UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA Faculdade de Direito Licenciatur a em Dir eito Ano Lectivo 2013-2014 1.º Ano - 2.º Semestre Finanças públicas: capítulo 1 Mestre Guilherme Valdemar Pereira d’Oliveira Martins Lisboa 2014 1/14 UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA NOTA - Os sumários que se seguem constituem apenas e fundamentalmente um roteiro de estudo. Não se trata de uma exposição exaustiva da matéria. São, assim, um instrumento importante mas nunca exclusivo, designadamente para o acompanhamento tutorial. De modo sintético, indica-se os temas, as referências fundamentais e, no final de cada capítulo, a bibliografia. O método usado obriga, assim, a uma preparação e acompanhamento permanentes das aulas e a um contacto constante com os elementos de estudo (através de apontamentos das aulas, de sumários, da bibliografia fundamental e de trabalhos práticos). Só considerando os sumários como um roteiro ou guião poderemos retirar deles a sua plena utilidade. G.O.M. Capítulo I - Conceito de Finanças Públicas 1.1 1.2 1.3 1.4 1.5 1.6 1.7 Finanças públicas e finanças privadas. O fenómeno financeiro público. Poder e economia: ordenação, intervenção e atuação económicas. Provisão pública de bens. Regulação económica e escolha pública. A escolha pública e a preservação da concorrência. Grupos de interesse e defesa do interesse geral. Capítulo I - Conceito de Finanças Públicas. 1.1. Finanças públicas e finanças privadas. Quando falamos de Finanças Públicas referimo-nos “à atividade económica de um ente público tendente à afetação de bens à satisfação de necessidade que lhe estão confiadas” – na expressão emblemática do Professor António de Sousa Franco. Enquanto neste caso estamos perante a atividade de entes públicos ou perante a utilização de dinheiros e valores públicos, falamos, por contraponto, de Finanças Privadas para referir os aspetos monetários do financiamento de uma economia, incluindo as questões ligadas à moeda, ao crédito, aos mercados financeiros, nos quais se transacionam ativos representados por títulos a médio e longo prazos. Na terminologia usada pela Escola do Direito Financeiro de Lisboa fundada pelo Prof. Sousa Franco fala-se de fenómeno financeiro quando respeita à Finanças Públicas e de fenómeno financial quando está em causa a moeda e o crédito e as Finanças Privadas. 2/14 UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA A palavra finanças tem origem no latim finis, finis – que significa termo, fim, prazo ou fronteira. Etimologicamente tem-se em consideração que na atividade financeira lidamos com o cumprimento de obrigações que têm um prazo de amortização. Nesse sentido, a palavra originária tem a ver com a atividade de financiamento da economia. Por extensão, as finanças públicas relaciona-se com o financiamento público da economia. Assim, na encruzilhada entre as decisões sobre a satisfação das necessidades coletivas e o prosseguimento do interesse público encontramos o fenómeno financeiro público e as finanças públicas. Importa, porém, dizer que, na mais recente jurisprudência do Tribunal de Contas, na sequência da Lei nº 48/2006, de 29 de Agosto, a perseguição do dinheiro público, onde quer que ele se encontre, corresponde a uma ideia moderna segundo a qual não basta analisar a atividade dos entes públicos, em sentido estrito, tornando-se necessário considerar a atividade pública objetivamente, apurando-se como é utilizado o dinheiro e os valores públicos e se os mesmos respeitam o interesse público e o bem comum. Em suma: a) em sentido orgânico, estamos perante os órgãos do Estado ou de outros entes públicos a quem compete gerir os recursos destinados à satisfação de necessidades sociais. b) em sentido objetivo, estamos perante a atividade através da qual o Estado ou outro ente público afeta bens económicos à satisfação de necessidades sociais. c) em sentido subjetivo, estamos perante a disciplina científica que estuda os princípios e regras que regem essa atividade. 