A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO AGORA, É A ESCOLA QUE QUEREMOS E NADA MAIS! WELLINGTON ALVES ARAGAO1 Resumo: Lutar pelo acesso à terra e lutar pelo acesso à escola na própria terra é, sem dúvida, um dos mais honrados caminhos para o campesinato brasileiro. Essa lógica permeou o entendimento dos camponeses do Assentamento Campo Verde, no município de Pedras de Fogo – PB. Aqui, apresentaremos ainda que de forma resumida, tanto a luta pela terra quanto a luta pela construção de uma escola no próprio assentamento, além de discutirmos sobre o Projeto Político Pedagógico da referida escola, para tanto, também levantamos algumas questões sobre a importância da Educação no Campo e da Educação do Campo, além de também discutirmos sobre os resultados obtidos pela pesquisa de mestrado acadêmico que se propôs a analisar tanto o universo camponês quanto o universo educacional do assentamento em questão. Palavras-chave: Assentamento; Escola; Educação no/do Campo; Projeto Político Pedagógico Resumen: Lucha por el acceso a la tierra y luchar por el acceso a la escuela en su propia tierra es, sin duda, uno de los caminos más honrados para el campesinado brasileño. Esta lógica ha calado en la mente de los campesinos que anidan Campo Verde, en la ciudad de Pedras de Fogo - PB. A continuación, presentamos aunque sea brevemente, tanto en la lucha por la tierra y la lucha para construir una escuela en el asentamiento en sí, así como discutir sobre el Proyecto Pedagógico Político de esta escuela, por lo tanto, también planteó algunas preguntas acerca de la importancia de la Educación en el campo y la Educación Rural, así como discutir los resultados obtenidos por la investigación de maestría académica que se dispuso a analizar tanto el universo campesino como el universo educativo de lo asentamiento en cuestión. Palabras-clave: Asentamiento; Colegio; Educación en/de Campo; Proyecto Político Pedagógico 1 - Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Goiás. E-mail de contato: [email protected] 1449 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 1 – Introdução O presente artigo é resultado de um capítulo de uma dissertação de mestrado em Geografia defendida em agosto de 2011 que discorre sobre questões agrárias e a Educação do Campo. Sendo seu último capítulo o que aborda sobre a insistência de um grupo de pais e mães de um assentamento rural na microrregião do litoral sul paraibano que após a conquista definitiva da terra não hesitaram em cobrar das autoridades competentes uma escola de Ensino Fundamental I para seus filhos. A microrregião em análise é uma das maiores produtoras de cana-de-açúcar do Estado da Paraíba, entretanto, a mesma possui forte tradição no campesinato, tendo sido palco de diversos conflitos e ocupações envolvendo posseiros, trabalhadores rurais e latifundiários. O desejo de ter uma escola no próprio assentamento era tão ardente quanto o de ter a posse da terra. Os filhos dos agricultores do Assentamento Campo Verde para ter acesso ao ensino primário (Fundamental I) eram conduzidos em caminhão pau de arara para outros assentamentos da região, ou tinham que fazer o deslocamento à pé de cerca de 1 hora até a escola mais próxima. Depois de muitas promessas por parte da Secretaria Municipal de Educação e que nunca foram cumpridas, os pais se reuniram na associação local e decidiram ocupar a referida secretaria e só sair de lá com a garantia de que a escola seria construída no assentamento e que nenhuma criança ficaria desprovida do atendimento educacional necessário. A importância política desse ato de ocupação revelava a realidade cotidiana vivenciada por aqueles agricultores que não encontraram outro meio de fazer pressão sobre as autoridades competentes para acelerar o processo de criação do próprio assentamento. Da mesma forma a ocupação da Secretaria Municipal de Educação também foi o instrumento legal que encontraram para pressionar as autoridades locais a cumprir com a promessa empenhada durante uma cerimônia religiosa em 1997 que oficializou a nova vida em comunidade naquele assentamento rural. Enquanto muitas pessoas que conheceram a longa espera dos assentados pela conquista definitiva daquela terra achavam que ela era o único elemento importante nos anseios daqueles agricultores, acreditando, inclusive, que já se davam por satisfeitos apenas