Entrevista
40 | MAIO DE 2010
CAVALO CRIOULO
“O cavalo tem que ser vivo, te
R
ui Luis Demeterco lembra das origens: a mais distante é de origem ucraniana, de onde vem “os cossacos, que gostavam muito de cavalo”. E tem
a origem mais próxima. “Meu avô, Pedro Demeterco, tinha cavalos puro
sangue inglês. Acho que herdei esse gen. Ele aconselhava meu pai a não se meter
com cavalo, apesar de ganhar dinheiro em apostas nas corridas, porque tinha um
olho muito especial para conhecer um animal. Sempre dizia pro meu pai, José
Luis, mais conhecido por Zeca. Meu pai era um homem que só queria trabalhar.
Morreu com 66 anos, trabalhando. Eu herdei do meu avô esse gosto por cavalo.
Sou empresário do ramo imobiliário, mais fui supermercadista. Venho do comércio.
Estou com 65 anos. Meu avô também tinha armazém, os cavalos para entrega de
carroça eram lustrosos, gordos. Às vezes vinha alguém batendo num cavalo, ele
arrancava o chicote e batia no cara, e dizia: ‘Ta vendo como é bom”.
Ao contar essas histórias, Rui Demeterco começa a traçar o mapa que o fez
chegar até o Cavalo Crioulo, há 26 anos, quando comprou a égua Cabocla do
Usupá e nunca mais parou de criar. Hoje, com 134 éguas em cria, proprietário da
Cabanha Rio Bonito, em Ponta Grossa, no Paraná, ele conta com a assessoria de
outro criador, Cezar Krüger, estudam genética e fazem o processo de seleção, onde
uma exigência é básica. “Ter nobreza de atitude, é uma coisa que o Cezar insiste
muito, o cavalo não pode ser apático, tem que ser vivo, ter espírito”, afirma seu Rui.
Sem medo de buscar caminhos novos dentro da raça, ele criou há 13 anos o
Crioulaço na Cabanha Rio Bonito, um evento que reúne a cada ano cerca de 500
participantes. “O Freio de Ouro é uma coisa importantíssima, foi o grande impulso
como selecionador da raça. Mas é excludente, só saem quatro. O proprietário do
cavalo não consegue participar do Freio, mas consegue no Crioulaço. Nas nossas
reuniões, falo pro pessoal: vamos fabricar eventos, uma Vaca Gorda, uma Cavalgada, mas que o proprietário tenha o que fazer com o cavalo, tenha utilidade,
monte a cavalo.”
Hoje, o Laço é um esporte, até porque o gado escasseou na região de Ponta
Grossa, onde começam os campos gerais do Paraná, ao pé da Serra das Almas.
Na Rio Bonito, uma extensão de 1.000 alqueires (cerca de 2400 hectares), se cria
gado Aberdeen e há áreas de reflorestamento e lavoura de soja e milho. Antes do
Crioulo chegar por essas terras, houve experiência com o Mangallarga Paulista.
Mas é a história do Crioulo, desde que chegou a primeira égua, que provoca um
inegável fascínio em seu Rui.
Ele lembra detalhes, nomes, expectativas. Recorda que Cabocla, a primeira égua,
veio com um potrilho ao pé. “Era um cavalinho chamado Minuano, deu excelente
na lida”. Foi essa aptidão de Minuano, talvez, o deflagrador dessa opção por um
cavalo bom de arreio e trabalho. Em seguida compramos outro, um garanhão de
sangue Cinco Salsos, usamos uma boa temporada, era um garanhão comum. Resolvemos comprar um melhor, Norteño Tupambaé, filho do Hornero. E, segundo o
Ronaldo (administrador da cabanha), ele até hoje não montou em cavalo tão bom
como o Norteño em termos de explosão, de uma função fantástica”, conta seu Rui.
Norteño deixou uma base de fêmeas que atualmente compõem o plantel da
Rio Bonito. Hoje, 134 éguas em cria. E seu Rui vai descrevendo o leque de pais
utilizados. “Usamos o Porá Cascavel, trazido do Uruguai, de sangue Ballester, um
filho do Fogoso, um filho do Porá Raton, filho do Abanico, BT Santoro, neto do
Charque Compadron de Hornero (filho do BT Apache), também usamos o Butiá
Orelhano (Comediante), Mapaxe da Rio Bonito (Filho de Hadoque da Vilha), um
melhorador fantástico. Com esses cavalos de sangue Ballester demos um choque
de sangue, uma heterose. Também usamos um cavalo do Cezar Krieger, o OK Im-
„ Qual o critério usado para os
acasalamentos?
