Governo Federal Dilma Vana Rousseff Presidente Ministério da Educação Aluísio Mercadante Ministro CAPES Jorge Almeida Guimarães Presidente Diretor de Educação a Distância João Carlos Teatini de Souza Clímaco Governo do Estado Ricardo Vieira Coutinho Governador UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA Marlene Alves Sousa Luna Reitora Aldo Bezerra Maciel Vice-Reitor Pró-Reitor de Ensino de Graduação Eli Brandão da Silva Coordenação Institucional de Programas Especiais – CIPE Secretaria de Educação a Distância – SEAD Eliane de Moura Silva Assessora de EAD Coord. da Universidade Aberta do Brasil - UAB/UEPB Cecília Queiroz Maria de Fátima Coutinho Sousa Literatura Brasileira I Campina Grande-PB 2012 Editora da Universidade Estadual da Paraíba Diretor Cidoval Morais de Sousa Coordenação de Editoração Arão de Azevedo Souza Conselho Editorial Célia Marques Teles - UFBA Dilma Maria Brito Melo Trovão - UEPB Djane de Fátima Oliveira - UEPB Gesinaldo Ataíde Cândido - UFCG Joviana Quintes Avanci - FIOCRUZ Rosilda Alves Bezerra - UEPB Waleska Silveira Lira - UEPB Universidade Estadual da Paraíba Marlene Alves Sousa Luna Reitora Aldo Bezerra Maciel Vice-Reitor Pró-Reitora de Ensino de Graduação Eli Brandão Coordenação Institucional de Programas Especiais-CIPE Secretaria de Educação a Distância – SEAD Eliane de Moura Silva Assessora de EAD Cecília Queiroz Coordenador de Tecnologia Ítalo Brito Vilarim Projeto Gráfico Arão de Azevêdo Souza Revisora de Linguagem em EAD Rossana Delmar de Lima Arcoverde (UFCG) Revisão Linguística Maria Divanira de Lima Arcoverde (UEPB) Diagramação Arão de Azevêdo Souza Gabriel Granja FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL - UEPB B869 S725l Sousa, Maria de Fátima Coutinho. Literatura Brasileira I./ Maria de Fátima Coutinho Sousa; UEPB/ Coordenadoria Institucional de Programas Especiais, Secretaria de Educação a Distância._ Campina Grande: EDUEPB, 2012. 205 p.: Il. Color. ISBN 978-85-7879-109-4 1. Literatura Brasileira I. Título. II.EDUEPB/ Coordenadoria Institucional de Programas Especiais. 21. ed.CDD EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA Rua Baraúnas, 351 - Bodocongó - Bairro Universitário - Campina Grande-PB - CEP 58429-500 Fone/Fax: (83) 3315-3381 - http://eduepb.uepb.edu.br - email: [email protected] Sumário I Unidade Viajando com os portugueses......................................................................7 II Unidade Em terra firme..........................................................................................25 III Unidade Em meio à instabilidade, vive-se o Barroco................................................49 VI Unidade O locus amoenus, uma nova forma de viver...............................................71 V Unidade Vivendo o ideário de Liberdade, Igualdade e Fraternidade..........................95 VI Unidade Identidade nacional e Romantismo no Brasil.............................................117 VII Unidade Viajantes sobre um mar de desenvolvimento, descrença e solidão.............145 VIII Unidade Terceira geração romântica, última etapa dessa Viagem Literária...............175 I UNIDADE Viajando com os portugueses Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 7 Apresentação Caro (a) aluno (a), Estamos iniciando uma nova etapa do curso, um novo componente curricular. Para vivenciá-la, convido-o a acompanhar-me em uma viagem, uma viagem literária, cujo roteiro nos levará, através do túnel do tempo, de 1500 a 1881. Difícil acreditar não? Garanto que será uma experiência surpreendente: misto de ficção e realidade. Conversaremos sobre Literatura e História, fios de um tecido que se cruzam e se entrelaçam em uma urdidura para “contar”, em diferentes linguagens, a saga da humanidade. Para tanto, precisamos voltar à máquina do tempo, precisamente 1500, época em que Portugal vivia o seu apogeu como uma das grandes nações do mundo europeu, resultado, sobretudo, das grandes navegações marítimas. Necessário se faz situá-lo (a) em relação aos porquês e às causas dessa busca por “mares nunca dantes navegados”. Antes de adentrarmos mar adentro, quero lembrá-lo de que caso surjam algumas dúvidas, procure seus colegas e consulte-os, eles podem ajudá-lo, bem como amigos que já estudaram esse assunto. Lembre-se de que seu tutor está sempre pronto a orientá-lo e que você pode, ainda, enviar uma mensagem no AVA. 8 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Causas das navegações Antes das longas viagens marítimas, iniciadas pelos portugueses no século XV, os europeus comerciavam com o Oriente pelo Mediterrâneo. As mercadorias orientais mais procuradas eram as drogas e as especiarias da Índia (pimenta, cravo e canela), os tecidos da Pérsia e os objetos de porcelana fabricados na China. Todos esses artigos eram levados até Constantinopla, onde aguardavam os navios dos genoveses e venezianos, que os transportavam para os vários países da Europa. Constantinopla, como podemos inferir, era o grande centro de distribuição das mercadorias orientais e o elo comercial entre Oriente e Ocidente, através do Mediterrâneo. Em 1453, os turcos, muçulmanos e inimigos dos cristãos, tomam Constantinopla e proíbem o livre comércio com os europeus. Como consequência, pode-se afirmar que a tomada de Constantinopla foi uma das causas das grandes navegações. Outro fator foi o desenvolvimento da arte da navegação, bem como o conhecimento, no mundo ocidental, da bússola e do astrolábio objetos norteadores de extrema utilidade para navegadores. Datam dessa época o surgimento de um novo tipo de barco – as caravelas - e da vela triangular que muito contribuíram para o sucesso das viagens marítimas. Junto a tudo isso, é relevante informar a orientação religiosa dada pelos soberanos europeus para a conversão dos povos do oriente, justificando-se, assim, a presença de religiosos na tripulação dos navios. As viagens portuguesas Foi um príncipe, o Infante Dom Henrique, apelidado de o Navegador, quem iniciou as grandes navegações de Portugal. Depois de uma expedição ao norte da África, onde obteve importantes informações sobre a costa desse continente, o Infante Dom Henrique resolveu transformar a sua residência em uma escola para marinheiros, a famosa Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 9 Escola de Sagres, onde os portugueses aprendiam a arte de navegar e de compreender os portulanos, cartas pelas quais se guiavam os pilotos daquele tempo. Chegamos, enfim, a 1500, época em que os portugueses aqui chegaram, “ descobrindo o Brasil”. Após esse preâmbulo, iniciaremos a nossa aula propriamente dita, acompanhando, por meio de registros, a presença e a influência de portugueses e de outros povos que aqui aportaram. Objetivos Nessa perspectiva, traçamos objetivos que esperamos que você atinja ao final deste encontro. Vejamos: • Entender o entrelaçamento da História com a Literatura; • Compreender a Literatura como reflexo do homem como ser social e histórico; • Conhecer a Literatura de Informação; • Compreender a Literatura Jesuítica; • Analisar textos produzidos nos diferentes contextos da época: político, social e individual. 10 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I TEXTO 1 Iniciando a viagem No princípio, a curiosidade, o desafio, a necessidade de expandir-se. Estávamos em meados de 1400 e início de 1500, período do crescimento mercantilista europeu, que atendia aos interesses econômicos da precoce monarquia absolutista portuguesa, que buscava, urgentemente, retomar a comercialização interrompida pelos turcos. Portugal envia Vasco da Gama às Índias, monopoliza o comércio das especiarias e de outros produtos asiáticos. O temido Cabo das Tormentas, bastante temido pelos viajantes europeus, recebe, após as viagens vitoriosas dos portugueses, um novo nome: Cabo da Boa Esperança. No início de nossa conversa, eu para vocês que literatura e história formam um tecido. Lembram? Os fios começam a se unir e a formar a urdidura da nossa história literária. Atente para o texto a seguir: Mar Português Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal! Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Quantos filhos em vão rezaram! Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, ó mar! Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu. (In Fernando Pessoa, Mensagem) Esse poema, escrito muitos tempo depois do início das grandes navegações, deixa, bem claro, o entrelaçamento entre literatura e história. Os fatos cantados e decantados da História de Portugal são ficcionados, transformando-se em poesia, em Literatura. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 11 Acredito que agora, você entendeu como essas duas áreas do conhecimento se entrelaçam formando um tecido. Ficção e realidade se juntam, formando uma teia, tecido espesso e cheio de significados. Atividade I Para melhor fixar nossa conversa, pesquise e responda os questionamentos a seguir. a) Quem foi Fernando Pessoa? Em que época viveu? b) Você percebeu, de fato, alguma correspondência entre o tema de nossa aula e o poema? c) Nas aulas de História, você já havia ouvido falar sobre o Bojador? Que informações pode nos dar sobre esse acidente geográfico? dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades! d) Como você interpreta os dois primeiros versos do poema? Comente-os. Descobrindo o Brasil A frota de Pedro Álvares Cabral não se destinava à exploração de terras desconhecidas, mas sim concretizar o comércio estabelecido em Calicute. Para fugir das correntes marítimas, a frota afastou-se muito do continente africano. O desvio involuntário permitiu confirmar a existência de terras a oeste da rota de Vasco da Gama. Estava descoberto o Brasil, território que os índios denominavam de Pindorama (terra das palmeiras), e os portugueses, em um primeiro momento, de Ilha de Vera Cruz. O descobrimento da nova terra não chegou a ter a mesma importância que o comércio com as índias. A terra prometia pouco, pois aparentemente era pobre de especiarias e metais preciosos, apenas o pau-brasil 12 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I mereceu algum entusiasmo. Nos primeiros anos, coube a Fernando de Noronha explorar o comércio de pau-brasil com mão de obra indígena e defender a terra contra a cobiça e a pirataria de outros povos. TEXTO 2 A Literatura de Informação Com a descoberta do Brasil, em 1500, era preciso informar o rei de Portugal sobre a nova terra. Para que isso ocorresse, junto às expedições vinham cronistas, a quem cabia tal tarefa. Escrito sempre do ponto de vista do conquistador português, os textos informativos relatavam o encantamento e as intenções dos conquistadores diante da nova terra. O primeiro registro informativo a respeito do Brasil foi a Carta de Pero Vaz de Caminha ao rei Dom Manuel. Iniciava, assim, a Literatura de Informação. Leia dois pequenos fragmentos da carta de Caminha “ Senhor, posto que o capitão-mor dessa vossa frota e assim os outros capitães escrevam a vossa alteza a nova do achamento dessa vossa terra nova, que se ora nesta navegação achou, não deixarei também de dar disso a minha com conta a vossa alteza assim como eu melhor poder ajudar que para o bem contar e falar o saiba pior que todos fazer. Mas tome vossa alteza minha ignorância por boa vontade a qual bem certo creia que por embelezar nem enfeiar haja aqui pôr mais do que vi e me pareceu. Da marinhagem e da navegação do caminho não darei aqui conta a vossa alteza porque não saberei fazer e os pilotos devem ter se cuidado e portanto, Senhor, do que hei de falar começo e digo. ...................................................................................................... A feição deles é serem pardos, maneira d’ avermelhados , de bons rostos e bons narizes bem-feitos. Andam nus sem nenhuma cobertura, nem estimam nenhuma cousa cobrir nem mostrar suas vergonhas e estão acerca disso com tanta inocência como têm de mostrar o rosto.” A seguir, leia o fragmento de autoria de Pero de Magalhães Gândavo: “ Não se pode numerar nem compreender a multidão de barbaro gentio que semeou a natureza por toda essa terra do Brasil; porque ninguém pode pelo sertão dentro caminhar seguro, nem passar por terra onde não acha povoações de índios armados contra todas as nações Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 13 humanas, e assi como são muitos permitiu Deos que fossem contrarios huns dos outros, e que houvesse entrelles grandes odios e discórdias, porque se assi não fosse os portuguezes não poderião viver na terra nem seria possível conquistar tamanho poder de gente. ...................................................................................................... A língua deste gentio toda pela Costa he huma: carece de três letras – scilicit (latim, a saber), não se acha nela F, nem L, nem R, cousa digna de espanto, porque assi não têm Fé, nem Lei, nem Rei, e desta maneira vivem sem Justiça e desordenadamente. Estes índios andão nus sem cobertura alguma, assi machos como femeas ; não cobrem parte nenhuma de seu corpo, e trazem descoberto quanto a natureza lhes deu. [...] Atividade II A título de fixação Os dois autores registram, de forma distinta, as impressões causadas pelos nativos e por seus costumes. Transcreva o trecho em que Caminha exprime sua visão. Transcreva o trecho em que Caminha informa que irá escrever de forma imparcial. Em relação ao texto de Gândavo, que contrassenso existe no primeiro parágrafo? Ainda em relação ao trecho de autoria de Gândavo, como você interpreta o posicionamento dele ao citar a ausência do F, do R e do L na língua dos indígenas? Os dois autores apresentam concordância em um determinado aspecto sobre os nativos. Cite esse aspecto. 14 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Para finalizar, podemos resumir a Literatura de Informação em dois grupos: a) Documentos, cartas e relatórios de navegantes, de administradores, de missionários e de autoridades eclesiásticas. Os mais importantes: • a carta de Pero Vaz de Caminha, escrivão da frota de Cabral, relatando o descobrimento da nova terra (1500); • o Diário de navegação de Pero Lopes de Sousa, escrivão da frota de Martim Afonso de Sousa (1530); • as cartas e os relatórios dos missionários jesuítas. b) Obras que se ocupam da descrição da nova terra e de seus habitantes, traduzindo o impacto causado pela exuberância da natureza tropical e os estranhos costumes dos índios. As mais importantes: • Diálogo sobre a conversão do gentio, de Pe. Manuel da Nóbrega; • Tratado da terra do Brasil e História da Província de Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil, ambas do humanista português Pero de Magalhães Gândavo (1576); • Tratados da terra e gente do Brasil, de Pe. Fernão Cardim; • Tratado descritivo do Brasil, de Gabriel Soares de Sousa ( 1587); • Diálogos das grandezas do Brasil, de Ambrósio Fernandes Brandão (1618); • História do Brasil, de Frei Vicente de Salvador (1627). Essas obras, representativas desse período, são importantes fontes documentais para o estudo do primeiro século da colonização. Não são considerados textos literários, entretanto serviram, ao longo de nossa história, de inspiração a poetas e prosadores das mais diferentes tendências de época. TEXTO 3 Literatura Jesuítica ou de Catequese A Literatura Jesuítica ou Catequética, como o próprio nome sugere, tem como representantes os padres da Companhia de Jesus que vieram ao Brasil com a missão de catequizar índios para aceitação da fé católica, em nome da Coroa portuguesa. Coube também aos jesuítas o papel de educadores, sendo responsáveis pela implantação dos primeiros colégios aqui na província. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 15 dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades! A atividade cultural dos jesuítas norteava-se em duas direções bem definidas: a catequese do indígena, como já dito, a fim de torná-lo socialmente útil e convertê-lo ao Cristianismo; e a educação dos colonos, fascinados pela liberdade paradisíaca que desfrutavam na terra ainda inexplorada. Cartas, relatórios, informações da terra, gramática, poesia e obras para teatro, tinham como finalidade notificar os superiores dos negócios missionários em solo brasileiro. Já os últimos, destinavam-se ao trabalho pedagógico. De todas somente a poesia e o teatro continham caráter literário. Os autos, peças teatrais inspiradas em passagens bíblicas, eram encenados para os índios, para os colonos, marujos e comerciantes, com o objetivo de incutir-lhes a moral e os dogmas católicos. Quando direcionados especificamente aos indígenas, os autos eram encenados em tupi. Embora a preocupação maior fosse com a catequese, a produção literária dos jesuítas, do ponto de vista estético, foi a melhor do Quinhentismo ( período relativo a 1500) brasileiro. Wilson Martins, citado por José de Nicola ( 1998), assim se refere aos padres da Companhia de Jesus: “ Quaisquer que sejam os méritos especificamente pedagógicos do ensino jesuítico, não há como negar que era mentalmente conservador, reacionário com relação às orientações reformistas da época e anticientífico; estruturalmente, estava condenado por antecipação antes a imobilizar do que a promover o desenvolvimento intelectual do Brasil (simples prolongamento do que então ocorria em Portugal). ...................................................................................................... Além disso, é preciso notar que o latim era, no caso, não um instrumento de cultura intelectual, mas um instrumento indireto de catequese, destinando-se, como se destinava, à formação de missionários. É preciso aceitar a ideia de que a catequese, e não a instrução, era o único propósito dos jesuítas e a própria razão de suas atividades. Não vai nessa observação censura alguma, mas apenas o desejo de ver claro num processo que os historiadores têm geralmente desfigurado através de interpretações superficiais. A conquista espiritual do Brasil pelos jesuítas foi, no século XVI, um prolongamento da ideologia medieval; ninguém poderia simbolizá-la melhor, nas perspectivas da história intelectual, do que José de Anchieta.” Para os estudiosos da Literatura Jesuítica, merecem destaque: Padre José de Anchieta, Padre Manuel da Nóbrega. Padre José de Anchieta é autor da primeira gramática em tupi- 16 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I -guarani – Arte da gramática da língua mais usada na costa do Brasil, escreveu grande número de poesias e autos. “Apesar de não haver nascido no Brasil, Anchieta foi poeta brasileiro e nacional – escreveu no Brasil, em função dos problemas brasileiros, codificou a língua de nosso selvagem, poetou nessa língua; escreveu para ensinar o trabalho, a ordem, a fidelidade ao colonizador, a colaboração, o repúdio ao vício que corroi o progresso.” Cumpriu, com denodo, a sua missão de levantar as primeiras fortalezas de fé e consciência nacional. Seus autos seguiam o modelo introduzido por Gil Vicente, poeta e dramaturgo português, misturando a moral religiosa aos costumes dos indígenas, com a preocupação de ressaltar os dois extremos, o Bem e o Mal, o Anjo e o Diabo. Vejamos dois exemplos de sua produção poética: Amor de Deus (poesia devocional) Ama a Deus, que te criou homem, de Deus muito amado! Ama com todo cuidado a quem primeiro te amou. Seu próprio Filho entregou à morte, por te salvar. Que mais te podia dar, se tudo o que tem te doou? Por mandado do Senhor, te disse o que tens ouvido. Abre todo teu sentido, porque eu, que sou seu Amor, seja em ti bem imprimido. Auto de São Lourenço ( texto de caráter didático) Este auto foi representado no terreiro da capela de São Lourenço, sobre o Morro de São Lourenço, em Niteroi, presume-se que em 10 de agosto de 1583. A peça é composta de 1493 versos. Tem como personagens: Guaixará – rei dos diabos, Aimbirê e Saravaia – criados de Guaixará, Tataurana, Urubu e Jaguaruçu –companheiros dos diabos, Valeriano e Décio – Imperadores romanos. São Sebastião – padroeiro do Rio de Janeiro, São Lourenço – padroeiro da aldeia do mesmo nome, Velha, Anjo, Temor de Deus, Amor de Deus, Cativos e Acompanhantes. Após uma leitura acurada do auto, pressente-se que o indígena, até a chegada dos portugueses, vivia pacificamente com o diabo. O Mal é representado pelos demônios e assessores, todos nomeados em tupi. Já os personagens do Bem apresentam nomes representativos dos portugueses. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 17 Situando o leitor (a) O texto é dividido em cinco atos. O primeiro apresenta o martírio de São Lourenço, daí decorrem os demais. Após o martírio, Guaixará chama Aimbirê e Saravaia para ajudarem a perverter a aldeia. São Lourenço a defende, São Sebastião prende os demônios. Um Anjo manda-os sufocarem Décio e Valeriano. Quatro companheiros acorrem para auxiliar os demônios. Os imperadores recordam façanhas, quando Aimbirê se aproxima. O calor que se desprende dele abrasa os imperadores, que suplicam a morte. O Anjo, o Temor de Deus e o Amor de Deus aconselham a caridade, contrição e confiança em São Lourenço. Faz-se o enterro do santo. Meninos índios dançam. Vejamos um pequeno diálogo entre São Lourenço, Quaixará, rei dos diabos e um de seus criados. São Lourenço Quem és tu? Guaixará Sou Guaixará embriagado, sou boicininga, jaguar, antropófago, agressor, andirá-guaçu alado, sou demônio matador. São Lourenço E este aqui? Aimbirê Sou jiboia, sou socó, o grande Aimbirê tamoio. Sucuri, gavião malhado, sou tamanduá desgrenhado, sou luminoso demônio. E nessa peleja, como é de se esperar, visto que a texto tem função doutrinária e didática, a peça é encerrada com a vitória do Bem sobre o Mal, bem ao estilo medievalista português. Se Anchieta foi o grande poeta e dramaturgo dentre os jesuítas, Padre Manuel da Nóbrega foi o grande prosador da Companhia de Jesus, em sua época, aqui no Brasil. Deixou uma série de cartas, as Cartas do Brasil e um Diálogo da Conversão do Gentio, apresentado por dois personagens: Gonçalo Álvares e Mateus Nogueira, que versam sobre a inconvertibilidade do índio à fé católica. Certa feita, Darcy Ribeiro ao ser entrevistado na antiga e extinta Rede Manchete, citou o “Diálogo da Conversão do Gentio” como o texto mais importante da Literatura Brasileira. Eis, a título de ilustração, um trecho do Diálogo: 18 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Gonçalo Álvares Por demais é trabalhar com estes! São tão bestiais, que não lhes entra no coração coisa de Deus! Estão tão encarniçados em matar e comer, que nenhuma outra bem-aventurança sabem desejar! Pregar a estes é pregar em deserto a pedras. Mateus Nogueira Se tiveram rei, puderam-se converter ou se adoraram alguma coisa. Mas como não sabem que coisa é crer nem adorar, não podem entender a pregação do Evangelho, pois ela se funda em fazer crer e adorar a um só Deus e a esse só servir, e como este gentio não adora nada, nem crê em nada, tudo o que lhes dizeis se fica nada. Atividade III Interpretando os textos Compare os textos de Anchieta e Nóbrega referentes ao Auto e aos fragmentos do Diálogo. Comente-os Releia os dois textos de Anchieta, analise a temática abordada e expresse sua opinião. dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades! Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 19 Leituras e filmes recomendados Chegamos, enfim, ao término dessa nossa aula – viagem. Aportados que estamos em terra firme, sugiro que você assista aos filmes: • Como era gostoso meu francês (1971). Direção de Nelson Pereira dos Santos. • Anchieta, o apóstolo do Brasil ( 1963) Documentário dirigido por Sanin Cherques. Para leitura, lembramos: • Os livros de História do Brasil, especificamente o capítulo dedicado às Grandes Navegações. • A internet. Sabendo usá-la, você só tem a ganhar. O importante mesmo é a busca do conhecimento. • A(s) biblioteca(s) de sua cidade. Procure ler sobre os cronistas e viajantes, bem como sobre Pe. Anchieta e Pe. Manuel da Nóbrega. Agora, é hora de rever os objetivos propostos para essa aula. Acredito que as informações dadas lhe permitiram entender o entrelaçamento da História com a Literatura. Acertei? Sei que você também aprendeu que como a literatura reflete o homem como ser social e histórico, entendeu o comportamento, os medos, ideias e posicionamentos dos autores apresentados. Tenho certeza de que você entendeu o que é Literatura de Informação e o que a distingue da Literatura Jesuítica. Por fim, sei que você é capaz de analisar textos produzidos nos diferentes contextos estudados: político, social e individual, ao responder às atividades propostas. dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades! Nossa aula pretendeu ser apenas um farol a despertá-lo (a) para um aprofundamento maior sobre o tema. O caminho foi apontado. Cabe a você explorá-lo. Sucesso. Aguardo você na próxima aula. Até lá. 20 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Resumo A nossa aula- viagem teve início antes do século XV, época em que os europeus viajam para o oriente com a finalidade de comercializar especiarias e drogas da Índia, tecidos da Pérsia, e objetos de porcelana da China. A tomada de Constantinopla pelos turcos, a consequente proibição do comércio com os europeus, bem como o desenvolvimento da arte de navegação, o conhecimento da bússola e do astrolábio, o surgimento das caravelas e da vela triangular contribuíram como elementos impulsionadores das grandes viagens marítimas. Tudo isso, associado à curiosidade, ao desafio e à necessidade de expandir-se, levou os portugueses à Índia e, posteriormente, embora não fosse essa a rota estabelecida, ao Brasil. Aqui chegando, encantados com as belezas da natureza, o exotismo dos nativos e outras riquezas encontradas, o comandante dos navios encarregou o escrivão da frota de informar o rei de Portugal sobre as terras descobertas. Portugal envia, então, novos navegadores à nova terra com a finalidade de explorá-la, dominar os nativos e comunicar ao reino tudo que aqui ocorresse. Denomina-se, então, esse período de registro e documentos referentes à nova terra, de Literatura de Informação. Paralelamente às atividades dos viajantes, aportam, nas terra de além mar ( assim denominavam as terras conquistadas), os padres da Companhia de Jesus com a finalidade de catequizar o povo nativo à fé cristã, bem como educar os colonos portugueses que aqui chegados, deslumbravam-se com a visão paradisíaca – a natureza exuberante e a nudez indígena. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 21 Autoavaliação Já em terra firme, aproveite o tempo para autoavaliar-se. Para tanto, escreva pequenos comentários sobre o que você entendeu do assunto exposto. Esse exercício ajuda a desenvolver ideias e expressá-las por escrito. dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades! 22 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Referências ABDALA Jr, Benjamin, CAMPEDELLI, Samiran Youssef. Tempos da Literatura Brasileira. São Paulo. Ática, 1986. ANCHIETA, Pe. José de. O Auto de São Lourenço. Rio de Janeiro. Tecnoprint, s.d. BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo, Cultriz,1992. _____, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo. Cia das Letras, 1996. MOISÉS, Massaud. História da Literatura Brasileira. Vol.1. São Paulo. Cultrix, 1991. Nóbrega, Pe. Manuel da. Diálogo da conversão do gentio. Rio de Janeiro. Tecnoprint, s.d. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 23 24 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I II UNIDADE Em terra firme Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 25 Apresentação Caro (a) aluno (a), Estamos iniciando a nossa segunda unidade. Assim como no primeiro encontro, continuamos viajantes do túnel do tempo. Estamos em pleno século XVII, 1600 e ... Difícil acreditar que viajamos tanto tempo, não? Precisamente um século! Lembra do primeiro encontro? Nele conversamos sobre o comércio entre oriente e ocidente; sobre a queda de Constantinopla; sobre os portugueses e as grandes navegações; sobre a descoberta da nova terra – Brasil, paraíso para viajantes, Jardim do Éden para jesuítas, sobre cartas, documentos e poemas. Como vemos, a Literatura e a História se cruzam e se entrelaçam para “contar”, em diferentes linguagens, a história de portugueses e brasileiros, de gentios e de nativos, de religião e de costumes, de amor e de ódio... 26 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Objetivos Dando continuidade ao nosso encontro, esperamos que no final dessa aula/viagem, você: • Perceba que a História e a Literatura se entrelaçam; • Compreenda a Literatura como reflexo do homem como ser social e histórico; • Relembre a Reforma Protestante e a Contra-Reforma; • Entenda a Barroco como resultante desses dois movimentos históricos; • Conheça os principais representantes do barroco brasileiro; • Analise textos literários produzidos nesse contexto: político, social e individual. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 27 TEXTO 1 Para entender o Barroco Enquanto o Brasil dava seus primeiros passos como colônia de Portugal, o ocidente estava em plena ebulição. A sociedade começa a se libertar do poder da Igreja. O homem afasta-se da visão teocêntrica (Deus como centro do universo e a medida de todas as coisas) e enxerga-se como centro do universo, visão antropocêntrica. Esse antropocentrismo, oposto ao teocentrismo medieval, caracteriza o Renascimento, identificado pela valorização da razão, pelo culto aos valores da Antiguidade Clássica e pelo Humanismo. Segundo Cademartori (1990, p.18): À nova concepção de homem que surge então dá-se o nome de humanismo, entendendo-se por isso o interesse pelo ser humano e a primazia a ele conferida. O homem passa a ser valorizado pela sua capacidade de conhecimento, pela sua possibilidade de voltar-se às coisas do mundo e dominá-las pelo saber. O Renascimento protesta contra o asceticismo medieval – ou seja, o desprezo do corpo e dos interesses não-espirituais do homem -, valorizando a autodeterminação da personalidade e exaltando a natureza humana. Isso não significa, porém, que o Renascimento tenha sido incrédulo; foi, sim, anticlerical e antiascético. Ideias tão importantes ao medieval, como salvação, redenção, pecado original, não desaparecem, mas passam a ser secundárias. O sentimento religioso não desaparece, apenas deixa de ser primordial. 