pela posse da mesma, foi aí que se enganaram, pois 1450 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO eles queriam algo a mais, algo tão importante quanto a terra – queriam educação. Os assentados de Campo Verde mesmo sendo majoritariamente analfabetos e/ou semianalfabetos, demonstraram que a educação dos seus filhos era muito importante e que estavam dispostos a enfrentar qualquer intempérie para fazer valer o direito à educação garantida pela LDB 9394/96. O título deste artigo é uma referência a uma fala de uma jovem mãe assentada que não se conformava com a ausência de uma escola na comunidade para atender tanto seus filhos quanto os filhos dos demais companheiros assentados. 2 – Metodologia Para a construção deste artigo, realizamos pesquisas de cunho bibliográfico e documental, além de uma pesquisa de campo onde foi possível executar diversas entrevistas semiestruturadas envolvendo a direção da escola, seus respectivos docentes e membros da comunidade local. Nela, foram abordados tópicos como a formação profissional, o local de residência dos docentes, o currículo escolar, o calendário escolar, os conteúdos ministrados nas aulas, a capacitação para o trabalho em escolas rurais, dentre outras questões que também envolviam o universo camponês. 3 – O fim da luta pela posse da terra e o início da luta pela escola A tão desejada terra para viver e trabalhar já não era mais um sonho, era uma realidade que todos ainda ficavam perplexos ao comentar. Eram os homens os que mais se empolgavam nas rodas de conversas sobre o longo período de dias que passaram sob os barracões de lona à margem do caminho de acesso à antiga Fazenda Imbé. Muitos deles estavam ao lado de suas companheiras e filhos(as), já outros haviam deixado sua esposa e filhos(as) em casas de familiares, pois, temendo algum confronto direto com o proprietário da fazenda, acharam por bem poupá-los de algum dano moral ou mesmo físico. Com o passar dos dias, as famílias recém-assentadas foram se organizando através de um lento processo que dependia da construção das casas da agrovila, pois na medida em que as casas eram construídas, as famílias já poderiam ocupá- 1451 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO las e dar prosseguimento à normalidade do convívio comunitário. Nas reuniões informais e nas assembleias entre os assentados, sempre existiam questionamentos sobre o que fazer para educar as crianças e os jovens assentados, pois antes da formação daquele assentamento a vida deles transcorria normalmente, as crianças e os jovens estudavam nas escolas próximas ou nas cidades onde moravam. No mesmo ano em que ocorreu a entrega do termo de posse aos assentados de Campo Verde (1997), o MST/PB, mesmo não auxiliando no período do acampamento, se fez presente numa reunião com os assentados e propôs a criação de um espaço de alfabetização para as crianças e os jovens daquele assentamento. Esta ação do MST resultou num convite para que as pessoas interessadas em alfabetizar as crianças e os jovens daquela comunidade recebessem treinamento específico em João Pessoa, além de um auxílio mensal de R$ 100,00 que seria pago durante a vigência do programa de alfabetização. Mesmo havendo auxílio financeiro, foram poucos os interessados, porém, algumas mulheres aceitaram a proposta e se deslocaram ao Teatro Paulo Pontes, na capital, para receber a devida formação ofertada pelo MST. Ao término da mesma, elas saíram em busca dos interessados para formar suas turmas de alfabetização. Esse intento de alfabetizar as crianças e os jovens do assentamento não vingou, mesmo depois de as turmas já estarem formadas. Nessa perspectiva, as famílias passaram a discutir nas assembleias a construção de uma escola para atender as crianças e os jovens no próprio assentamento. Tal reivindicação soou como justa pelas lideranças da comunidade, que passaram a exigir junto ao INCRA a construção de uma unidade escolar. Após os devidos esclarecimentos sobre essa reivindicação, aquela comunidade assentada foi orientada a buscar junto à prefeitura local a construção de uma escola na comunidade. Então, se deslocaram em comissão à sede do município para solicitar à Secretaria Municipal de Educação que assumisse o compromisso com a educação das crianças e dos jovens do assentamento. A prefeitura “forçadamente” acatou a proposta e assumiu o compromisso de contratação das professoras que haviam sido capacitadas pelo MST, fornecendo também o que era necessário para que as aulas tivessem início no ano seguinte. 