alinhados que era
usada para imprimir o jornal
— foi ficando. E a paixão pelo
jornalismo começava a minála. Para sempre: “Aquilo tudo
enchia o ego de uma criança de
15 anos”. Acabou por ganhar o
seu espaço próprio: “Tinha uma
coluna onde escrevia tudo aquilo que me apetecia, chamada ‘O
correr da pena’.”
Em 1962 veio-se embora, para
a metrópole, sozinha com a mãe.
Há mais uma data que lembra
com rapidez: “Vim a 15 de Agosto de 1962”. E veio sem medo:
“Tinha aprendido com o meu
pai que fome e trabalho nunca
faltavam aos pobres. Cheguei a
Portugal e tirei as minhas primeiras férias, de seis meses”. Sabia que o trabalho havia de vir.
“Acho que não escrevia mal. Fui
ter com o Silva Costa, da Flama”.
Ficou. “Comecei a fazer inquéritos, reportagens, entrevistas,
escrevia o que houvesse”.
Em 1967 veio a revista Notícia:
“Pagavam-me dez mil escudos.
Era um balúrdio na altura” E há
mais uma data que assalta a conversa: “Comecei a um de Abril
de 1967”. Foi aí que, afirma, instaurou a mulher no jornalismo
desportivo, numa altura em que,
como recorda, contavam-se pelos
dedos de uma mão as mulheres
nos jornais portugueses. Pelo
meio do caminho ainda ficou
uma experiência relâmpago
numa editora livreira, a Ulisseia. Mas não correu bem. “O
que eu sei fazer é jornalismo.
Nada mais.”
“Havia de regressar à Flama
em 1972. O Jornal veio só em
1977, depois da morte da Flama,
que acabaria por falir antes que
a nacionalizassem, conta Edite
Soeiro. Já depois do 25 de Abril, a
convite do jornalista Manuel Beça Múrias, um dos fundadores.
E sente que desde então nunca
mais saiu da mesma casa. Sente
a Visão, onde hoje é editora, como uma extensão de O Jornal,
rodeada que ainda está de cole-
“Hoje ninguém se
conhece. A liberdade
que conquistámos
acabou por nos dividir.
Já não trocamos ideias
à volta de uma cerveja.
Mas a culpa não é do
25 de Abril. É do nosso
egoísmo”
gas dessa altura. Vamos sendo
cada vez menos. Já cá não está
o Cáceres Monteiro. Mas ainda
somos alguns!”
Observadora do jornalismo
actual e dos novos jornalistas,
Edite Soeiro confessa: “Acho
que chegam cá com muita semiótica e pouca aprendizagem. Não
que eu ache que a semiótica não
é importante.” Afirma ter falta
de sentir o jornalismo como
uma família. “Hoje ninguém
se conhece. A liberdade que
conquistámos acabou por nos
dividir. Já não trocamos ideias
à volta de uma cerveja. Mas a
culpa não é do 25 de Abril. É do
nosso egoísmo”. E aos que agora
chegam deixa algumas notas de
atenção: “Não se deixem levar
pela ambição. Há quem venda
muito mal o seu talento. Pensem
no que representam e no poder
que têm”.
E afirma abertamente que, para lá do meio século de carreira,
e de ter já sido uma especialista a
lidar com caixas de caracteres de
chumbo, não lhe fazem confusão
nenhuma as novas tecnologias:
“Ainda tenho a minha máquina de escrever guardada. Mas
nunca me fez confusão o computador. O meu colega Assis Pacheco morreu sem nunca tocar
num computador. Eu disso era
incapaz. Um dia disse-lhe: Olha
amigo! És um reacccionário!
Epá, ele ia-me matando!”■
Download

“O que eu sei fazer é jornalismo e nada mais”