1.2. O fenómeno financeiro público. Torna-se necessário garantir a satisfação de necessidades sociais por entes públicos em virtude de o mercado, só por si, espontaneamente, não assegurar a compatibilidade entre eficiência e equidade. A atual economia de mercado tem diversas limitações que se prendem com a desigualdade na distribuição da riqueza, a instabilidade na provisão de necessidades, o custo crescente dos serviços públicos, as situações monopolísticas abundantes e crescentes, a existência de exterioridades, bem como a má distribuição de bens públicos e de recursos entre o presente e o futuro. Por 3/14 UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA isso, torna-se indispensável aperfeiçoar os meios de regulação pública relativamente à economia, a fim de assegurar um equilíbrio entre a concorrência e uma justa distribuição de recursos. A economia de bem-estar pressupõe sempre a consideração não só das necessidades individuais, mas também da coesão social. É preciso ter em consideração o que Arthur Cecil Pigou (1877-1959), da escola de Cambridge, dizia sobre o bem-estar económico. Esse tema tornou-se hoje, aliás, de uma importância crucial, uma vez que as despesas públicas têm de ser limitadas, em razão da equidade inter-geracional, não podendo esquecer-se o resultado em temos de qualidade de vida dos cidadãos, harmonizando equidade e eficiência. O objetivo natural da atividade económica corresponde ao aumento geral do bem-estar, que depende, por sua vez, de duas condições essenciais: o aumento do rendimento nacional e a distribuição desse rendimento. Num momento em que o endividamento atingiu níveis incomportáveis, é essencial ponderar com especiais cautelas custos e benefícios não formalmente, mas atendendo à vida das pessoas concretas e às respetivas necessidades humanas. O Estado, para A. C. Pigou, deve intervir, assim, através de meios tributários e outros, no sentido de corrigir a distribuição de rendimentos. Mas corrigir não pode significar qualquer dirigismo ou limitação da livre iniciativa e do direito de propriedade. Para cada sujeito económico o ponto ótimo de oferta de bens públicos é aquele em que a utilidade marginal dos bens públicos é igual à desutilidade marginal do imposto. Importa, pois, ter sempre em consideração a relação entre o pagamento de impostos e a provisão de bens públicos. Deste modo, A. C. Pigou considera que o aumento do bem-estar económico pode não traduzir-se em bem-estar social. Este exige, em abstrato, a igualdade entre todos, porque só então seriam iguais as utilidades marginais de todos os sujeitos económicos. No entanto, tal igualdade não existe de facto, além de pôr em risco a liberdade individual. Por outro lado, a manutenção de níveis elevados de poupança afetaria o bem-estar económico. A igualdade é, assim, uma referência, que não pode perder-se, havendo, porém, que proceder à correção permanente das variáveis económicas, a fim de harmonizar eficiência e equidade, corrigindo, designadamente, os desajustamentos entre poupança e investimento. O fenómeno financeiro público está, deste modo, sempre confrontado com a necessidade de considerar permanentemente o equilíbrio entre utilidade dos bens públicos e desutilidade do imposto. Só haverá bem-estar social se a desutilidade resultante do imposto for inferior à utilidade assegurada pela provisão dos bens públicos. 4/14 UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA Assim, a distribuição da carga fiscal deve assentar nos princípios segundo os quais: (a) os desiguais devem ser tratados desigualmente, de acordo com uma diferenciação positiva e (b) a redução das desigualdades aumenta o bem-estar geral. Neste sentido, o imposto deve ser repartido segundo as capacidades contributivas dos cidadãos, devendo as despesas públicas ser postas ao serviço da justiça distributiva. Nesta ordem de ideias A. C. Pigou procurou formular um ótimo social, correspondente ao máximo de benefícios para a comunidade, procurando precisar em que condições a perda de utilidade para alguns membros pode resultar em melhoria do bem-estar social do conjunto. O fenómeno financeiro que estudamos concretiza-se através de instituições financeiras públicas. Com efeito, para garantir um equilibrado provimento das necessidades sociais os Estados modernos dispõem de instituições financeiras de enquadramento, que são modos de natureza constitucional, legislativa ou orgânica que visam racionalizar e controlar o processo social de exercício da atividade financeira pública. As principais instituições financeiras de enquadramento são: a Constituição Financeira; os órgãos de decisão financeira (Assembleia da República, Governo, Regiões Autónomas, Autarquias