Capítulo 38 O “Quarto Selo” Um tempo: Sócrates. Dois tempos: Jesus e João. A metade de um tempo: o retorno de Jesus, que, bem mais realista, dispor-se-á a salvar apenas a metade de um tempo, não mais um tempo inteiro, não mais um sacrifício. Disse ele que seria em breve, mas não foi, e aí sim os seus opositores o tripudiaram, venceram-no por estes milênios, durante os quais o homem encontrou muitas formas de inibir e encobrir a sua mensagem de amor. Um tempo: Jesus e Judas; João. Dois tempos: a Igreja; o Renascimento. A metade de um tempo: a vinda do Salvador, que terá de travar uma grande luta. E é como se agora eu fosse, depois de mais de mil e novecentos anos, o espírito de João na terra, aquele com quem Cristo mais se identificara, ou aquele que fora Cristo. Dizem as pesquisas que Maria Magdala era de importância extrema no começo do Cristianismo, de modo que João poderia ter sido, com ela, o casal que semearia pela Terra aquele grande movimento histórico. Terá sido ela a apóstola que inspirou João a tornar-se o “ungido”, ou “escolhido”? Nunca saberemos, ou talvez venhamos a saber, mas não faz diferença. Em João, 21:23, está escrito que disse Jesus a Pedro, sobre João: “Se eu quero que ele permaneça até que eu venha, que te importa?”. Afinal, negara-o três vezes! Seria o seu arrependimento, a dúvida que sentiu diante do fracasso que, por pouco, levou-o à morte? O que importa é que, neste justo momento, um rio de sangue sai de mim, deparado que me encontro com a planície que se vai constituindo destes desfiladeiros, num só patíbulo unificados. Um rio de sangue que penderá para leste ou para oeste, e que é a passagem de Deus através de Mim e a garantia da vida no planeta. Heidegger vem bem a calhar nesta hora, no que nos ensina, pois, diante da linguagem simbólica, não parecem importar os significados tanto quanto os sentidos. De um livro como o Apocalipse, posso conquistar um sentido ao meu ser, propondo-me assim a uma missão. Esse rio do meu sangue, que não cessa de correr pela terra, é o rio que salvará da morte a muitos. Porque, afinal de contas, que importam todos os símbolos dos livros, quando o maior benefício que pode ser conquistado com toda essa manifestação é o amor que integra homens e mulheres? E o que há demais em achar bonito e belo, em querer ter ao alcance da mão o falo de alguém do mesmo sexo, quando existe o amor? Filipe, no seu evangelho apócrifo, sente ciúme de Jesus e Maria Magdalena, na seguinte passagem: “E a companheira do Salvador é Maria Magdalena. Cristo amava-a mais do que a todos os discípulos e costumava beijá-la com frequência na boca. O resto dos discípulos ofendia-se com isso e expressavam sua desaprovação. Diziam a ele: 'Porque tu a amas mais do que a nós todos?'”. Existem também os importantes evangelhos da própria Maria Magdalena, o Evangelho Segundo Judas e o Evangelho segundo Tomé. Será que não eram bissexuais propriamente ditos? No Evangelho segundo Judas, está escrito que ele não traiu Jesus, e eu entendo, a partir da interpretação que faço de passagens de Marcos e Mateus, que Jesus apenas se entregou à crucificação porque estava ciente de que iriam tirá-lo da cruz, e mesmo de que iriam poupá-lo politicamente, pelo simples fato de que ele não tinha culpa alguma perante Roma, de modo que Pilatos, pasmo, tomou para si a missão de protegê-lo contra aqueles que o odiavam, combinado com José de Arimateia. A abertura deste “Quarto Selo” não contém nenhuma nova revelação que o mundo já não conheça, não apresenta portas de saída, indiferente que é aos nossos rogos ansiosos, visto que apenas nos faz confrontar e finalmente reconhecer a nossa fé. É como se ficássemos na escuridão e devêssemos, através de nossa fé, “dar um salto no escuro, nos braços de Deus” lembrando-nos de Kierkegaard. Ou podemos ainda dar um salto nos braços de Deus, mas movidos pela luz do Espírito Santo, o Deus Absoluto que olha por nós, ou quando olha por nós – este é o sentido original da expressão, por certo. Temos no Espiritismo, na descoberta de novos evangelhos e na correlação possível entre os acontecimentos mundiais com o que foi escrito na “Revelação”, a certeza de que devemos agora distinguir, com nossos esforços, a Besta do restante da humanidade, afastar a ignorância humana que ela representa. Fábio Jun Sugawara, um amigo que é budista, dirá em duo comigo, este pagão, que a revolução é espiritual, não passando pelo metal e pelo fogo. Só podemos lutar pelas nossas vidas, cuidando para que não aconteça nada com elas, para que não sejamos feridos ou combatidos por aqueles que não entenderão nossa atitude de desprezo pelos bens da terra, que têm o sabor do fruto proibido. Outros pontos importantes devem ser revelados aqui, neste