28 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Resultante desse processo, o homem já não se considera imagem de Deus, mas a ele ligado em “natureza material, física e terrena”. Percebe-se, assim, a extrema ruptura com o pensamento medieval e o impacto que essa nova concepção provocaria tanto na Igreja, detentora do poder Divino e representante Deste na terra, bem como no próprio homem, dividido entre uma crença até então tida como verdadeira e a nova concepção de enxergar-se como detentor de seu próprio destino. Nessa perspectiva, “o mundo deixa de ser um lugar de pecado, passando a espaço de realização plena do homem humano, a quem foi devolvido o corpo...” As expressões artísticas como escultura, pintura, arquitetura e literatura passam a refletir esses dois mundos: o divino e o terreno. Outro ponto importante para a compreensão do Barroco, é entender o que foi a Reforma Protestante ou Reforma Religiosa, proposta por Martim Lutero, no século XVI, movimento desencadeado na Alemanha e que se estendeu por quase toda a Europa – Suécia, França, Inglaterra, Suíça e Escócia Esse movimento religioso, político e econômico teve, basicamente, como causas: interesses pelos bens da Igreja, abusos cometidos pelo Clero, conflitos entre Papas e imperadores, Venda de indulgências. Para combater as ideias reformistas, a Igreja Católica institui a Contra - Reforma, movimento deflagrado em Espanha e Portugal, que teve como objetivo maior restaurar a religiosidade “perdida” e regatar seus antigos seguidores. Para melhor fixar esse conteúdo, você deve ler, seja em livros de história ou de literatura, sobre Humanismo, Renascimento, Reforma e Contra-Reforma, visto que apenas informamos, de maneira sucinta, dados sobre assuntos que são essenciais para um maior aprofundamento dos conhecimentos necessários a um futuro profissional das Letras. TEXTO 2 Afinal, o Barroco Conversamos tanto e ainda não falamos sobre o Barroco. Sei que você deve estar curioso para relembrar esse movimento que já foi estudado no ensino médio. Como futuro profissional de Letras e provável professor de Literatura, é necessário retomar assuntos estudados e aprofundar esses conhecimentos, visto que na sua vida de docente, eles serão ferramenta da prática docente. Antes de mais nada, é preciso entender o significado do termo Barroco. Para tanto, vejamos o ponto de vista de três estudiosos da literaLiteratura Brasileira I I SEAD/UEPB 29 tura, dentre outros. Cademartori, em Períodos Literários, p.26, assim se posiciona: A etimologia da palavra barroco é controvertida. Todas as hipóteses sobre qual seria sua origem, porém apresentam a conotação de algo pejorativo e irregular, sendo o Barroco visto como uma degenerescência da arte renascentista, o que se expressaria na ausência de clareza e elegância de linhas, assim como o uso exagerado de ornamentos. A reformulação desse conceito e a consequente valoração da arte barroca foram feitas por Heinrich Wölfflin , que desenvolveu um sistema, apoiado em cinco pares de conceitos, no qual estabelece uma contraposição entre traços renascentistas e barrocos. A partir da teoria wolffliniana, o Barroco passa a ser visto como um desenvolvimento, e não como uma degenerescência, do Classicismo. Estabelecidas as categorias próprias do estilo, sua avaliação a partir dos preceitos renascentistas perde a razão de ser. As categorias são as seguintes: Renascimento Barroco 1. linear pictórico 2. superficial profundo 3. forma fechada forma aberta 4. claridade absoluta claridade relativa 5. variedade unidade A arte renascentista é marcada pela linearidade, pela presença de linhas incisivas e contornos claros que, contrastando com a interpenetração de contornos da arte barroca realça o jogo do claro escuro e configura-se como uma arte pictórica. Os quadros renascentistas apresentam planos claros, horizontais, definidos na superfície; a composição barroca é dotada de profundidade e sugere ilusões de distância. A terceira oposição enfatiza a diferença entre um equilíbrio composto de elementos horizontais e verticais que delimitam o espaço e mantêm o olho dentro de uma área limitada, e a presença de linhas diagonais que sugerem espaços além da pintura. A contraposição de claridade absoluta e claridade relativa baseia-se em que, no Renascimento, todos os elementos do quadro são usados para descrever a estrutura do sólido em formas ultradimensionais, enquanto no Barroco a claridade relativiza-se, cada elemento sendo valorizado por sua maior ou menor contribuição ao tema dramático. A distinção entre o que seja a variedade de um estilo e a unidade de outro pode ser percebida em um 30 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I pintor renascentista, cujas obras são estruturadas de modo a permitir que as figuras permaneçam entidades independentes, apesar do agrupamento harmonioso e do arranjo equilibrado dos elementos. Na pintura barroca observa-se o contrário, todas as partes são subordinadas a um ritmo que une o todo, e qualquer separação significa uma mutilação. Você entendeu o texto? Achou complicado? Na primeira leitura, realmente, parece um pouco complicado. Releia o texto. Vou me apropriar de algumas sugestões da autora e recomendar que você observe um quadro de Dürer, renascentista e um de Rembrand, barroco, para entender o primeiro ponto. Para o segundo, terceiro e quarto pontos veja uma tela de Leonardo da Vinci e uma de Tintoretto. Por fim, sugere a obra “Quatro Estações” de Botticelli em que uma das figuras – A Primavera, é a mais conhecida das integrantes do quadro (isso justifica a ideia de independência explicada anteriormente, lembra?). Em oposição, no “Jardim do Amor” de Rubens, pintor barroco, todas as partes estão interligadas, nada podendo ser separado. Você pode está pensando: onde vou encontrar essas telas, para comprovar as informações recebidas? Vá a uma biblioteca e pesquise em livros de Artes, Coleções sobre grandes mestres da pintura, enciclopédias, livros de História e de Literatura. E se você mora em uma grande cidade, ou tem possibilidade de visitar um grande centro, procure um Museu de Artes e lá com certeza encontrará uma tela de alguns dos pintores indicados. A internet também é uma fonte de pesquisa. Entre no Google e escreva o nome dos pintores, ou escreva o nome do quadro mais o nome do respectivo autor. Consulte os diversos sites que surgirem, mas não esqueça da finalidade da sua pesquisa – observar a oposição/características entre autores/telas barrocas e renascentistas. Afrânio Coutinho, em sua obra Introdução à Literatura Brasileira, p. 89 e 93, referindo - se ao vocábulo barroco, assim se coloca: A etimologia de “barroco” tem suscitado muita controvérsia. Acreditam uns na origem ibérica, espanhola – “barrueco”, ou portuguesa - “barroco”, designando uma pérola de superfície irregular. ( ... ) Nos séculos XVI e XVII, o epíteto significava um modo de raciocínio que confundia o falso e o verdadeiro, uma argumentação estranha e viciosa, evasiva e fugidia, que subvertia as regras do pensamento. Originalmente, portanto, é negativo, pejorativo, sinônimo de bizarro, extravagante, artificial, ampuloso, monstruoso, visando a designar, menoscabando, a arte seiscentista, interpretada dessa maneira, como forma de decadência da arte renascentista ou clássica. ( ... ) Assim, o conceito, com seu sentido pejorativo, teve curso especialmente no terreno das artes plásticas e visuais , designando a arte e a estética do período subsequente ao Renascimento, interpretada como forma degenerada Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 31 dessa arte, expressa na perda da clareza, pureza, elegância de linhas, e no uso de toda a sorte de ornatos e distorções, que resultaram num estilo impuro, alambicado e obscuro (...). O Renascimento caracterizou-se pelo domínio da linha reta e pura, pela clareza e nitidez de contornos. O Barroco tenta a conciliação, a incorporação, a fusão ( o fusionismo é a sua tendência dominante) do ideal medieval, espiritual, supra-terreno, com os novos valores que o Renascimento pôs em voga: o humanismo, o gosto das coisas terrenas, as satisfações mundanas e carnais. A estratégia pertenceu à Contra-Reforma, no intuito, consciente ou inconsciente, de combater o moderno espírito absorvendo-o no que tivesse de mais aceitável. Daí nasceu o Barroco, novo estilo de vida, que traduz em suas contradições e distorções o caráter dilemático da época, na arte, filosofia, religião, literatura. Perceba que o texto que acabamos de citar contém as mesmas ideias de Cademartori, entretanto apresenta alguns termos que talvez sejam desconhecidos para você. Aproveite e enriqueça seu vocabulário. Vá ao dicionário e pesquise. Lembre de que um futuro professor precisa ter uma linguagem rica, um bom conhecimento da língua padrão, não para demonstrar que é erudito, mas como estímulo, exemplo a ser seguido por seus alunos. O outro autor que ficamos de lhe apresentar, Massaud Moisés, assim se posiciona em relação ao Barroco, em sua obra: História da Literatura Brasileira. Dele extraímos um olhar diferenciado. Não nos deteremos na explicação do termo em si, pois há uma coincidência de concepção conceitual entre os autores já citados e Massaud, mas no comentário que faz sobre o assunto: A complexidade avulta à medida que vamos detendo os olhos noutros aspectos da questão. Pergunta-se: quais as fontes de que promanaria o Barroco? Os especialistas no assunto divergem, ora optando por uma, ora por outra das matrizes plausíveis. Como sempre ocorre no trânsito entre estéticas literárias contíguas, a arte barroca nasceria do movimento cultural imediatamente anterior, a Renascença. E se caracteriza, pelo menos no país em que primeiro surgiu (Espanha), por nítida bipolaridade, é fácil compreender o quanto lhe deve a nova corrente literária: o bifrontismo renascentista, - configurado pela coexistência de valores medievo-cristãos e novidades pagãs e terrenas trazidas pela ressurgência do espírito greco-latino, por desenvolvimento interno e progressiva consciencialização, - gera a estética barroca. Tipicamente seiscentista e meridional, orienta-se pelo empenho, 32 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I frustre, de neutralizar e unificar a dualidade renascentista. Aliança identificadora entre o teocentrismo medieval e o antropocentrismo quinhentista, eis a geratriz fundamental do ideário barroco. (...). Nessa perspectiva, o Barroco estaria intimamente relacionado com o movimento da Contra-Reforma. Esta, em verdade, não originou o Barroco, mas tê-lo-ia encampado, dando-lhe rumos precisos e matizes não-estéticos. A campanha anti-reformista encontrou na arte barroca um instrumental riquíssimo, que se amoldava perfeitamente à estratégia praticada pelo Vaticano contra a dissidência luterana. A feição mística e pragmática assumida pelo movimento barroco decorre desse ajuste entre a forma barroca e a matéria da Contra-Reforma, resultando, daí, a fisionomia dilemática e o mútuo intercâmbio, em que o espírito tende a ser considerado matéria, e a carne a transcendentalizar-se: corpo e alma coligados inseparavelmente. Como se iniciou nas artes plásticas, ou nelas vicejou primeiro, o Barroco identifica-se pelo jogo do claro-escuro, da luz e da sombra, pela assimetria, pelo contraste, pela abundância de pormenores formais (o torcicolamento escultural e arquitetônico, o rebuscamento das metáforas, etc.), de conteúdo, pela obscuridade, pelo sensualismo, pela tensão entre razão e fé, entre misticismo e erotismo, entre o gozo dionisíaco de viver e a morte com seus mistérios, entre a ordem e a aventura, entre a sensação de miséria da carne e de bem-aventurança do espírito, entre a racionalidade e a irracionalidade, etc. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 33 Atividade I Após ler e interpretar o que informamos e comentamos até aqui, observe, atentamente, as imagens e o fragmento a seguir e confronte-os com os textos estudados. 1 2 3 dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades! 34 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I 4 “ Suponho, finalmente, que os ladrões de que falo, não são aqueles miseráveis, a quem a pobreza e vileza da sua fortuna condenou a este gênero de vida, , porque a mesma sua miséria ou escusa alivia o seu pecado, como diz Salomão ... O ladrão que furta para comer, não vai nem leva ao inferno: os que não só vão, mas levam, de que eu trato, são os ladrões de maior calibre e de mais alta esfera, os quais debaixo do mesmo nome e do mesmo predicamento distingue bem S. Basílio Magno... Não são só ladrões, diz o Santo, os que cortam bolsas, ou espreitam os que vão se banhar, para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título, são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos. Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos: os outros furtam debaixo do seu próprio risco, estes sem temor, nem perigo: os outros, se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam.” Pe. Antônio Vieira. Sermão do Bom Ladrão ou da Audácia Para responder em seu bloco de anotações I. Para completar seu aprendizado, registre, em seu bloco de anotações, suas impressões, características apontadas pelos autores e identificadas por você, nos textos 1, 2 e 3. II. Agora, leia, atentamente, o fragmento do sermão de Pe. Vieira e repita o exercício anterior. Percebeu como o texto tem ideias opostas? Anote-as, formando duas colunas. Ideias semelhantes em uma coluna, na outra coluna, as que se contrapõem às primeiras. Não esqueça, se encontrou palavras desconhecidas, recorra ao dicionário. III. Por fim, elabore um parágrafo ou dois comparando os textos 1, 2 e 3 com o texto 4. dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades! Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 35 Rememorando Estou sempre falando que o homem é um ser social e histórico. Lembro esse fato para que você entenda que assim como a sociedade evolui, também, o homem vai evoluindo. Ambos de forma gradativa. Ninguém adormeceu no Renascimento e acordou no Barroco. Nada surge do acaso. Os fatos vão acontecendo, a situação política e social de um país ou mesmo do mundo ( no nosso caso, o mundo ocidental) vai mudando, os costumes vão recebendo influências dessas transformações sociais e, paulatinamente, comportamentos, atos e atitudes vão sendo modificados, dando início ao que na literatura, chamamos de estilos de época e/ou tendências literárias. Para alguns estudiosos, esses movimentos podem ser representados por uma linha sinuosa – quando uma tendência está no topo, outra está em declínio. Nessa perspectiva, podemos inferir que o Barroco recebeu influências ideológicas da Contra-Reforma e do Concílio de Trento, em oposição a Reforma proposta por Lutero, lembra? Como resultado desse conflito, a produção barroca – seja de poetas, pintores, escultores e escritores - apresenta as seguintes características: • dualidade ideológica (cristianismo medieval x racionalismo renascentista; • exuberância verbal ( abuso das figuras de estilo: metáfora, inversão, antítese, paradoxo; gradação, hipérbole, prosopopéia, de frases interrogativas, e do uso de símbolos...); • ambiguidade; conflito; materialismo; espiritualidade; efemeridade; insegurança; pessimismo; • cultismo ( jogo de palavras, uso excessivo de metáforas e de hipérboles, correspondendo ao exagero de detalhes das artes plásticas, valorização da forma – especialmente na poesia) • conceptismo ( explora a ideia, o conceito, mais do que a palavra ou a imagem; desenvolve o prazer da intelectualidade, a valorização do raciocínio - ocorre mais na prosa. Como reflexo desse mundo duplo (razão e fé), os escritores da época “passam” as inquietações, os medos, angústias e anseios do homem comum, incluindo-se entre eles, por meio de temáticas como: • Transitoriedade da vida e dos bens materiais. Dividido entre reconhecer-se como centro do mundo e preso ainda aos ensinamentos da Idade Média, o homem barroco só tem uma certeza: de que a vida terrena é finita e transitória e de que nada sabe sobre o além morte. Essa constatação se transforma em angústia profunda; 36 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I • Preocupação com a morte. Vivendo a angústia da incerteza, pressionado pela religiosidade imposta pela Contra-Reforma, o poeta (homem barroco) debate-se entre a culpa de ser pecador e a esperança da salvação; • Duelo entre a castidade e o desejo. Dividido entre céu e terra, o homem biológico luta contra os desejos da carne e a moralidade religiosa (jesuítica); • Carpe diem. Aproveitar o dia, viver o momento presente, máxima, princípio horaciano ( de Horácio poeta da Antiguidade) adotado pelo homem barroco, que insatisfeito com o racionalismo renascentista que não respondendo a questionamentos sobre a existência humana, sobre a fugacidade da vida levou o homem a viver o instante, o momento presente, já que tudo é transitório, passageiro. • Locus horrendus. O mundo passa a ser um local de sofrimento, desilusão e dor; um lugar horrível. TEXTO 3 O Barroco no Brasil “ A literatura no Brasil colonial é literatura barroca e não clássica, como até bem pouco era regra denominá-la. A literatura nasceu no Brasil sob o signo do Barroco, pela mão barroca dos jesuítas.” Afrânio Coutinho Como você já sabe, o Barroco data do século XII. No Brasil esse movimento artístico – literário tem início em 1601, com o poema épico Prosopopeia, de Bento Teixeira, português aqui radicado. Encerra-se em 1768, com a publicação do livro de Cláudio Manuel da Costa – Obras. Apesar da condição de colônia portuguesa, o Brasil vivenciou um movimento diferenciado de Portugal, visto que à influência europeia agregaram-se as culturas negra e nativa. Do ponto de vista econômico, a Colônia vivia uma exploração violenta de suas riquezas naturais, principalmente do ouro, que daqui eram levadas para enriquecimento dos cofres portugueses e nada era feito pelo desenvolvimento da nova terra. Para agravar a situação, a corrupção era uma febre entre políticos e administradores que procuravam enriquecer de forma ilícita, traindo a própria Coroa portuguesa. É nesse contexto que se destacam Bento Teixeira, Gregório de Matos e Padre Antônio Vieira. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 37 Para que você tenha uma ideia clara da situação, leia, a seguir, os versos de Gregório de Matos Eu sou aquele, que passados anos cantei na minha lira maldizente torpezas do Brasil, vícios, e enganos. Em outro poema ( sobre a cidade da Bahia) tem-se: Que falta nesta cidade? ................................................. Verdade Que mais por sua desonra? ............................................ Honra Falta mais que se lhe ponha? ..........................................Vergonha. Conhecendo um pouco esses poetas Bento Teixeira Nasceu no Porto, Portugal, acredita-se que em 1561. Com seis anos de idade vem com a família para o Brasil, perseguidos pela Inquisição por práticas judaizantes. Aqui chegando, instalam-se no Espírito Santo e posteriormente na Bahia. Após casar-se passa a residir em Recife e pouco depois em Olinda, cidades em que exercerá a função de professor e, paralelamente, atua na advocacia. Massaud Moisés divide o Barroco brasileiro em três momentos. O primeiro, correspondendo aos 50 primeiros anos do movimento, sob inspiração camoniana, tem como representante isolado, em Pernambuco, Bento Teixeira, autor da “Prosopopeia, poemeto épico que em 1601 introduz o Barroco no Brasil. O texto é composto de 94 estâncias, em oitava–rima, e decassílabos heroicos, à semelhança d’Os Lusíadas e é dedicado a Jorge Albuquerque Coelho, Capitão e Governador de Pernambuco. Por seu caráter economiástico e laudatório, bem como pela pobreza do motivo histórico escolhido – figura quase desconhecida, recebe dos críticos a classificação de poemeto épico. Perpetua–se, assim, ao longo da historiografia literária apenas pelo fato de ser o texto que marca o início do Barroco no Brasil. 38 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Nos livros de Literatura Brasileira pouco ou quase nada existe de registro sobre a vida e obra de Bento Teixeira. Tudo que se encontra é sempre com conotação pejorativa como poeta menor e bajulador. Entretanto, nos anos 90 do século passado, o escritor paraibano, Gilberto Vilar, publica a obra “O primeiro brasileiro: Onde se conta a história de Bento Teixeira”, texto romanceado, mas que tem como base documentos históricos, guardados no Arquivo Nacional, do processo inquisitorial de Bento Teixeira, pesquisados pelo autor. Esse livro vem preencher um silêncio de séculos. Nele, o leitor vai entrar na história da capitania de Pernambuco e, especificamente, no cotidiano de Recife, cultura usos e costumes da época, os caminhos percorridos por Bento, pelos cristãos novos e, a partir da leitura, formar novo conceito ou confirmar o já dito sobre o poeta. Tomará conhecimento também dos rituais judaicos que apesar da pressão do Tribunal da Santa Inquisição, aconteciam periodicamente em Recife, na antiga Rua dos Judeus, depois nomeada Rua do Bom Jesus. Quem visita o Recife antigo, encontra, ainda hoje, a antiga placa, conforme a imagem a seguir. Gregório de Matos Guerra Nasceu na Bahia, em 1636, filho de Gregório de Mattos e de Maria da Guerra. Teve dois irmãos, Pedro e Eusébio. Nada se sabe do primeiro, do segundo sabe-se que professou na Companhia de Jesus e na Ordem do Carmo, foi músico, pintor, matemático, orador e poeta. Considerado o primeiro poeta brasileiro e o maior representante da poesia barroca nacional, Gregório de Matos Guerra é comparado, por sua genialidade artística, a Aleijadinho, na escultura. Filho de pais abastados, Gregório estudou com os jesuítas de Salvador e em 1650, com 14 anos, embarcou para Portugal, onde foi estudar leis. Dois anos depois matriculou-se na Universidade de Coimbra, formando-se em 1661. É sempre bom lembrar que a Bahia era, à época de Gregório, o coração do Brasil. Lá estava concentrado o poder da coroa portuguesa Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 39 aqui na colônia. Era a terra barroca por excelência, pela arte desenvolvida, pelo sincretismo religioso, pelos costumes e pela índole do povo. Nesse clima, entre corrompidos e corruptores, boêmios e religiosos, santos e pecadores, Gregório, poeta e representante do povo, recebeu a alcunha de “ Boca de Inferno”, por satirizar, de forma irreverente, a vida social, política e religiosa da época. Assim se apresenta o poeta: “ ... cronista sou dessa grã festividade tenho de falar verdade e dizer o que passou.” Sua obra abrange, na poesia lírica, as vertentes lírico - filosófica, lírico - amorosa e lírico - religiosa ou sacra. Na poesia satírica destaca-se pelo humor malicioso e sutil, pelo uso de obscenidades e palavrões. Episódios do cotidiano popular e da vida política são temas explorados, bem como figuras do povo, políticos, religiosos, comerciantes etc. Ninguém escapa da língua ferina do poeta. Por meio desses textos, é possível uma leitura de usos costumes da colônia. Embora seja mais conhecido por sua verve satírica, é na lírica que Gregório se apresenta barroco por excelência. A poesia sacra é caracterizada pela fuga da realidade, pela busca da salvação e, ao mesmo tempo, a atração pelos valores materiais e carnais. Apresenta-se como réu confesso, mas arrependido suplica o perdão divino, sem colocar-se em uma postura submissa. Compreende que o pecado faz parte do humano, todavia, esse mesmo pecado é causa do divino manifestar-se como tal: compreensivo e misericordioso. Na poesia amorosa, o poeta vive a oposição entre a sedução mística e sedução carnal. O amor é visto como fonte de prazer e felicidade, bem como fonte de dor e sofrimento. Na vertente lírico-filosófica, o poeta afasta-se das situações mais imediatas e busca respostas para questionamentos como efemeridade da vida e o sentido para a existência, se tudo é tão fugaz, passageiro. Como se vê, ninguém melhor que Gregório de Matos conseguiu traduzir o homem barroco, o sentimento e a condição barroca. Por tudo isso, é considerado o maior representante da poesia barroca no Brasil. Poesia sacra 40 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Nesse campo, sua poesia apresenta um homem pecador que se penitencia através de uma lógica argumentativa. Vejamos: Buscando a Cristo A vós correndo vou, braços sagrados, Nessa cruz sacrossanta descobertos, Que, para receber-me, estais abertos, E por não castigar-me, estais cravados. A vós, divinos olhos, eclipsados De tanto sangue e lágrimas cobertos Pois, para perdoar-me, estais despertos, E, por não condenar-me, estais fechados. Fonte: http://3.bp.blogspot.com/XW6nk_57dK8/TKsOMkt7lfI/AAAAAAAAASs/ x1GNQ11pLBk/s1600/BlochCarlChristConsolator.jpg A vós, pregados pés, por não deixar-me, A vós, sangue vertido, para ungir-me, A vós, cabeça baixa, p’ra chamar-me. A vós, lado patente, quero unir-me, A vós, cravos preciosos, quero atar-me, Para ficar unido, atado e firme. Comentando o poema Como aluno e profissional de literatura, a poesia é parte de suas ferramentas de trabalho. É necessário entendê-la, analisá-la, contextualizando-a à época em que foi produzida. Nessa perspectiva, coloquemo-nos no cotidiano da cidade de Salvador – Bahia e entendamos, com “olhos barrocos,” a mensagem do poeta. Primeiramente, observe a imagem do Cristo Crucificado que antecede a transcrição do poema. Você pode utilizar outra imagem do crucificado, se assim considerar mais esclarecedora. Compare o texto visual com o texto escrito. Notou a semelhança? Veja que o poeta descreve, poeticamente, verso após verso, a imagem sagrada. A partir do título, ele, eu-lírico, já informa seu objetivo: buscar o Cristo e, implicitamente, todas as promessas de perdão, de Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 41 misericórdia, de salvação. Por tudo isso, afirma, categoricamente: “A vós correndo vou”, braços sagrados/ Nessa cruz sacrossanta descobertos.” Observem a argumentação do poeta, nos dois últimos versos da estrofe. Os braços estão abertos para receber o pecador arrependido, todavia estão presos para não castigá-lo. Passemos à segundo estrofe. Mais uma vez, o eu-lírico usa da descrição e da persuasão, mostrando ao próprio Cristo a sua condição de crucificado e o motivo do sacrifício. Os olhos estão eclipsados, entreabertos. Nessa condição, vê pela metade, mas o suficiente para perdoar aquele que prostrado, se arrepende. Ao mesmo tempo, nesse enxergar confuso, não vê o suficiente para condenar o pecador. No primeiro terceto, repete o mesmo processo argumentativo. Aqui o poeta se detém nos pés de Cristo. Para não abandonar o pecador, seus pés estão cravados. Para perdoá-lo, unge-o com seu sangue. De cabeça baixa chama aquele que o procura. Para finalizar, afirma querer juntar-se a Cristo, quer atar-se ao seu salvador pelos pregos preciosos que não o soltarão e, por fim, a entrega definitiva: ficar unido, atado e firme. No verso final, o uso da gradação enfatiza e fecha, com “chave de ouro,” os sentimentos do homem barroco. Em sua exaltação medievalista, afirmar que quer unir-se ao divino é muito pouco. É necessário dizer mais, e acrescenta atado e firme. Atividade II Leia, atentamente, os textos a seguir. Soneto (1) A cada canto um grande conselheiro, Que nos quer governar cabana, e vinha, Não sabem governar sua cozinha, E podem governar o mundo inteiro. Em cada porta um frequentado olheiro, Que a vida do vizinho, e da vizinha dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades! Pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha, Para levar à Praça, e ao Terreiro. 42 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Muitos Mulatos desavergonhados, Trazidos pelos pés os homens nobres, Postas nas palmas toda a picardia. Estupendas usuras nos mercados, Todos, os que não furtam, muito pobres, E eis aqui a cidade da Bahia. Soneto (2) Não vi em minha vida a formosura Ouvia falar nela cada dia, E ouvida me incitava, é me movia A querer ver tão bela arquitetura. Ontem a vi por minha desventura Na cara, no bom ar, na galhardia De uma Mulher, que em Anjo se metia, De um Sol, que se trajava em criatura. Me matem ( disse então vendo abrasar-me) Se esta a cousa não é, que encarecer-me Sabia o mundo e tanto exagerar-me. Olhos meus ( disse então por defender-me) Se a beleza hei de ver para matar-me, Antes, olhos, cegueis, do que eu perder-me. dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades! Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 43 Exercitando a compreensão 1) Releia os sonetos 1 e 2 e identifique o tema de cada texto. 2) Liste as ideias opostas que encontrar em cada poema. 3) Identifique a tendência utilizada pelo autor, se cultista ou conceptista, comente-a, exemplificando. 4) Transcreva as figuras de linguagem encontradas. 5) Há nos textos preocupação com o carpe diem? Justifique sua resposta. 6) Interprete os textos, separadamente, a exemplo do que foi feito em relação ao soneto “Buscando a Cristo”. 7) Algumas composições em verso têm um padrão fixo de estrutura. O soneto é uma delas. Reveja suas aulas de Teoria Literária, nelas você estudou o soneto. Escreva as informações que encontrar sobre este tipo de composição. dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades! Chegamos, enfim, ao término dessa nossa aula. Para compreender melhor o período estudado, sugerimos que você sozinho(a) ou juntamente com alguns amigos e colegas assistam o filme: O JUDEU (1995). Este filme retrata a vida do dramaturgo brasileiro Antonio José da Silva, nascido no Rio de Janeiro, em 1704. Vivendo em pleno domínio da Inquisição, foi usado como bode expiatório num complicado jogo político. Além de sofrer torturas inimagináveis, o artista acaba condenado à morte na fogueira, em 1739. EM NOME DA ROSA (1986). O filme trata da história ocorrida em 1327, em um mosteiro beneditino italiano que continha, na época, o maior acervo cristão do mundo. É interessante assisti-lo para entender melhor a questão religiosa na Idade Média, bem como compreender a proposta renascentista. 44 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Leituras Recomendadas • Os livros de História do Brasil, especificamente os capítulos sobre a Reforma e a Contra –Reforma, bem como artigos na internet. • Artigos na internet que abordem o Barroco, e seus representantes. • Livros de Literatura Portuguesa e Brasileira. • O livro de Gilberto Vilar, “ O primeiro brasileiro: Onde se conta a história de Bento Teixeira.” • Visitas a(s) biblioteca(s) de sua cidade. Nesse(s) espaços, você encontrará material necessário para complementar seus conhecimentos. Agora, é hora de rever os objetivos propostos para essa aula. Acredito que as informações dadas lhe permitiram entender o entrelaçamento da História com a Literatura. Sei que você também aprendeu que como a literatura reflete o homem como ser social e histórico, entendeu o comportamento, os medos, ideias e posicionamentos dos autores aqui apresentados. Tenho certeza de que você entendeu a importância da Reforma e da Contra-Reforma para o surgimento da tendência barroca, tanto na Europa como no Brasil; a origem do movimento aqui na Colônia, bem como a influência de Bento Teixeira e de Gregório de Matos para a estética barroca. Por fim, sei que você é capaz de analisar textos produzidos nos diferentes contextos estudados: político, social e individual, ao responder às atividades propostas. Nossa aula pretendeu apenas seduzi-lo (a), despertá-lo (a) para riqueza da nossa cultura e incentivá-lo (a) para um aprofundamento maior sobre o tema. O caminho foi apontado. Cabe a você explorá-lo. Sucesso. Aguardo você na próxima aula. Até lá. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 45 Resumo O período que acabamos de estudar teve início em 1601 e término em 1768, quando uma nova tendência surge. Como vimos, há uma delimitação no tempo. Nesse período, toda a produção artística em verso e prosa retrata as questões políticas, sociais e religiosas da época. Preso à religiosidade medieval, o homem barroco vive a insegurança, o terror e toda a violência imposta por aqueles que professavam a fé católica. O mundo ocidental vive a liberdade do novo, a busca incessante do conhecimento, a soberania do raciocínio. É a fase do antropocentrismo, o homem como centro do universo, lembra que falamos sobre isso? Antropocentrismo em oposição à cultura do Teocentrismo, Deus como centro do universo . Como já foi dito, essa nova visão de mundo representa uma revolução no comportamento e na vida do homem europeu. Entretanto, mostramos que o Brasil, como colônia portuguesa, recebia a influência de Portugal e por ele era vigiado. Tudo isso produziu nos habitantes brasileiros uma vivência extemporânea da Idade Média, fato que se reflete na produção artístico-cultural da colônia ( artes plásticas e literatura), exemplificado nos textos e telas aqui apresentados e estudados. 46 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Autoavaliação “ Quando me busco, registro. Quando registro, me busco.” Tomando como base a epígrafe acima, faça um exercício de autoavaliação. Para tanto, escreva pequenos comentários sobre o que você entendeu do assunto exposto. Essa atividade ajuda a desenvolver ideias e expressá-las por escrito. Releia as informações dadas sobre Bento Teixeira e compare-as com outras opiniões que você encontrar em outros livros, não indicados na bibliografia. Encontrou discordâncias? Lembre-se que o autor em estudo foi uma figura polêmica. Registre seu comentário e comente-o com seus colegas. dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades! Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 47 Referências ABDALA Jr, Benjamin, CAMPEDELLI, Samira Youssef. Tempos da Literatura Brasileira. São Paulo. Ática, 1986. BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo, Cultriz, 1992. _____, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo. Cia das Letras, 1996. CADEMARTORI, Lígia. Períodos literários. São Paulo. Ática, 1990. COUTINHO, Afrânio. Introdução à Literatura no Brasil. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil S.A. 1988. MATOS, Gregório de. 1636-1696. Gregório de Matos/ seleção de textos, notas, estudos biográficos, histórico e crítico por Antonio Dimas. São Paulo. Nova Cultural, 1988. MOISÉS, Massaud. História da Literatura Brasileira. Vol. 1. São Paulo. Cultrix, 1991. 48 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I III UNIDADE Em meio à instabilidade, vive-se o Barroco Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 49 Apresentação Caro (a) aluno (a), Nesta terceira unidade, continuaremos viajantes do túnel do tempo, pois ainda estamos vivendo as últimas décadas do século VXII e adentrando no século VXIII, lembra? Estamos em pleno período Barroco, época, como já vimos, de medo, de insegurança e de temor extremo em relação às questões religiosas, fruto do movimento da Contra-Reforma. Entretanto, é necessário lembrar que o Brasil era uma colônia portuguesa de além mar. Esse fato possibilitava, àqueles que aqui representavam a Coroa Portuguesa, o distanciamento necessário para o encobrimento de falcatruas, de benesses indevidas, de corrupção de todos os tipos. Pela produção poética de Gregório de Matos, abordamos esse espírito barroco e as consequências por ele deixadas. Conhecemos um pouco a Bahia, a situação da Colônia e o comportamento de seus habitantes: portugueses, brasileiros e africanos, esses últimos vivendo em extrema escravidão, afora os índios que, embora donos da terra e primeiros habitantes, não faziam, em hipótese alguma, parte da sociedade. Fato semelhante não acontecia em relação aos mulatos, filhos de portugueses com negras escravizadas, considerados à época como seres inferiores, mas já aceitos nas camadas mais altas da sociedade, chocando os mais preconceituosos. Vejamos os versos a seguir, do nosso poeta barroco maior, Gregório de Matos “ Não sei, para que é nascer neste Brasil empestado um homem branco, e honrado sem outra raça. Terra tão grosseira, e crassa, que a ninguém se tem respeito, salvo quem mostra algum jeito de ser Mulato.” 