locais etc.); o aparelho orgânico da administração e gestão financeira (v.g. Ministério das Finanças); os planos financeiros relativos à previsão, execução, controlo e responsabilidade financeira (Orçamento do Estado, Grandes Opções do Plano); o património público; o tesouro público; o crédito público. Podemos caracterizar o património público como o conjunto dos bens (duradouros e não duradouros, do domínio público e do domínio privado) de que o Estado dispõe para satisfazer as necessidades sociais. Por sua vez, o tesouro público é a instituição destinada a centralizar todos os recebimentos e pagamentos do Estado. E o crédito público designa o conjunto de operações de endividamento e de gestão da dívida pública praticadas pelo Estado a fim de obter meios de liquidez para a cobertura das suas obrigações. O Orçamento de Estado, como veremos de espaço, é uma previsão, em regra anual, das despesas a realizar pelo Estado e dos processos de as cobrir, incorporando a autorização concedida à Administração Financeira para cobrar receitas e realizar despesas e limitando os poderes financeiros da Administração em cada período anual (A. Sousa Franco). O Orçamento do Estado comporta três elementos: económico (uma 5/14 UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA vez que estamos perante uma previsão de gestão orçamental - tratando-se de um plano financeiro); político (já que é uma autorização política da Assembleia da República - tratando-se de uma competência indelegável no Governo, que apenas detém o poder de execução orçamental) e jurídico (uma vez que é o instrumento pelo qual se processa a limitação de poderes dos órgãos da Administração no domínio financeiro). As funções orçamentais são (a) económicas, ligadas à racionalidade, à eficiência e à transparência; (b) políticas, inerentes à garantia dos direitos fundamentais e à garantia do equilíbrio e separação de poderes; e (c) jurídicas, ligadas à limitação dos poderes executivos, a partir do respeito do princípio do consentimento. Os Parlamentos e a Democracia Representativa (em especial com as revoluções inglesa e americana) criaram-se e desenvolveram-se em torno do princípio do consentimento - considerando que não deveria haver imposto sem representação - no taxation without representation. Os representantes dos contribuintes dão o seu acordo ao lançamento de impostos e à realização de despesas. Os Parlamentos são, assim, verdadeiras "câmaras de impostos". Os sistemas eleitorais evoluíram nessa lógica. Primeiro, o sufrágio era censitário, só votando os que eram proprietários ou tinham rendimentos. Só depois veio o sufrágio universal, envolvendo todos os cidadãos e coincidindo com o surgimento do Estado social e dos sistemas universais de proteção social. Compreende-se, deste modo, a importância das modernas Constituições Financeiras. Com base nesta exigência de consentimento parlamentar dos Orçamentos há um conjunto de regras constitucionais que têm de ser respeitadas - anualidade, unidade orçamental, universalidade, discriminação orçamental (incluindo a especificação, a não compensação e a não consignação), publicidade equilíbrio e solidariedade inter-geracional (cf. artigos 105º,106º e 107º da Constituição da República e Lei de Enquadramento Orçamental). 6/14 UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA 1.3. Poder e economia: ordenação, intervenção e atuação económicas. Recapitulemos o que já estudámos anteriormente. Como vimos na Introdução à Economia, na relação entre o poder político e a economia, temos de referir, de um lado, a ordenação económica, através da qual o Estado define e executa padrões e quadros no âmbito dos quais vai desenvolver-se não só o comportamento dos entes públicos como o dos sujeitos económicos - desde a Constituição Económica à regulamentação pública da economia, passando pelas leis, e pela organização das instituições relevantes para a vida económica. Mas, além da ordenação económica, temos a atuação económica, a intervenção económica e a direção económica do Estado. Na atuação económica, o Estado age por si próprio, como se fosse um qualquer sujeito económico privado, formulando escolhas e opções económicas, que não visam, porém, alterar os comportamentos de outros sujeitos económicos, devendo estar sempre pautadas pela defesa e salvaguarda do interesse público. Através da intervenção económica, o Estado tenta modificar a forma natural como os agentes económicos atuariam, quer através das políticas económicas quer através de ações pontuais através das quais se pretende melhorar a eficiência económica. Na direção económica, característica dos sistemas coletivistas o Estado modifica os quadros gerais da atividade económica, procurando substituir-se ao próprio mercado. Nas economias de mercado, apenas a ordenação, a atuação e a intervenção de Estado são compatíveis com a liberdade económica e a prevalência dos critérios de regulação ligados ao mercado. 