capítulo dedicado a Herodíade. O primeiro é que as sete Igrejas a quem João dirige sua mensagem correspondem, em linhas gerais, ao que simbolizei na forma das sete cabeças da Besta, no capítulo 34. Essas igrejas representam, até hoje, a meu ver, os diferentes segmentos ideológicos do Cristianismo, que merecem advertência, para não se tornarem nas cabeças da Besta, havendo um predomínio da obediência ao que foi ensinado por Cristo em Esmirna e em Filadélfia, porque eram as que melhor se combinavam com a ideologia professada na época e que hoje ainda será professada, por se tratar o Apocalipse, conforme foi dito, de um movimento transcendental, espiritual, evolutivo e arquetípico. O segundo ponto vem a ser um sentimento em relação a Judas. Não é impossível que ele tenha, conforme se encontra em 21:20-24, do Evangelho de João, curvado-se sobre o peito de Cristo de maneira simbólica, como o arrependimento deste último. De qualquer modo, há um aspecto importante no simbolismo dessa história, que vem a ser a acusação consciente ou inconsciente que Judas faz a Jesus com as moedas: aqui estão em suficiência para que tu sejas a minha prostituta... Moedas estas que, com ódio, Judas terá atirado contra o Templo, antes de enforcar-se e espiritualizar definitivamente o seu amor. Identificado com João e com Cristo, tenham sido eles ou não, historicamente, a mesma pessoa, contudo, só posso esperar que Judas venha até mim, porque haverei de lhe dar um amor que outrora não pudera. Essa é a minha verdade, a minha história, se fazemos de tudo o que ocorra ao nosso redor, haja vista sua natureza sempre arquetípica, o receptáculo dos nossos sentimentos, tal como se se tratassem esses acontecimentos do copo que recebe de nós o que nós haveremos de beber, de preferência no cálice da vida. Mas, escutai, ainda consegui pouco, com este selo tão vazio! *** Pois, até então, tenho rebuscado nos livros considerados sagrados, quando, em verdade, o “Quarto Selo” do Apocalipse”, ou “Revelação”, está-me reservado para ser rompido agora, e eu o rompo para que dele saia o fogo divino, que faz ultrapassar a morte e a dúvida que para ela conduz. Ora, a “Revelação” de João tem sido compreendida, fartas vezes, em sentido negativo, punitivo da humanidade, em derivação da ira de Deus, mas para o povo de Deus, o povo que ama a Natureza, que Ele representa, os selos e as trombetas devem ser percebidos como revelações, não como um julgamento. O Apocalipse deve ser lido com alegria. A “Revelação”, como movimento do inconsciente coletivo que é, tende a se tornar cada vez mais perfeita. Vem a ser o último livro escolhido para o cânone religioso, ainda que existiram muitos outros que nele poderiam ser incluídos, considerados apócrifos pelo catolicismo e pela política – centenas de evangelhos, até. Como não têm força de argumento para o pensamento religioso as descobertas científicas, pelo pensamento fanático e psicotizante que ela gera, procuro me manter atento, nessa discussão teológica, sobre o que há para ser desvendado, já que não penso que foi por acaso, mas por força do inconsciente coletivo, que se escolheram tais livros para o cânone, finalizado pelo livro da “Revelação”. O “Quarto Selo” é, em verdade, a plena certeza de que João, ou era o próprio Cristo, ou alguém eleito por Ele, para ser o seu continuador, a menos que se trate a “Revelação” de um livro apócrifo... Senão, vejamos: João foi eleito entre os homens para abrir os selos do Apocalipse, não havia homem a sua altura para fazê-lo. Lucas profetiza: “Então se verá o filho do Homem vindo numa nuvem” (21:27). Se Cristo voltará homem, pois o Filho é um homem, João se declara, no livro que escreveu, superior ao próprio Cristo, pois é ele quem abre os selos. Por isso, se o religioso tem fé, terá de acreditar, portanto, que Cristo e João são a mesma pessoa. A importância disso reside no fato de que o Cordeiro imolado do Apocalipse é o próprio João, o Cristo retornado e irado, em nome de Deus. Por um processo arbitrário, sem fundamento na Bíblia, criaram o mito da segunda vinda de Cristo como descrita no Apocalipse, mas não há essa expressão ali, segundo pude notar na tradução que tenho, da “Edições Loyola”. Vejam: o Cordeiro de Deus, que tira os pecados do mundo, é dado por Deus aos homens para que o imolem em nome d'Ele, quando poderia perfeitamente ter criado o Homem – algo que evidencia o caráter mítico da Bíblia. Pelo que se pode entender, o Cordeiro vem para salvar, para produzir a reedificação entre os homens. As historinhas contadas para crianças, que o casamento da religião com a política logrou por quase mil e quinhentos anos, ou dois mil anos, são as grandes responsáveis por que muitos religiosos bons sejam acomodados e fracos