- Temos o Ronaldo, nosso administrador, que mexe com isso e
a assessoria do Cezar Krüger, um
grande estudioso de genética. Ele é o
responsável pela vinda para o Paraná
do BT Bravo. O OK Mandrake, outro
cavalo importante, é criação dele. Ele
nos dá assistência e fizemos juntos
um projeto genético para a Cabanha,
com estudo de novos garanhões e de
heterose. O Cezar está estudando os
resultados do Freio de Ouro de todas
as épocas, separou as mães importantes desses ganhadores e nos demons-
trou o porquê dessas linhagens mais
significativas.
Fomos à Argentina para trazer esse
sangue Ballester, mas não o atual,
e sim o mais antigo. Trouxemos 15
éguas e estamos trazendo outras 15
nesse padrão que o Cezar escolheu
conosco. O padrão é estrutura óssea,
aprumos, linha superior, saída de pescoço, tamanho de cabeça.
Vamos manter essas 30 éguas acasalando com sangue Ballester, essa
linha argentina. E vamos usar esses
machos para cruzar com nossas éguas.
Estamos trazendo também o Pora Algarrobo, que foi 4º lugar da FICCC.
Rui Demeterco e a esposa, Dora Regina, felizes no contato com o campo
perador, um excelente melhorador”.
Casado há 40 anos com Dora Regina, com quatro filhos e oito netos, ele vem
fazendo da Rio Bonito um símbolo do cavalo de Laço. “Isso surgiu quando fizemos o primeiro leilão, há 13 anos. Queríamos uma maneira de trazer o público.
Fizemos, então, um movimento, um Crioulaço, para trazer gente para o leilão.
Fomos divulgando, íamos a outros eventos, tudo assim de um jeito meio caseiro.
E começou a vir gente”.
Seu Rui, então, abre a porteira para novas trilhas. “Sou fã de criar a cavalgada,
o Rio Grande do Sul tem lugares maravilhosos para participar a família, a criança, a esposa. Todos se envolvem com a criação. Estamos também prestigiando o
Enduro.” É assim que nesses campos no Paraná, na nascente do Rio Tibagi – é daí
que vem o nome Rio Bonito – esse descendente de ucranianos nascido em Curitiba
revela, com a voz suave e boas risadas, a paixão pelo Cavalo Crioulo. Contabiliza
também muito mais um modo de vida do que prêmios ou exposições, apesar de
lembrar de algumas realizações nesse sentido. “Produzimos o Cantante do Rio
Bonito, que nos deu inúmeras premiações, desde campeão incentivo. Foi uma
grande promessa, deixou filhos muito bons, uma cólica pegou ele aos cinco anos.
Era filho do Destaque da Tradição, um cavalo fantástico. Produzimos também a
Cosecha do Rio Bonito, uma égua nossa que ganhou todos os prêmios possíveis,
foi a Esteio, onde se destacou na morfologia.”
Nesse momento, depois de mais um sucesso no Crioulaço e no remate, seu Rui
joga expectativas para o futuro. Mapaxe está em preparo para Provas Funcionais.
E ano que vem, com certeza, tem mais um Crioulaço da Rio Bonito.
Na sede da Rio Bonito, enquanto os laçadores mandavam corda na pista embarrada, seu Rui concedeu entrevista ao Jornal Cavalo Crioulo.
Renato Dalto, jornalista diplomado
Vimos as gerações que ele produziu;
não estamos dando um pulo no escuro.
Buscamos ser uma Cabanha melhoradora. Acreditamos que estamos conseguindo isso. Só precisamos produzir
isso em quantidade.
„ Como é o manejo nutricional das
éguas em parição?
- Temos os campos corrigidos e
adubados e as éguas têm sal mineral
à vontade. As mais velhas ficam perto
de casa e comem ração e aveia. Temos
os campos melhorados de ermatria,
uma planta nativa da África. Estamos
com essa forrageira há uns 15 anos e
foi o que mais se adaptou aqui.
„ Como é feito o desmame dos
potrilhos?
- Aos oito meses são desmamados e
vão para um piquete com pasto bom,
ração e sal mineral. Os que têm mais
capacidade morfológica são amanunsiados.
„ Aqui os campos são mais altos.
Como foi a adaptação do Crioulo
nesta região?
- Aqui temos de 1.000 a 1.100 metros de altitude, mas a adaptação foi
perfeita. Nossos invernos são rigoro-
a Especial
CAVALO CRIOULO
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r espírito”
FOTOS JOSÉ GUILHERME MARTINI
sos, e aqui venta muito. Os cavalos
resistem bem.