1.4. Provisão pública de bens. Como sabemos, as incapacidades do mercado obrigam à ação dos entes públicos ou coletivos visando corrigir ou substituir a lógica do mercado. Trata-se de garantir a existência de melhores níveis de bem-estar social e de harmonizar equidade e eficiência. Lembremo-nos do bem conhecido exemplo do farol. A sua criação e o seu funcionamento não se atêm às regras do mercado, já que a necessidade desse equipamento é sentida por todos quantos façam navegação na costa. Não é possível 7/14 UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA dizer quem é beneficiário exclusivo da utilidade prestada pelo farol, pelo que não se pode fixar um preço correspondente a essa satisfação de necessidade. Todos podem usar o farol sem se prejudicarem mutuamente e sem entrarem em concorrência. Se um sujeito privado quiser construir um farol fá-lo-á por sua conta e risco, sem possibilidade de se fazer ressarcir do investimento que tenha feito. Só se possuir um poder de autoridade para impor uma taxa de utilização às embarcações que reúnam determinados requisitos ou para criar um imposto é que poderá amortizar o encargo assumido. À parte as situações em que seja possível, para a provisão de necessidades por bens coletivos ou financeiros, criar mecanismos de cooperação (associações de socorros mútuos) ou de exclusão (corpo de bombeiros privativo de uma empresa ou de um grupo de pessoas), a regra exige o recurso a um poder de autoridade (atributo normal do Estado) para produzir os bens indispensáveis à satisfação de necessidades coletivas. Se a questão se põe na produção de bens, coloca-se igualmente na respetiva provisão para uso público. David Hume (1711-1776) falava, por isso, do exemplo do uso de um relvado comunitário. Para evitar o abuso ou o mau uso do mesmo, haveria que definir regras e que criar uma autoridade que pudesse disciplinar e regular essa utilização. O altruísmo e os mecanismos espontâneos de regulação económica não são suficientes para garantir uma satisfação equilibrada de necessidades, é indispensável haver mecanismos de enquadramento e incentivo para que o altruísmo prevaleça sobre o egoísmo. Os entes públicos intervêm, assim, para socializar as exterioridades, criando infraestruturas (estradas, canais, caminhos de ferro…) ou investindo na saúde, na educação, no ambiente… Assim, a provisão de bens públicos por entidades públicas dotadas de jus imperii tem diversas características, bem precisas: (a) Visar a prossecução do interesse geral – ou pelo menos a integração da atividade de órgãos e entidades que têm esse fim; (b) Corresponder não só a uma duração ilimitada ou à ausência de um horizonte temporal mas também a uma capacidade para assumir risco superior à de outros grupos contratuais; (c) Implicar a existência de um poder de autoridade, donde resulta a capacidade de impor regras e de assegurar a sua coercibilidade; 8/14 UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA (d) Ter uma dimensão adequada para responder a problemas complexos de grande dimensão. Os últimos anos têm-nos posto, porém, de sobreaviso relativamente à importância dos bens coletivos e dos bens públicos. Procura-se distinguir, com muita clareza, a resposta às incapacidades de mercado, da consideração das incapacidades de intervenção e das tentações de alargar a atividade produtiva a entes públicos cuja ação não implica uma maior eficiência na satisfação de necessidades. O Estado dirigista ou o Estado produtor apresentam resultados insatisfatórios quanto ao bem-estar social, até pelas razões prenunciadas por Pigou, que obrigam a procurarmos novas formas de organização do Estado como catalisador de iniciativas e de energias e como impulsionador e regulador da vida económica e financeira. A crise financeira recente demonstra que o fenómeno financeiro público é fundamental para que a coesão social e a confiança possam funcionar. 