1452 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO O ano de 1998 foi o marco dessa empreitada pela educação no assentamento, as aulas ocorriam no período da noite, no casarão da antiga Fazenda Imbé distante cerca de 30 minutos da agrovila. Todo o percurso de ida e volta era feito à pé pelas professoras e por cerca de 30 alunos que contavam com o auxílio de um lampião usado tanto para a caminhada quanto para a ministração das aulas. Essa iniciativa foi o primeiro e o mais importante passo para reestabelecer o convívio habitual das crianças e dos jovens com a escola. Ainda que a estrutura improvisada naquele momento não oferecesse grande estímulo à permanência desses jovens nas aulas, existiam muitos alunos que tinham interesse em aprender a ler e a escrever corretamente, conforme relatou uma das professoras que iniciou o processo de alfabetização com as crianças e os jovens daquele assentamento. Após alguns meses de caminhada, esse percurso se tornou muito cansativo para todos, pois durante o dia, as professoras e os jovens trabalhavam na roça e passados cerca de seis meses, muitos alunos já apresentavam indisposição para a caminhada ao antigo casarão, neste caso, uma das professoras muito preocupada com a evasão dos alunos, resolveu transferir as aulas para o terraço de sua casa, mesmo sendo pequeno para comportá-los era a melhor opção para continuar seu trabalho de alfabetização. Durante muito tempo as aulas ocorreram ali até a construção de um galpão ao lado da casa dessa mesma professora, e com a ajuda do seu marido, o construiu com recursos próprios. No galpão/escola, existia uma turma multisseriada de jovens e adultos da 1ª e 2ª séries do Ensino Fundamental I, já as crianças foram para o galpão da associação de trabalhadores rurais na própria comunidade. Como resultado desse interesse pela escolarização no próprio assentamento, essa iniciativa de alfabetizar as crianças e os jovens do assentamento se prolongou por mais dois anos. O mais importante nessa atitude, foi o fato de existir a preocupação com a educação das crianças e dos jovens daquela comunidade. O interesse de alfabetizá-los mesmo em condições desfavoráveis de infraestrutura foi imprescindível para que toda a comunidade entendesse que precisariam se mobilizar para construir uma escola e ofertar uma educação de mais qualidade para atender toda comunidade. A Educação no Campo foi uma causa que toda comunidade de Campo Verde não mediu esforços para conseguir. Na fala de uma assentada que vivenciou esse 1453 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO período, percebe-se a importância da implantação dessa unidade escolar dentro do próprio assentamento: Foi uma coisa muito boa, nós faláva que seria bom pra nossos filhos estudar aqui na vila mermo, a escola era uma coisa que tava faltano aqui, pois a terra nós já tinha conseguido, mas essa conquista só seria completa se nossas criança pudesse aprender a ler e a escrever pra não crescer sem sabedoria como nós (Agricultora assentada de Campo Verde, 2011). A preocupação dos novos assentados com a educação dos filhos e filhas fica demonstrada nesta fala. Outro detalhe significativo foi o entendimento de que seria bom que as crianças fossem escolarizadas no próprio assentamento, já que uma das alternativas utilizadas para que elas tivessem acesso à escola era o deslocamento para outras comunidades rurais, mais especificamente para a comunidade de Una de São José, distante cerca de 15 quilômetros do Assentamento Campo Verde, ou ter que se deslocar para estudar nas escolas da zona urbana. Nos movimentos sociais do campo, a discussão sobre o acesso à educação não se restringe ao fato de ela apenas ser ofertada aos camponeses, mas que seja ofertada onde eles estão. Portanto, eis a importância do conceito de Educação no Campo, ou seja, também educar onde os discentes vivem, sem ser obrigados a se deslocar para outros lugares em busca de um bem que poderia ser ofertado no mesmo local onde residem. Damasceno (1993) esclarece que a realidade da vida no campo não deve, em momento algum ser suprimida, pois ao analisá-la profundamente, pode-se enxergar suas perspectivas e aprender muito com elas. A autora