50 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Nesse contexto, daremos continuidade ao nosso encontro, ainda trazendo como tema o Barroco, mais especificamente a figura de Padre Antonio Vieira, representante maior da prosa desse período. Sei que ficará fascinado (a) por essa figura ímpar. Objetivos No final dessa aula, esperamos que você: • Perceba os fios que entrelaçam História e Literatura; • Compreenda a Literatura como reflexo do homem como ser social e histórico; • Relembre a Reforma Protestante e a Contra-Reforma; • Entenda a Barroco como resultante desses dois movimentos históricos; • Conheça, entre os principais representantes do barroco brasileiro, o Pe. Antônio Vieira, sua prosa epistolar, religiosa e política; • Identifique duas, dentre as características do Barroco- o cultismo e o conceptismo- importantes para entender o estilo de Pe. Antônio Vieira; • Entenda o surgimento das academias literárias como prenúncio de mudanças; • Analise textos literários produzidos nesse contexto: político, social, individual e religioso. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 51 Cultismo e Conceptismo Na unidade 2, apontamos, dentre outras, duas características doBarroco: cultismo, culteranismo ou gongorismo e conceptismo, sem explicarmos mais detalhadamente o que cada uma significa. Entretanto, necessário se faz retomá-las para que você compreenda melhor os artifícios de linguagem utilizados, como já vimos, pelos escritores barrocos, mas, especificamente, por Pe. Antõnio Vieira. Para tanto utilizaremos os conceitos dos estudiosos da Literatura Brasileira, Proença Filho, bem como Medina, Castro e Teixeira. Proença Filho em sua obra Estilos de Época na Literatura, p. 141, comenta: Cultismo, na dupla interpretação que se pode atribuir à palavra cultura, de que este termo se origina: de um lado, trabalho, esforço; de outro, memória do passado intelectual. Um fato poético se “culteraniza” através do neologismo, da metáfora, do hipérbato. Há uma preocupação com tornar a linguagem culta. O artista utiliza o latim para criar novas palavras, que acabarão por incorporar-se deliberadamente ao idioma, há uma tentativa de aristocratizar a expressão literária. O uso do hipérbato, isto é da inversão da frase, é uma imitação da sintaxe latina, e obedece à mesma preocupação. Claro está que neologismo, hipérbato, metáfora e mitologia já existiam na literatura antes do barroco. O que se observa nesse momento é uma intensificação destas atitudes que passam a ser a tônica do estilo. Na metáfora o autor encontra uma forma de poetizar os objetos vulgares através de objetos poéticos, dentro da intenção geral de aristocrizar a linguagem. Acrescente-se ainda a exibição de um amplo conhecimento da mitologia. Para Medina, Castro e Teixeira, em Antologia da Literatura brasileira: textos comentados, p.24, o cultismo explora bastante as imagens visuais, especialmente as eróticas ou as coloridas (cromatismo barroco); o virtuosismo de sugerir sem concluir ( suspensão do argumento até chegada ao verso final); a saturação descritiva. Trabalhando com analogia e comparações, o cultismo dá origem a todo um metaforismo que mescla os atributos da natureza ou da mitodologia com os predicados humanos. Por exemplo, o cabelo da amada é de ouro; seus dentes são pérolas e seus lábios desafiam a cor do rubi; sua aparência ofusca o próprio sol (=Apolo), que se encanta com ela; o espelho que lhe é infiel; os olhos são mais puros 52 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I que os mais límpidos regatos (...) Contrariamente, o espírito da amada por vezes desmente o que o corpo afirma: seu coração é duro como as rochas, sua tirania é maior que a de Cupido (...) Dentro da linha de certo mecenatismo (=ajuda ou incentivo aos artistas, dado por nobres e graduados), o cultismo também praticou as homenagens ódicas, a poesia elogiosa, também chamada enconomiástica. O cultismo é esteticista, aprecia prioritariamente o belo. Entende-se, portanto, seu horror ao feio sob a forma do impactoinfalível do tempo. O galanteio, por exemplo. é normalmente veiculados sob o argumento de que o tempo destroi a beleza feminina; então, é imperioso curti-la a tempo (tema horaciano carpe diem: “ aproveita o dia que passa). Em relação ao Conceptismo temos, segundo Proença Filho, linguagem de conceitos, “ato do entendimento que expressa a correspondência que há entre objetos” e neste sentido ainda é a metáfora o instrumento característico, a metáfora no seu aspecto intelectual”. Para Medina, Castro e Teixeira, o conceptismo, explora a ideia, o conceito, mais do que a palavra ou a imagem ( em espanhol, conceito se diz concepto; daí, conceptismo): desenvolve o prazer intelectualista de sempre encontrar novas sutilidades do pensar, sempre em busca do inventivo, da agudeza pela agudeza. De posse desse novo conhecimento, passemos a estudar a produção literária desse jesuíta polêmico, seguidor confesso da fé católica, prosador, orador, humanista, diplomata, estadista, missionário, filósofo, defensor da coroa portuguesa, dos escravos e dos índios. Apesar de Padre da Companhia de Jesus, deveria como tal seguir as orientações da Ordem, Vieira preferia a liberdade de pensar por conta própria. Tinha horror às verdades impostas, ao racismo e aos preconceitos sociais que impregnavam a Europa e a América. Esse posicionamento fez de Vieira o mais corajoso advogado dos judeus e o mais abnegado defensor dos índios escravizados. Para entender Vieira Para compreender o papel desempenhado por Padre Antônio Vieira e entender o quão contraditória foi a sua passagem pelo Brasil; o papel por ele desempenhado como representante da fé católica, já disse era um jesuíta, bem como da coroa portuguesa, é necessário que você conheça uma parcela da biografia desse homem religioso, político e polêmico, meio português, meio brasileiro. Para tanto, apresentamos, a seguir, fragmentos de um texto extraído do livro Tempos da Literatura Brasileira, p. 31. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 53 “O mais famoso orador sacro do Brasil - Colônia foi o Padre Antônio Vieira,que desempenhou missões jesuíticas no Maranhão e no Grão-Pará, atuou como professor de retórica no Colégio de Pernambuco e participou ativamente da política do rei D. João VI, em Portugal e no Brasil. Seus sermões, publicados entre 1679 e 1748, atingem 16 volumes e o púlpito foi o grande veículo propagador de suas ideias e das causas que defendeu. A esse respeito, assim comenta Antônio Dimas num estudo comparativo entre a atuação social de Gregório de Matos e a do religioso: ‘ Em Vieira, a escolha do púlpito talvez não seja meramente acidental. De lá de cima, o jesuíta combativo examinava, analisava e condenava. Era mais abrangente e moralizava com o gosto de quem se sente atraído pelo Poder, num relacionamento agônico. Em posição estratégica brincava ele com a Palavra ou com Deus, submetendo tudo a uma incrível capacidade de pôr-dispor-indispor-compor-repor, cujo fim último era sempre a supremacia da Inteligência na condução do Estado. Vieira contemplava por cima. Gregório contemplava por baixo.’ (Vieira: a poderosa persuasão pelo terror. In Gregório de Matos).” (Antônio Dimas, apud ABDALA JR., Benjamin e CAMPADELLI, Samira Youssef). O convencimento pela palavra E já que ‘contemplava por cima’, o pregador procurava sempre convencer o público através de um discurso veemente, onde não faltava o largo uso de figuras de linguagem como comparações, antíteses, metáforas, hipérboles etc., no sentido de eletrizar o ouvinte, para despertar-lhe a consciência. A repetição, com finalidade enfática, bem como o processo de perguntas–respostas é outra fórmula vieiriana de eficácia indiscutível. ...................................................................................................... Para que você apreenda bem as informações dadas, os autores do livro, do qual estamos transcrevendo alguns fragmentos, apresentam pequeno trecho do Sermão de Santo Antônio, com os devidos comentários. Vós, diz Cristo Senhor nosso, falando com os Pregadores, sois o sal da terra: e chama-lhes sal da terra, porque quer que façam na terra, o que faz o sal. O efeito do sal é impedir a corrupção, mas quando a 54 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela, que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção? Ou é porque o sal não salga ou porque a terra não se deixa salgar. Ou é porque o sal não salga, e os Pregadores não pregam a verdadeira doutrina, que lhes dão, a quem não querem receber; ou é porque o sal não salga, e os Pregadores dizem uma cousa, e fazem outra, ou é porque o sal não salga, e os Pregadores se pregam a si, e não a Cristo; ou porque a terra não se deixa salgar, e os ouvintes em vez de servir a Cristo, servem a seus apetites. Não é tudo isto verdade? Ainda mal. ...................................................................................................... Isto suposto, quero hoje à imitação de Santo Antônio voltar-me da terra ao mar, e já que os homens se não aproveitam, pregar aos peixes. O mar está tão perto, que bem me ouvirão. Os demais podem deixar o Sermão, pois não é para eles. Maria, quer dizer Domina maris: Senhora do mar: e posto que o assunto seja tão desusado, espero que me não falte com a costumeira graça. Ave Maria. (Pregado na cidade de São Luís do Maranhão, ano de 1654.) É de se observar, no trecho acima, um verdadeiro torneio frásico entre o orador e a palavra, a partir da premissa que norteia o raciocínio “ Sois o sal da terra”. Partindo do texto evangélico (a palavra de Cristo), Vieira examina todas as possibilidades para a explicação da corrupção, usando para isso a exaustiva repetição não apenas da ideia ( o sal a doutrina cristã), mas também da frase alternativa/causal “ ou é porque”. Igualmente, é de se notar a ironia impressa ao sermão quando resolve não mais falar aos homens e sim aos peixes, numa alusão clara ao mutismo e à surdez ( peixes não falam, nem ouvem). Claro e profundo, ao mesmo tempo que lógico e convincente, o orador explorou extraordinariamente a linguagem: uma síntese muito rica, um vocabulário repleto de conotações, extraindo sua mensagem da plurissignificação da palavra. Deixemos os comentários dos autores já citados e passemos as nossas colocações. Como se pode perceber, Vieira parte de algo concreto, a passagem de Cristo pela terra e seus ensinamentos para convencer o público presente na Igreja de que suas palavras não são vãs, mas fruto da certeza do que as Sagradas Escrituras devem representar para os cristãos. Vejamos: Em três momentos a Bíblia faz referência a esta fala de Jesus: vós sois o Sal da Terra: no Evangelho de Marcos 9, 50; em Mateus 5, 13-14 e no Evangelho de Lucas 14,34 e seguintes. No Evangelho de Mateus ele faz parte do famoso Sermão da Montanha ou As Bem Aventuranças - Vós sois o sal da terra. Se o sal perde o sabor, com que lhes será restituído o sabor? Para nada mais serve senão para ser lançado fora e calcado pelos homens. No Evangelho de Marcos capitulo 9, 50, Jesus usa novamente essa expressão: sal da terra para referir-se aos seus discípulos e por extensão a todos os cristãos. O sal é uma boa Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 55 coisa; mas se ele se tornar insípido, com que lhe restituireis o sabor? Tende sal em vós e vivei em paz uns com os outros. Finalmente em Lucas, podemos ler a terceira referência a esta imagem: sal da terra, quando no capítulo 14, 25, Jesus fala: O sal é uma coisa boa, mas se ele perder o seu sabor, com que o recuperará? Não servirá nem para a terra nem para adubo, mas lançar-se-á fora. O que tem ouvidos para ouvir que ouça. Ora, coloquemo-nos no contexto da época. Lembram que o povo vivia dividido entre o teocentrismo e o antropocentrismo? Como, nesse momento, não temer a ira divina, ouvindo tão convincente orador? Os argumentos e as provas apresentadas por Vieira eram incontestáveis. O uso da palavra do representante da Igreja aplicada ao discurso de Cristo. Como não temer? Como não refletir? Vo l t e m aos versos de Gregório apresentados no início dessa aula. Percebam que ambos, Gregório e Vieira, falam da mesma cidade, do mesmo país, entretanto, a forma de falar e de denunciar são distintas. Chamo a atenção desse fato para que vocês entendam o comentário: ‘ Vieira contemplava por cima. Gregório contemplava por baixo.’ Vieira, como pessoa da Igreja, considerava-se o real representante de Deus aqui na terra, já Gregório, apresentava-se como crítico e denunciante da sociedade corrupta em que vivia, entretanto, reconhecia-se pecador, e essa condição igualava-o aos demais viventes. Em defesa dos menos favorecidos Vejamos um documento de época que ratifica o compromisso de Vieira para com os índios brasileiros, em carta enviada ao rei D. Afonso VI. As injustiças e tiranias, que se têm executado nos naturais destas terras, excedem muito às que se fizeram na África. Em espaço de quarenta anos se mataram e se destruíram por esta costa e sertões mais de dois milhões de índios, e mais de quinhentas povoações como grandes cidades, e disto nunca se viu castigo. Proximamente, no ano de 1655, se cativaram no rio das Amazonas dois mil índios, entre os quais muitos eram amigos e aliados dos portugueses, e vassalos de Vosssa Majestade, tudo contra a disposição da lei que veio naquele ano a este Estado, e tudo mandado obrar pelos mesmos que tinham maior obrigação de fazer observar a mesma lei; e também não houve castigo: e não só se requer diante deVossa Majestade a impunidade destes delitos, senão licença para os continuar. Com grande dor, e com grande receio a renovar no ânimo de Vossa Majestade, digo o que agora direi: mas quer Deus que eu o diga. A El-Rei Faraó, porque consentiu no seu reino o injusto cativeiro do povo hebreu, deu-lhe Deus grandes castigos, e um deles foi tirar-lhe os primogênitos. No ano de 1654, por informação dos procuradores deste 56 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Estado, se passou uma lei com tantas larguezas na matéria do cativeiro dos índios, que depois, sendo Vossa Majestade melhor informado, houve por bem mandá-la revogar; e advertiu-se que neste mesmo ano tirou Deus a Vossa Majestade o primogênito dos filhos e a primogênita das filhas. Senhor, se alguém pedir ou aconselhar a Vossa Majestade maiores larguezas que as que hoje há nesta matéria, tenha-oVossa Majestade por inimigo da vida, e da conservação e da coroa de Vossa Majestade. Dirão porventura (como dizem) que destes cativeiros, na forma em que se faziam, depende a conservação e aumento do estado do Maranhão; isto, Senhor, é heresia. Se, por por não fazer um pecado venial, se houver de perder Portugal, perca-o Vossa Majestade e dê por bem empregada tão cristã e tão gloriosa perda; mas digo que é heresia, ainda politicamente falando, porque sobre os fundamentos da injustiça nenhuma cousa é segura nem permanente; e a experiência o tem mostrado neste mesmo Estado do Maranhão, em que muitos governadores adquiriram grandes riquezas e nenhum deles as logrou nem elas se lograram; nem há coisa adquirida nesta terra que permaneça, com os mesmos moradores delas confessam, nem ainda que vá por diante, nem negócio que aproveite, nem navio que aqui se faça que tenha bom fim; porque tudo vai misturado com sangue dos pobres, que está sempre clamando ao céu. VIEIRA, Padre Antônio. Carta ao rei D. Afonso VI. In: CANDIDO, Antonio e CASTELO, J. Aderaldo. Presença da Literatura Brasileira – Das origens ao Romantismo. 10. ed. São Paulo – Rio de Janeiro, Difel,1980. v.I, p. 55-6. Lembra quando eu chamei sua atenção para a forma como Vieira tratava os Pregadores e comparava-os com o sal? Lembra como ele usava argumentos fortes e reais, compaeando-os às Sagradas Escrituras, para convencer o ouvinte? Retorne à carta que eu acabei de lhe apresentar. Leia e releia. Identifique a forma como Vieira ousadamente se dirige ao rei. Mais uma vez, ele parte de um dado real – o genocídio de índios no Maranhão, “puxa as orelhas do rei” para um crime que estava acontecendo e a coroa portuguesa, sabedora do fato, fazia “vista grossa”. Você tem noção da extensão desse ato? Um súdito, embora representante da Igreja, não pertencia a aristocracia, tratar seu soberano dessa forma? Vieira parece achar pouco o seu atrevimento e vai mais além. Apela para o discurso religioso. E lembra o castigo dado a Faraó pela desobediência a Deus, alertando o rei de que algo semelhante poderia acontecer em sua casa, fato que coincidentemente ocorreu. Em defesa dos índios Vieira se expõe, corre riscos de ser punido, o que acontecerá em determinado momento, mas o seu senso de justiça não lhe permite calar. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 57 Um pouco do biográfico Para quebrar um pouco a rotina de nosso encontro, mas sem nos afastarmos da figura foco de nosso estudo, falarei um pouco sobre Pe. Antônio Viera, algumas informações biográficas necessárias para o estudo que estamos realizando. Lembro-lhe que em qualquer livro de Literatura Brasileira ou Portuguesa, e em sites especializados, você vai encontrar esses dados, acrescidos ou não. Por esse motivo, é interessante que você busque outras fontes; que não se satisfaça apenas com o que estou apresentando. Um futuro profissional de Letras tem por obrigação conhecer várias fontes teóricas. Padre Antônio Vieira (1608-1697) – nasceu em Lisboa. Veio para o Brasil com seis anos de idade, estudou no Colégio dos Jesuítas e, depois, ingressou na Companhia de Jesus. Notabilizou-se como orador sacro. Em 1641, foi para Portugal, onde exerceu funções políticas como conselheiro da corte e embaixador de D. João IV. Em 1652, retornou ao Brasil, e esteve no Maranhão, onde fez acusações aos escavocratas e defendeu a liberdade dos índios. Foi expulso do país, juntamente com outros jesuítas. Envolveu-se, posteriormente, com a Inquisição e chegou a ser preso por um ano. Voltou à Bahia, em 1681, onde veio a falecer. Deixou inúmeros sermões, condensados em 16 volumes; História do Futuro; Cartas – reunidas em 3 volumes; Defesa perante o tribunal do santo Ofício – 2 volumes. Como falei, Vieira foi um acirrado defensor dos índios, dos judeus, os chamados cristãos -novos, ou seja, aqueles que se converteram à fé católica , bem como dos negros. Vieira era inconformado com o tratamento dado aos escravizados. Em um de seus sermões denuncia e critica a atitude dos senhores brancos para com os negros. Denuncia e critica veementemente a atitude dos senhores brancos, conclamando-os à prática dos sentimentos cristãos e humanitários. 58 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Atividade I Leia, atentamente, os fragmentos abaixo e responda ao exercício proposto Fragmento de texto 1: Os textos a seguir, permite-nos detectar toda a indignação de Vieira em relação às desigualdades entre a vida dos escravos e a vida dos senhores. (...) Os senhores poucos, os escravos muitos; os senhores rompendo galas, os escravos despidos e nus; os senhores banqueteando, os escravos perecendo à fome; os senhores nadando em ouro e prata, os escravos carregados de ferro; os senhores tratando-os como brutos, os escravos adorando-os e temendo-os como deuses; os senhores em pé apontando para o açoite, como estátuas da soberba e da tirania, os escravos prostrados com as mãos atadas atrás como imagens vilíssimas da servidão e espetáculos da extrema miséria. Oh Deus! Quantas graças devemos à fé que nos destes, porque ela só nos cativa o entendimento, para que à vistas destas desigualdades, reconheçamos contudo vossa justiça e providência! Estes homens não são filhos do mesmo Adão e da mesma Eva? Estas almas não foram resgatadas com o sangue do mesmo Cristo? Estes corpos não nascem e morrem, como os nossos? Não respiram com o mesmo ar? Não os cobre o mesmo céu? Não os aquenta o mesmo Sol? ...................................................................................................... Fragmento de texto 2: Em um engenho sois imitadores de Cristo crucificado: porque padeceis de um modo muito semelhante o que o mesmo Senhor padeceu em sua cruz, e em toda sua paixão. A sua cruz foi composta de dois madeiros, e a vossa em um engenho é de três. Também ali não faltaram as canas, porque duas vezes entraram na Paixão: uma vez servindo para o ceptro do escárnio, e outra vez para a esponja em que lhe deram o fel. A paixão de Cristo parte foi de noite sem dormir, parte foi de dia sem descansar, e tais são as vossas noites e os dias. Cristo despido, e vós despidos: Cristo sem comer, e vós famintos: Cristo em tudo maltratado, e vós maltratados em tudo. ...................................................................................................... Fragmento de texto 3: Eles mandam e vós servis; eles dormem e vós velais; eles descansam, e vós trabalhais; eles gozam o fruto de vossos trabalhos, e o que vós colheis deles é um trabalho sobre o outro. Não há trabalhos mais doces que o das vossas oficinas; mas toda essa doçura para quem é? Sois como as abelhas, de quem disse o poeta. Sic vos nom vobis mellificatis apes. O mesmo passa nas vossas colméias. As abelhas fabricam dica. utilize o bloco de anotações para o mel, sim;mas não para si. responder as atividades! Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 59 Breve exercício de compreensão Que belos fragmentos, não? Para maior compreensão dos mesmos, pesquise em dicionários as palavras desconhecidas. Caso não tenha dúvidas, parabéns, você possui um bom vocabulário. Fragmento do texto 1 Em seu caderno de atividades, escreva as antíteses (jogo de contrários) atribuídas por Vieira para estabelecer os extremos entre senhores e escravos. Transcreva a passagem do texto em que Vieira mostra que só pela religião se pode compreender essa desigualdade entre os homens e que Deus não abandonará os escravos. Fragmento do texto 2 Leia mais uma vez o fragmento. Observe que no texto anterior, o autor fez uso de antíteses. Agora o emprego da metáfora ( transferência de sentido de um termo para outro, numa comparação implícita) dá a tônica da mensagem. Feita a releitura, elabore uma paráfrase do texto. Lembre-se que parafrasear é dizer, o já dito, com outras palavras. Fragmento do texto 3 Leia, atentamente, o trecho a seguir, que Karl Marx, (apud Bosi, 1996, 144) diria dois séculos depois da época de Vieira: “Por certo, o trabalho humano pruduz maravilhas para os ricos , mas produz privação para o trabalhador. Ele produz palácios, mas choupanas é o que toca ao trabalhador. Ele produz maravilhas para os ricos, mas produz privação para o trabalhador. Ele produz beleza, mas para o trabalhador só fealdade”. Volte ao fragmento de texto 3, releia-o. Encontrou alguma semelhança com o fragmento de Marx ? Expresse, por escrito, seu ponto de vista sobre os dois textos. dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades! É sempre bom usar da oralidade para expor nosso pensamento. Comente os textos com alguns colegas. Seduza-os para o texto. Leve-os a também a exporem suas conclusões. Essa será a sua pratica em sala de aula, “chamar” o aluno para o conteúdo que você vai ministrar. É necessário exercitá-la. 60 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Comente a seguinte afirmação de Vieira: “ Quem cuida que o que se chama escravo é o homem todo, erra e não sabe o que diz: a melhor parte do homem, que é a alma, é isenta de todo o domínio alheio, e não pode ser cativa. O corpo, e somente o corpo, sim.” Para que você entenda o quão vanguardista era Vieira para o seu tempo, e o quão é atualizado para a realidade de hoje, transcrevo um trecho de sua autoria, e um de Martim Luther King, um dos grandes pacifistas do século XX. A conclusão é sua. Observar a linguagem e o estilo de cada época é, também, uma forma de aprendizagem. “Fê-los Deus a todos de uma mesma massa, para que vivessem unidos, e eles se desunem; fê-los iguais, e eles se desigualam; fê-los irmãos e eles se desprezam do parentesco”. “Nós aprendemos a voar com os pássaros, a nadar com os peixes, mas ainda não aprendemos a conviver como irmãos”. Vieira por ele mesmo: cultista ou conceptista? Iniciamos a unidade falando de cultismo e conceptismo. Falei até que essas características eram importantes para se entender o estilo de Vieira. Volte ao início de nossa aula. Releia os conceitos e tire suas próprias conclusões. Entretanto, mais uma vez utilizo as observações de Abdala júnior e Campedelli, em Tempos da Literatura Brasileira. Vieira foi um autor essencialmente barroco e pode-se extrair de seu sermonário uma quantidade de características que a estética congrega: o jogo com a palavra, a exploração de elementos visuais, os contrastes extremados, o exagero das situações etc. Entretanto, jamais poderemos situá-lo como autor gongórico, ou seja, aquele que joga com a palavra meramente pela sedução do jogo ou pelo simples rebuscamento formal. Em Vieira predomina o conceptimo, isto é, o desenvolvimento da ideia no sentido da persuasão; a retórica no sentido de amparo ao seu discurso. Nesse caso, convém transcrever o que diz o ‘ Prólogo do Autor’ da primeira edição dos Sermões: ‘Se gostas de afetação e pompa de palvras, e do estilo que chamam culto, não leias. Quando este estilo mais florecia, nasceram as verduras do meu (que perdoarás quando as encontrares), mas valeuLiteratura Brasileira I I SEAD/UEPB 61 -me tanto sempre a clareza, que só porque me entendiam comecei a ser ouvido; e o começaram também a ser os que reconheceram o seu engano, e mal se entendiam a si mesmos.’ “ A advertência é clara e contundente: ‘o estilo que chamam culto’ é o gongorismo, uma forma inferior, preocupada apenas com o prazer lúdico. Vieira defendia a finalidade prática do sermão. Cumpre, portanto, transcrever abaixo um trecho do paragráfo III do Sermão da Sexagéssima, exemplar demonstração de raciocínio e de conceptismo: ‘fazer pouco fruto a palvra de Deus no Mundo, pode proceder de um de três princípios: ou da parte do pregador, ou da parte do ouvinte, ou da parte de Deus. Para uma alma se converter por meio de um sermão, há de concorrer o pregador com a doutrina, persuadindo; há de concorrer o ouvinte com o entendimento, percebendo; há de concorrer Deus com a graça, alumiando. Para um homem se ver a si mesmo, são necessárias três coisas: olhos, espelho e luz. Se tem espelho e é cego, não se pode ver por falta de olhos; se tem espelho e olhos, e é de noite, não se pode ver por falta de luz. Logo, há mister luz, há mister espelho e há mister olhos. Que coisa é a conversão de uma alma, senão entrar um homem dentro de si e ver-se a si mesmo? O pregador concorre com o espelho, que é a doutrina; Deus concorre com a luz, que é a graça; o homem concorre com os olhos, que é o conhecimento.(...)’ ...................................................................................................... Espero ter despertado o seu interesse por esse escritor excepcional que nos deixou mais de 200 sermões, dentre os quais destacamos: • Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as armas de Holanda. Pregado em 1640, na Igreja de Nossa Senhora da Ajuda, incitando os fiéis a expulsarem os holandeses do Nordeste. • Sermão do bom Ladrão (ou da Audácia). Pregado na Igreja da Misericórdia, em Lisboa, na Quarema de 1655. O autor aborda diretamente a desonestidade reinante em seu tempo. • Sermão da Sexagésima (ou do Evangelho). Pregado na Capela Real, em 1655. É neste sermão que Vieira faz uma profissão de fé ao conceptismo. Procura provar a má qualidade dos sermões da época, questionando os pregadores. • Sermão de Santo Antônio (ou aos Peixes). Pregado em São Luís do Maranhão, em 1654. Vieira intensifica sua crítica à cegueira e à surdez dos ouvintes, dos fiéis, afirmando que certo estava Santo Antônio que fora pregar aos peixes que o ouviram, já que o povo não o ouvia. 62 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I O Barroco e as Academias Em meados do século XVIII, período final do Barroco, foram criadas, a exemplo de Portugal e da Europa, aqui na colônia, grêmios eruditos e literários, também chamados de academias, com finalidade nativista de cantar a terra e personalidades do governo. Segundo Bosi (1992, p. 52-57), das academias brasileiras pode-se dizer que foram: a) o último centro irradiador do barroco literário; b) o primeiro sinal de uma cultura humanística viva, extra-conventual, em nossa sociedade. Por isso, talvez tenham sido mais relevantes as suas contribuições para a História e a erudição em geral que o pesado rimário gongórico compilado por seus versejadores. Foram baianas as academias mais fecundas, a Brasílica dos Esquecidos (1724-25) e a Brasílica dos Renascidos (1759). Teve também alguma relevância como fenômeno de agremiação cultural no Rio de Janeiro, entre 1736 a 1740, a Academia dos Felizes. Ao lado dessas instituições, podem-se citar os atos acadêmicos, sessões literárias que duravam algumas horas e tinham por fim celebrar datas religiosas ou engrandecer os feitos de autoridades coloniais: neste caso figura a chamada Academia dos Seletos do Rio de Janeiro (1752), que se resumiu numa série de panegíricos rimados em louvor do general Gomes Freire de Andrada, impressos mais tarde em Lisboa sob o título de Júbilos da América. A Academia Brasílica dos Esquecidos, fundada pelo vice-rei, Vasco Fernandes César de Meneses, por ordem de D. João V, escolheu para lema “ Sol oriens in occiduo” e os seus membros se apelidaram, à maneira dos confrades portugueses, Nubiloso, Infeliz, Obsequioso, Inflamado, Ocupado, Menos Ocupado, etc. Eram seus planos estudar a história natural, militar, eclesiástica e política do Brasil e discutir nas sessões os versos compostos pelos acadêmicos. O nome do Acadêmico Vago, Coronel Sebastião da Rocha Pita ( 1660-1738) é o mais lembrado do grupo. (…) e do que resultou é difícil dizer se mais espanta a frivolidade dos assuntos ou o virtuosismo da elocução. Os Esquecidos foram cerebrinos fazedores de acrósticos e mesósticos, sonetos joco-sérios e plurilíngues, centões, bestialógicos e até engenhos pré-concretos, como o Labirinto Cúbico de Anastácio Ayres de Penhafiel. Para você entender essa alusão ao papel atemporal dos acadêmicos como pré-concretistas, veja o que Proença Filho (1988, p.53) nos diz sobre a poesia concreta, tendência que surge, no Brasil, em 1958. Os “poemas concretos” centralizam-se na palavra como coisa, num procedimento antidiscursivo (… ). Com tal propósito, os poetas valem-se da fragmentação de palavras, da associação de vocábulos pela aproximação fônica, atomizam partes do discurso, rompem com a sintaxe tradicional, desintegram os vocábulos em seus morfemas, exLiteratura Brasileira I I SEAD/UEPB 63 ploram o ludismo sonoro, o branco da página etc., propondo novas relações sintético-espaciais, culminam com o aproveitamento de técnicas, como a colagem, o grafismo, o desenho, a fotomontagem. Embora saiba que esse conteúdo será abordado quando você estudar a Pós-Modernidade, essa informação era necessária para a compreensão do poema que transcrevo a seguir, citado anteriormente. INUTRUQUECESAR N I NUTROQUECESA UN I NUTROQUECES TUN I NUTROQUECE RTUN I NUTROQUEC ORTUN I NUTROQUE QORTUN I NUTROQU UQORTUN I NUTROQ EUQORTUN I NUTRO CEUQORTUN I NUTR ECEUQORTUN I NUT SECEUQORTUN I NU ASECEUQORTUN I N RASECEUQORTNU I A Academia Brasílica dos Renascidos, cujo símbolo era a Fênix entre chamas e a divisa “ multiplicabo dies”, sabe-se que precisou dissolver-se por ter caído em desgraça o fundador, José Mascarenhas. Nos seus códices encontram-se os mesmos exemplos de cultismos da Academia dos Esquecidos que ela se propunha reviver. Salvaram-se da produção ligada ao grêmio obras em prosa de valor documental: o Orbe Seráfico Novo Brasílico (1761) de Fr. Antônio de Santa Maria Jaboatão, cronista dos franciscanos na Colônia; a História Militar do Brasil de José Mirales, a Nobiliarquia Pernambucana de Antônio José Vitorino Borges da Fonseca e Desagravos do Brasil e Glórias de Pernambuco do beneditino Domingos de Loreto Couto, muito apreciado por Capistrano de Abreu pela simpatia com que viu nosso indígena. Da Academia dos Felizes, reunida entre 1736 e 1740 no Rio de janeiro, pouco se sabe: a origem palaciana do fundador, o Brigadeiro José da Silva Pais que então substituía Gomes Freire de Andrada; o lema “ignavia fuganda et fugienda” e, como símbolo, um Hércules ameaçando o ócio com a clava. Não se conhece o seu espólio literário. …................................................................................................... As academias e os atos acadêmicos significavam que a Colônia já dispunha, na primeira metade do século XIII, de razoável consistência 64 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I grupal. E embora tenha se restringido a imitar sestros da Europa barroca, já puderam nutrir-se de história local, debruçando-se sobre os embates contra os holandeses no Nordeste ou sobre as bandeiras e o ciclo mineiro no Centro-Sul. À guisa de conclusão Chegamos ao término dessa unidade. Muita coisa deixou de ser dita pela exiguidade de tempo correspondente a uma unidade. Cabe a você preencher as lacunas deixadas, fazendo pesquisas e leituras na(s) biblioteca(s) de sua cidade ou em bibliotecas particulares. Os professores sempre dispõem de livros para pesquisa e são pessoas predispostas a emprestá-los. Mais uma vez lembro que a internet é uma boa fonte de pesquisa, desde que a busca seja em sites especializados. Filmes recomendados Tenho sempre orientado filmes que abordam a temática em estudo e que contribuem para uma melhor compreensão do período em foco. Para entender a influência do contexto barroco nos sermões de Vieira, bem como o surgimento das Academias, sugiro que sozinho(a) ou com alguns amigos (as) assista(m): O JUDEU (1995). Filme que retrata a vida do dramaturgo brasileiro Antônio José da Silva, nascido no Rio de Janeiro, em 1704. Vivendo em pleno domínio da Inquisição, foi usado como bode expiatório num complicado jogo político. Além de sofrer torturas inimagináveis, o artista acaba condenado à morte na fogueira, em 1739. (Já indicado na unidade anterior). EM NOME DA ROSA (1986). O filme trata da história ocorrida em 1327, em um mosteiro beneditino italiano que continha, na época, o maior acervo cristão do mundo. É interessante assisti-lo para entender melhor a questão religiosa na Idade Média, bem como compreender a proposta renascentista. (Já indicado na unidade anterior). PALAVRA E UTOPIA (2000). Em 1663, quando o Padre Antônio Vieira é convocado a comparecer diante do terrível Tribunal da Santa Inquisição portuguesa, ele precisa explicar as ideias que defende ao questionar a escravidão, a situação dos índios e as relações império/colônia. Intrigas na corte e um pequeno mal-entendido enfraquecem o poder do Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 65 jesuíta, que chegou a ser amigo íntimo do rei Dom João IV. Perante os juízes, padre Vieira passa a limpo seu passado: a juventude no Brasil e os anos de noviciado na Bahia, seu envolvimento na causa dos índios e o primeiro sucesso no púlpito. Este filme é um tributo de Manoel de Oliveira(diretor) ao padre Antônio Vieira. Segundo os críticos, a película não é uma cinebiografia, mas sim um corajoso documento sobre a palavra e sobre o pensar. Leituras recomendadas • Os livros de História do Brasil, especificamente os capítulos sobre a Reforma e a Contra –Reforma, bem como artigos na internet. • Livros de Literatura Portuguesa e Brasileira que tratem do período barroco. • Artigos na internet que abordem o Barroco, o surgimento das Academias e seus representantes. • Livros de História e artigos que tratem da história dos cristãos novos. • Livros e artigos que abordem as invasões holandesas, tema de um dos sermões de Vieira. • Artigos sobre o Tribunal da Santa Inquisição, conhecido também como Tribunal do Santo Ofício. • Artigos sobre Enciclopedistas e Iluministas. • Em livros e/ou na internet, alguns Sermões de Vieira. • Em visitas à(s) biblioteca(s) de sua cidade. Nesse(s) espaços, você encontrará material necessário para complementar seus conhecimentos. 