em suas resoluções, diante da evidência do mal, que subjuga dia após dia o planeta. Todo esse legado provém, repito, da Igreja Católica Apostólica Romana, a herdeira do cabuloso Império Romano, que comemora a Páscoa ao segundo dia – e de suas crias. E, aliás, eu agora tomei a coragem de romper estes selos, só cabe dizer-vos que sou João, e, por conseguinte, Jesus Cristo retornando numa nuvem. Mas, como pode ser, se desde criança me conheço por Julio César Ipólito Rosa, tendo esse nome há vinte e nove anos? Isso nem espírita explica, ou pensa em explicar, porque é a simples prova de que a Bíblia é uma filosofia, elaborada de forma mítica. Eu sou apenas um representante do mito apocalíptico, que é de todos os homens da Terra. Um representante privilegiado, que sobreviveu, bebê, graças a um ritual de hortelã macerado, embebido em separado no leite de três mulheres, devido ao perigo do que se considerava a “passagem para o aguado”, não me perguntem o que era! É preciso dizer ainda que o Apocalipse de João talvez tenha sido concebido de tal modo a que o inconsciente coletivo e o processo elaborativo “funcionassem” dentro de uma realidade em que a morte fosse mais poderosa, ou nem tanto, enquanto realidade. Em cada momento histórico, tende a acontecer um apocalipse, a partir da decadência da ética. O nosso apocalipse, a nossa revelação, tende a ser muito significativo, fundamental para o futuro. Mas há coisas, ainda, por serem ditas... *** Afinal, mil vezes um Cristo que morre na cruz – são três Evangelhos contra um, em contradição desagradável, amarga – a um Cristo que sobrevive, o Cristo de Mateus. Os outros induzem a uma interpretação simbólica da crucificação descrita naquele livro, que é arbitrária, pretende apenas manter a coesão da Igreja em torno de um homem que vai para o Paraíso, após a Ressurreição. É fanatismo pelo Homem morto e fracassado, que aguarda o momento de voltar, enquanto as gerações aguardam que ele volte, coitado! Assim fica difícil... Assim fica quase impossível! Até porque, depreende-se, daí, e de maneira também arbitrária, porque nada disso está na “Revelação”, além de contradizer Lucas, que Ele não voltará mais na forma humana, mas na forma do Cordeiro, mais uma vez imolado. Até quando Jeová se divertirá com isso? Até quando os homens o tentarão vencer? Ora, em João (16:28), está escrito: “Saí de meu Pai e vim ao mundo; outra vez deixo o mundo e volto ao Pai”. Ora, não tinha Ele vindo do Espírito Santo? Somente o que podemos pensar dessa declaração é que Ele volta a Deus, consubstancia-se com a Natureza. E quando Alguém, sentado num grande trono, no “Apocalipse” (20:11) tem na sua face a fuga do céu e da terra, que se tornam unos, numa reprodução humana do diálogo harmonioso ou grandioso das estrelas, certamente esse alguém não pode ser o Cordeiro, só pode ser o próprio Deus, a não ser que Um seja o Outro e, no fim das contas, Deus seja o “Alfa e o Ômega”, o começo e o fim, que tanto sofrimento gerou para si mesmo, em cada homem que viveu para Ele. Não O personificai, portanto, pois seria Ele, assim, um deus pagão! Suponhamos, contudo, que a tradução esteja errada e ele se consubstancia com o Espírito Santo... Virou pó dourado, não é? Ou um espírito, que não pode ser Deus. Já se prenuncia aqui o quinto selo, pois teríamos de aceitar a realidade do espírito. Os mesmos que agora, durante o Apocalipse, levantam-se do chão, no Espiritismo de Kardec. A própria teoria da evolução dos espíritos pode ser entendida como simbolizada nos Quatro Seres Vivos: “O primeiro ser vivo parecia um leão. O segundo ser vivo parecia um touro. O terceiro ser vivo tinha rosto como o de um homem. E o quarto ser vivo era semelhante a uma águia voando” (Revelação, 4:7). Narcisismo, ego, ideal de ego, homem superegoico, este último revelado na minha psicanálise, uma teoria que logo mais se saberá e com a qual farei soar as trombetas do sétimo selo da “Revelação”. Porque, escutai e propagai, se em Mateus Ele diz, ops, os discípulos Lhe perguntam qual será o sinal de sua vinda e do fim do mundo, e Lucas diz, em 21:27, que “Então virá o Filho do homem vindo numa nuvem”, está-se dizendo explicitamente que “Ele não será nem Espírito Santo, nem Deus, nem nada disso, será o Filho, será um homem. Não podemos continuar tolerando que as bonitinhas e os bonitinhos que leem a Bíblia morrendo de medo, continuem a nos atrapalhar na leitura séria da Bíblia, que pressupõe um amplo costume com a linguagem metafórica, metonímica e simbólica. Talvez, conforme está em Mateus, no “Discurso sobre o fim”, eles adiem os tempos para que as profecias aconteçam, as profecias salvadoras, porque toda a sua realização no mundo conduz à consubstanciação do homem com a Natureza.