afirma que Para isso, torna-se necessário captar e interpretar o sentido que os próprios camponeses tem de sua realidade, aprender com eles como vivem, como pensam, como produzem suas concepções, desvelando assim, sua mentalidade, suas novas direções e perspectivas (DAMASCENO, 1993, p. 54). No tocante à educação ofertada onde os discentes estão – no campo – é importante relembrar que essa educação também seja “do campo”, pois ela precisa ser pensada a partir da realidade desses discentes, ela precisa ser feita por eles e 1454 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO para eles, pela própria comunidade, por professores que conheçam a realidade camponesa, por militantes de movimentos sociais camponeses, enfim, por pessoas que mesmo não sendo camponesas, reconheçam que a realidade camponesa exige um tratamento diferenciado da realidade urbana. Por isso, não são poucos os assentamentos brasileiros que exigem e lutam por uma educação no campo e do campo. Essa prática de requerer a educação dos gestores públicos não foi uma atitude isolada dos assentados de Campo Verde, trata-se de uma tendência que vem ocorrendo com mais frequência, na medida em que os camponeses tomam conhecimento do que querem reivindicar coletivamente, estão exercendo seus direitos de cidadãos. Porém, nem sempre essas escolas camponesas que surgiram da reivindicação popular junto aos governantes locais trazem consigo uma educação “do campo”, mas são apenas escolas no campo, conforme abordado anteriormente. Sobre essa realidade do campo brasileiro, Batista (1996) esclarece que As demandas das lutas pela educação se dirigem ao Estado porque os movimentos entendem que é dele o dever de prover a educação pública. No entanto é preciso saber se essas lutas resultaram em alguma modificação/direção na política educacional adotada pelo Estado voltada para os interesses dos segmentos que reivindicam a educação pública (BATISTA, 1996, p. 147). A clareza encontrada na fala dessa autora, nos inquieta quanto às reais intenções daqueles que atendem as reivindicações das classes populares do campo brasileiro. Outro aspecto importante que deverá ser avaliado pelos movimentos sociais do campo é que nem sempre requerer algo significa que seja bom para todos. No caso específico da educação, não é interessante um assentamento rural receber do estado ou do município uma escola que ofereça uma educação dissociada de sua realidade camponesa, onde se destoa à própria ação da luta pela terra que os camponeses vivenciaram antes da criação do assentamento. A Educação do Campo é uma reivindicação justa dos camponeses e dos movimentos sociais do campo, como o MST e a CPT, que têm como aliados vários intelectuais, pesquisadores e instituições que defendem as causas camponesas, e que explicitam que os povos do campo não deverão ser excluídos da oferta de uma educação que atenda suas expectativas como camponeses que vivem e trabalham para garantir o andamento da sua produção familiar no campo, em contraposição às 1455 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO “plantations” que em geral, concentram renda e geram exclusão, além de causar dependência da nossa economia junto aos países importadores das nossas commodities agrícolas. Também é importante frisar que são muitos os casos de disputas por terras que, com recorrente vitória das elites sobre os camponeses, ocorre a eliminação da história de vida deles. Na maioria dos casos, eles são expropriados e expulsos das terras onde construíram, ao longo de décadas, uma história de trabalho, amor e dedicação ao campo, ao chão em que viviam. 3.1 A Escola Municipal João Alexandre da Silva e o Projeto Político Pedagógico (PPP) – realidade e desafios Só em 2000, três anos após a criação do assentamento, iniciou-se a construção de uma unidade escolar destinada a alfabetização das crianças e jovens do assentamento. A construção dessa unidade escolar obedeceu ao cronograma de construção de duas salas de aula, uma secretaria, dois banheiros e uma cantina. A escola foi inicialmente denominada de Escola Municipal de Campo Verde, em alusão ao nome do próprio assentamento, porém, em 2006 ocorreu sua ampliação com a construção de mais uma sala de aula, conferindo-lhe uma área construída de 341 m². Após essa reforma, a escola foi reinaugurada e passou a se chamar Escola Municipal João Alexandre