66 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Agora, é hora de rever os objetivos propostos para essa unidade. Acredito que as informações dadas lhe permitiram entender o entrelaçamento da História com a Literatura. Sei que você também aprendeu que como a literatura reflete o homem como ser social e histórico, entendeu o comportamento, os medos, ideias e posicionamentos dos autores aqui apresentados. Tenho certeza de que você entendeu o papel de padre Antônio Vieira em defesa dos menos favorecidos, apesar da sua condição de jesuíta. Por fim, sei que você é capaz de analisar textos produzidos nos diferentes contextos estudados: político, social e individual e religioso ao responder às atividades propostas. Nossa aula pretendeu apenas seduzi-lo (a), despertá-lo (a) para a riqueza da nossa cultura e incentivá-lo (a) para um aprofundamento maior sobre o tema. O caminho foi apontado. Cabe a você explorá-lo. Sucesso. Aguardo você no próximo encontro/estação. Está lembrada(o) que estamos em uma viagem através do tempo? Até lá. Resumo Muito do que vamos falar agora já foi dito no encontro anterior. Entretanto, necessário se faz lembrar-lhe que o período barroco teve início em 1601 e término em 1768. Como vimos, há uma delimitação no tempo. Nesse período, toda a produção artística em verso e prosa retrata as questões políticas, sociais e religiosas da época. Preso à religiosidade medieval, o homem barroco vive a insegurança, o terror e toda a violência imposta por aqueles que professavam a fé católica. Nesse cenário, surge a figura de Padre Antônio Vieira. O fato de ser jesuíta e português de nascimento, embora tenha vindo para o Brasil ainda criança, nos faz acreditar que este religioso terá o mesmo comportamento dos demais religiosos da época. Todavia, somos surpreendidos por um Vieira que vai se revelando para nós como defensor dos índios, dos escravos e dos cristãos novos. Na luta em prol dos menos favorecidos, Vieira vai usar as armas de que dispõe: o púlpito das igrejas, seja aqui no Brasil ou em Portugal, utilizando-se dos recursos de linguagem peculiares ao Barroco, o religioso usará da inversão, das metáforas e das antíteses como forma de persuadir e convencer os fieis, incluindo-se, a esses, as mais altas autoridades presentes ou não no ato religioso. Você aprendeu, ainda, que paralelamente à prosa de Vieira e à poesia de Gregório, surgem as Academias e ao lado destas os atos acadêmicos. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 67 Autoavaliação A autoavaliação é um exercício importante para todo e qualquer aprendizado. Nessa perspectiva, propomos que você: a) Elabore pequenos resumos sobre o assunto estudado. Escreva pensando em um possível leitor. b) Teça comentário sobre o Sermão do Bom Ladrão, analisando-o comparando-o com a corrupção de hoje. Liste as semelhanças encontradas e discuta com seus colegas. Apresente-lhes Vieira. c) Após assistir cada filme, repita o exercício de elaboração de textos. Emita sua opinião sobre o enredo, personagens que achou mais interessantes, paisagens, cenas mais fortes e outros pontos que você achar necessário destacar. d) Releia os textos que você produziu. Seja seu próprio juiz. Ficaram claros e objetivos? Outra pessoa é capaz de entender o que você escreveu? Caso essa autoavaliação não lhe agrade, refaça os textos. Ânimo, todo escritor refaz o que escreve. dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades! 68 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Referências ABDALA Jr, Benjamin, CAMPEDELLI, Samira Youssef. Tempos da Literatura Brasileira. São Paulo. Ática, 1986. BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo, Cultriz, 1992. _____, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo. Cia das Letras, 1996. CADEMARTORI, Lígia. Períodos literários. São Paulo. Ática, 1990. COUTINHO, Afrânio. Introdução à Literatura no Brasil. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil S.A, 1988. FILHO PROENÇA, Domício. Pós-Modernismo e Literatura. São Paulo. Ática, 1988. _________________, Domício. Estilos de Época na Literatura. São Paulo, Ática, 1978. MOISÉS, Massaud. História da Literatura Brasileira. Vol. 1. São Paulo. Cultrix, 1991. RODRIGUES, A. Medina et al. Antologia da Literatura Brasileira: textos comentados. Vol. 1. São Paulo. Marco Editorial, 1979. VERDASCA, José (Org.) Sermões Escolhidos. Padre Antônio Vieira. São Paulo. Martin Claret, 2003. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 69 70 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I IV UNIDADE O locus amoenus, uma nova forma de viver Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 71 Apresentação Caro (a) aluno (a), Esta é a nossa quarta unidade. Começamos juntos uma viagem que para mim está sendo bastante agradável. E para você? Como tem vivido essa experiência? Como eu, tem desfrutado de cada informação recebida? Espero que sim, pois teremos muitos dias nessa jornada. Continuaremos viajantes do túnel do tempo, participando de novos eventos históricos, conhecendo novas pessoas, novos herois, novos escritores e poetas. O período que vamos estudar é bem claro, objetivo, leve. Para alguns, Século das Luzes, Enciclopedismo, Neoclassicismo e Arcadismo são nomes distintos que você encontrará nos livros didáticos em relação a essa fase em que toda angústia e medos vividos parecem ter ficado para trás. Talvez, assim como eu, você se pergunte? É possível alguém que viveu em tamanha escuridão com medo de castigo, medo da Inquisição, dividido entre céu e terra, da noite para o dia perder esse medo? Claro que não! O caminhar da sociedade é semelhante a uma linha sinuosa. Há momentos em que a ideologia predominante está no topo, é o seu auge. Vive o homem os costumes, as ideias, as crenças e a euforia do momento. Mas, como é peculiar à condição humana, pouco a pouco, aquilo que satisfazia vai se desgastando e, em consequência, começa a declinar. É nessa fase que surge uma nova tendência, algo diferente que preencha o vazio ora vivido, opondo-se ao obscuro período barroco. Essa nova forma de encarar a vida tem como princípios a simplicidade, a tranquilidade, o campo e a natureza, como elementos necessários à realização humana. A letra da música a seguir representa bem esse novo anseio. Vejamos: Eu quero uma casa no campo 72 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Onde eu possa cantar muitos “rocks-rurais” E tenha somente a certeza Dos amigos do peito e nada mais. Eu quero uma casa no campo Onde eu possa ficar Do tamanho da paz E tenha somente a certeza Dos limites do corpo E nada mais. Eu quero carneiros e cabras pastando Solenes no meu jardim Eu quero o silêncio das línguas cansadas Eu quero a esperança de óculos E um filho de cuca legal Eu quero plantar e colher com amor A pimenta e o sal Eu quero uma casa no campo Do tamanho ideal pau-a-pique, sapé Onde eu possa guardar Meus amigos e meus discos, Meus livros e nada mais. (Zé Rodrix) Objetivos No final dessa aula, esperamos que você: • Identifique a Literatura como reflexo do homem como ser social e histórico; • Entenda o Iluminismo e o Enciclopedismo como movimentos filosóficos oriundos dos anseios do homem de setecentos; • Identifique o Arcadismo/Neoclacissismo como resultante desses movimentos históricos; • Entenda o envolvimento dos autores árcades brasileiros e o movimento da Inconfidência Mineira; • Conheça os principais representantes do Arcadismo brasileiro; • Identifique as características peculiares ao Arcadismo brasileiro; • Analise textos literários produzidos nesse contexto: político, social, individual e religioso. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 73 Século das Luzes Começo nossa conversa com algumas perguntas: o que foi, na realidade, o Século das Luzes? Que importância esse tempo teve para a humanidade, principalmente, para o homem ocidental? E para o Brasil, uma simples colônia, tão distante de sua sede? Para responder a essas indagações, transcrevo que nos dizem os estudiosos da Literatura Brasileira, Abdala Júnior e Samira Campedelli, na obra Tempos da Literatura Brasileira, p. 44,.45. ...Iluminismo ou Ilustração, movimento filosófico, religioso, científico e pol[itico iniciado em fins do séc XVII e que predominou na Europa do século XVIII. Este foi o “Século das luzes” - da razão e da ciência. Foi o século do “despotismo esclarecido”: monarcas absolutistas ou seus ministros procuravam reformar a sociedade, adotando perspectivas liberais. Em Portugal, correspondeu politicamente ao governo do marquês de Pombal, entre 1750 e 1777. Suas reformas, como a do ensino leigo e a expulsão dos jesuítas do Brasil, coexistiram com a perseguição dos enciclopedistas que perdiam maior democratização da sociedade. O Iluminismo marcou, em Portugal, a crise entre a aristocracia e a burguesia industrial; no Brasil, a crise se deu entre a sociedade colonial e os colonizadores portugueses. Entre os princípios do Iluminismo estavam: • a ideia de livre pensamento. O liberalismo filosófico (liberdade de pensamento) preparou o liberalismo econômico; • a confiança nas leis da Natureza. Na natureza tudo seria regular e racional. Nada seria objeto de explicação sobrenatural ou milagrosa; • a reinvidicação de reformas sociais. As instituições políticas, jurídicas e econômicas não possuiriam ordem divina, como pretendia o absolutismo monárquico. A razão deveria reformar essas instituições em função do progresso. E a forma de governo superior seria a República. Os princípios iluministas apareceram na Enciclopédia (1751-1772, 17 volumes). O enciclopedismo (sistematização dos ideais iluministas) serviu de base ideológica para a ascensão da burguesia, fortalecida pela Revolução Industrial. Segundo Falcon Calazans, historiador e livre docente em História Moderna, o Iluminismo não se encerrou em determinada data como afirmam os livros de História e Literatura, de forma geral. Para esse 74 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I autor, ainda hoje vivemos política e intelectualmente os princípios iluministas. Em sua obra, Iluminismo, p. 6, o historiador esclarece: Para o mundo de hoje o Iluminismo é algo bastante presente. (...) Somos hoje, de uma forma ou de outra, herdeiros do Iluminismo. E o somos em escala bem mais significativa do que muitos parecem dispostos a reconhecer ou assumir, pois, quer como estilo de pensamento, quer como realidade política, o fato é que o Iluminismo ainda vive. (...) No plano político restou-nos principalmente a vertente autoritária do Iluminismo, sempre distante e hostil à participação popular, tão elitista hoje quanto o eram à sua época os nossos tão familiares “déspotas esclarecidos”. De fato, como designar, na atualidade, senão como manifestações “iluministas”, as formas iluminadas de que se revestem tantas ditaduras e líderes carismáticos, tantas elites tecnocráticas e tantos partidos que se proclamam, todos eles, donos exclusivos da verdade, ou seja, do que é melhor para todos? No plano intelectual, o Iluminismo converteu-se nesse modelo paradgmático da verdade única e indiscutível, acima de qualquer dúvida, que reconhecemos simplesmente pela palavra ciência. À sua sombra protetora vicejam a tecnocracia e a burocracia. Esse triunfo da racionalidade científica, por definição a-histórica, representa com certeza a mais sólida e quase inbatível aquisição do Iluminismo contemporânea. (...) É preciso, hoje, desconfiar de tais manifestações (...) Desconfiamos muito, iremos com certeza desconfiar muito mais ainda, dos autoritarismos do poder e do saber. Acrescentamos, ainda, a título de informação, como Proença Filho, em seu livro Estilos de Época na Literatura, p.155, 156 se coloca sobre o período iluminista. Século XVIII, o Século das Luzes: momento de racionalismo, de investigação científica; é o instante do emprego da energia a vapor na indústria têxtil inglesa. É tempo do espírito enciclopédico (no saber e na experiência). E “o homem deste momento histórico, senhor do mundo pelo conhecimento, modificador do mundo pela técnica”, crê no poder da ciência, capaz de modificar as condições da humanidade, crê que é possível eliminar as superstições negativas, causa principal de todos os sofrimentos. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 75 O homem acredita no saber do homem e se preocupa com mudanças radicais. Uma nova estrutura social se traduz em “críticas à ordem social vigente implícitas ou explícitas no iluminismo: a negação das desigualdades sociais, a afirmação de que a sociedade é produto do arbítrio e da iniquidade e deve ser racionalmente reformada.” É o momento de Voltaire e de Rosseau. Dos famosos “déspotas esclarecidos”. Hora de crise. A classe média substitui a aristocracia na liderança da história. Os enciclopedista franceses consubstanciam e divulgam as novas ideias. E não nos esqueça a Declaração dos Direitos do Homem. Arcadismo/Neoclassicismo A grosso modo, podemos dizer que o Arcadismo foi um estilo de época que surge na Europa e posteriormente no Brasil, em oposição ao Barroco. Toda a escuridão desse período é substituida pela simplicidade. A vida no campo passa a ser o ideal da sociedade em detrimento da vida urbana, símbolo da hipocrisia e caldeirão de doenças que a cidade representa: acúmulo de habitantes e ausência de saneamento básico. Sufocado em meio a tanta insatisfação, o homem busca os padrões greco-latinos. Justifica-se, assim, o termo Neoclacissisno, ou seja, novos clássicos. E o termo Arcadismo, qual sua origem? Inspira-se também na Grécia. Segundo a lenda, a Arcádia era dominada pelo deus Pan e habitada por pastores que viviam de forma simples e idílica, celebrando o amor e o prazer. Cademartori, p. 31 et passim, em Períodos Literários, refere-se ao movimento: À tentativa de retorno, no século XVIII, aos pagrões greco-latinos dá-se o nome de Neoclacissismo. Nesse século manifestam-se várias tendências ideológicas e estéticas que dificultam uma cômoda definição do estilo da época. Segue-se ao Barroco um período de difusão do racionalismo e de valorização da concepção científica do mundo. Prega-se uma revolução baseada no progresso do conhecimento humano. É a época dos enciclopedistas Diderot, Rousseau e Montesquieu, expoentes de uma sociedade voltada para a precisão e para a máquina, e que acredita na melhoria da vida social graças á divulgação do saber. A essa tendência denominou-se Iluminismo, cabendo ao termo Neoclacissismo designar a imitação dos clássicos – como Virgílio, Teócrito,Horácio – contrapostos à exuberância barroca.Ainda uma outra tendência existiu paralela a essas: o Arcadismo. Sem contrapor-se ao Neoclacissismo e ao Iluminismo, o Arcadismo acrescenta-se a essas tendências, evocando a vida pastoril como 76 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I alternativa saudável para uma vida que o desenvolvimento das cidades tornou intranquila. As tendências setecentistas diversifacam-se, mas têm em comum a fé na razão e na ciência, o culto à racionalidade e à sensibilidade clássica. Natureza, razão e verdade estão em relação de correspondência, embasando as manifestações artísticas. (...) A busca da objetividade conduziu à neutralização da individualidade do poeta.Este passa a recorrer a situações e emoções genéricas nas quais sua emoção se dilua. Para isso, prestam-se alguns recursos como o bucolismo, destaque e celebração da vida campestre, aliados ao fingimento pastpril. Nessa época em que se iniciava o desenvolvimento urbano, o campo passa a ser visto como um bem perdido. A poesia pastoril opõe o artificialismo das cidades à paisagem natural. A própria designação “Arcadismo” para uma das tendências da época liga-se à Arcádia, região lendária da Grécia Antiga, habitada por cantores e pastores que encarnavam a simplicidade e a naturalidade do contato direto com a natureza.(...) Outro recurso para atingir a objetividade pretendida constituía-se na invocação mitológica através de nomes, situações e sentimentos que, pertencendo ao patrimônio clássico, adquirem, na obra, um significado genérico. (...) A tônica da obra neoclássica é o decoro, o que implica ausência de profundidade. O estilo é elegante e superficial. Tanto em relação à ambientação externa – como a paisagem – quanto à interna sentimentos e emoções – o neoclássico não desce às profundezas. A paisagem é aberta e tranquila: a alma humana não apresenta suepresa nem mistérios. A natureza, entendida na acepção ampla de cosmos, que tudo engloba, é o próprio equilíbrio. Cademartori, resume o Neoclassicismo no seguinte quadro: Influência ideológica: * Enciclopedismo de Diderot, Rousseau, Voltaire, Montesquieu Tendências da época: * Neoclassicismo: imitação dos clássicos * Arcadismo: evocação da vida pastoril * Iluminismo: difusão do racionalismo Características: * Predominância da razão * Busca de objetividade * Culto à natureza * Equilíbrio e sobriedade clássicos * Presença da mitologia greco-latina Como professor de literatura, você precisa ter um significativo embasamento histórico para que compreenda a produção literária de cada época. Batendo na velha tecla, o ser humano é movido por interesses ideológicos, Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 77 políticos, sociais e individuais. O exemplo da linha sinuosa apresentado no início desta unidade representa bem esse movimento. Ontem, o interesse maior era a fusão do teocentrismo com o antropocentrismo, lembra da dualidade barroca? Agora a realidade é outra. A razão e a ciência são as molas propulsoras da sociedade. Para esse novo homem, o conhecimento implementado pelo Iluminismo e pelas Luzes será capaz de tirá-lo de todo sofrimento. Ele é senhor do mundo pelo saber (movimento enciclopedista) e senhor por dominar a técnica. Lembre-se de que a energia a vapor está em plena efervescência na indústrial têxtil inglesa. Nesse contexto, critica-se a ordem social vigente, condena-se as desigualdades sociais, reconhece-se que a sociedade precisa ser racionalmente reformada. Parece tão simples, não? A gente chega até a vislumbrar a união das diferentes classes sociais tomando a rédea do destino de todos. Entretanto, não é bem assim. O poder sempre fica nas mãos de poucos. Ao longo de nossa viagem entenderemos melhor os fatos. Guarde, em sua memória, a imagem da linha sinuosa. Arcadismo no Brasil “Devemos imitar e seguir os Antgos: assim no-lo ensina Horácio, no-lo dita a rezão; e o confessa todo o mundo literário” Correia Garção Segundo Massaud Moisés (1990, p. 243), o Arcadismo brasileiro pode ser dividido em três fases: a primeira data de 1786 até 1789 e tem como marco a publicação de “Obras”, de Cláudio Manuel da Costa. Essa época corresponde ao período de criação das Arcádias e da Inconfidência Mineira, considerada como o Arcadismo propriamente dito ou Neoclassicismo. A segunda data de 1789 e termina em 1808, com a chegada da família real ao Brasil. A presença da Corte na colônia favorece a propagação das ideias iluministas entre os árcades mineiros. Ressaltamos que naquela época, nossos jovens saiam da colônia para estudar em Portugal e outros países da Europa, de lá trazendo o modus vivendi da cultura europeia. Esse quadro é modificado a partir do momento que a elite brasileira passa a ter contato com pintores, artistas, músicos e intelectuais europeus. Entretanto, a insatisfação com as arbitrariedades praticadas em nome da coroa portuguesa, a agressividade utilizada nos métodos administrativos, bem como a derrama de impostos ditada pelos lusitanos acabaram por gerar o primeiro grande movimento de caráter revolucionário organizado no Brasil: a Inconfidência Mineira. Pessoas das mais diferentes 78 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I camadas da sociedade particiraram ativamente desse movimento de insurreição, professores, artesãos, advogados, comerciantes, estudantes, representantes da igreja, médicos, militares, dentre outros. Desse grupo participaram, ativamente, os mais importantes representantes da poesia árcade brasileira: Cláudio Manuel da Costa, Silva Alvarenga, Alvarenga Peixoto, Tomás Antônio Gonzaga. Como tendência de oposição ao Barroco, os princípios da nova estética apontam, de acordo com a orientação de Nícolas Boileau, poeta e crítico francês, para a linearidade, a clareza, a objetividade, a correção, a harmonia e o controle emocional ao expressar os sentimentos, ou seja a impessoalidade. Nesse retorno aos padrões clássicos, algumas máximas latinas foram retomadas. Lembra quando ainda há pouco comentei sobre o crescimento das cidades e a busca da vida no campo? Pois bem, essa é a primeira das máximas que comentarei a seguir. • Fugere urbem – O desejo de afastar-se da cidade provoca no homem o sentimento nostálgico (bucolismo) de viver em contato com a natureza. O cenário campestre torna-se pano de fundo das composições poéticas. • Inutilia truncat – Todos os excessos devem ser cortados. O rebuscamento da retórica barroca é substituido pela clareza, objetividade e simplicidade da linguagem que deve ser usada de forma direta, sem inversões. • Carpe diem – Esse princípio você já conhece. Aproveitar o dia. O homem barroco também o praticava. Assim como ele, o homem árcade tem consciência da fugacidade da vida, da fragilidade dos bens materiais. No entanto a visão do carpe diem para o homem barroco difere do homem árcade. O primeiro procurava viver intensamente, angustiado com a certeza da morte, preso que vivia entre o bem e o mal. O segundo, por ser materialista e racional, buscava aproveitar a vida, sem preocupação, sem censura, sem medo. • Locus amoenus – Lugar ameno. A natureza como um lugar ameno e aprazível possibilita ao homem o equilíbrio e a paz interior. A vida próxima à natureza possibilitaria uma vida simples, sem miséria e sem riqueza. • Aurea mediocritas – Diferente do que a primeira vista possa parecer, o termo mediocritas não significa mediocridade. Na verdade, viver em aurea mediocritas é adotar uma vida simples, voltada para a arte e a virtude, vivendo apenas do que era essencial. A riqueza expressa pelo termo aurea também tem significado distinto: volto a repetir, a fortuna está em viver de maneira equilíbrada, sem pobreza, sem miséria. Além de conhecer os preceitos árcades, é necessário fixar bem as características peculiares ao período, embora já tenham sido citadas no transcurso de nossa conversa. Ei-las sistematizadas por Proença Filho (1978, p. 158-159); Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 79 • Reação ao mau gosto do Barroquismo. • Culto da teoria aristotélica da arte como imitação da natureza-entendendo-se que o guia da arte é, neste caso, a razão. Não se trata de reproduzir simplesmente a natureza, mas sim de “apreender a forma imanente”, isto é, “uma verdade ideal. O belo é o verdadeiro porque este é o natural filtrado pela razão.” • Persistência das normas ditadas pela antiguidade clássica, consubstanciadas rigorosamente nas artes poéticas e nos manuais da época. • Retorno ao equilíbrio e à simplicidade dos modelos greco-romanos, diretamente ou através dos modelos renascentistas, notadamente de Petrarca. • Presença marcante do bucolismo, da exaltação da vida campesina, com sua paisagem, seus pastores e seu gado, com a simplicidade das atitudes dos costumes da vida rural. • Imposição de uma disciplina literária nacional, predomínio da autoridade literária, do dogma sobre o bom gosto. • Simplicidade, mas correção e nobreza de linguagem. • Defesa de uma função social para a literatura, que deve ter caráter didático e doutrinário. • Preocupação com a finalidade moral da literatura. • Preocupação com o homem natural, entendido “ no sentido próprio, de primitivismo, como no figurado, de obdiência ao que em nós é sangue e nervo.” • Preocupação com alindar a possível feiúra da realidade. • Tendência, na poesia, para pintar situações, mais do que emoções. • Separação, em termos clássicos, dos gêneros literários. • Condenação da rima. Esse retorno aos valores gregos fez com que os poetas árcades, a exemplo dos pastores que viviam na Arcádia, adotassem pseudônimos pastoris. Citemos como exemplo os nossos árcades mais destacados. 80 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Na poesia lírica Cláudio Manuel da Costa – Glauceste Satúrnio Tomás Antônio Gonzaga – Dirceu e Critilo (nas Cartas Chilenas) Manuel Inácio Silva Alvarenga – Alcino Palmireno. Na poesia épica Cláudio Manuel da Costa - Glauceste Satúrnio José Basílio da Gama - Termindo Sipílio Frei José de Santa Rita Durão - Este não adotou pseudônimo. Na sátira Tomás Antônio Gonzaga, Critilo, destaca-se na sátira Na poesia encomiástica Manuel Inácio Silva Alvarenga – Alcino Palmireno Inácio José de Alvarenga Peixoto - Eureste Fenício. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 81 Atividade I Fundamentado(a) no que você aprendeu até agora e pesquisando em livros de literatura, bem como utilizando-se da internet, resolva as questões a seguir: 1) O que é Barroquismo? Anote as informações encontradas, confrontando-as com as propostas árcades. 2) Pesquise sobre Petrarca. Quem foi, onde viveu e porque deve ser reverenciado pelos poetas árcades. Lembre-se de que a escrita ajuda a memorização. Continue fazendo anotações. 3) Releia o texto-canção apresentado no início desta unidade. Embora pertença ao cancioneiro do século XX, você concorda que apresenta características árcades? Em caso afirmativo cite-as. Se negativo, justifique. dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades! 82 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Conhecendo nossos Árcades Falar de nossos árcades é falar da Inconfidência Mineira. Por quê? Porque os nossos maiores representantes do Arcadismo foram inconfidentes. Viveram, como pastores, os anseios da áurea mediocridade, cantaram a paz do campo e o sonho de um local ameno e aprazível. Contudo, não conseguiram se afastar dos problemas reais que a colônia e, principalmente, as Minas Gerais viviam. Por mais que possa parecer contraditório, é preciso que nos lembremos que esses jovens poetas estavam imbuidos dos ideais enciclopedistas e iluministas. Era preciso lutar contra as desigualdades sociais, era preciso mudar a ordem social vigente. A exploração desenfreada praticada em nome da Coroa Portuguesa exigia uma reação por parte do povo brasileiro, nessa hora, representado pelos inconfidentes. Não preciso acrescentar muita coisa, pois você já conhece essa história. Passemos aos poetas. Cláudio Manoel da Costa Como já vimos, coube a Cláudio Manoel da Costa iniciar o Arcadismo brasileiro quando da publicação de suas “Obras Poéticas”, em 1768. Segundo as muitas biografias divulgadas, estudou humanidades no Brasil com os jesuítas e diplomou-se em Direito por Coimbra, em 1753. No ano seguinte retorna ao Brasil e fixa residência em Vila Rica, como advogado e fazendeiro. Foi secretário de governo, mas ao envolver-se na Conjuração Mineira, foi preso e condenado. Morreu na prisão, segundo registros da época, por suicídio. Essa versão é controversa. Dizem que foi assassinado. Cecília Meireles, séculos depois do fato ocorrido, em seu poema sobre a inconfidência, assim se posiciona: Dizem que não foi atilho nem punhal atravessado mas veneno que lhe deram, na comida misturado. E que chegaram doutores, e deixaram declarado que o morto não se matara, mas que fora assassinado. Quanto a sua obra poética, foi um dos mais talentosos do Arcadismo luso-brasileiro. Apesar de adotar os valores clássicos, é comum encontrarmos traços do Barroco em suas poesias. Sua musa inspiradora, Nise, nunca é descrita fisicamente, mas sempre ressaltada como ideal da mulher amada inatingível. Cantou montes, penhascos, serras, montanhas e vaqueiros de sua terra. Cultivou a poesia lírica e a épica. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 83 Popularizou-se como sonetista. Na épica, inspirado pelo poema Uruguai de Basílio da Gama, escreveu o poemeto Vila Rica, que trata da penetração dos bandeirantes e descoberta das minas, das revoltas locais e da fundação de Vila Rica. Soneto XCVIII Destes penhascos fez a natureza O berço em que nasci: oh! quem cuidara Que entre penhas duras se criara Um alma terna, um peito sem dureza! Amor, que vence os tigres, por empresa Tomou logo render-me; ele declara Contra meu coração guerra tão rara Que não me foi bastante a fortaleza. Por mais que eu mesmo conhecesse o dano A que dava ocasião minha brandura, Nunca pude fugir ao cego engano; Vós que ostentais a condição mais dura, Temei, penhas, temei: que Amor tirano Onde há mais resistência mais se apura. (Obras Poéticas) Soneto XIII Que inflexível se mostra, que constante Se vê este penhasco! já ferido Do proceloso vento e já abatido Do mar, que nele quebra a cada instante! Não vi; nem hei de ver mais semelhante Retrato dessa ingrata, a quye o gemido Jamais pode fazer que, enternecido, Seu peito atenda as queixas de um amante. Tal és, ingrata Nise: a rebeldia, Que vês nesse penhasco, essa dureza Há de ceder aos golpes algum dia: Mas que diversa é tua natureza! Dos contínuos excessos da porfia, Recobras novo estímulo à fereza. (Obras Poéticas) 84 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Os textos em estudo apresentam alguns termos que, acredito, sejam desconhecidos para você. Poderia dar-lhe os significados, entretanto, pedagogicamente não estaria agindo de forma correta. É sempre bom o professor estimular o aluno a decifrar o texto, utilizando dicionários ou exercitando a própria compreensão, situando-se do contexto em que o poema está inserido. Portanto, mãos à obra. Procure conhecer outros poemas de Cláudio Manoel da Costa, inclusive Vila Rica. Tomás Antônio Gonzaga Vejamos o que nos dizem livros e biógrafos sobre este árcade, o pastor Dirceu, de uma pastora Marília. Nasceu na cidade do Porto, Portugal, em 1744, veio ainda menino com a família para o Bahia, onde estudou até a juventude. Como era comum à época, foi para Coimbra completar seus estudos, formando-se em Direito. Lá teve contato com as ideias iluministas e árcades, chegando a escrever, em homenagem ao Marquês de Pombal, a obra “Tratado de Direito Natural”, de cunho filosófico. Ao retornar ao Brasi, passa a morar em Vila Rica, onde exerceu a função de Ouvidor; inicia sua atividade literária, como também seu romance com Maria Joaquina Doroteia de Seixas Brandão, jovem de 16 anos, que será imortalizada como a musa do poeta, a Marília de Dirceu. Envolvido na Conjuração Mineira, Gonzaga é preso em 1789e enviado para o Rio de Janeiro, onde ficou encarcerado até 1792, quando foi julgado e condenado ao exílio em Moçambique. Ingenuamente, pensamos que Gonzaga, ao ser afastado de Marília, o grande amor de sua vida, sucumbiria a tanto sofrimento, como ele próprio relata nos poemas escritos na prisão. Entretanto, não é isso que acontece. Segundo os registros, o poeta, mesmo na condição de degredado, teve, na África, uma vida normal. Casou-se, enriqueceu e envolveu-se com a política local. É considerado o poeta mais popular do Arcadismo Brasileiro. O poema Marília de Dirceu é composto por liras e dividido em três partes. À primeira corresponde a fase de influência mais direta do raciocínio iluminista e das propostas árcades. Caracteriza-se pelo tom da felicidade vivida, pelas confissões de amor por sua pastora, pelas descrições da paisagem e da mulher amada. É a fase de otimismo. Na segunda parte, encontramos um eu-lírico fragilizado física e moralmente pela prisão, pelas incertezas em relação à própria vida; apresenta-se amargo e revoltado. Pelo linguagem sentimentalista e subjetivista com que descreve seu infortúnio, percebe-se o afastamento dos padrões árcades, caminhando para uma tendência pré-romântica. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 85 Sugerimos que você, aluno (a), adquira e leia na integra o livro Análise do poema, da Norma Godstein, a fim de que você possa ter conhecimento, de maneira mais aprofundada, dos recursos expressivos do poema. A terceira volta a uma linguagem mais leve. São dedicadas não apenas a Marília, mas a outras pastoras. Vejamos algumas liras: Parte I Lira I Eu, Marília, não sou algum vaqueiro, Que viva de guardar alheio gado; De tosco trato, d’expressões grosseiro, Dos frios gelos, e dos sóis queimados. Tenho próprio casal, e nele assisto; Dá-me vinho, legume, fruta, azeite; Das brancas ovelhinhas tiro o leite; E mais as finas lãs, de que me visto. Graças, Marília bela, Graças à minha estrela! Parte II Lira I Já não cinjo de louro a minha testa; Nem sonoras canções o Deus me inspira: Ah! Que nem me resta Uma já quebrada, Mal sonora lira! Lira IV Já, já me vai, Marília, branquejando Louro cabelo, que circula a testa; Este mesmo, que alveja ,vai caindo E pouco já me resta. Parte III Lira I Convidou-me a ver seu Templo O cego Cupido um dia; Encheu-se de gosto o peito, Fiz deste Deus um conceito, Como dele não fazia. Lira V Eu não sou, minha Nise, pergureiro, que viva de guardar alheio gado; nem sou pastor grosseiro, dos frios gelos e do sol queimado, que veste as pardas lãs do seu cordeiro. Graça, ó Nise bela, graças à minha estrela! 86 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Quanto às Cartas Chilenas, escritas por Critilo, pseudônimo de Tomás Antônio Gonzaga, trnscrevemos o relato de Rose Jordão e Clenir Bellezi de Oliveira (1999, p. 289), As desavenças de Tomás Antônio Gonzaga com as autoridades locais eram grandes, pois o poeta combatia a corrupção e denunciava os desmandos do tirânico governador de Minas Gerais, Luís da Cunha Meneses – de quem Gonzaga tornou-se um mordaz inimigo. Nas Cartas Chilenas, Tomás Antônio Gonzaga manifesta todo o desprezo que sentia pelo governante, assim como faz uma severa crítica à sua administração. Na época, as cartas circularam anônimas em Vila Rica, entre 1788 e 1789. Escritas por Critilo (o próprio Gonzaga), morador em Santiago do Chile, e dirigidas a Doroteu (o poeta Cláudio Manoel da Costa), que supostamente vivia na Espanha, as cartas são compostas de treze poemas satíricos em versos decassílabos sem rima (versos brancos). Nas cartas, Cunha Meneses aparece com o nome do fanfarrão Minésio – o general de Chile (o Chile está para Minas Gerais assim como Santiago está para Vila Rica). Atividade II A primeira virtude do artista é a razão Boileau 1 - Leia atentamente a epígrafe acima. Interprete-a levando em consideração os ideais da racionalidade árcade. 2 - Elabore um breve comentário sobre os sonetos de Cláudio Manoel da Costa apresentados nesta unidade. 3 - Após as leituras e comentários feitos, verifique se há nos textos influência barroca. Cite-as justificando sua resposta. 4 - Agora, expresse sua opinião sobre os pequenos fragmentos das liras de Tomás Antônio Gonzaga, comparando-as. 5 - Procure ler alguns trechos das Cartas Chilenas. Não guarde para si as impressões que o texto lhe causou. Comente com seus colegas. Você conhece sátiras sobre a política atual? Chame a atenção de seus colegas para esse gênero utilizado, independente de época. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 87 dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades! Frei José de Santa Rita Durão Antes de apresentarmos Santa Rita Durão, necessário se faz dizermos um pouco da poesia épica no período neoclássico e a relevância desta para a identidade literária do País. É na épica que surgem os temas de nossa cultura colonial, a descrição da natureza tropical, em substituição ao locus amoenus da poesia europeia, e a introdução do índio como herói, mesmo na condição de coadjuvante do europeu. Esse sentimento nativista presente nos temas abordados são prenúncios do nacionalismo romântico do século XIX. Santa Rita Durão nasceu em Minas Gerais e morreu em Lisboa. Sua obra mais importante é o poema épico Caramuru, que tem como tema a colonização da Bahia, por Diogo Álvares Correia, misto de missionário e colono português. Influenciado pelas ideias francesas do “homem natural”, o poeta criou uma imagem idealizada do nosso índio. Essa visão influenciará, posteriormente, os escritores românticos indianistas/naturalistas. O poema segue o modelo camoniano de Os Lusíadas: é organizado em 10 cantos, com estrofes de 8 versos e mesmo esquema de rimas, ABABABCC; estrutura tradicional de Proposição, invocação, dedicatória, narração e epílogo. A ação central do poema é a lenda que envolve a personagem histórica Diogo Correia, que após um naufrágio escapa da morte amedrontando os índios com um tiro de espingarda. Conta a lenda que ao ouvirem o disparo os índios cairam por terra exclamando Caramuru! Caramuru!, termo que significa Deus do Trovão. O Canto VI do poema, que a seguir transcrevo uma estrofe, narra que Diogo recusara as filhas de vários chefes indígenas, pois amava Paraguaçu, uma linda índia que tomara por esposa. Saudoso do mundo civilizado, resolve voltar à Europa. Inconformadas com a partida, as jovens índias enciumadas atiram-se ao mar, seguindo o navio. Uma delas, Moema, transtornada, agarra-se ao leme do navio e morre gritando o nome de Diogo. “ Perde o lume dos olhos, pasma e treme, Pálida a cor, o aspecto moribundo; Com a mão já sem vigor, soltando o leme, Entre as salsas escumas desde ao fundo. Mas na onda do mar, que, irado freme, Tornando a aparecer desde o profundo, - Ah! Diogo cruel! - disse com mágoa, E sem mais a vista ser, sorveu-se na água.” 88 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Basílio da Gama Nasceu em Minas Gerais, em 1741 e morreu em1795, em Lisboa. Estudava no Colégio dos Jesuítas quando da expulsão destes do Brasil. Como árcade adotou o pseudônimo de Termindo Sepílio. Em 1769, publica o poema épico O Uruguai, considerada a melhor realização no gênero, no Arcadismo brasileiro. Seu tema é a luta de portugueses e espanhóis contra índios e jesuítas, instalados nas missões jesuíticas no atual território do Grande do Sul, que não queriam aceitar o Tratado de Madri. O ponto máximo do conflito ocorreu em 1756, quando foram mortos 1500 dos 1700 índios que participaram da batalha de Caaibaté. Como se constata, um verdadeiro massacre. Diferentemente do poema Caramuru, de Santa Rita Durão, O Uruguai foge da influência camoniana. O texto é dividido em 5 cantos, não tem divisão estrófica, os versos são decassílabos e brancos ( sem rimas). Estruturalmente o texto apresenta a seguinte composição: I-Introdução • Abertura ( Canto I, versos de 1 a 5); • Invocação e Proposição ( Canto I, versos de 6 a 9); • Dedicatória (Canto I, versos de 10 a 20); II- Narração (Canto I, do verso 21 ao verso 139, do Canto V); III- Peroração (Canto V, versos 140 a 150). Embora o poema exalte como herói o português, o autor textual dá voz aos índios permitindo-lhes criticarem o processo de colonização. Nesse contexto, os vilões são os padres jesuítas, personificados na figura do Padre Balda. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 89 Atividade III 1 - Junte-se a seus colegas e leiam o poema O Uruguai, identificando os personagens. Estudem as falas correspondentes a cada uma e declame-as. 2 – Repita o exercício em relação a Vila Rica, poema épico de autoria de Cláudio Manoel da Costa. Identifique as diferenças entre os dois textos. Não deixe de fazer o registro escrito no bloco de anotações. A discussão em grupo favorece a aprendizagem. 3 – Acho que você percebeu que deixei de comentar a produção de dois poetas que citei, também, como representantes do Arcadismo brasileiro. Tratase de Silva Alvarenga e Alvarenga Peixoto. Não pense que eles são menos importantes que os demais. Apenas, como diz a sabedoria popular, o correto dica. utilize o bloco não é dar o peixe, mas ensinar o outro a pescar. Utilizando o provérbio, cabe de anotações para a você, agora, pesquisar sobre os dois poetas, verificar as características responder as atividades! de cada um e fazer um breve comentário sobre o que você pesquisou. Este é o desafio. Sucesso! Considerações Finais A minha vontade é continuar conversando sobre Arcadismo, bucolismo, Inconfidência Mineira, poetas e inconfidentes. Todavia, o tempo, essa criação do homem para sua própria prisão, exige que terminemos esse encontro. Muita coisa deixou de ser dita, analisada, discutida. Agora, cabe a você procurar preencher as lacunas deixadas. As leituras e os filmes sugeridos ajudarão na compreensão da assunto. Procure escutar a canção que transcrevemos no início da unidade. Ela foi escrita e lançada nos anos 70 do século XX. Falo isso para lhe lembrar do que afirmei no início do encontro sobre o ser humano. Somos seres complexos em constantes mudanças. No entanto somos o mesmo homem de ontem, em relação aos nossos anseios. Em plena agitação política e social, em plena recessão pós Revolução de 64, Zé Rodrix traz para nós, representando toda a sociedade da época, o anseio de voltar ao campo, o anseio de curtir a paz do campo e afastar- 90 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I -se de toda a agitação que as grandes cidades viviam. Somos árcades, concorda comigo? Falo isso para mostrar que o Arcadismo enquanto tendência de época acabou em 1823. No entanto, o sentimento árdade permanece e permanecerá sempre que o homem sentir necessidade desse contato com a natureza. Reveja os objetivos que tracei para essa unidade. Atingi-os? Você é meu ou minha avaliadora. Seja crítica (o), nesse exercício crítico, o futuro professor(a) aprende que as falhas apresentadas por um professor não devem ser repetidas. Se somos exemplo para alguém, devemos ser exemplos positivos. Concorda? Leituras e filmes recomendados • Os livros de História Geral e do Brasil, especificamente os capítulos sobre Iluminismo, Enciclopedismo, Revolução Industrial, Inconfidência Mineira, bem como artigos na internet. • Livros e artigos que abordem a expulsão dos jesuítas do Brasil e o papel do Marquês de Pombal nessa expulsão. • Livros de Literatura Portuguesa e Brasileira que tratem do Arcadismo. • Artigos sobre a Inconfidência Mineira, e o papel dos poetas inconfidentes para a formação de uma literatura com identidade nacional. • Visitas à(s) a biblioteca(s) de sua cidade. Nesse(s) espaços, você encontrará material necessário para complementar seus conhecimentos. • 1808. Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil. • Os inconfidentes, filme em que José Wilker faz o papel de Tiradentes. • A Missão, filme já recomendado, que trata das missões jesuíticas na América do Sul. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 91 Resumo Retomemos nossa conversa. Nessa unidade tivemos contato com um dos períodos mais importantes e profícuos para o crescimento do mundo ocidental, o movimento Enciclopedista Iluminista. Aprendemos, também, que, como ainda acontece hoje, o Século das Luzes não significou que o conhecimento estaria ao alcance de todos. Entretanto, esse conhecimento possibilitou mudanças políticas significativas não só na Europa, mas, também, aqui na Colônia. Todo esse movimento surge em oposição a escuridão implantada pela visão teocentrista, a qual impedia o homem de enxergar-se como sujeito de sua própria história. Nesse conflito, o homem busca na cultura greco-latina a motivação necessária par fugir das cidades que cresciam desordenadamente, fugindo para o campo. O convívio com a natureza, seus rios e montes, a vida simples do campo passam a ser o ideal de vida que o homem almeja. Eis o Arcadismo. Aqui no Brasil Colônia, nossos árcades vivem a insatisfação da sociedade em relação ao jugo português. Surge então um movimento de insurreição, em Minas Gerais, no qual nossos poetas se engajarão. Ao tempo em que tramam contra a Coroa portuguesa, cantam a paz do campo, atitude que pode parecer contraditória. Contudo, é necessário lembrar que o movimento enciclopedista tinha como meta, derrubar os governos absolutistas. Nesse sentido, entendemos o engajamento dos árcades brasileiros em defesa da independência do país. 92 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Autoavaliação “Quando me busco registro. Quando registro me busco” Chamo sua atenção para a epígrafe acima. Interpretando-a nos certificamos de que o ato de registrar consolida uma ação ou um fato que não queremos esquecer. Nesse aspecto, sugiro-lhe responder às propostas a seguir: a) De acordo com a visão ácade, o homem que vive em contato com a natureza é bom e puro. Você concorda com essa afirmação? Registre sua opinião apresentando argumentos. b) Pesquise sobre a poesia encomiástica de Silva Alvarenga e de Alvarenga Peixoto. Expresse sua opinião sobre esse tipo de texto. c) Após assistir cada filme sugerido, sistematize o que você considerou mais relevante. Organize com alguns colegas um debate sobre os temas neles abordados. Convide um professor para ser mediador no debate. Faça anotações das colocações apresentadas. Não deixe de registrar sua opinião sobre as referidas colocações. dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades! Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 93 Referências ABDALA Jr, Benjamin, CAMPEDELLI, Samira Youssef. Tempos da Literatura Brasileira. São Paulo: Ática, 1986. BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultriz, 1992. _____, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo. Cia das Letras, 1996. CADEMARTORI, Lígia. Períodos literários. São Paulo: Ática, 1990. COUTINHO, Afrânio. Introdução à Literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil S.A, 1988. FALCON, Francisco José Calazans. Iluminismo. São Paulo:Ática, 1989. FILHO PROENÇA, Domício. Pós-Modernismo e Literatura. São Paulo:Ática, 1988. _________________, Domício. Estilos de Época na Literatura. São Paulo:Ática, 1978. MOISÉS, Massaud. História da Literatura Brasileira. Vol. 1. São Paulo: Cultrix, 1991. OLIVEIRA, Clenir Bellezi de. E JORDÃO, Rose. Linguagens, Estrutura e Arte. Vol.1. São Paulo: Moderna, 1999. 94 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I V UNIDADE Vivendo o ideário de Liberdade, Igualdade e Fraternidade Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 95 Apresentação Caro (a) aluno (a), Estamos viajando há algum tempo. Durante esse período conhecemos poetas, vivenciamos processos ideológicos, adquirimos conhecimentos, visitamos cidades e criamos laços de amizade. A partir desta unidade, singraremos rumo aos últimos portos da nossa viagem. Adentramos no ano de 1823, data que marca o início do Romantismo brasileiro. Antes de conversarmos sobre o Brasil, é necessário verificarmos como está a linha sinuosa, que lhe falamos na unidade passada, na Europa. Lembre-se de que toda influência que recebíamos tinha como via direta Portugal, Espanha e França, esta considerada como um caldeirão efervescente de influência cultural e de poder político em toda Europa. É nesse país que ocorre a revolução que muda os destinos do mundo ocidental, a tão propalada Revolução Francesa que culmina com a Queda da Bastilha. Acreditamos que você está se perguntando se a nossa conversa é sobre Literatura ou sobre História. Os fatos estão tão entrelaçados que fica difícil separá-los. Como os fios são entrelaçados, não podemos falar de uma sem entrar na seara da outra, entendeu? Desta forma, nessa unidade percorreremos da Revolução Francesa à influência desta para o surgimento do Romantismo na Europa e, consequentemente, para o Brasil. Temos certeza de que você ficará fascinado(a) com obras, poetas e escritores que irá conhecer. Sei também que o(a) professor(a) que existe em você vai querer socializar com os seus alunos esse fascínio. 96 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Objetivos No final desta aula, esperamos que você: • Entenda a Revolução Industrial e a Revolução Francesa como movimentos transformadores da sociedade; • Identifique o Romantismo como tendência de época resultante desses movimentos históricos; • Conheça os principais representantes das diferentes expressoões artísticas da época; • Identifique as características peculiares ao Romantismo; • Analise textos literários e cinematográficos produzidos nesse contexto: político, social, individual e religioso. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 97 Romantismo Quando escutamos o termo romantismo, logo nos vem à mente mulheres absortas e sonhadoras, músicas melosas, cenas de pares trocando carícias, desenhos de corações, e outras manifestações que exprimem sentimento. Não é deste sentimento romântico que pretendo conversar com você(s). Falamos de um determinado período, início do século XIX, da história da humanidade. Tudo começou, de fato, no século anterior, final do século XVIII, época de transformações políticas, ideológicas, sociais e econômicas como outras sobre as quais já conversamos, mas com um diferencial, essas foram de suma importância para as décadas posteriores, perdurando até os dias atuais. Destaca-se: • A Revolução Industrial – 1750, substituindo a produção artesanal pela industrial, em série, trazendo como consequência uma nova classe social, o proletariado, mudando, radicalmente, o estilo de vida nas cidades. • A Revolução Francesa – 1768, resultando na famosa Queda da Batilha, quando o poder passa da aristocracia para as mãos da burguesia. Os ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade propagadas pela revolução repercutiram não só na Europa, como também nas Américas, inspirando novos movimentos. Não nos causa espanto encontrarmos, nos textos sobre o tema, alusão à influência dessas transformações, também, nas artes e na literatura. Lembra-se do sentimentalismo de Dirceu ao dirigir-se a sua Marília; da presença do índio como personagem na poesia brasileira, a exemplo de Lindoia? Já eram prenúncios de uma nova era, na qual a objetividade 98 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I neoclássica começava a ser rompida, ainda em pleno rigor da tendência. Surge o romance, gênero narrativo até então inexistente, substituindo a epopeia, narrativa em verso, expressão maior do Classicismo. Em 1760, o irlandês, James Macpherson publicou uma coletânea de poemas atribuídos ao poeta mítico - Ossian. Traduzido para outras línguas, a obra apresentava um tom sentimental e melancólico, que impulsionou uma nova linguagem poética. Outro fato importante foi a publicação póstuma dos romances de Jean-Jacques Rosseau, a Nova Heloísa (1761) e os Devaneios de um passeante solitário (1762). Com o nome de Sturm und Drag (Tempestade e Ímpeto), surge, na Alemanha, o movimento pré-romântico, do qual fizeram parte Herder, Schiller e Goethe, autor do romance “Sofrimentos do jovem Werther”, que teria influência significativa nos escritores românticos. Transcrevemos, a seguir, fragmento de um ensaio de autoria de Cademartori, Períodos Literários, p. 36 et passim, sobre o Romantismo. Na segunda metade do século XVIII, realizou-se uma expressiva transformação na vida cultural do Ocidente, com o surgimento da burguesia moderna e, com ela, do individualismo e da valorização da originalidade, inviabilizando a concepção de estilo como comunidade espiritual. Rompendo com as prerrogativas culturais da aristocracia, a burguesia tem no Romantismo a legítima expressão do sentido burguês da vida e um meio eficaz na luta contra a mentalidade aristocrática, classicista e propensa ao normativismo que pretende estabelecer, com antecipação, o que é universalizante válido e valioso (…). A partir da ascensão da burguesia, esta, tornando-se rica e influente, manifesta um padrão artístico próprio, através do qual opõe à aristocracia sua peculiaridade e afirma sua própria linguagem, que se impõe por oposição aos padrões aristocráticos: trata-se de uma linguagem que, à frieza da inteligência, contrapõe a emoção e o sentimento; à opressão rigorosa das regras artísticas opõe a insubordinação do gênio criador. O surgimento da burguesia como classe ascendente e a manifestação do espírito romântico constituem fenômenos inseparáveis. O individualismo, característica mais marcante do Romantismo é visto por Arnold Hauser como um protesto contra uma ordem social em que o homem se aliena, cumprindo funções onde ele é anônimo. A partir do Renascimento, o homem ocidental tornou-se consciente de sua individualidade; porém, uma consciência como exigência e como protesto contra a despersonalização no processo cultural não existe antes do Romantismo. O conflito entre o eu e o Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 99 mundo, o cidadão e o Estado, é anterior ao Romantismo. Contudo, nunca antes desse movimento o antagonismo existiu como consequência do caráter individual do homem em conflito com o coletivo. Assim como o individualismo, o destaque às emoções presta-se à burguesia como meio de expressão de sua independência cultural em relação à aristocracia. A valorização das emoções e dos sentimentos de um homem pertencente a uma classe por tanto tempo desprezada age como um resgate da minimização sofrida. Por essa razão, quanto mais baixa fosse a camada burguesa, mais o culto aos sentimentos funcionava como compensação aos fracassos da vida prática. A apreciação da repercussão do Romantismo só pode ser feita tendo-se em vista que, cria-se, a rigor, o público leitor. A antiga aristocracia cortês não constituía propriamente um público leitor. Os poetas, nas cortes, eram servos prescindíveis, mantidos muito mais para prestígio dos senhores do que pelo valor de sua produção artística. Mesmo assim, os destinatários da literatura eram alguns poucos nobres desocupados. Além disso, a educação da mulher como leitora só se iniciaria no século XVIII. Por essa razão, o Romantismo conta com um público novo para uma arte nova, produzida por uma classe em ascensão que se assume como sentimental e exaltada, em oposição a uma aristocracia reservada e contida. Em decorrência, a intimidade e o emocionalismo convertem-se em critérios estéticos e o sentimento passa a ser garantia de receptividade do artista por parte do público. Se existe uma palavra capaz de definir o movimento Romântico, esta palavra é rebeldia. Rebeldia ao estabelecido, rebeldia às normas impostas, rebeldia a tudo que cerceia os direitos do homem à sua liberdade. Adota-se a mistura dos gêneros, rompe-se a métrica e o rítmo, supera-se a unidade do teatro clássico de ação, tempo e lugar. Em relação a esse sentimento, ou melhor dizendo, comportamento, voltamos a citar Cademartori (op.cit. p.39) que afirma: O Romantismo representou um dos estilos mais importantes na história da mentalidade ocidental. O direito do autor de seguir seus sentimentos, nunca antes, na história da arte, havia sido incondicionalmente acentuado, e jamais tinham sido tão enfaticamente desprezados o auto-domínio, a razão e a sobriedade. Por esse seu caráter contestador e revolucionário, o Romantismo desempenha um papel determinante na história da arte. A sensibilidade, a audácia, a anarquia e a sutileza da arte de hoje procedem da rebeldia romântica. 100 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I A esse aspecto prospectivo do estilo contrapõe-se o interesse pelo passado. Os românticos buscavam analogias na história e inspiração em fatos e personagens de outras épocas. Os neoclássicos estiveram voltados para a Antiguidade, onde buscavam inspiração e padrão. Os românticos, porém, quando se voltam ao passado, não é em busaca de modelos, mas por sedução pelo remoto, tentativa de fuga do presente. O passado atrai pelo exótico, por estar distante. É pela mesma razão, pelo desejo de escapar ao circunstancial, que se manifestam no Romantismo o sonho, a loucura, a utopia, as reminiscências de infância. O neoclassicismo se sentiu dono da realidade; o romântico sentiu-se indefeso perante ela, por isso a desprezava ou a supervalorizava, sem conseguir jamais uma identificação. Contudo, a atração pelo passado foi decisiva para o surgimento de novas concepções que apreendem cada elemento de uma sociedade em sua relatividade e determinação histórica. O Romantismo, como se pode deduzir, repercutiu em todas as manifestações artísticas da época, que passam a apresentar uma abordagem mais subjetiva e emocional do mundo; a pintura expressa a liberdade de criação que decorreu do abandono das regras que guiavam os artistas de períodos anteriores. Os sentimentos são retratados nas telas como forma de representar a realidade. Nesse sentido, o antigo conceito grego de belo na arte é abandonado pelos românticos, que defendem a junção do grotesco e do sublime, do feio e do bonito, como são as coisas na vida real. Na música, o alemão Ludwing van Beethoven é o primeiro a romper com a forma clássica e a abrir caminho para um novo conceito em música. Destacam-se, ainda, Franz Schubert, Chopin, Liszt, Brahms dentre outros. Na pintura, Delacroix, Turner, Contable e Goya. Na escultura, destacamos Rodin. Esculturas de Rodin, há bem poucos anos, foram trazidas ao Brasil e expostas ao público em geral. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 101 O beijo, de Rodin O pensador, de Rodin No Google e em livros sobre arte você encontrará exemplos de esculturas não apenas de Rodin, mas de outros contemporâneos dele. Atividade I A seguir, apresentamos a vocês algumas telas de pintores romãnticos. De posse do endereço eletrônico de onde elas foram retiradas, visite a página e conheça outras telas, bem como outros pintores da época. Proceda da mesma forma em relação à música, procure escutar algum dos artistas citados. Anote o endereço: http://www.historiadaarte.com.br/arteromantica.html Nessa página você encontrará comentários sobre a arte no Romantismo. Leia as informações, elas contribuirão para um maior aprofundamento sobre o tema. Role a página e no final da mesma você encontrará o título Imagens. É só clicar. Caso encontre alguma dificuldade, entre no Google e digite: Telas de pintores românticos. Entre os endereços expostos você vai encontrar o indicado. Use a relação para visitar outras páginas. O ambiente virtual de aprendizagemAVA - é um bom espaço para vocês discutirem o tema. Pense na proposta. Boa navegação e um bom estudo. dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades! 102 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Modelos de escultura e arquitetura do período Romântico. Aproveite a indicação e aprofunde a pesquisa. http://www.historianet.com.br/conteudo/ default.aspx?codigo=404 Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 103 Romantismo e Literatura Falar de Romantismo exige de nós que o fazemos, falar de Victor Hugo, um dos maiores escritores da literatura francesa e mundial. De sua obra, ressaltamos o “Prefácio de Cromwell”, ou em português do “Grotesco e do Sublime”. Este texto, embora não seja objetivo do autor, é um verdadeiro manifesto da estética romântica. Théophile Gautier (apud Barretini, p.7.) afirmava que o prefácio irradiava aos olhos dos jovens românticos “ como as tábuas da lei no monte Sinai.” Para lhe falar sobre ele, utilizamos a tradução de Célia Barretini, publicada pela Perspectiva, edição de 1988. É obra de fundamental importância para todo estudioso da literatura e obrigatória para quem pretende lecioná-la. Como foi dito anteriormente, o Romantismo introduz uma nova visão do fazer poético, “nova era vai começar para o homem e para a poesia”, transformando-se em divisor de águas entre o ontem o hoje, pois seus efeitos ainda se fazem sentir. Vejamos porque: Ao iniciar seu manifesto, Hugo traça um paralelo entre a evolução da poesia e a vida do homem. Da mesma forma que este passa por três fases, infância, idade adulta e velhice, assim também ocorre com a poesia. Aos tempos primitivos corresponde o lirismo, aos tempos antigos a epopéia, aos tempos modernos o drama, cada uma delas correspondendo a um época da sociedade. Nos tempos primitivos, quando o homem desperta num mundo que acaba de nascer, a poesia desperta com ele. Em presença das maravilhas que o ofuscam e o embriagam, sua primeira palavra não é senão um hino. Ele toca ainda de tão perto a Deus que todas as suas meditações são êxtases, todos os seus sonhos visões. Expande-se, canta como respira. Sua lira tem somente três cordas: Deus, a alma, a criação; mas este triplo mistério envolve tudo, mas esta tripla ideia compreende tudo. A terra está mais ou menos deserta. Há famílias, e não povos; pais, e não reis. Cada raça existe à vontade; não há melindres, não há guerras. Tudo pertence a cada um e a todos. A sociedade é uma comunidade. Nada incomoda o homem. Ele passa esta vida pastoril e nômade pela qual começam todas as civilizações, e que é tão propícia às contemplações solitárias, às caprichosas fantasias. Não opõe nenhuma resistência, abandona-se. Seu pensamento, como sua vida, se assemelha à nuvem que troca de forma e de caminho, segundo o vento que o impele. Eis o primeiro homem, eis o primeiro poeta. É jovem, é lírico. A prece é toda a sua religião: a ode é toda a sua poesia. Este poema, esta ode dos tempos primitivos, é a gênese. 104 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Pouco a pouco, no entanto, esta adolescência do mundo se vai. Todas as esferas crescem; a família se torna tribo, a tribo se faz nação. Cada um destes grupos de homens se amontoa ao redor de um centro comum, e eis os reinos. O instinto social sucede ao instinto nômade. O acampamento dá lugar à cidade, a tenda ao palácio, a arca ao templo. Os chefes destes Estados nascentes são ainda pastores, mas pastores de povos; seu cajado pastoril tem já a forma de cetro. Tudo se detém e se fixa. A religião toma uma forma; os ritos regulam a prece; o dogma vem emoldurar o culto. Assim o sacerdote e o rei dividem entre si a paternidade do povo; assim à comunidade patriarcal sucede a sociedade teocrática. No entanto as nações começam a ficar demasiado comprimidas no globo. Elas se incomodam e se ferem; daí os choques de impérios, a guerra. Elas se ultrapassam, umas sobre as outras; daí as migrações de povos, as viagens. A poesia reflete estes grandes acontecimentos; das ideias elas passam às coisas. Canta os séculos, os povos, os impérios. Torna-se épica, gera Homero. (...) Nesta sociedade, tudo é simples, tudo é épico. (...) A família tem uma pátria; aí tudo a prende; há o culto do lar, o culto dos sepulcros. (...) No entanto a idade da epopéia chega ao fim. Assim como a sociedade que ela representa, esta poesia se gasta girando sobre si mesma. Roma decalca a Grécia, Virgílio copia Homero; e, como para acabar dignamente, a poesia épica expira neste último parto.Era tempo. Nova era vai começar para o mundo e para a poesia. E em nome de uma liberdade apregoada na política, em nome da esperança de verdadeiras mudanças sociais, Hugo apregoa a liberdade da arte, dando início à Idade Moderna. Não nos afastaremos do “Prefácio de Cramwell”. Como já falei anteriormente, o referido prefácio é um verdadeiro manifesto da estética romântica, claramente definida no trecho a seguir, p. 56 et passim. “Digamo-lo, pois, ousadamente. Chegou o tempo disso, e seria estranho que nesta época, a liberdade, como a luz penetrasse por toda a parte, exceto no que há de mais nativamente livre no mundo, nas coisas do pensamento. Destruamos as teorias, as poéticas e os sistemas. Derrubemos este velho gesso que mascara a fachada da arte! Não há regras nem modelos; ou antes, não há outras regras senão as leis gerais da natureza que plainam sobre toda a arte, e as leis especiais que, para cada composição, resultam das condições de existência próprias para cada assunto. Umas são eternas, interiores, e permanecem; as outras, variáveis, exteriores, e não servem senão uma vez. As primeiras são o madeiramento que sustenta a casa; as segundas, os andaimes Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 105 que servem para construí-la e que se refazem para cada edifício. Estas são enfim a ossatura, aquelas o vestuário do drama. Além disso, regras não se escrevem nas poéticas. Richelet não o imagina. O gênio, que advinha antes de aprender, extrai, para cada obra, as primeiras da ordem geral das coisas, as segundas do conjunto isolado do assunto que trata. Não à maneira do químico que acende seu fogareiro, sopra seu fogo, esquenta seu cadinho, analisa e destroi; mas à maneira da abelha, que voa com suas asas de ouro, pousa sobre cada flor, e tira o mel, sem que o cálice nada perca de seu brilho, a corola nada de seu perfume. O poeta, insistamos neste ponto, não deve, pois, pedir conselho senão à natureza, à verdade, e à inspiração, que é, também uma verdade e uma natureza. Diz Lope de Vega: Cuando ha de escribir una comedia, Encierro los preceptos con seis llaves. Atividade II Leia, atentamente, o fragmento que acabamos de estudar. Nele encontrará as respostas para o roteiro a seguir: a) Apresente o autor ( em um breve comentário informe onde nasceu e quais atividades exerceu). b) Qual o assunto do fragmento? c) Segundo o autor, qual é o ideal da sua época que deve estar presente na literatura? d) Que argumentos utiliza para convencer o leitor de que esse ideal é de fato importante? e) Interprete o trecho: Destruamos as teorias, as poéticas e os sistemas. Derrubemos este velho gesso que mascara a fachada da arte! f) Nesse protesto, o que de fato ele condena? dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades! g) Agora, posicione-se como crítico. O que achou do texto? Tem pontos positivos, quais? Tem negativos, quais? Você recomendaria esse texto para alguém ler? Alguém de sua área ou de outra? Indique. 