1.5. Regulação económica e escolha pública. A satisfação das necessidades públicas é analisada não apenas sob o prisma do interesse geral, mas também na lógica da utilidade e do mercado. A escola da escolha pública (public choice) nasceu no início dos anos sessenta do século XX na Universidade de Chicago baseando-se nos princípios e instrumentos que os economistas utilizam para analisar as atitudes dos sujeitos económicos no mercado. Há, assim, uma análise económica a partir das decisões de carácter coletivo e não das atitudes individuais. Os economistas da escola da "escolha pública", na qual se destacou James McGill Buchanan (1919-2013), consideram que existem, com idêntica importância, não só falhas ou incapacidades de mercado, mas também falhas de governo. "Tal como o mercado - afirma Gordon Tullock (1922), autor com J. Buchanan de The Calculus of Consent -, o Estado é concebido como um instrumento através do qual os homens tentam realizar os seus objetivos". A escola da “escolha pública” usa, deste modo, os mesmos princípios que os economistas usam para analisar as ações das pessoas no mercado e aplica-os às ações das pessoas na tomada de decisões coletivas. O homem político age como o homo oeconomicus e pensa nas hipóteses que lhe oferece o mercado político, em especial no tocante à reeleição, ao mesmo tempo que pondera o interesse geral. O crescimento do Estado é, deste modo, o produto de um 9/14 UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA sistema centrado nos interesses eleitorais relevantes e nos grupos de pressão. Os agentes do Estado tendem a seguir esta mesma lógica. A burocracia, o centralismo, bem como a ineficiência resultantes da não consideração dos instrumentos inerentes à ponderação dos custos e benefícios e à transparência nas decisões constituem elementos que definem as falhas de governo. Para os autores da "escolha pública", existe uma ausência grave de incentivos a que os eleitores supervisionem eficazmente o governo para lhe exigirem a prestação de contas (accountability). Há, pelo contrário, um incentivo à ignorância na condução dos assuntos públicos - em virtude do funcionamento do “mercado político e eleitoral” e da convergência entre os interesses ligados à necessidade de obter votos e a pressão dos lobbies. Ao invés do que acontece, em regra, com a iniciativa privada, as decisões nos espaços públicos são marcadas pela força dos grupos de interesses e não da estrita eficiência económica. Os escândalos financeiros (Enron, Parmalat, Madoff, «crash» do Outono de 2008, etc.) com a manipulação da contabilidade e a falsificação de resultados por grandes empresas, designadamente por insuficiência da regulação e da auditoria, passaram, contudo, a colocar a necessidade de encontrar novos instrumentos de defesa do interesse geral e de regulação independente quer relativamente aos governos, quer em relação às grandes empresas transnacionais e ao mercado em geral, sujeito a intensa concorrência global e à necessidade de apresentar resultados imediatos. Para a escola da escolha pública, os legisladores tenderiam a atuar de forma dispendiosa para os contribuintes - por haver poucos incentivos a uma boa gestão do interesse público. O certo é que, quanto mais rígido é o sistema, mais se torna vulnerável à intervenção dos grupos de interesses e de grupos de pressão. A complexidade dos procedimentos, a falta de transparência na sua condução favorece a opacidade. Albert O. Hirschman (1915-2012) refere, por isso, que a perda de qualidade dos serviços públicos está na raiz da Crise do Estado Providência, encontrando na lealdade, na voz ou na saída respostas para o declínio. Importa que os valores sociais, a participação e os projetos futuros funcionem como mobilizadores da mudança e da melhor satisfação das necessidades. Por outro lado, Mancur Olson (1932-1998), parte da mesma ideia de predomínio burocrático e de vulnerabilidade à ineficiência, estudando os casos das economias japonesa e alemã e concluindo que estas 10/14 UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA prosperaram depois de 1945 porque a guerra destruiu o poder que tinham os interesses administrativos e burocráticos instalados para