„ Como é o manejo dos potros e
potrancas no primeiro e segundo anos de vida?
- É normal. Ficam em campo melhorado.
„ Qual o critério para levar animais
pra Cabanha?
- É uma seleção de pontencialidade
morfológica. Bons aprumos, bons
cascos, saída de pescoço, isso é muito
importante. Ter nobreza de atitude é
uma coisa que o Cezar insiste muito,
o cavalo não pode ser apático, tem que
ser vivo, ter espírito. Isso também nós
exigimos dos nossos domadores. Não
pode quebrar isso na doma. O cavalo
tem que ser domado sem quebrar o
espírito.
„ Como são escolhidos os machos
que vão virar reprodutores?
- Nós não vamos mais comprar
machos. Temos que fugir do modismo
e sempre se assessorar muito bem.
O que mais atrasa a genética de uma
fazenda é o marketing e o modismo.
Isso é uma porcaria. Atrasa três anos,
no mínimo.
Nós nos assessoramos, discutimos
antes de comprar um macho, viajamos. Todo o investimento vale. Os
machos que produzimos, procuramos
não ficar. O Mapaxe é uma exceção.
Buscamos a heretose, e o importante
é sangue novo.
„ Mas os que serão colocados
no mercado pra venda, qual o
critério?
- É morfologia e função, o fundamental.
„ Como é iniciada a doma e qual o
sistema utilizado?
- Utilizamos o sistema misto. Tem
dado muito certo. Iniciamos amanunsiando os potros. Quando se começa
a doma, esses animais de baixo já são
bem amanunsiados.
Depois domamos com bocal de
couro e enfrenamos. Esse é o sistema
que mais dá certo. É a doma gaúcha
sem brutalidade.
„ Como se faz um bom cavalo de
laço?
- Temos dois rapazes que são formidáveis nisso, o Marcelo e o Sérgio. Temos o Anderson que também trabalha
bem com o laço. Temos também um
senhor que terceirizamos o trabalho:
domamos os cavalos e levamos pra
ele treinar.
Tem que por na pista e fazer laçar,
Sede da Cabanha Rio Bonito movimentada pelas provas
e não é em um mês ou dois que eles
ficam bons. Tem a laçada, a corrida
certa, a saída do boi. Isso o cavalo tem
que fazer automático. O laçador tem
que prestar atenção no chifre do boi.
Pra fazer um bom cavalo de laço
leva de três a quatro meses. O laçador
sabe disso e remunera. Esses que nós
vendemos no leilão, levamos pras
pistas de Laço, competimos, às vezes
ganhamos competições e anunciamos
que serão vendidos.
„ Há uma linha de sangue específica que tenha mais aptidão
para laço?
- O cavalo para laço tem que ter explosão, ser chegador no boi. Os nossos
cavalos aqui dão pra laço. Os filhos
e filhas do Butiá Orelhano (filho do
Comediante) têm muita aptidão. Os
que têm sangue do Norteño têm muita
explosão, são excepcionais pra laço.
„ Como se inicia a preparação de
animais para Provas Morfológicas e Funcionais?
-Temos um sistema de cocheiras
menores que deixam o cavalo extremamente manso e faz ganhar estado
com muita facilidade.
E pra função é trabalho. Pista,
redondel de areia. Se trabalha todos
os dias. No redondel, 15 minutos significa uma hora na grama, porque a
areia dá um trabalho pesado e muscula
muito bem. Quando o cavalo vai pra
grama, voa.
Tem que participar de classificatórias, credenciadoras, é importante
porque compara com os outros. Aí é
a hora da verdade, porque nos tira do
emocional, vai para o racional e o juiz
é que vai dizer tudo.
„ Como são selecionados os animais para venda no remate?
- Estamos nos preparando para fazer
dois leilões, o de Laço e o de Elite.
Temos feito só o de laço, vendemos
animais na cabanha, mas queremos
fazer dois leilões por ano. Ficamos
com 20, 25% dos animais. Os machos
sempre são um problema, mas vendemos muito na fazenda e tentamos o
mercado para Enduro. O bom sempre
tem o seu mercado. E temos também
o mercado de castrados.
„ Qual a sua maior emoção como
criador?
- Em Iguaçu, no litoral de Santa
Catarina, quando participamos de
uma Credenciadora e fizemos 1º e 2º
lugares. Isso foi no ano passado. Era
uma Credenciadora pesada, com animais muito bem preparados. Eu estava
com meu neto, Pedro, e ele torcendo
comigo. E ao ver a felicidade dele, isso
mexe com o avô.
Netos de Demeterco são garantia de continuidade
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