da Silva, em homenagem a um antigo morador. A escola passou a oferecer o Ensino Fundamental I (1º ao 5º anos) diurno e EJA (1º ao 5º anos) noturno. Já outros jovens foram contemplados com um transporte escolar mais adequado para as localidades rurais mais próximas que tinham escolas com o ensino regular como o Ensino Fundamental II e o Ensino Médio. Apesar de a Escola João Alexandre da Silva atender formalmente às crianças e aos jovens do Assentamento Campo Verde, percebe-se que alguns desafios ainda estão postos, dentre eles, destaco o fato de que seu calendário, seu currículo escolar e suas metodologias empregadas no processo ensino-aprendizagem precisam se aproximar do que propõem a LDB 9394/96, a Resolução do CNE/CEB 1 – 2002 e ainda do documento produzido pela Articulação Nacional Por Uma Educação do Campo: Declaração de 2002, quando reconhecem que 1456 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Os povos do campo têm uma raiz cultural própria, um jeito de viver e de trabalhar, distinta do mundo urbano, e que inclui diferentes maneiras de ver e de se relacionar com o tempo, o espaço, o meio ambiente, bem como de viver e de organizar a família, a comunidade, o trabalho e a educação. Nos processos em que produzem sua existência vão também se produzindo como seres humanos (In: ARROYO; CALDART; MOLINA, 2008, p. 208). O que se espera de uma escola camponesa é que os elementos que compõem a cultura do campo sejam preservados, pois o campo apresenta suas próprias especificidades. Sua cultura é diferente da cultura urbana, não sendo mais possível admitir que tais escolas privilegiem mais a cultura urbana e secundarize a camponesa. Por isso, é que a mobilização em defesa da Escola do Campo ganha expressivamente mais defensores convencidos de que os povos do campo têm o direito de participar das discussões didático-pedagógicas que envolvem a educação que lhes é disponibilizada. Outro desafio aqui apresentado e que requer maior atenção da Secretaria Municipal de Educação é que a escola do Assentamento Campo Verde oferece como ensino regular apenas o Ensino Fundamental I (do 1º ao 5º ano), e ao concluir esse ciclo de estudos, a maioria das crianças do assentamento precisam se deslocar até a sede do município ou para a comunidade rural de Una de São José para cursar regularmente o Ensino Fundamental II e o Ensino Médio. Os pais unanimemente concordaram que o ideal seria que a Escola Municipal João Alexandre da Silva também oferecesse o Ensino Fundamental II, para que houvesse a possibilidade de seus filhos permanecerem mais tempo na própria comunidade. Esse anseio dos pais das crianças e dos jovens do Assentamento Campo Verde se coaduna com o entendimento de Ribeiro (2010, p. 173) quando afirma que “na atualidade, o movimento camponês faz um diagnóstico que evidencia a necessidade de políticas públicas dirigidas aos interesses dos trabalhadores da terra”. Segundo ela, existe a reivindicação de uma educação desde a Educação Infantil até o Ensino Médio, que por sua vez, representam o Ensino Básico no próprio espaço de vivência dos camponeses assentados. Analisando os Parâmetros Curriculares Nacionais de Geografia (1998), conclui-se ser importante associar o ensino da Geografia à realidade dos discentes, pois alguns conceitos básicos da Geografia como: Território, Região, Paisagem e 1457 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Lugar, estão tanto direta quanto indiretamente integrados à vida dos discentes e das pessoas como um todo, cabendo aos professores que estão mais próximos dos discentes assumir a responsabilidade de trazer à tona a discussão sobre a valorização da realidade vivenciada por eles: É imprescindível o convívio do professor com o aluno em sala de aula, no momento em que pretender desenvolver algum pensamento crítico da realidade por meio da Geografia. É fundamental que a vivência do aluno seja valorizada e que ele possa perceber que a Geografia faz parte do seu cotidiano, trazendo para o interior da sala de aula, com a ajuda do professor, a sua experiência (BRASIL – PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS DE GEOGRAFIA, 1998, p. 30). No caso dos discentes camponeses, sua realidade e experiências cotidianas não poderão ficar de fora do processo de ensino-aprendizagem, pois dialogar sobre o dia-a-dia desses educandos facilitará a prática do