reprimir o espírito empreendedor e a atividade comercial. Quer Hirschman quer Olson põem a tónica na necessidade de superar a inércia burocrática de modo a melhorar a capacidade criadora da sociedade (mais do que a mera produtividade ou a competitividade como fins em si). A participação dos cidadãos e o incentivo ao desenvolvimento dos poderes locais e de outros poderes de controlo da sociedade civil seriam meios para romper com o ciclo vicioso das falhas de intervenção do governo e da ineficiência do Estado e do sector público. A fixação da agenda política identifica as opções dos eleitores e influencia os resultados políticos. Em "The Calculus of Consent" (1962), J. Buchanan e G. Tullock referem, por isso, a necessidade de romper a influência perversa dos interesses particulares. Para Buchanan há uma distinção entre dois níveis de escolha pública – o nível inicial onde a Constituição é escolhida e o nível pós-constitucional. No primeiro definem-se as regras de um jogo, no segundo joga-se de acordo com as regras antes definidas. Estamos, assim, perante a noção de "economia constitucional", relativa aos grandes princípios a que a vida económica deve subordinar-se, bem como perante a necessidade de uma ideia segundo a qual uma boa escolha coletiva seria a que todos os eleitores apoiassem. Partindo de um célebre ensaio de Knut Wicksell (1851-1926) do ano de 1896, onde o economista sueco afirmava que só os impostos e as despesas públicas aprovadas unanimemente teriam justificação, Buchanan e Tullock põem a tónica na importância dos sujeitos beneficiários dos programas públicos. Os autores de “The Calculus of Consent” contrariam, assim, de modo frontal, a ideia (por vezes repetida, mas contra o que Pigou ensinou) de que não há ligação entre o que o contribuinte paga e os benefícios auferidos através dos serviços públicos. Em questões marcantes para o futuro da sociedade, com repercussões de médio e longo prazos, para além dos mandatos eleitorais e dos tempos eleitorais, haveria necessidade de obter consensos alargados, para além das simples maiorias circunstanciais. Buchanan e Tullock consideram, assim, a pertinência do conceito de ótimo de Vilfredo Pareto (1848-1923) na ponderação do bem-estar geral, em especial aquando da tomada de uma decisão parlamentar ou legislativa. Só assim poderá limitar-se os poderes e a influência dos Governos e maximizando a racionalidade e a eficiência. 11/14 UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA 1.6. A escolha pública e a preservação da concorrência. Os agentes económicos conduzem a sua ação, ligando-a ao funcionamento do "mercado político" das eleições. Na lógica paretiana, parte-se da ideia de que haveria uma situação ótima quando ninguém saísse prejudicado pelo facto de alguém conseguir aumentar o seu nível de bem-estar. Há, no entanto, áreas significativas de perda de bem-estar, fruto da ineficiência e do desperdício. James Buchanan e a escola da public choice põem em causa que a intervenção e a regulação públicas consigam eliminar essas áreas de perda absoluta de bem-estar, quando procuram ultrapassar as falhas de mercado. O direito da concorrência e as leis antitrust poderiam, nesta ordem de ideias, revelarse ineficientes - até perante a tendência para a mundialização do comércio internacional. O abuso de posição dominante passaria a verificar-se no âmbito global, mas a escala mínima de eficiência passaria a gerar mais dificilmente monopólios naturais. Continua, porém, a justificar-se plenamente a continuação do combate pela concorrência a partir das políticas públicas ou pela manutenção e ampliação das condições concorrenciais. Importa valorizar o equilíbrio na ponderação da regulação pública (no sentido de manter níveis satisfatórios de concorrência) e da liberdade económica (no sentido em que as falhas de mercado devem ser vistas em paralelo com as falhas do governo) … Deste modo, o Estado intervém na economia por diversas ordens de razões: (a) a promoção da eficiência comprometida por falhas de mercado; (b) a necessidade da superação da disparidade entre eficiência e bem-estar social, originada pela existência de "exterioridades" ou (c) a exigência de superação da injustiça das preferências dos consumidores ou das regras de distribuição da riqueza… No entanto, o comportamento do Estado e dos diversos entes públicos vai refletir os interesses e as escolhas de um número significativo de pessoas e as naturais resistências a mudanças que se traduzam em maior eficiência e racionalidade. Não 12/14 UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA sendo a escolha pública individual, mas resultando da convergência de vontades e interesses, compreende-se a importância da ponderação da dimensão do mercado bem como dos resultados que em concreto se visa obter. 