106 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Características do Romantismo O Romantismo, estilo de época que dominou a civilização ocidental na primeira metade do século XIX, apresenta, de acordo com Proença Filho, (p. 178 et passim), as seguintes características: • Imaginação criadora - os escritos românticos revelam no artista uma capacidade de criar mundos imaginários, e acreditar na realidade dos mesmos. Do choque do seu Eu e o mundo o escritor romântico se evade na aspiração por esse outro mundo distinto situado no passado ou no futuro e onde ele não encontre as dificuldades que enfrenta na realidade imediatamente familiar. Há, portanto, da parte do escritor uma capacidade de interpretar, a seu modo, o familiar e o transcedente que empresta eternidade ao mundo sensível que o cerca. • Subjetivismo – este é um dos traços fundamentais do Romantismo. A realidade é revelada através da atitude pessoal do escritor. Não há a preocupação com modelos a seguir. O artista traz à tona o seu mundo interior, com plena liberdade. Aliás, esta característica está ligada estreitamente à imaginação criadora, como projeção deste mundo. • Evasão ( ou escapismo) – fuga para um mundo idealizado à base do sonho, das emoções pessoais. O poeta procura fugir para o mundo imaginário a que já nos referimos. Pode ocorrer também que surja ainda um novo choque entre o mundo sonhado e o mundo real e a solução seja evadir-se para a solidão, para o desespero e para a evasão das evasões: o suicídio, a morte. Aliás, esta é um dos temas preferidos de uma das grandes correntes do movimento. • Senso de mistério – decorre da visão pessoal da realidade, que “aparece envolvida de sobrenatural e terror”. A vida surpreende o artista a cada instante, na medida em que varie o seu estado de espírito. • Consciência da solidão – ainda decorrente da inadaptação ao mundo “real”. Não há lugar nele para o artista. Então, ele mergulha no seu mundo interior: o exterior não o compreende. • Reformismo – também, ao invés de isolar-se, o artista se propõe reformar o mundo. Essa preocupação leva-o ao sentimento revolucionário que o aproxima dos movimentos libertários bastante numerosos na época, e à exacerbada admiração por grandes personagens políticas e militares. • Sonho - é outra saída, como vimos. Traduz-se na aspiração por um mundo diferente, frequentemente representado em símbolos e mitos. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 107 • Fé - o escritor crê em si mesmo. No mundo ou mundos que cria. Nas reformas que prega. Na intuição. Mesmo contra a lógica. • Ilogismo – que leva, inclusive, a uma instabilidade emocional traduzida em atitudes antitéticas ou paradoxais: alegria e tristeza, entusiasmo e depressão. • Culto da natureza – na sua evasão, o romântico encontra na natureza o lugar de refrigério, de tranquilidade, onde o seu espírito pode encontrar a paz. É a natureza capaz de inspirá-lo, de cuidar dele, de velar a sua morte. Não nos esqueçamos que é sobretudo romântico o mito do “bom selvagem”, do homem em estado de natureza, ainda não contaminado pela “civilização”. • Retorno ao passado - se o mundo atual leva a conflito, então pode-se procurar no passado algo de diferente. E as épocas antigas sobretudo a Idade Média, se oferecem como mais propícias. A era medieval tem a seu favor o ambiente misterioso e transcendental que a caracteriza, o identificar-se com as origens da nacionalidade; e mais: o caráter de oposição ao classicismo leva o romântico a procurar a época anterior, a que, de certa forma, os clássicos por seu turno se opõem. • Gosto do pitoresco – ainda a procura de novas situações, conduz o romântico às terras distintas, às florestas virgens, às paisagens orientais, ligadas como se depreende, a várias das características já pontadas. • Exagero – o romântico não admite meio termo. As qualidades e os defeitos são radicalmente colocados. Por outro lado a perfeição não existe no mundo circundante: situa-se num tempo ou lugar distante e sonhado ( passado e futuro). • Liberdade criadora– contra todas as regras dos clássicos, ditadas exclusivamente pela razão, o romântico proclama a independência pessoal para julgar o que seja belo ou verdadeiro; elimina os preceitos gerais que tendem a uniformizar os estilos e a cortar as asas da imaginação pessoal; exalta o gênio criador e renovador do artista. A regra das regras é a inspiração. • Sentimentalismo – entendido como predomínio do sentimento sobre a razão. O amor vence à razão. • Ânsia de glória – outra característica que pode marcar o escritor romântico é o seu desejo manifesto de “ser o centro da sociedade em que vive.” É, como se vê, uma decorrência do egocentrismo que lhe é peculiar. Por outro lado, o artista do século XIX já não é mais um “servidor” de um mecenas ou de um rei, como no Renascimento... • Importância de paisagem – esta característica está associada ao culto da natureza. No Romantismo a paisagem deixa de ser impassível e se solidariza com o artista. • Gosto pelas ruínas – como o “triunfo da natureza sobre o esforço meditado da inteligência. 108 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I • Gosto pelo noturno - que atende, ainda, à atmosfera de mistério, tão de preferência romântica. • Idealização da mulher – a mulher, entre os românticos aparece convertida em anjo, em figura poderosa, inatingível, capaz de mudar a vida do próprio homem. Esclarece, ainda o autor: Quanto aos elementos não ligados à temática, podemos apontar como características estilistas: a) O Romantismo é a preferência pela metáfora, por contraste com o Classicismo que confia principalmente na metonímia. A consequência desse comportamento linguístico é a propensão à imagística em geral, seja na descrição épica (novelística), seja no simbolismo lírico, seja na alegoria. (...) b) Mistura dos gêneros literários – contrariando as normas clássicas, que limitavam, fixavam os gêneros literários, fazendo-os, inclusive, corresponder a uma hierarquia social, o Romantismo impõe a mescla, a evolução, a transformação, o desaparecimento dos gêneros, sem enriquecimento ou esclerose, e o nascimento de novos, a concomitância de diversos numa só obra; desaparece, assim, o espírito sistemático e absolutista que dominava a compreensão do problema, talvez em conformidade com o novo status social vigente, após a Revolução Francesa. Com esta, a burguesia sobrepõe-se à aristocracia – a literatura deixa a elite para chegar ao povo. c) Nova feição na poesia – como decorrência da confusão de gêneros, (...) passa o artista a gozar de liberdade na metrificação e distribuição rítmica (...) já não se prende a normas ou preceitos rígidos: permite-se utilizar dos ritmos de que dispõe como bem lhe aprouver. E permite-se também, aliás, prática que vem desde o Arcadismo, a utilização do verso branco1. d) Variação no romance – ganhou o romance grande evidência com o Romantismo: • Inaugura-se o gosto da análise precisa e do realismo na pintura dos caracteres e dos costumes. • Preferem os ficcionistas os personagens – tipo, resultado de sínteses ideais que reúnem os mais variados traços. • O romance passa a fundir realidade e fantasia, análise e invenção. • Há uma tendência ao romance histórico. • Também é comum o romance de terror; bem como o romance de aventuras, o romance social, o romance de costumes. e) Renovação no teatro – abandona-se a rigidez da regra das três unidades permanecendo “a unidade de ação ou de interesse, criada pelo personagem, que forma o seu centro. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 109 Verso que obedece às regras métricas de versificação ou acentuação, mas não apresentam rima. GOLDSTEIN, Norma. Versos,Sons,Ritmos. São Paulo: Ática, 1990. 1 O teatro, assim liberado, amplia a sua temática e vira-se para o passado nacional e para a história moderna, em lugar da antiguidade greco-latina, em busca da forma nova, a cor local, os costumes, base da realidade e característica essencial da sociedade. Mas o drama romântico distingue-se ainda pela união do nobre e do grotesco, do grave e do burlesco, do belo e do feio, em suma, marca-se pelo contraste. E, ao invés de se valer notadamente do verso, como um clássico, mistura verso e prosa. Talvez você tenha achado esse nosso encontro muito denso de informações. Entretanto, o objetivo foi situá-lo em relação ao contexto em que o Romantismo acontece; bem como apresentar, talvez de forma exaustiva, as características do movimento. Temos certeza de que o texto produzido irá ajudá-lo a entender o Romantismo no Brasil. Atividade III 1. Para entender melhor essa junção de grotesco e do sublime, sugerimos assistir aos filmes que elencaremos a seguir, olhando-os à luz das características do Romantismo. Convide seus colegas para a sessão de cinema. No final conduza um debate no Ambiente Virtual para ver se as opiniões convergem ou divergem. Socializar o saber é contribuir para um mundo mais crítico e cidadão. Boa tarefa. “O corcunda de Notre --Dame,” em suas duas versões, adulta e infantil, e “A Bela e a Fera”. 110 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I 2. Para entender o mito do bom selvagem, defendido por Rosseau, sugerimos que assista “A Lagoa Azul”. dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades! Romantismo em Portugal Este texto talvez seja desnecessário, pois você estudará a Literatura Portuguesa. Contudo, será apenas um preâmbulo para a introdução do Romantismo no Brasil. Como fomos colônia de Portugal, tudo que aqui chegava, direta ou indiretamente, vinha de Portugal. Dentre os iniciadores do Romantismo em Prtugal, destacamos: Almeida Garret, Alexandre Herculano, Júlio Dinis, Camilo Castelo Branco, dentre outros. Apreciemos o texto de Almeida Garret, um dos grandes exemplos para nossos escritores. Este inferno de amar Este inferno de amar – Como eu amo! Quem mo pôs aqui n’alma ... quem foi? Esta chama que alenta e consome, Que é a vida – e que a vida destrói Como é que se veio a atear, Quando – ai quando se há de apagar? Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 111 Eu não sei, não me lembra: o passado, A outra vida que dantes vivi Era um sonho talvez ... - foi um sonho Em que paz tão serena a dormi! Oh! Que doce era aquele sonhar ... Quem me veio, ai de mim! Despertar? Só me lembra que um dia formoso Eu passei ... dava o Sol tanta luz! E os meus olhos, que vagos giravam, Em seus olhos ardentes pus. Que fez ela? Eu que fiz? - Não sei; Mas nessa hora a viver comecei ... (GARRET, Almeida) Retomando o fio da meada Iniciamos nosso encontro falando de Romantismo e de sentimento romântico. Dissemos que, enquanto tendência de época, o Romantismo acabou. Teve início, meio e fim. Todavia, como sentimento, como expressão do íntimo de alguém, este não morreu nem morrerá jamais, pois é parte integrante do humano. De forma exagerada ou contida, o homem sempre expressará seus sentimentos, independente da época em que viveu ou vive. Para corroborar essa ideia, selecionamos trechos de poemas escritos muito depois do Romantismo. A essência de todos eles você observará que é o amor, expresso em verso ou prosa, não importa a forma, só importa o amor! “Que pode uma criatura senão, entre outras criaturas, amar? amar e esquecer, amar e malamar, amar, desamar, amar? sempre, e até de olhos vidrados, amar?” Carlos Drummond de Andrade, in Amar 112 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I “ESTE INFINITO AMOR de um ano faz Que é maior do que o tempo e de que tudo Este amor que é real, e que, contudo Eu já não cria que existisse mais.” Vinícius de Moraes, in Soneto do amor como um rio. “Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar. Que queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo? “ Fernando Pessoa (poeta português) Leituras recomendadas • Os livros de História Geral, especificamente os capítulos sobre Revolução Industrial e Revolução Francesa, bem como artigos na internet. • Livros e artigos que abordem o Romantismo. • Biografias dos principais representantes da música, da pintora, da escultura e da arquitetura do período Romântico. • O Prefácio de Cromwell, de Victor Hugo, traduzido ou no original em francês, se você lê nesse idioma. • Visitas à(s) a biblioteca(s) de sua cidade. Nesse(s) espaços, você encontrará material necessário para complementar seus conhecimentos. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 113 Resumo Nesse encontro, o Romantismo foi o assunto estudado por nós. Para entendê-lo foi preciso retomarmos às antigas lições sobre a Revolução Industrial e a Revolução Francesa. Desta última, os ideais de igualdade, liberdade e fraternidade, tríade que prenunciava uma sociedade igualitária, junção de classes sociais até então desconsideradas. A aristocracia é derrubada e a burguesia ascende ao poder. Nessa efervescência de mudanças surge o Romantismo. Resultante de tantas transformações, a nova tendência opõe-se ao racionalismo clássico, rompe os paradigmas, estabelecidos. Liberdade é a palavra de ordem. Liberdade e revolta. Ao ver os sonhos de uma sociedade democrática ruírem, poetas, artistas e prosadores manifestam esse sentimento em suas produções. Características como solidão, individualismo, egocentrismo, ilogismo, mistério, subjetivismo, religiosidade, saudosismo, dentre outras, serão recorrentes nos textos literários. Quanto à forma, a liberdade conquistada permitirá o emprego de vocabulário e sintaxe mais simples, versos brancos, dando vazão à fantasia, à idealização e à imaginação. O mundo será cantado da forma como se apresenta: se feio, feio, se belo, belo, se grotesco, grotesco, se sublime, sublime. É assim a vida, é assim a ordem. 114 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Autoavaliação Refletir sobre nosso próprio desempenho, sobre nossa própria aprendizagem, é autoavaliar-se. Ao praticarmos esse exercício, identificamos nossos erros e temos a possibilidade de corrigi-los. 1. Para iniciar essa autoanálise, retome os objetivos desse encontro. Leia o primeiro. Houve aprendizagem de sua parte? Comente. Repita o exercício com os outros objetivos, sempre elaborando comentários. 2. Socialize seus comentários. Solicite a opinião crítica de seus colegas. Caso discorde de alguma crítica, justifique-se. Esse exercício ajuda a combater a timidez, enriquece o vocabulário, favorece a compreensão e apreensão do conteúdo estudado. 3. Você identificou nos filmes propostos características, românticas? Quais? Comente. dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades! Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 115 Referências ABDALA Jr, Benjamin, CAMPEDELLI, Samira Youssef. Tempos da Literatura Brasileira. São Paulo: Ática, 1986. BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultriz, 1992. CADEMARTORI, Lígia. Períodos literários. São Paulo: Ática, 1990. CITELLI, Adilson. Romantismo. São Paulo: Ática, 1986. FILHO PROENÇA, Domício. Estilos de Época na Literatura. São Paulo: Ática, 1978. GOLDSTEIN, Norma. Versos, Sons, Ritmos. São Paulo: Ática, 1990. HUGO, Victor. Do Grotesco e do Sublime. Trad. Célia Berretini. Perspectiva, 1988. MOISÉS, Massaud. História da Literatura Brasileira. Vol. 2. São Paulo: Cultrix, 1991. OLIVEIRA, Clenir Bellezi de. E JORDÃO, Rose. Linguagens, Estrutura e Arte. Vol.1. São Paulo: Moderna, 1999. PROENÇA, Graça. História da Arte. Ática. 2001. 116 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I VI UNIDADE Identidade nacional e Romantismo no Brasil Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 117 Apresentação Caro (a) aluno (a), Chegamos ao Romantismo no Brasil e, hoje, nos indagamos: como estava nossa terra naquele momento? Vivíamos a empolgação da recém independência adquirida. Como os reflexos do ideal de liberdade, igualdade e fraternidade haviam chegado até nós? Éramos de fato brasileiros ou portugueses? A quantas andava nossa autoestima? “ Tu vais, ó livro ... nós te enviamos, cheio de amor pela Pátria, de entusiasmo por tudo o que é grande, e de esperanças em Deus, e no futuro.” O texto em destaque, extraído do poema-manifesto, escrito na França por Gonçalves de Magalhães, responde algumas das nossas indagações. É bom lembrar que desde 1808, ano da chegada da família real ao Brasil, a colônia já não era a mesma. Entretanto, é a nossa independência política, em 1822, que abrigará, 14 anos depois, a nova tendência estética. Por esse motivo, a língua, a etnia, a cultura brasileira, as diferenças regionais, a religião, o próprio sincretismo religioso dentre outros, comporão o enredo das primeiras obras do período. Consolida-se, assim, a ideia de Nação. Os sentimentos nativista e nacionalista passam a ser a característica maior da produção de nossos primeiros escritores românticos. 118 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Objetivos No final desta aula, esperamos que você: • Identifique o Romantismo Brasileiro como tendência de época resultante das transformações ocorridas na Europa e no próprio país; • Conheça as especificidades de cada geração do Romantismo Brasileiro, bem como seus principais representantes na poesia e na prosa; • Identifique as características Indianistas e Nacionalistas em textos dados; • Analise textos literários e cinematográficos produzidos nesse contexto: ideológico, político e individual. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 119 Romantismo no Brasil – 1ª geração O Romantismo Brasileiro, por suas especificidades, principalmente na poesia, subdivide-se em três gerações que correspondem ao período de 1836 a 1881. A tela que introduz nossa conversa corresponde à chegada dos portugueses no Brasil, entretranto uso-a para explicar-lhe o sentimento nativista que tomou conta de poetas e escritores da primeira geração. O índio e a natureza são os elementos formadores da identidade nacional. Para Cochar e Cereza (1994, p. 49 et passim), a Independência política, de 1822, desperta na consciência de intelectuais e artistas nacionais a necessidade de criar uma cultura brasileira identificada com suas próprias raízes históricas, linguísticas e culturais. O Romantismo, além de seu significado primeiro – o de ser uma reação à tradição clássica -, assume em nossa literatura a conotação de um movimento anticolonialista e antilusitano, ou seja, de rejeição à literatura produzida na época colonial, em virtude do apego dessa produção aos modelos culturais portugueses. Portanto, um dos traços essenciais de nosso Romantismo é o nacionalismo, que orientará o movimento e lhe abrirá um rico leque de possibilidades a serem exploradas. Dentre elas se destacam: o indianismo, o regionalismo, a pesquisa histórica, folclórica e linguística, além da crítica aos problenas nacionais – todas elas comprometidas com o projeto de construção de uma identidade nacional. Tradicionalmente se tem apontado a publicação da obra Supiros poéticos e saudades (1836), de Gonçalves de Magalhães, como o marco inicial do Romantismo no Brasil. A importância dessa obra reside muito mais nas novidades teóricas de seu prólogo, em que Magalhães anuncia a revolução literária romântica, do que propriamente na execução dessas teorias. 120 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Transcrevo o prólogo dessa obra para que você, ao lê-lo, perceba as propostas da nova tendência. Chamei-o de manifesto, lembra? Ao estudá-lo, sei que endenderá meu posicionamento. O texto completo você encontrará no endereço eletrônico: http://ebookbrowse.com/search.php?q=suspiros+poeticos+e+sa udades MINISTÉRIO DA CULTURA Fundação Biblioteca Nacional Departamento Nacional do Livro SUSPIROS POÉTICOS E SAUDADES Domingos José Gonçalves de Magalhães Lede Pede o uso que se dê um prólogo ao livro, como um pórtico ao edifício; e como este deve indicar por sua construção a que divindade se consagra o templo, assim deve aquele designar o caráter da obra. Santo uso de que nos aproveitamos para desvanecer alguns preconceitos, que talvez contra este livro se elevem em alguns espíritos apoucados. É um livro de poesias escritas segundo as impressões dos lugares; ora sentado entre as ruínas da antiga Roma, meditando sobre a sorte dos impérios; ora no cimo dos Alpes, a imaginação vagando no infinito como um átomo no espaço; ora na gótica catedral, admirando a grandeza de Deus e os prodígios do cristianismo; ora entre os ciprestes que espalham sua sombra sobre túmulos; ora, enfim, refletindo sobre a sorte da pátria, sobre as paixões dos homens, sobre o nada da vida. São poesias de um peregrino, variadas como as cenas da natureza, diversas como as fases da vida, mas que se harmonizam pela unidade do pensamento e se ligam como os anéis de uma cadeia; poesias d’alma e do coração, e que só pela alma e o coração devem ser julgadas. Quem ao menos uma vez separou-se de seus pais, chorou sobre a campa de um amigo, e armado com o bastão de peregrino, errou de cidade em cidade, de ruína em ruína, como repudiado pelos seus; quem no silêncio da noite, cansado de fadiga, elevou até a Deus uma alma piedosa, e verteu lágrimas amargas pela injustiça, e misérias dos homens; quem meditou sobre a instabilidade das coisas da vida e sobre a ordem providencial que reina na história da humanidade, como nossa alma em todas as nossas ações; esse achará um eco de sua alma nestas folhas que lançamos hoje a seus pés, e um suspiro que se harmonize com o seu suspiro. Para bem se avaliar esta obra, três coisas releva notar: o fim, o gênero e a forma. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 121 Domingos José Gonçalves de Magalhães O fim deste livro, ao menos aquele a que nos propusemos, que ignoramos se o atingimos, é o de elevar a poesia à sublime fonte donde ela emana, como o eflúvio d’água, que da rocha se precipita, e ao seu cume remonta, ou como a reflexão da luz ao corpo luminoso; vingar ao mesmo tempo a poesia das profanações do vulgo, indicando apenas no Brasil uma nova estrada aos futuros engenhos. A poesia, este aroma d’alma, deve de contínuo subir ao Senhor; som acorde da inteligência deve santificar as virtudes e amaldiçoar os vícios. O poeta empenhando a lira da razão, cumpre-lhe vibrar as cordas eternas do santo, do justo e do belo. Ora, tal não tem sido o fim da maior parte dos nossos poetas; e o mesmo Caldas, o primeiro dos nossos líricos, tão cheio de saber e que pudera ter sido o reformador da nossa poesia, nos seus primores d’arte, nem sempre se apoderou desta ideia; compõe-se uma grande parte de suas obras de traduções; e quando ele é original causa mesmo dó que cantasse o homem selvagem de preferência ao homem civilizado, como se aquele a este superasse, como se a civilização não fosse obra de Deus, a que era o homem chamado pela força da inteligência com que a Providência dos mais seres o distinguira! Outros apenas curaram de falar aos sentidos; outros em quebrar todas as leis da decência! Seja qual for o lugar em que se ache o poeta, ou apunhalado pelas dores, ou ao lado de sua bela, embalado pelos prazeres; no cárcere, como no palácio; na paz, como sobre o campo da batalha; se ele é verdadeiro poeta, jamais deve esquecer-se de sua missão, e acha sempre o segredo de encantar os sentidos, vibrar as cordas do coração, e elevar o pensamento nas asas da harmonia até as ideias arquetípicas. O poeta sem religião e sem moral, é como o veneno derramado na fonte, onde morrem quantos procuram aí aplacar a sede. Uma vez determinado e conhecido o fim, o gênero se apresenta naturalmente. Até aqui, como só se procurou a fazer uma obra segundo a Arte, imitar era o meio indicado: fingida era a inspiração, e artificial, o entusiasmo. Desprezavam os poetas a consideração se a mitologia podia, ou não, influir sobre nós: contanto que dissessem que as musas do Hélicon os inspiravam, que Febo guiava seu carro puxado pela quadriga, que a aurora abria as portas do Oriente com seus dedos de rosas, e outras tais e quejandas imagens tão usadas cuidavam que tudo tinham feito, e que com Homero emparelhavam; como se pudesse parecer belo quem achasse algum velho manto grego e com ele se cobrisse; antigos e safados ornamentos, de que todos se servem, a ninguém honram. Quanto à forma, isto é, à construção, por assim dizer, material das estrofes e de cada cântico em particular, nenhuma ordem seguimos, exprimindo as ideias como elas se apresentaram, para não destruir o acento da inspiração; além de que a igualdade dos versos, a regularidade das rimas e a simetria das estâncias produzem uma tal monotonia e dão certa feição de concertado artifício que jamais podem agradar. Ora, não se compõe uma orquestra só com sons doces e flautados; 122 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I cada paixão requer sua linguagem própria, seus sons imitativos, e períodos explicativos. Quando em outro tempo publicamos um volume das poesias da nossa infância,não tínhamos ainda assaz refletido sobre estes pontos e em quase todas estas faltas incorremos; hoje, porém, cuidamos ter seguido melhor caminho. Valha-nos ao menos o bom desejo, se não correspondem as obras ao nosso intento; outros mais mimosos da natureza farão o que não nos é dado. Algumas palavras acharão neste livro que nos dicionários portugueses se não deparam; mas as línguas vivas se enriquecem com o progresso da civilização e das ciências, e uma nova ideia pede um novo termo. Eis as necessárias explicações para aqueles que leem de boa-fé, e se aprazem de colher uma pérola no meio das ondas; para aqueles, porém, que com olhos de prisma tudo decompõem, e como as serpentes sabem converter em veneno até o néctar das flores, tudo é perdido; o que poderemos nós dizer-lhes?... Eis mais uma pedra onde afiem suas presas, mais uma taça onde saciem sua febre de escárnio. Este livro é uma tentativa, é um ensaio; se ele merecer o público acolhimento, cobraremos ânimo, e continuaremos a publicar outros que já temos feito, e aqueles que fazer poderemos com o tempo. (sic) É um novo tributo que pagamos à pátria, enquanto lhe não oferecemos coisa de maior valia; é o resultado de algumas horas de repouso, em que a imaginação se dilata, e a atenção descansa, fatigada pela seriedade da ciência. Tu vais, ó livro, ao meio do turbilhão em que se debate nossa pátria; onde a trombeta da mediocridade abala todos os ossos, e desperta todas as ambições; onde tudo está gelado, exceto o egoísmo: tu vais, como uma folha no meio da floresta batida pelos ventos do inverno, e talvez tenhas de perder-te antes de ser ouvido, como um grito no meio da tempestade. Vai; nós te enviamos cheios de amor pela pátria, de entusiasmo por tudo o que é grande e de esperanças em Deus e no futuro. Adeus! Paris, julho de 1836 O trecho a seguir, finaliza a obra. Observe que o autor faz uma louvação à Pátria amada, expressando toda a dor sentida na ausência da terra querida, bem ao estilo do saudosismo romântico. ADEUS À EUROPA Adeus, oh terras da Europa! Adeus, França, adeus, Paris! Volto a ver terras da Pátria, Vou morrer no meu país. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 123 Qual ave errante, sem ninho, Oculto peregrinando, Visitei vossas cidades, Sempre na Pátria pensando. De saudade consumido, Dos velhos pais tão distante, Gotas de fel azedavam O meu mais suave instante. As cordas de minha lira Longo tempo suspiraram, Mas alfim frouxas, cansadas De suspirar, se quebraram. Oh lira do meu exílio, Da Europa as plagas deixemos; Eu te darei novas cordas, Novos hinos cantaremos. Adeus, oh terras da Europa! Adeus, França, adeus, Paris! Volto a ver terras da Pátria, Vou morrer no meu país. Paris, agosto de 1836 FIM Apesar de Gonçalves de Magalhães ser considerado pai do Romantismo brasileiro, Gonçalves Dias e José de Alencar são os maiores destaques da 1ª geração romântica. Ambos abordaram os dois elementos caracterizadores do período: a natureza e o índio. Gonçalves Dias fez da poesia o seu veículo de difusão, já Alencar utilizou a prosa para expressar sua visão telúrica, carentes que éramos de grandes heróis, a exemplo dos cavaleiros medievais tão decantados pelos escritores românticos da Europa. Atividade I dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades! Segundo o dicionário Houaiss, o vocábulo manifesto apresenta o seguinte significado: s.m. 1 declaração pública de opinião, motivo, tendência etc. adj. 2 explícito, evidente. 124 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I 1. Tomando como ponto de partida o Prólogo em foco, disseca-o, parágrafo por parágrafo, descobrindo, assim, as intenções do poeta. 2. De posse desse novo conhecimento, relacione tudo que você considerou relevante para a compreensão da nova tendência. 3. Transcreva o trecho em que o poeta faz referência ao verso livre. 4. “Algumas palavras acharão neste livro que nos dicionários portugueses se não deparam; mas as línguas vivas se enriquecem com o progresso da civilização e das ciências, e uma nova ideia pede um novo termo.” Você concorda com o autor? Comente o fragmento relacionando-o com o hoje. dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades! O Indianismo na poesia Gonçalves Dias Falar do Indianismo na poesia brasileira é falar em Gonçalves Dias. Em qualquer livro de literatura brasileira você encontrará dados biográficos desse poeta. Por esse motivo, não quero falar do homem, quero falar do dramaturgo, do etnógrafo, do poliglota, do jornalista, do crítico, do professor e acima de tudo, do poeta ... Autor diverso, que perpassa de dicionarista a dramaturgo e memorialista, destacaremos aqui um pouco da produção por ele deixada, de acordo com a data de publicação, da qual nos referiremos à Poesia: • Primeiros Cantos (1846). Nesta obra os poemas estão reunidos em três partes – Poesias Americanas, Hinos e Poesias Diversas, cuja temática e linguagem são essencialmente românticas. O lirismo amoroso, o saudosismo, bem como o indianismo peculiares ao período se entrelaçam nessa obra de tal forma, que a tornam marco da poesia romântica brasileira. • Segundos Cantos e Sextilha de Frei Antão (1848). Dois anos após o lançamento de sua primeira obra, e contando com a plena aceitação do público, Gonçalves Dias lança os seus Segundos Cantos. Nessa obra, como havia afirmado no Prólogo, o poeta extravassa seu lirismo e a liberdade formal anunciada. Segundo a crítica, nesses textos consegue afinar ainda mais a sua sensibilidade poética, aprimorando sua habilidade no tratamento musical e plástico dos poemas. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 125 Gonçalves Dias • Últimos Cantos (1851). Esta obra é dedicada por meio de uma carta que substitui um possível prefácio a Teófilo Alexandre Leal, amigo do poeta, na qual esclarece: “ o fundamento espiritual desse período,” o primeiro de sua vida literária: “ Desejar e sofrer – eis toda a minha vida nesse período. Além da temática trabalhada nas obras anteriores, a nova publicação traz traduções de textos em língua alemã, fato que demonstra, segundo biográfos do autor, que Gonçalves Dias “bebia na fonte”, ou seja lia, em alemão, Goethe – um dos maiores expoentes do Romantismo europeu. • Os Timbiras (1857). Poema de caráter épico, idealizado para ser constituído por dezesseis cantos, entretanto, apenas quatro foram publicados. Segundo os biógrafos do autor, seis dos últimos cantos desapareceram no naufrágio que vitimou o poeta. À época, esse tipo de publicação por partes fazia parte da tradição. Quanto ao tema, eis o que nos apresenta Beth Brait: os quatro cantos publicados podem ser resumidos na exposição das lutas travadas entre duas tribos indígenas, timbiras e gamelas, e que chegam ao leitor organizadas em forma de epopéia. • Obras Póstumas (1968). Obra composta de seis volumes,que reúnem poesias, traduções e estudos etnográficos, artigos e fragmentos de romance, coletados por Dr. Antônio Henriques Leal. Dentre os textos há muitos poemas inspirados em Ana Amélia, grande amor de sua vida. Pede a jovem em casamento mas é recusado pela sua condição de mulato e bastardo. Retomemos à primeira obra do autor. Assim como Magalhães, Gonçalves Dias abre os seus Primeiros Cantos com um Prólogo da Primeira Edição, o qual transcrevo a seguir: Dei o nome de Primeiros Cantos às poesias que agora publico, porque espero que não serão as últimas. Muitas delas não têm uniformidade nas estrofes, porque menosprezo regras de mera convenção; adotei todos os ritmos da metrificação portuguesa, e usei deles como me pareceram quadrar melhor com o que eu pretendia exprimir. Não têm unidade de pensamento entre si, porque foram compostas em épocas diversas – debaixo de céu diverso – e sob a influência de impressões momentâneas. Foram compostas nas margens viçosas do Mondego e nos píncaros enegrecidos do Gerez – no Doiro e no Tejo – sobre as vagas do Atlântico, e nas florestas virgens da América. Escrevi-as para mim, e não para os outros; contentar-me-ei, se agradarem; e senão ... é sempre certo que tive o prazer de as ter composto. Com a vida isolada que levo, gosto de afastar os olhos de sobre a nossa arena política para ler em minha alma, reduzindo à linguagem harmoniosa e cadente o pensamento 126 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I que me vem de improviso, e as ideias que em mim desperta a vista de uma paisagem ou do oceano – o aspecto enfim da natureza. Casar assim o pensamento com o sentimento – o coração com o entendimento – a ideia com a paixão – colorir tudo isto com a imaginação, fundir tudo isto com a vida e com a natureza, purificar tudo com o sentimento da religião e da divindade, eis a Poesia – a Poesia grande e santa – a poesia como eu a compreendo sem a poder definir, como eu a sinto sem a poder traduzir. O esforço – ainda vão – para chegar a tal resultado é sempre digno de louvor; talvez seja este o só merecimento deste volume. O Público o julgará; tanto melhor se ele o despreza, porque o Autor interessa em acabar com essa vida desgraçada, que se diz de Poeta. Beth Brait, organizadora do volume Literatura Comentada, Gonçalves Dias, (1982) tece, a respeito desse Prólogo, o seguinte chamanento: Observar nesse prólogo, escrito no Rio de Janeiro, em julho de 1846, a maneira informal mas contundente que o pota encontrou para, antecipando-se à crítica e aos leitores, proclamar as características da obra, revelando sua postura diante do fazer poético. Antes mesmo da leitura dos poemas incluídos nos Primeiros Cantos, os leitores já estarão despertos para alguns traços marcantes do estilo gonçalvino e que serão, também, marcas registradas do Romantismo: liberdade formal, imaginação criadora e valorização do indivíduo, de suas contradições e das emoções particulares e circunstanciais. Gonçalves Dias, Indianista Como venho falando ao longo de nossos encontros, diferentemente da Europa, o Brasil não viveu a Idade Média. Nesse sentido, na ausência de herois de cavalaria, os nossos poetas buscarão no índio e em sua cultura, o retorno ao passado, fazendo da nação índigena exemplo de honradez, de conduta de valores a serem seguidos. No afã de mostrar essa perfeição humana, o exagero, a ilogicidade e a imaginação, dentre outras características foram as meios utilizados por Gonçalves Dias em sua poesia Indianista, bem como para demonstrar o quão a cultura do branco português foi prejudicial ao povo indígena. Sinta as estrofes do poema que trancrevo a seguir. Percorra o túnel do tempo para entendê-las. Vou usar um poeta pós período romântico, Olavo Bilac, em seu poema “Ouvir estrelas”, quando afirma:” Amai Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 127 para entendê-las/ Pois só quem ama pode ter ouvido/ capaz de ouvir e de entender estrelas.” Cito-o para você entender melhor a extensão de um sentimento capaz de levar alguém a viver o outro, a entender o outro, a sentir o outro. Perceba-se eu-lírico gonçalvino diante desse índio, nativo brasileiro, musa inspiradora de seu fazer poético. Você verá que é um índio europeizado, longe do estado primitivo em que nossos indígenas viviam. A coragem, a bravura, bem como o poder guerreiro, só se equivalem aos cavaleiros medievais. Ora esse mesmo índio apresenta-se derrotado, mas consciente de sua condição de colonizado e revoltado enumera toda a destruição que a civilização do branco está causando a sua raça e a sua cultura. Além do poema em foco, aconselhe-o a ler, interpretar, declamar e socializar: O Canto do Piaga, composto por três partes. No primeiro, o Piaga - espécie de pajé, sacerdote, médico, advinho e cantor da tribo – conta aos guerreiros da tribo uma aparição que surgiu-lhe em sonho, de seu pavor e medo ante as manifestações sobrenaturais que começam a acontecer. No segundo canto, a visão surgida no canto anterior começa a interrogá-lo sobre o porque dele, Piaga, não estar enxergando os sinais de que algo de ruim está para acontecer com seu povo. No terceiro, é narrada a forma como o homem branco está chegando para tomar a terra indígena, desresreitar suas mulheres e anciãos, bem como destruir sua cultura. Marabá, outro poema indianista, tem como eu-lírico uma mulher que chora sua condição de mestiça, o preconceito e a exclusão do convívio com seu próprio povo; Leito de Folhas Verdes, um eu-poético feminino lamenta o abandono do amado que tarde a voltar para os seus braços; Canção do Tamoio, com o subtítulo Natalícia, tem como tema o nascimento de uma criança, momento em que que o pai apresenta ao filho recém-nascido a imagem ideal do herói de seu povo; Deprecação é outro poema indispensável para o entendimento do indianismo. Neste texto, o eu-lírico faz uma súplica a Tupã que parece estar de rosto coberto diante da tamanha desgrança que está acontecendo com seu povo. Para expressar fielmente tais sentimentos, Gonçalves Dias faz uso de termos próprios da língua indígena. O canto do guerreiro I Aqui na floresta Dos ventos batida, Façanhas de bravos Não geram escravos, Que estimem a vida - Ouvi-me, Guerreiros, - Ouvi meu cantar. 128 II Valente na guerra, Quem há, como eu sou? Quem vibra o tacape Com mais valentia? Quem golpes daria Fatais como eu dou? - Guerreiros, ouvi-me; - Quem há, como eu sou? SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I III Quem guia nos ares A flexa emplumada, Ferindo uma presa, Com tanta certeza, Na altura arrojada Onde eu a mandar? - Guerreiros, ouvi-me, - Ouvi meu cantar. IV Quem tantos imigos Em guerra preou? Quem canta seus feitos Com mais energia? Quem golpes daria Fatais como eu dou? - Guerreiros, ouvi-me; - Quem há, como eu sou? V Na caça ou na lide, Quem há que me afronte?! A onça raivosa Meus passos conhece, O inimigo estremece, E a ave nervosa Se esconde no céu. - Quem há mais valente, - Mais destro que eu? VI Se as matas estrujo Co’ os sons do Boré, Mil arcos se encurvam Mil setas lá voam, Mil gritos reboam, Mil homens de pé Eis surgem, respondem Aos sons do Boré! - Quem é mais valente? - Mais forte quem é? Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB VII Lá vão pelas matas; Não fazem ruído: O vento gemendo E as matas tremendo E o triste carpido Duma ave a cantar, São eles, guerreiros, Que faço avançar. VIII E o piaga se ruge No seu Maracá, A morte lá paira Nos ares fechados, Os campos juncados De mortos são já: Mil homens viveram, Mil homens são lá. IX E então se de novo Eu toco o Boré; Qual fonte que salta De rocha empinada, Que vai marulhosa, Fremente e queixosa, Que a raiva apagada De todo não é, Tal eles se escoam Aos sons do Boré. - Guerreiros, dizei-me, - Tão forte quem, é? 129 Breve comentário acerca do poema Lembra que em outro encontro citei Roland Barthes para quem a Literatura é a ciência dos gozos da linguagem? É assim que ela deve ser vista. Entretanto, como professora dessa ciência, você precisa penetrar “surdamente no reino das palavras/ chega mais perto e comtempla as palavras/ cada uma/ tem mil faces secretas...”, como diria Drummond, dissecá-las, analisá-las e interpretá-las para, assim, explicar o fazer poético ao seu aluno. Por esse motivo convido-o a esmiuçarmos o texto gonçalvino. Para analisar a estrutura, você recorre aos conhecimentos adquiridos em Teoria Literária. Em relação ao sentido, ao que o eu-lírico romântico indianista quer demonstrar, vejamos: Na primeira estrofe, tem-se a apresentação da floresta, local especial onde há bravos, onde não há escravos. O eu-lírico conclama os guerreiros a ouvi-lo, a ouvir um cantar que já se pressupõe especial, pois é o cantar dele. - Ouvi-me, Guerreiros, - Ouvi meu cantar. Nas estrofes subsequentes há um euísmo exacerbado em que o índio atribui a si toda a força, toda a pujança que alguém possa possuir. Observem que nas estrofes em que o diálogo é utilizado essa ideia de superioridade é sempre reforçada, por meio do emprego de pronomes em primeira pessoa, que não deixam dúvidas sobre de quem ele fala. - Guerreiros, ouvi-me; - Quem há, como eu sou? - Quem há mais valente, - Mais destro que eu? - Quem é mais valente? - Mais forte quem é? - Guerreiros, dizei-me, - Tão forte quem, é? Outro dado interessante é a forma hiperbólica empregada no uso do numeral mil. Veja. Mil arcos se encurvam Mil setas lá voam, Mil gritos reboam, Mil homens de pé. 130 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Não é realmente um super-herói? Parece o índio que historicamente nos foi mostrado, sabemos que não. Agora cabe a você descobrir mais e mais as possibilidades de leitura que o texto oferece. O Indianismo na prosa – José de Alencar José Martiniano de Alencar foi um escritor plural. Perpassou todas as gerações românticas. Sua obra é composta de: Romances – Cinco Minutos, O Guarani, A Viuvinha, Lucíola, Diva, Iracema, As minas de prata – 2 v., O Gaúcho, A Pata da Gazela, Guerra dos Mascates – 2v., O Tronco do Ipê, Sonhos d’Ouro, Til, Alfarrábios, Ubirajara, Senhora, O Sertanejo, Encarnação. Teatro – O Crédito, Verso e reverso, Demônio Familiar, As Asas de um Anjo, A Expedição, O Jesuíta. Crônica – Ao Correr da Pena. Autobiografia Intelectual – Como e porque sou Romancista. Crítica e Polêmica – Cartas sobre a Confederação dos Tamoios, Ao Imperador: Cartas políticas de Erasmo, Novas Cartas Políticas de Erasmo, Ao Povo, O Sistema Representativo. Quanto à obra Indianista, é composta pela trilogia: O Guarani (1857); Iracema (1865); Ubirajara (1874). A primeira obra retrata os amores do valente índio Peri pela portuguesa Cecília, Ceci, menina de 16 anos, loura e meiga. A narrativa é marcada por muitas lutas e procura focalizar os aspectos históricos do período colonial abordado – séc XVI. Para tanto, o autor dividiu a obra em quatro partes: Os aventureiros, Peri, Os Aimorés e A catástrofe. Peri é um índio europeizado, educado, religioso, fiel, leal e, de tantos valores éticos que mais parece um super-herói do que um homem real, anos luz de distância de um índio. No capítulo intitulado O bracelete, o leitor se deparará com um jovem capaz de arriscar a própria vida para reaver uma joia que havia sido lançada em um precipício e que pertencia à bela Ceci. Toda a façanha é descrita em linguagem metafórica, rica em imagens. Iracema é uma narrativa que mistura elementos históricos e imaginários, Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 131 José de Alencar dentro da perspectiva romântica de reconstruir o passado, no caso, a história do Ceará, terra natal de Alencar. O romance narra o amor entre a índia Iracema e o português Martim. O palavra Iracema é uma junção dos termos do tupi ira (mel), e ema (lábios). Misturando-se as letras tem-se o anagrama da palavra América. Nesse sentido, Iracema representa a América virgem e inexplorada. Já Martim representa o colonizador branco. A união dos dois aponta a possibilidade da junção entre colonizador e colonizado. Dessa união nasce Moacir, o primeiro caboclo brasileiro. Se Peri foi um super-herói, Iracema será capaz de doar a própria vida pelo amor de Martim. Por fim, tem-se Ubirajara, Jaguarê, Jurandir, uma trindade na unidade. No ínicio, conhecemos Jaguarê- aquele que venceu o temido jaguar. À medida que a narrativa se desenvolve e Jaguarê vai crescendo em coragem a ponto de derrotar Pajucã, guerreiro temido de uma tribo tocantim. Por essa vitória, o guerreiro araguaia recebe o nome de Ubirajara, que significa – Senhor da lança. Em um crescente de pujança, força, bravura e denodo, Ubirajara, no trancorrer da narrativa, recebe os nomes de “Jutaí- porque sua cabeça domina o cocar dos mais fortes guerreiros, como a copa do grande pinheiro aparece por cima da mata. Boitatá, porque ele tem os olhos da grande serpente de fogo, que voa como o raio de Tupã. Jutorib, porque ele trouxe à alegria a tua cabana. E o próprio Ubirajara diz: Eu sou aquele que veio trazido pela luz do céu. Chama-me de Jurandir. Em resposta, escuta: - Tu és aquele que veio trazido pela luz do céu. Nos te chamaremos Jurandir; para que te alegres ouvindo o nome de tua escolha. “Tu és aquele que veio trazido pela luz do sol; e o nome de tua escolha alegrará os ouvidos dos guerreiros.” E para finalizar, Jurandir consegue a incrível façanha de unificar as nações araguaia e tocantim. Como prêmio receberá duas esposas: - Araci é a esposa do chefe tocantim; Jandira será esposa do chefe araguaia; ambas serão as mães dos filhos de Ubirajara, o chefe dos chefes, e o senhor da floresta. As duas nações, dos araguaias e dos ticantins, formaram a grande nação dos Ubirajaras, que tomou o nome de herói. Foi esta poderosa nação que dominou o deserto. Mais tarde, quando vieram os caramurus, guerreiros do mar, ela campeava ainda nas margens do grande rio. Fantástico, não? Ubirajara supera todas as expectativas do leitor ao unificar as duas tribos rivais. Conforme relatos históricos fatos desse tipo eram improváveis uma vez que o povo vencido não aceitava o conquistador. Isso não acontece entre araguaias e tocantins, que mutuamante vencem as diferenças. Como se não bastasse, Ubirajara concilia a dupla união entre esposas, fato comumente impensável. É, de fato, uma ação para alguém insuperável. Vejamos agora o que nos dizem Abdala Jr e Campedelli (1986,p.104), em relação ao índio alencarino: Geralmente enfocados em cenários selvagens, os heróis indígenas de Alencar, presentes nos romances O guarani, Iracema e Ubirajara emergem como elementos da Natureza e mais, como símbolos 132 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I de um passado histórico idealizado e glorioso. O indianismo do autor, misto de sentimento nativista e valorização da antiguidade brasileira,ganha tons de evasão e de exagero, principalmente nas características físicas e morais do índio, um herói sem vacilações. O guarani é exemplo cabal dessa visão unilateral: o herói Peri é protótipo de perfeições, tais como a força, a beleza, a juventude, além da valentia. ......................................................................... O próprio Alencar era consciente dessa visão fantasiosa do índio. Em Como e por que sou romancista, espécie de avaliação de sua carreira, é o seguinte o seu depoimento: “N’O guarani, o selvagem é um ideal, que o escritor intenta poetizar, despindo-o da crosta grosseira de que o envolveram os cronistas, arrancando-o ao rídiculo que sobre ele projetam os restos embrutecidos da quase extinta raça.” Se essa é a meta do escritor – vale dizer, a busca do selvagem ideal -, não é outra a que aparece em Iracema. Nesse romance alcunhado por Machado de Assis como “um poema em prosa”, a personagem feminina, que dá título à obra, encarna a feminilidade, a pureza e a doçura (“a virgem dos lábios de mel”) e sugere o nascimento de um novo mundo, ao dar à luz um mestiço ( Moacir), fruto de sua união com o português Martim. Os autores indicam a leitura de O Guarani, capítulo IV, que trata de uma caçada empreendida por Peri. Aceite a sugestão e releia o texto. É uma oportunidade de comprovar o que eles afirmam sobre o personagem. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 133 Atividade II 1. Sei que você já leu O Guarani. Por esse motivo, releia a última parte. Resuma-a. Faça um levantamento das características românticas encontradas no texto. Socialize com seus colegas. 2. Leia a obra Iracema e trace um perfil da personagem que dá nome ao romance, levando em consideração as características indianistas. 3. Leia a obra Ubirajara. Analise as personagens femininas Araci e Jandira. Trace um perfil de cada uma. Elabore um pequeno texto comparando-as com Iracema. dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades! A manifestação do Nacionalismo No ínicio de nosso encontro citei que um dos traços essenciais de nosso Romantismo é o nacionalismo, que orientará o movimento e lhe abrirá um rico leque de possibilidades a serem exploradas. Há, por parte de nossos poetas, uma necessidade de exaltar a Pátria, de exprimir o orgulho de ser brasileiro, de ser nação independente. Esse sentimento nativista é manifestado na ausência da Pátria, no sentir-se exilado por estar distante do solo amado. Gonçalves Dias, estando em Portugal, escreve a primeira canção de louvor à Pátria, a Canção do Exílio. 134 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá; As aves que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá. Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas tem mais flores, Nossos bosques tem mais vida, Nossa vida mais amores. Em cismar, sozinho, à noite, Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá. Minha terra tem primores, Que tais não encontro eu cá; Em cismar – sozinho, à noite Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá. Não permita Deus que eu morra, Sem que eu volte para lá; Sem que desfrute os primores Que não encontro por cá; Sem qu’inda aviste as palmeiras, Onde canta o Sabiá. No afã de enaltecer a sua terra, o poeta compara um lugar com o outro, e nada lhe parece semelhante à natureza que ele deixou para trás. À noite, esse sentimento de perda se acentua, tem plena consciência de que tudo em sua pátria é melhor e mais bonito. Embora Magalhães encerre a obra “Suspiros poéticos e saudades” com o poema “Adeus à Europa” que não deixa de ser uma canção do exílio, a de Gonçalves Dias ficou para a posteridade como a primeira. A partir desta, outros poetas, independentes de estilo e de época escreveram a sua canção de saudades à Pátria. Beth Brait, em nota de rodapé, p.11 de Literatura Comentada, faz o seguinte comentário: Este poema, a autora faz alusão a Canção Exílio, escrito em Coimbra, em 1843, tornou-se não apenas um sinônimo de Gonçalves Dias – não há antologia escolar que não o tenha escolhido -, mas um ponto de referência dentro da tradição literária brasileira. Se professores e declamadores conseguiram banalizá-lo pela insistência na repetição gratuita, coube a outros poetas reinventarem “a canção do exílio” a partir das sugestões de Gonçalves Dias . Para conferir esta afirmação, basta examinar: Casimiro de Abreu (“Canção do Exílio”), Sousândrade (“ Harpa XLV”), Carlos Drummond de Andrade (“ Europa, França e Bahia” e “Nova Canção do Exílio”), Oswald de Andrade (“Canto de Regresso à Pátria”), Cassiano Ricardo (“Ainda Irei a Portugal”), Murilo Mendes (“Canção do Exílio”), Gilberto Gil e Torquato Neto (“Marginália II”) e muitos outros. A citação data de 1982. De lá para cá, passada uma década do século XXI, imagine quantos poetas, famosos ou não, registraram seu amor ao Brasil. Serão os poemas meras reproduções do primeiro? Claro que não. Cabe a você leitor “enxergar” o que vai no âmago do Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 135 poeta. Um exemplo para você se deleitar. Lembre-se de Barthes, “A literatura é a ciência dos gozos da linguagem”. CANÇÃO DO EXÍLIO Um dia segui viagem sem olhar sobre o meu ombro. Não vi terras de passagem Não vi glórias nem escombros. Guardei no fundo da mala um raminho de alecrim. Apaguei a luz da sala que ainda brilhava por mim. Fechei a porta da rua a chave joguei no mar. Andei tanto nesta rua que já não sei mais voltar. José Paulo Paes “Para não dizer que não falei de Índio e de Nação” Inicio parafraseando Geraldo Vandré. Durante essse nosso encontro falamos de Romantismo, falamos de Indianismo, falamos de Nacionalismo. Esses sentimentos não morrem, permanecem independente do tempo que passa, persistem independente da evolução da humanidade. A saudade é inerente ao ser humano, assim como a noção de pertença, de ser parte de um determinado povo, de um determinado país. Não poderia encerrar esse unidade sem falar na canção do exílio de Vinícius de Moraes, para mim uma das mais belas expressões de sentimento telúrico. Pátria Minha A minha pátria é como se não fosse, é íntima Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo É minha pátria. Por isso, no exílio Assistindo dormir meu filho Choro de saudades de minha pátria. 136 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Se me perguntarem o que é a minha pátria direi: Não sei. De fato, não sei Como, por que e quando a minha pátria Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água Que elaboram e liquefazem a minha mágoa Em longas lágrimas amargas. Vontade de beijar os olhos de minha pátria De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos... Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias De minha pátria, de minha pátria sem sapatos E sem meias pátria minha Tão pobrinha! Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho Pátria, eu semente que nasci do vento Eu que não vou e não venho, eu que permaneço Em contato com a dor do tempo, eu elemento De ligação entre a ação o pensamento Eu fio invisível no espaço de todo adeus Eu, o sem Deus! Tenho-te no entanto em mim como um gemido De flor; tenho-te como um amor morrido A quem se jurou; tenho-te como uma fé Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito Nesta sala estrangeira com lareira E sem pé-direito. Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra Quando tudo passou a ser infinito e nada terra E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz À espera de ver surgir a Cruz do Sul Que eu sabia, mas amanheceu... Fonte de mel, bicho triste, pátria minha Amada, idolatrada, salve, salve! Que mais doce esperança acorrentada O não poder dizer-te: aguarda... Não tardo! Quero rever-te, pátria minha, e para Rever-te me esqueci de tudo Fui cego, estropiado, surdo, mudo Vi minha humilde morte cara a cara Rasguei poemas, mulheres, horizontes Fiquei simples, sem fontes. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 137 Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta Lábaro não; a minha pátria é desolação De caminhos, a minha pátria é terra sedenta E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular Que bebe nuvem, come terra E urina mar. Mais do que a mais garrida a minha pátria tem Uma quentura, um querer bem, um bem Um libertas quae sera tamem Que um dia traduzi num exame escrito: “Liberta que serás também” E repito! Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa Que brinca em teus cabelos e te alisa Pátria minha, e perfuma o teu chão... Que vontade de adormecer-me Entre teus doces montes, pátria minha Atento à fome em tuas entranhas E ao batuque em teu coração. Não te direi o nome, pátria minha Teu nome é pátria amada, é patriazinha Não rima com mãe gentil Vives em mim como uma filha, que és Uma ilha de ternura: a Ilha Brasil, talvez. Agora chamarei a amiga cotovia E pedirei que peça ao rouxinol do dia Que peça ao sabiá Para levar-te presto este avigrama: “Pátria minha, saudades de quem te ama... Vinicius de Moraes.” Texto extraído do livro “Vinicius de Moraes - Poesia Completa e Prosa”, Editora Nova Aguilar - Rio de Janeiro, 1986, pág. 267. 138 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Leituras recomendadas • Os livros de História, especificamente os capítulos sobre a Revolução Francesa, bem como artigos na internet. • Livros e artigos que abordem a Primeira geração romântica. • Biografias dos principais representantes desse período. • Poemas indianistas de Gonçalves Dias. • A trilogia indianista de José de Alencar: O Guarani, Iracema e Ubirajara. • Visitas à(s) a biblioteca(s) de sua cidade. Nesse(s) espaços, você encontrará material necessário para complementar seus conhecimentos. Filmes recomendados O Guarani No Brasil do século XVII, o índio Peri apaixona-se pela filha de nobres portugueses , Ceci. Depois que o nativo salva a vida da moça, Peri ganha o direito de morar na casa do colonizador, Dom Antônio de Mariz, pai de Ceci. A possível harmonia é quebrada pelos conflitos entre os portugueses e a tribo dos Aimorés, além da traição de um ex-padre, que quer se apoderar da prata local. Em vários ataques, os aimorés minam a resistência dos colonos sitiados. Antes da destruição da fortaleza, porém, D. Antônio pede a Peri que salve Ceci. O guerreiro e sua amada fogem do palco dos conflitos. Como Adão e Eva, o nobre selvagem e a donzela branca começam uma nova civilização no paraíso tropical. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 139 Iracema Guardiã do segredo do licor da Jurema, Iracema é filha do pajé da tribo Tabajara. Virgem, seu corpo pertence a Tupã, poderosa divindade indígena, e, caso se entregue a alguém, será castigada com a morte. Mas a chegada do guerreiro Martim, em missão de reconhecimento, desperta o amor de Iracema. Irapuã, cacique dos Tabajaras, apaixonado por Iracema, não contém o ciúme e decide eliminar o estrangeiro. Mas o amor entre Martim e Iracema é mais forte que a intolerância e as leis Tabajaras, e o casal, para defender a união, decide fugir. A Lenda de Ubirajara Jaguaré, filho de Camacã, chefe da nação Araguaia, quer conquistar um nome de guerra, o que só conseguirá se vencer um inimigo poderoso. Para isso, ele vagueia pela floresta, onde encontra Araci filha de Itaquê, cacique da nação Tocantins - esse apaixona-se por ela, esquecendo a noiva Jandira. Num combate formidável, Jaguaré vence Pojucã, guerreiro tocantins, que é levado prisioneiro para merecer a morte dos valentes. Enquanto isso, Jaguaré penetra na taba dos tocantins como hóspede, para enfrentar as provas de amor e merecer a mão de Araci. Ele as vence todas, mas quando se identifica como Ubirajara, nome que conquistou por vencer Pojucã, Itaquê manda-o embora para enfrentar os tocantins numa guerra de honra. Ubirajara faz um acordo: rechaça os tapuias, que ameaçam os tocantins e estabelece a paz com a nação de Araci, com quem finalmente se casa, fundando a grande nação dos Ubirajaras”. “Ambientado numa indefinida Idade do Ouro, antes da chegada dos brancos ao Planalto Central. No final, índios de hoje, miseráveis, perambulando pela Praça dos Três Poderes. Todos esses filmes estão disponíveis para download, caso você não encontre para locar. 140 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Resumo Chegamos ao fim de mais um encontro. Nele tomamos conhecimento sobre o Romantismo Brasileiro. Ficamos sabendo que Gonçalves de Magalhães foi quem, mesmo distante do Brasil, introduziu a nova tendência. No prólogo da obra “Suspiros Poéticos e Saudades”, o autor informa os objetivos de seu livro, bem como as diretrizes norteadoras da nova tendência. O Brasil vivia a recém independência de Portugal. O clima era propício para os novos ideais de exaltação à Pátria, ao seu passado glorioso, aos seus heróis. Conhecemos Gonçalves Dias, poeta que escolhe o índio como o herói representativo do Brasil. O índio gonçalvino é o super-herói de seu tempo. Ninguém o supera em ética e honradez. Em contrapartida, por meio desse eu-lírico indígena ficamos sabendo do quanto o colonizador europeu destruiu a cultura, os valores e a própria honra do povo indígena. É de Gonçalves Dias o primeiro poema de louvação à Pátria – Canção do Exílio, texto que ao longo do tempo tem influenciado os mais diferentes poetas. Nessa unidade conhecemos, também, outro importante escritor brasileiro – José de Alencar. Por meio de Alencar tivemos contato com Peri, com Iracema, com Ubirajara, com uma cultura totalmente diferente da cultura europeia, mas paradoxalmente, percebemos o quanto o escritor transferiu do europeu para esse índio que ele e Gonçalves Dias fantasiaram e idealizaram. Por fim tivemos contato com a natureza brasileira, exótica, exuberante, rica em sua fauna e flora. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 141 Autoavaliação Para Jussara Hoffmann (2003), uma das grandes estudiosas da Avaliação, avaliar é dinamizar oportunidades de ação- reflexão. Nesse sentido, tomando como base o conceito apresentado, se autoavalie em relação a essa unidade observando: a) A disponibilidade de tempo para realização das tarefas propostas. b) O interesse nas leituras recomendadas, na procura dos filmes. c) Ao autoavaliar-se, você está desenvolvendo uma ação, ao tempo em que reflete sobre ela. Registre essa experiência. dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades! 142 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Referências ABDALA Jr, Benjamin, CAMPEDELLI, Samira Youssef. Tempos da Literatura Brasileira. São Paulo: Ática, 1986. ALENCAR, José. O Guarani. São Paulo: Ática, 1978. ---------------. Iracema. São Paulo. Ática, 1988. ---------------. Ubirajara. São Paulo: Ática, 1980. BRAIT, Beth. Literatura Comentada- Gonçalves Dias. São Paulo: Abril educação, 1982. BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultriz, 1992. CADEMARTORI, Lígia. Períodos literários. São Paulo: Ática, 1990. CITELLI, Adilson. Romantismo. São Paulo: Ática, 1986. MOISÉS, Massaud. História da Literatura Brasileira. Vol. 2. São Paulo: Cultrix, 1991. ‘ Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 143 144 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I VII UNIDADE Viajantes sobre um mar de desenvolvimento, descrença e solidão Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 145 Apresentação Caspar David Friedrich -1774/1840. O viajante sobre o mar de névoa, 1818. Caro (a) aluno (a), Chegamos ao nosso penúltimo encontro. Nele conviveremos com a 2ª Geração Romântica na qual, diferentemente da primeira, poetas e escritores passam a cantar a dor, o pessimismo, o desencanto, o tédio e a morte, com exceção da prosa romanesca. Conforme nos relatam os historiadores, o Brasil vivia a recém independência de Portugal, fase de progresso, de estabilidade, de esperanças em um futuro promissor. A tela que introduz nossa conversa, do pintor romântico alemão, Caspar David Fiedrich, que você encontrará na Wikipédia, reflete bem o estado de perdido, de solidão e isolamento do homem romântico europeu insatisfeito com a realidade social que vivia. Essa insatisfação vai influenciar, significativamente, a produção literária brasileira. Como você está lembrado(a), até então bebíamos sofregamente tudo que acontecia na Europa. Não causa espanto dizer que poetas e romancistas sentiam-se verdadeiros “Viajantes sobre o mar de névoa.” Conheceremos Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Junqueira Freire e Fagundes Varela, representantes dessa Segunda Geração, compreender o contexto desse período que se estende de 1853 a 1870, entender o sentimento, a angústia e o tédio desses poetas, bem como outros autores que abordaram temática divergente, serão temas desta etapa de uma viagem, já com gosto de despedida. 146 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Objetivos No final dessa aula, esperamos que você: • Identifique a 2ª Geração do Romantismo Brasileiro como tendência de época resultante das transformações ocorridas na Europa e no Brasil; • Coonheça o mito de Byron na poesia e prosa da 2ª Geração Romântica; • Compreenda as especificidades da 2ª Geração Romântica, bem como seus principais representantes na poesia e na prosa; • Conheça as características da poesia deste período; • Conheça as características da prosa deste período: urbana, regionalista, bayroniana; • Analise a produção literária produzida nesse contexto: ideológico, político e individual. • Assista aos filmes propostos, comparando-os às propostas do Romantismo. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 147 Romantismo no Brasil 2ª geração De acordo com a nova ortografia, a grafia correta do termo é ULTRARROMANTISMO. Utilizamos o vocábulo com hífen por se tratar de termo estabelecido como tendência de época. 