ensino e estimulará neles o desenvolvimento da capacidade crítica de pensar, repensar e transformar para melhor o lugar onde vivem, tendo por base a concepção do coletivo e do comum. Para Pontuschka; Paganelli; Cacete (2009, p. 75) os PCN’s de Geografia, elaborados para uso no Ensino Fundamental, “propõem um trabalho pedagógico que visa ampliar as capacidades dos alunos de observar, conhecer, explicar, comparar e representar as características do lugar onde vivem”. Entretanto, para que esses objetivos sejam plenamente alcançados é preciso que haja um trabalho articulado pelos docentes no sentido de trazer o cotidiano dos educandos para sua pauta de atuação pedagógica. 4 – Resultados O principal resultado das pesquisas bibliográfica, documental e de campo realizadas entre os anos de 2009 e 2011 foi a produção de uma dissertação de mestrado defendida em agosto de 2011 no Programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal da Paraíba. Além, claro, de uma série de rodas de conversas com docentes, discentes, lideranças sindicais e comunitárias sobre a importância da educação do/no campo, sobre o PRONERA e sobre a importância do ato político que os assentados tiveram ao ocupar a Secretaria Municipal de Educação exigindo a construção de uma escola para atender seus filhos. 1458 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO No entanto, destaco que o principal objetivo deste trabalho acadêmico foi o de contribuir criticamente para que alguns pontos educacionais estruturantes relativos à educação camponesa sejam reavaliados pela direção da escola, pelos docentes e pela Secretaria Municipal de Educação. Entendemos que os diversos temas aqui discutidos se prestem a melhorar quantitativamente e principalmente qualitativamente os investimentos na educação camponesa, não apenas na escola pesquisada, mas também nas outras escolas dos assentamentos rurais do município paraibano de Pedras de Fogo. 5 – Considerações finais Depois de toda perseverança a escola foi construída através do esforço coletivo e da perseverança daqueles que acreditaram na luta pela educação no/do campo. Foi um ato politizado, mesmo partindo majoritariamente de pessoas sem grande instrução escolar, mas com uma grande instrução da vida. Hoje, é significativo o número de jovens e adultos que conseguiram uma formação técnica ou superior graças ao empenho das assentadas e assentados de Campo Verde que não se conformaram apenas com a posse da terra, mas que entenderam que a educação os ajudaria a permanecer nela. Romper diversas barreiras impostas pela burocracia governamental e pela elite latifundiária é uma árdua missão, mas que se traduz num grande momento de união e empoderamento por parte dos camponeses que descobriram desde muito tempo que lutar coletivamente é uma das principais armas contra o descaso e a falta de políticas públicas adequadas para os povos do campo. 6 – Referências ARROYO, M. G; CALDART, R. S; MOLINA, M. C. (Orgs.). Por uma educação do campo. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2008. BATISTA, M. S. X. Os movimentos sociais e as lutas por educação. In: CALADO, A. J. F. (Org.). Movimentos Sociais, Estado e Educação no Nordeste. João Pessoa: Idéia, 1996. p.137-154. BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Resolução CNE/CEB n.º 02, de 11 de setembro de 2001. Diretrizes 1459 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Diário Oficial da União, 14 de setembro de 2002. BRASIL. LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL - LDB: Lei nº 9.394/1996 – 2. ed. – Rio de Janeiro: Lamparina, 2010. BRASIL. PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: GEOGRAFIA – Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. DAMASCENO, M. N. A construção do saber social pelo camponês na sua prática produtiva e política. In: THERRIEN, J; DAMASCENO, M. N. (Coords.). Educação e escola no campo. Campinas: Papirus, 1993. p.53-73 (Coleção Magistério: Formação e trabalho pedagógico). PONTUSCHKA, N. N; PAGANELLI, T. I; CACETE, N. H. Para ensinar e aprender Geografia. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2009. (Coleção Docência em Formação – Série Ensino Fundamental). RIBEIRO, M. Movimento camponês, Trabalho e Educação: liberdade, autonomia, emancipação: princípios/fins da formação humana. 1. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010. 1460