1.7. Grupos de interesse e defesa do interesse geral. Perante os interesses divergentes que coexistem num determinado momento na sociedade e na economia, torna-se necessário encontrar um ponto em que haja uma composição de interesses racional e eficiente. Os grupos de interesses e os "lobbies" (sindicatos, confederações patronais, associações de consumidores e contribuintes etc.) tendem a defender posições adquiridas ou a procurar reforçar a situação dos seus representados. As decisões públicas, designadamente envolvendo opções eleitorais, tendem a não seguir os critérios de eficiência e a não ter em consideração custos e benefícios. Numa situação democrática, é a posição do "eleitor mediano" que definirá em princípio a escolha. Esse votante mediano representa uma exígua minoria, mas consegue decidir a seu favor as votações em alternativa. Nas sociedades democráticas tende a haver bipolarização nas opções, mas as forças alternantes tendem a adotar posições próximas e consensuais, inclinando-se no sentido da posição do "eleitor mediano", que se torna decisivo na adoção das opções da sociedade. Assim, a ação política, em lugar de uma ponderação objetiva e igualitária dos interesses em presença, pode favorecer posições particulares e concentrar-se na gestão equilibrada desses interesses prioritários. Deste modo, os grupos de interesses procuram maximizar no mercado de favores políticos. Os grupos fazem prevalecer um efeito de "renda" para os respetivos interesses. Quanto mais aguerridos e coesos forem, melhores resultados obtêm. O “mercado político” distribui-se, assim, pela procura constituída pelos votantes que procuram condicionar os eleitos e pela oferta dos políticos eleitos, que procuram maximizar o respetivo excedente (renda económica expressa em votos) e pelos burocratas que procuram maximizar a respetiva influência e poder nos procedimentos de decisão pública. Enquanto para os defensores da teoria da escolha pública há ceticismo quanto à eficiência económica das decisões, em virtude da ignorância racional dos eleitores, dos custos da informação e do risco moral em que incorrem os decisores políticos, para os defensores da teoria do interesse público a eficiência pode ser alcançada, desde que haja por parte dos eleitores um grau suficiente de 13/14 UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA informação e uma escolha racional que lhes permita contribuir para as melhores soluções. A defesa do interesse geral tem, assim, de considerar as virtualidades e as limitações da atuação do Estado. De um lado, temos a produção de bens públicos e a promoção de atividades criadoras de exterioridades positivas (v.g. na proteção do ambiente); de outro, temos os bloqueamentos inerente ao respeito da legalidade e da transparência, à prestação de contas anual, à alternância do poder e à existência de ciclos eleitorais e à assimetria e insuficiência informativas inerentes à dimensão do Estado. Tudo isso, determina que o interesse público exija um esforço redobrado de racionalização de modo a que os custos não excedam os benefícios e que a retificação das falhas dos mercados não origine falhas de intervenção. Numa palavra: o interesse público corresponde ao bem comum, isto é, à compatibilização entre a adequada satisfação individual das necessidades, com a salvaguarda da justiça distributiva e do interesse geral. Bibliografia António L. de Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito Financeiro, Almedina, Reimpressão, Coimbra, 2007, pp. 3-45. Guilherme d’Oliveira Martins e all., Lei de Enquadramento Orçamental Anotada e Comentada, Almedina, 2ª ed., Coimbra, 2009. Maria d’Oliveira Martins, Lições de Finanças Públicas e Direito Financeiro, Almedina, 2013. J.J. Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, Coimbra Editora, 1989, pp. 15-49. Paulo Trigo Pereira e all., Economia e Finanças Públicas, Escolar Editora, 2007. 14/14