1 A 2ª geração romântica no Brasil: o Ultra-Romantismo1, também conhecida como Geração Mal do Século ou ainda Geração Byronia- Leandro Joaquim. Vista da Igreja e da praia da Glória – Séc. XVIII na, tem início em 1853 com a publicação de Obras Poéticas de Álvares de Azevedo e Trovas de Laurindo Rabelo, encerrando-se em 1870, quando vem a público a obra de Castro Alves, Espumas Flutuantes. Essa época, segundo Massaud Moisés (1985, p.135), citando Capistrano de Abreu, foi a mais brilhante do império. Fechou-se o livro miserável do tráfico negreiro. Ajudou-se a Argentina libertar-se da tirania de Rosas. Tratou-se de liquidar a onerosa herança dos limites, legada pelas metrópoles peninsulares. Regularizaram-se e amiudaram-se as comunicações por vapor pela Europa. Obras novas, vindas paquete a paquete, transportaram além do Tejo, e mesmo além do Sena, e o Barão de Mauá começou a remodelar o Brasil moderno. Envolto duma aura de mecenas, nutrindo veleidades literárias, D. Pedro II propicia o desenvolvimento das Letras (...) Como se vê, não há motivos para desencantos e descrenças. Contudo, como já vimos, o comportamento de nossos intelectuais, principalmente dos poetas, não corresponde ao discurso histórico. Talvez a citação de Emile Deschamps, escritor romântico francês, nos esclareça: “ Em todas as épocas, os homens de real talento são dotados de um instinto que os impele para o que é novo, como viajantes que caminham continuamente para a descoberta de países desconhecidos.” Compreendemos que impulsionados a viver algo novo, vivenciando a evasão, a vontade de ausentar-se da realidade local, nossos poetas se voltem, mais uma vez, para a Europa. Buscaram, então, os filósofos epicuristas, adeptos de Epicuro, que pregavam o prazer acima de tudo, sobretudo o prazer intelectual, tido por eles como o maior de todos. No entanto, nossos poetas não procuravam o prazer do intelecto. Entregavam-se ao autoaniquilamento2, exagerando na vida boêmia 148 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I e no uso do álcool. Fundaram a Sociedade Epicureia, cujas reuniões eram regadas a cerveja, vinho e éter, em cemitérios ou em repúblicas de estudantes. A grande efervescência do movimento teve como protagonistas os alunos da Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, em São Paulo. Entre eles citamos: Álvares de Azevedo, Aureliano Lessa, Bernardo de Guimarães e outros. Para que entenda o espírito byroniano, ultrarromântico ou mal-do século, transcrevemos a seguir, texto publicado em 1952, no jornal A Gazeta, o qual você poderá ler, bem como obter outras informações sobre a Sociedade Epicureia, no endereço http://www.geocities.ws/aazevedo20/alvares/lendas.htm. O festim macabro da Consolação Há outro fato, recolhido por Pires de Almeida no seu trabalho “ A Escola Byroniana no Brasil”, que não obstante entenderem alguns que se tenha passado anos depois, na época de Fagundes Varela, é dado por muitos como da fase de Álvares de Azevedo e por iniciativa dos membros da Epicureia. Esta segunda hipótese possui visos nais fortes de verdade. Um grupo de estudantes esquentados pelo álcool penetrou, de madrugada, no cemitério da Consolação e revolveu túmulos e ossos. De repente, houve entre eles quem lançasse a ideia de proclamarem a Rainha dos Mortos. Bêbados como estavam, fizeram arruaça infernal e, em seguida foram em busca de Eufrásia, pobre mundana e tida conhecida como imbecil. Arrombaram a Loja Americana e se apoderaram das insígnias maçônicas, com as quais se enfeitaram, e também de um caixão funerário. Vestidos com os paramentos da Loja Maçônica, entraram no lupanar2, pegaram Eufrásia, envolveram-na no lençol e meteram-na no ataúde. Saíram à rua, em cortejo, acompanhados pelo famoso padre Bacalhau, suspenso de ordens sacerdotais. Cantando a “Canção dos Estudantes” de Goethe, os discípulos de Byron voltaram à necrópole3. Pararam no túmulo que tinha a inscrição: “Judite, 20 anos”. Tratava-se da linda judia, filha do hoteleiro israelita do Pátio do Colégio, que morrera de amor exatamente por um estudante do grupo. Este não sabia da morte da jovem, porque estivera fora e regressara naquela noite. Ao dar com a realidade, viu-se atacado de momentânea loucura, escavou a terra e tirou da cova o cadáver da amada, que abraçou e beijou em acesso de desatino. O quadro lúgubre lhe agravou o desequilíbrio, e o estudante berrou, largando o cadáver da namorada: - Eia, rapazes! É tempo de celebrarmos as bodas da Rainha dos Mortos! Saltou em cima do ataúde, onde haviam fechado a infeliz Eufrásia. Mas recuou. A decaída morrera de pavor. Isso motivou inquérito policial, porém a autoridade não conseguiu descobrir os autores da profanação e mesmo da morte culposa de Eufrásia. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 149 2 Lupanar- prostíbulo. 3 Necrópole – cemitério Mas afinal, de onde ou de quem veio essa influência? Para responder a essa indagação, utilizaremos a obra de Onédia Célia de C. Barbosa, Byron no Brasil: traduções, ( 1975, p. 16 et passim). Segundo a autora, a literatura brasileira, como sabemos, sempre recebeu influência de outras literaturas. Assim, como aconteceu com outros poetas europeus, não causa espanto constatarmos a influência de Byron sobre os nossos poetas românticos. Entretanto, para ela, essa influência nunca foi devidamente estudada, “tendo ficado o assunto sempre exposto a uma série de lendas e conjecturas”. E acrescenta: Como poeta símbolo de sua época, como propagador de uma moda avassaladora que atingiu não só a literatura, mas as artes plásticas, a música, o vestuário, e a própria maneira de ser, pensar e agir, extravasou esse círculo limitado e passou a ser objeto também da sociologia, da psicologia, da história, da filosofia. É o único poeta cujo nome figura como título de um capítulo na História da Filosofia Ocidental de Bertrand Russel. Esse autor considera-o figura importante entre os homens que funcionam como “forças, como causas de mudança na estrutura social, nos juízos de valor, ou na atitude intelectual”. Byronismo é um termo que faz parte da história de quase todas as literaturas ocidentais. Byronismo foi influência literária, foi moda literária, mas, mais que isso, foi um verdadeiro estado de espírito que dominou o século XIX. Byron, porém, não foi o inventor do byronismo, como bem o demonstra Edmond Estève em sua tese, Byron et le Romantism Français, (…) Segundo o estudioso francês, Byron foi uma síntese de tendências que vinham do século XVIII e que nele encontraram o tipo de personalidade ideal para se manifestarem totalmente. (…) Byron encarnou assim o poeta romântico por excelência, e foi uma figura mítica do século XIX, com popularidade só comparável à que desfrutam em nosso tempo as estrelas de cinema e os cantores de música popular, figuras míticas do século XX. O mito byroniano tem várias facetas, mas compreende principalmente os seguintes aspectos: 1. O poeta solitário, incompreendido, desencantado da vida e dos homens, dominado pela melancolia e pelo ceticismo. 2. O campeão da liberdade, o inimigo da tirania. 150 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I 3. O jovem belo e nobre, de passado misterioso e de vida dissoluta. (…) sol o ponto de vista propriamente literário, (…) poderíamos fazer uma distinção bem nítida entre um Byron byroniano e um Byron não byroniano. (…) As obras de Byron que melhor desenvolvem o mito byroniano são Childe Harold’s Pilgrimage, os contos metrificados, Manfred, os dramas históricos, os dramas bíblicos e sua obra lírica em geral. (...) Através desses, Byron foi compondo e desenvolvendo a imagem do herói byroniano, caracterização máxima de herói romântico, um ser demoníaco e fatal, de aspectos sombrio e misterioso, sob cujas feições belas e pálidas se escondem paixões violentas, sentimentos terríveis e indefinidos. De linhagem nobre, ele é orgulhoso, arrogante, rebelde, indomável, e seu passado encerra alguma ação maligna ou crime misterioso. É, portanto, um homem solitário, torturado pelo remorso. Sente que nada tem em comum com seus semelhantes – é diferente, superior. Esses, por sua vez, temem-no, e o evitam. E os leitores, identificando os heróis com o próprio Byron, procuravam nas linhas e entrelinhas revelações excitantes sobre a vida passada e presente do autor, que por sua vez fazia questão de fazer-se passar por um poeta satânico e maldito. Não nos estenderemos sobre o Byron não byroniano. Aguço a curiosidade de vocês para que procurem conhecer esta faceta de tão ilustre figura. Onde? Em bibliotecas, livros e sites especializados. Voltemos às informações da autora em foco, que para nós são importantes para a compreensão de influência tão significativa em nossa literatura. O primeiro Byron, pois, foi essencialmente o Byron de exportação, o Byron que todas as literaturas ocidentais queriam conhecer e imitar. Um autor fácil de ler e traduzir, talvez não tanto devido aos seus limitados talentos linguísticos e musicais, como quer a maioria de seus críticos, mas provavelmente mais pelo fato de que a literatura que oferecia era a que melhor correspondia ao gosto do público no momento. Seus admiradores estrangeiros, e mesmo os ingleses, não estavam interessados em sutilezas de linguagem, imagens e sons. A arte de Byron para eles eram as narrativas fantásticas, as descrições de terras e costumes estranhos, os personagens fascinantes, o lirismo, às vezes melancólico e confidencial, às vezes veemente e exaltado, os arroubos retóricos. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 151 Com relação à retórica, é preciso não esquecer que Byron é o único poeta inglês de seu tempo a se expressar dentro da grande tradição retórica europeia, particularmente latina, e talvez esteja aí a razão principal de sua fácil assimilação pelas literaturas do Continente. Esse Byron, de acordo com os padrões da literatura inglesa propriamente dita, poderia quase ser classificado de poeta menor (…) No entanto, foi aclamado em outras literaturas como grande artista e poeta símbolo do Romantismo. E o papel que representou no cenário desse movimento, a avassalante influência que exerceu, quer os ingleses queiram, quer não, garantem-lhe um lugar relevante e permanente no panorama da literatura universal. Na França, onde, mais do que em qualquer outro país, a “febre byroniana” atacou de forma violenta, o byronismo constituiu elemento importantíssimo. A história de Byron na França, (…) confunde-se com a própria história do Romantismo francês. Como se vê, se toda a Europa sucumbiu à figura de Byron, como nossos poetas, que ainda bebiam em fontes europeias, podiam ficar ilesos? Entretanto, segundo Onédia, muitas são as histórias que circulam no imaginário coletivo, fruto dessa influência. Até onde há verdade ou simples fantasia? Para a autora, os artigos publicados pelo Dr. Pires de Almeida no Jornal do Comércio do Rio de Janeiro, entre 1903 e 1905, sob o título, A Escola Byroniana no Brasil, (…) são obra de um memorialista que, como tal, se apega aos aspectos exteriores do fenômeno. Afirma ainda que o trabalho do Dr. Pires parece ter contribuindo para a propagação de algumas lendas que correm em relação ao período e aos próprios poetas, atores que foram nos relatos. Lembram do caso que transcrevi para vocês sobre um festim macabro no cemitério da Consolação, em São Paulo? Pois bem, em artigos publicados no Suplemento Literário de O Estado de São Paulo, Vicente de Azevedo, ainda segundo Onédia, prova, de maneira cuidadosa e documentada que as cenas do cemitério são falsas, chegando à conclusão de que tudo não passa de “fantasia de péssimo gosto”, “tentativa de conto macabro” de inteira responsabilidade do autor de A Escola Byroniana no Brasil. Para reforçar esse imaginário, conta-se que Byron, passeando nos jardins de sua residência, encontra um crânio humano. Que faz ele? Manda fazer desse crânio uma taça, para a qual oferece um poema. Esse fato servirá como mote para as muitas lendas e divagações sobre sua figura e o macabro objeto. 152 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Álvares de Azevedo e o byronismo Descansem o meu leito solitário Na floresta dos homens esquecida, À sombra de uma cruz, e escrevam nela: - Foi poeta – sonhou – e amou na vida. Álvares de Azevedo Leia atentamente a epígrafe5 que introduz esse texto. Ela foi escolhida como forma do poeta autoapresentar-se, pois dentre os poetas da 2ª Geração Romântica no Brasil, Álvares de Azevedo é considerado o nosso maior representante do byronismo, embora tenha nascido em 1831, 7 anos após a morte de Byron, em 1852, aos 21 anos. Em uma primeira leitura dos versos em tela, você já percebe a temática da morte, tão peculiar a essa geração. É ela a razão, o anseio de satisfação do eu-lírico, que parece se comprazer na perspectiva da solidão e do repouso que só a morte pode proporcionar. Semanticamente o termo floresta que já denota algo grandioso, ermo, torna-se ainda mais denso, pesado, pois é algo esquecido dos homens. É lá que ele quer repousar e como ela ser esquecido. Como se isso não bastasse, ele quer ficar a sombra da cruz, elemento que conota sofrimento, mas para ele, poeta, é sombra que protege. Assim como Byron, a vida de Álvares de Azevedo é pontuada por histórias que carecem de confirmação. Para muitos foi um perdido, um boêmio, um devasso. Para outros, inocente e virgem. Um jovem que viveu para a família, para seu pai, para sua mãe, para sua irmã. Essa duplicidade é confirmada na sua produção literária. Na prosa é satânico, capaz das piores atrocidades. Na poesia. É casto, é puro, ingênuo. Além de Byron, recebeu forte de Garrett, George Sand, Goeth, Heine, Musset, Shakespeare, Shelley, dentre outros. Toda a sua obra foi publicada postumamente. Em 1853, publica-se, pela Tipografia Americana, a 1ª edição da obra “Lira dos Vinte Anos”. Seguiram-se outras edições ampliadas, as quais foram incorporados os seguintes títulos, que compõem a obra completa: Lira dos Vinte Anos – Composta de três partes. A primeira e terceira partes apresentam o poeta meigo e ingênuo a cantar virgens pálidas e inatingíveis. Na segunda parte, o leitor encontrará um outro poeta, sarcástico e macabro, como se fosse uma outra face de uma mesma personalidade. E é ele próprio quem nos adverte, no prefácio da referida parte. Vejamos os dois prefácios que introduzem partes da obra. Eles são verdadeiros manifestos dos ideais do poeta. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 153 Recurso muito utilizado pelos poetas românticos. É uma citação em que se homenageia mestres da poesia, grandes nomes da literatura europeia e clássica, e, às vezes, amigos e companheiros. 5 Prefácio São os primeiros cantos de um pobre poeta. Desculpa-os. As primeiras vozes do sabiá não tem a doçura dos seus cânticos de amor. É uma lira, mas sem cordas: uma primavera, mas sem flores, uma coroa de folhas, mas sem viço. Cantos espontâneos do coração, vibrações doridas da lira interna que agitava um sonho, notas que o vento levou – com isso dou lume essas harmonias. São as páginas despedaçadas de um livro não lido … E agora que despi a minha musa saudosa dos véus do mistério do meu amor e da minha solidão, agora que ela vai seminua e tímida por entre vós, derramar em vossas almas os últimos perfumes de seu coração – ó meus amigos, recebei-a no peito, e amai-a como o consolo que foi uma alma esperançosa, que depunha fé na poesia e no amor – esses dous raios luminosos do coração de Deus. Se a terra é adorada, a mãe não é mais digna da veneração. Digest of hindu law Como as flores de uma árvore silvestre Se esfolham sobre a leiva que deu vida A seus ramos sem fruto, Ó minha doce mãe, sobre teu Deixa que dessa pálida coroa Das minhas fantasias Eu desfolhe também, frias sem cheiro, Flores da minha vida, murchas flores Que só orvalha o pranto! Prefácio Cuidado, leitor, ao voltar esta página! Aqui dissipa-se o mundo visionário e platônico. Vamos entrar num mundo novo, terra fantástica, verdadeira ilha Baratária de D. Quixote, onde Sancho é rei, e vivem Panúgio, sir John Falstaff, Bardolph, Fígaro e o Sganarello de D. João Tenório – a pátria dos sonhos de Cervantes e Shakespeare. Quase que depois de Ariel esbarramos em Caliban. A razão é simples. É que a unidade deste livro funda-se numa binomia. Duas almas que moram nas cavernas de um cérebro pouco mais ou menos de poeta escreveram este livro verdadeira medalha de duas faces. Demais perdoem-me os poetas do tempo, isto aqui é um tema, 154 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I senão novo, menos esgotado ao menos que o sentimentalismo tão fasbionable desde Werther até René. Por um espírito de contradição, quando os homens se vêem inundados de páginas amorosas preferem um conto de Bocaccio, uma caricatura de Rabelais, uma cena de Falstaff no Henrique IV de Shakespeare, um provérbio fantástico daquele polisson Alfredo de Musset, a todas as ternuras elegíacas dessa poesia de arremedo que anda na moda e reduz as moedas de oiro sem liga dos grandes poetas ao troco de cobre, divisível até ao extremo, dos liliputianos poetastros. Antes da Quaresma há o Carnaval. Há uma crise nos séculos como nos homens. É quando a poesia cegou deslumbrada de fitar-se no misticismo e caiu do céu sentindo exaustas as suas asas de oiro. O poeta acorda na terra. Demais, o poeta é homem: Homo sum, como dizia o célebre Romano. Vê, ouve, sente e, o que é mais, sonha de noite as belas visões palpáveis de acordado. Tem nervos, tem fibra e tem artérias — isto é, antes e depois de ser um ente idealista, é um ente que tem corpo. E, digam o que quiserem, sem esses elementos, que sou o primeiro a reconhecer muito prosaicos, não há poesia. O que acontece? Na exaustão causada pelo sentimentalismo, a alma ainda trêmula e ressoante da febre do sangue, a alma que ama e canta, porque sua vida é amor e canto, o que pode senão fazer o poema dos amores da vida real? Poema talvez novo, mas que encerra em si muita verdade e muita natureza, e que sem ser obsceno pode ser erótico, sem ser monótono. Digam e creiam o que quiserem: — todo o vaporoso da visão abstrata não interessa tanto como a realidade formosa da bela mulher a quem amamos. O poema então começa pelos últimos crepúsculos do misticismo, brilhando sobre a vida como a tarde sobre a terra. A poesia puríssima banha com seu reflexo ideal a beleza sensível e nua. Depois a doença da vida, que não dá ao mundo objetivo cores tão azuladas como o nome britânico de blue devils, descarna e injeta de fel cada vez mais o coração. Nos mesmos lábios onde suspirava a monodia amorosa, vem a sátira que morde. É assim. Depois dos poemas épicos, Homero escreveu o poema irônico. Goethe depois de Werther criou o Faust. Depois de Parisina e o Giaour de Byron vem o Cain e Don Juan — Don Juan que começa como Cain pelo amor e acaba como ele pela descrença venenosa e sarcástica. Agora basta. Ficarás tão adiantado agora, meu leitor, como se não lesses essas páginas, destinadas a não serem lidas. Deus me perdoe! assim é tudo!... até prefácios! Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 155 Outras obras Poesias Diversas – Como o próprio nome já diz, trata de poemas diversos. O Poema do Frade – Um frade devasso conta os amores e desventuras de um poeta libertino, Jônatas, e sua namorada a prostituta Consuelo. O Conde Lopo – Poema narrativo tipicamente romântico. Tem como enredo a morte de um jovem desconhecido em casa de estranhos. Após sua morte, a descoberta sob seu colchão de um livro de versos que narra sua história e revela seu nome: Conde Lopo. Macário – Obra teatral cujas personagens mais importantes são Macário, Penseroso e Satã. Segundo Antônio Cândido, esta obra é o Álvares de Azevedo byroniano, ateu, desregrado, irreverente, universal. Noite na Taverna – Série de narrativas fantásticas, contadas por um grupo de amigos em uma taverna, que têm como enredo: necrofilia, corrupção, adultério, antropofagia, traição, incesto, assassinato, vingança e … Livro de Fra Gondicário, Discursos, Cartas. Casimiro de Abreu Sabes que minha vida tem sido uma luta contínua e que a alegria nunca foi minha companheira; no entanto, pude espalhar o mel dos risos sobre muita página mentirosa e disfarçar as angústias do espírito na melodia das rimas. (Carta de Casimiro de Abreu a um amigo) O trecho que citamos de uma carta de Casimiro de Abreu a um amigo difere da imagem divulgada desse poeta, que comumente você encontrará nos livros de Literatura. Por quê? O motivo é simples. Apesar de estar ligado à 2ª Geração Romântica, Casimiro surge, no cenário literário carioca, com uma poesia que quebra a morbidez e o ambiente carregado, cantado por Álvares de Azevedo. Sua poética versa sobre a infância, a Pátria, a saudade da família, o amor a solidão, temas que agradavam o público da época. Consagrou-se como o poeta mais popular do Romantismo Brasileiro, graças ao lirismo ingênuo, e à linguagem simples de seus poemas. O pessimismo decorrente da geração mal-do-século, a descrença, a desilusão, a melancolia e a dor são temas de alguns de seus poemas,de forma diluída, a exemplo do fragmento da carta que introduz esse texto. Morre, vítima de tuberculose, aos 23 anos de idade. 156 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Obras As primaveras (poesias) Camões e o Jau (teatro) Camila, Carolina ( ficção) A Revista do ano ( pequena comédia em prosa) A virgem loura ( texto autobiográfico) Junqueira Freire Luís José Junqueira Freire nasceu em Salvador, Bahia, em 1832, e morreu na mesma cidade, em 1855, aos 23 anos de idade. Ainda jovem optou pela vida eclesiástica, talvez sem a vocação necessária. Diz-se talvez, pela revolta do poeta em relação às exigências da vida monástica e ao celibato. Sua poesia mostra-se dividida entre os apelos da vida material e carnal e os deveres da vida religiosa, entre o amor de Deus e à mulher, entre o amor platônico e o amor sensual cheio de culpa, entre a vida e a morte. É considerado um poeta que oscila entre a tradição clássica e o pessimismo mórbido da segunda geração romântica. Obras Inspirações do claustro Contradições poéticas Elementos de retórica nacional Fagundes Varela Fagundes Varela também é citado como pertencente à 2ª Geração, dentre outros. Por ser considerado poeta de transição, comentaremos sua obra na próxima unidade. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 157 Atividade I 1. Leia os trechos a seguir. Com base nas informações disponibilizadas nesta unidade, analise-os observando as características dos poetas estudados. Registre os resultados de suas análises. 2. Agora que você estudou os fragmentos, procura conhecê-los na íntegra. Declama-os diante do espelho. É um bom exercício para acabar com a timidez, treinar a dicção e a postura. Socialize sua experiência. Um cadáver de poeta Levem ao túmulo aquele que parece um cadáver! Tu não pesaste sobre a terra: a terra te seja leve! L. Uhland De tanta inspiração e tanta vida Que os nervos convulsivos inflamava E ardia sem conforto … O que resta? Uma sombra esmaecida, Um triste que sem mãe agonizava … Resta um poeta morto! Morrer! E resvalar na sepultura, Frias na fronte as ilusões – no peito Quebrado o coração! Nem saudades levar da vida impura Onde arquejou de fome … sem um leito! Em treva e solidão! dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades! [...] Álvares de Azevedo 158 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Morte (hora de delírio) Pensamento gentil de paz eterna, Amiga morte, vem. Tu és o termo De dous fantasmas que a existência formam, - Dessa alma vã e desse corpo enfermo. Pensamento gentil de paz eterna, Amiga morte, vem. Tu és o nada, Tu és a ausência das moções da vida, Do prazer que nos custa a dor passada. Pensamento gentil de paz eterna, Amiga morte, vem. Tu és apenas A visão mais real das que nos cercam, Que nos estingues as visões terrenas. [...] Amei-te sempre: - pertencer-te quero Para sempre também, amiga morte. Quero o chão, quero a terra – esse elemento Que não se sente dos vaivéns da sorte. [...] Junqueira Freire Amor e medo Quando eu te fujo e me desvio cauto Da luz de fogo que te cerca, ó bela, Contudo dizes,suspirando amores: “ - Meu Deus, que gelo, que fieza aquela!” Como te enganas! meu amor é chama, Que se alimenta no voraz segredo, E se te fujo é que te adoro louco … És bela – eu moço: tens amor, eu – medo!... Tenho medo de mim, de ti, de tudo, Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes, Das folhas secas, do chorar das fontes, das horas longas a correr velozes. [...] Oh! Não me chames coração de gelo! Bem vês; traí-me no fatal segredo. Se de ti fujo é que te adoro e muito, És bela – eu moço; tens amor, eu – medo!... Literatura Brasileira I I Casimiro de Abreu SEAD/UEPB 159 Sousândrade – Uma poética extemporânea Ouvi dizer já por duas vezes que o Guesa errante será lido cinquenta anos depois; entristeci – decepção de quem escreve cinquenta anos antes. Sousândrade Mais uma vez utilizo de uma epígrafe, como já lhe falamos, uma prática dos poetas românticos, para deixar o poeta autoapresentar-se. O inusitado no que estou fazendo é utilizando versos do próprio autor. Joaquim de Sousa Andrade é considerado uma voz dissonante no Romantismo Brasileiro. Qual o motivo? Diferentemente de seus pares, Sousândrade viajou do Amazonas, onde conviveu e conheceu a cultura indígena à Nova York, onde fixou residência por algum tempo, e conheceu de perto a sociedade capitalista americana, vivência que seus compatriotas não tiveram. Obra: Harpas selvagens, Guesa errante, Novo Édem. Faraco e Moura (1997, p.116) tecem o seguinte comentário: Costuma-se situar esse autor no Romantismo por uma questão cronológica, mas, por ser um ousado renovador – sobretudo na linguagem-, sua obra não encontrou a menor aceitação do público, acostumado aos princípios românticos. E note-se: o primeiro livro de Sousândrade foi publicado dois anos antes das Primaveras de Casimiro de Abreu! Somente no século XX, mais precisamente em 1962, dois poetas e críticos brasileiros6 realizaram uma revisão crítica da obra de Sousândrade, destacando a ruptura com os padrões românticos, fato que permite classificar o escritor como um verdadeiro precursor de nosso Modernismo. Guesa errante, sua obra mais importante, é um longo poema narrativo baseado numa lenda quíchua. A lenda faz parte do culto solar desses indígenas da Colômbia. O guesa ( nome que significa “errante”, “sem lar”) era uma criança roubada aos pais e destinada a cumprir um destino mítico: ao atingir os 15 anos o guesa errante era atado a uma coluna, numa praça circular, cercado pelos sacerdotes e morto a flechadas; seu coração, arrancado, era oferecido ao deus Sol e seu sangue recolhido em vasos sagrados. Completada a cerimônia, outra criança seria raptada – um novo guesa – para, dali a quinze anos, ser ofertada de novo ao deus. […] 160 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I O poema trata sobretudo das andanças do guesa vagando pelas américas, com um prolongamento pela Europa e África, e seu retorno ao Brasil ( Maranhão) Tudo muito parecido com a vida do poeta... Ainda citando Faraco e Moura, eis o quadro comparativo que apresentam entre Casimiro de Abreu e Sousândrade, em relação a um mesmo objeto poético. Casimiro de Abreu Sousândrade 1. O anoitecer …. o astro do dia desmaia Só brilhando com pálido lume... Densas nuvens de fumo doloroso Fazem-se em tiras, despregadas caem Através do horizonte. 2. O luar … a lua majestosa Surgindo linda e formosa. Como donzela vaidosa Nas águas vai se mirar! (…) a lua franca Abre seus seios de donzela e despe Seus vestidos no mar 3. O calor do sol Esse sol que anima a flor De tarde, no vale ameno, Por entre os choupos anosos, É esse brilho sereno, Cheio de mago fulgor... O sol fendeu-me o dorso como açoite 4. A tristeza Minh’alma é triste como a flor que morre A noite eu sou, consumo a minha treva. Pendida à beira do riacho ingrato... 5. O erotismo feminino Que rosto d’anjo, qual estátua antiga No altar erguida, já caído o véu! Que olhar de fogo que paixão instiga! Que níveo colo prometendo um céu! “Oh! Consome e devora o teu amor!” Perdida ela dizia, desmaiando Qual as douradas noites do equador. 6. Reflexo das estrelas no mar … as estrelas cintilam Nas ondas quietas do mar … Quando as estrelas, cintilada a esfera, Da luz radial rabiscam todo o oceano... A prosa no Romantismo Brasileiro Na unidade anterior, comentamos sobre os romances indianistas de José de Alencar, embora não tenhamos feito nenhuma alusão à forma como esse gênero literário surgiu no Brasil. Todavia temos informações de que a prosa já era praticada em nosso país, mas de forma incipiente. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 161 Augusto e Haroldo de Campos, na obra ReVisão de Sousândrade (2. ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1982, p.132-3). 6 No Brasil, a exemplo da Europa, o romance surge em forma de folhetim, ou seja, a obra era publicada nos jornais, capítulo a capítulo. Essa forma de publicação contribuiu para aumentar o público leitor de jornais e, consequentemente, o público de literatura, formado, em sua maioria, por mulheres, estudantes, comerciantes, militares e funcionários públicos. Lembre-se de que com a recém Independência, os artistas e intelectuais brasileiros estavam empenhados em definir a identidade cultural nacional. Nessa perspectiva, o romance brasileiro retrata os seguintes espaços nacionais: a selva - o romance indianista e histórico, a vida primitiva; o campo – o romance regional, a vida rural; a cidade - o romance urbano, a vida na cidade. Ao longo de seus estudos você verificará que alguns dos escritores do romantismo brasileiro transitaram nos três espaços mencionados. Lembramos que esses espaços não se esgotam no romantismo. Para Massaud Moisés (1995, p. 193) em história literária, o padrão cronológico não pode, sob pena de minimizar a complexidade do processo cultural, ser aplicado rigidamente. Autores divergentes coexistem no mesmo período, ao passo que escritores de análoga orientação estética podem situar-se em épocas diferentes. Apenas a título de ilustração, citamos o retorno do romance regionalista, em 1930, em pleno século XX. O primeiro romance brasileiro foi O Filho do Pescador, de Antônio Gonçalves Teixeira e Sousa publicado em 1843, o qual não agradou ao público. No ano seguinte, 1844, é publicada a obra de Joaquim Manuel de Macedo, A Moreninha, que passa a ser considerada o primeiro romance romântico brasileiro. Diferentemente de Teixeira, Macedo conseguiu agradar ao novo público leitor com um enredo que mesclava o namoro difícil ou impossível, a dúvida entre o dever e o desejo, a comicidade, a revelação surpreendente de uma identidade, as brincadeiras entre estudantes e uma linguagem bem próxima da coloquial, elementos que explorou exaustivamente em outras obras. Características da prosa romântica Adaptadas de Cereja e Cochar ( 1994, p.113) 7 Quando começamos a estudar o Romantismo, apresentamos características específicas desse estilo de época. Todavia nem sempre o que utilizamos na poesia é adequado à prosa. A seguir elencamos as mais usuais7. 162 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I • Sentimentalismo – Em se tratando de narrativa romântica, é natural as manifestações dos sentimentos e das emoções. • Impasse amoroso, com final feliz ou trágico – É comum nas narrativas românticas uma complicação envolvendo o par amoroso. Como solução para o impasse são apresentadas duas soluções: um final feliz ou um final trágico. No primeiro o casal supera todas as dificuldades, vencendo enfim o amor. No segundo, a morte é a única saída, apontando-se para uma possível união na vida eterna. • Interrupção narrativa ( flash-back) – Trata-se de uma interrupção na sequência temporal com a finalidade de apresentar relatos passados. Suspende-se a ação que está sendo narrada para apresentar ao leitor um fato esclarecedor sobre algo referente a um personagem. • Amor como redenção – O conflito nos romances românticos acontece pela impossibilidade de união do par amoroso –seja por pertencerem a classe social diferente, raça ou religião diferente. Só o amor será capaz de redimir ou purificar o herói ou o vilão. • Idealização do herói – O herói romântico é o super-homem dos tempos modernos. Ele é capaz de arriscar a própria vida para atender aos apelos do coração ou da justiça. É leal, corajoso, forte, honesto, justo, um cavalheiro. • Idealização da mulher – A mulher no Romantismo é sempre mostrada como pura, inatingível, fraca e obediente aos pais. De saúde frágil, é propensa a desmaios e mal-estar. Sonha com um príncipe encantado, visto que é educada para o casamento e consequente submissão ao marido, uma extensão do poder paterno. • Linguagem metafórica – Trabalhando com a imaginação e a fantasia, o narrador romântico usa metáforas e adjetivações, dentre outras figuras, como recurso para a descrição de personagens e de cenas e ambientes fantasiosos. • Personagens planas – Nas narrativas românticas, com exceção das obras de transição, que abordaremos na próxima unidade, as personagens não sofrem mudanças. Permanecem com o mesmo perfil do início ao fim da obra. São as chamadas personagens planas. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 163 O romance urbano Principais representantes Joaquim Manuel de Macedo Comecemos por aquele que consagrou-se como o nosso primeiro romance romântico – A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, publicado em 1844. O romance tem como enredo a história de três estudantes de Medicina – Augusto, Felipe e Leopoldo. Felipe convida os amigos para passarem um feriado na casa de sua avô, em uma ilha. Lá Augusto conhece Carolina, a Moreninha, pela qual se apaixona. Entretanto, há na vida de Augusto um mistério que o impede de casar com Carolina. Quando criança ele jurou a uma menina que só se casaria com ela. Ocorre que Augusto havia perdido o contato com sua pretendida. No final da narrativa, Augusto descobre que Carolina e a menina a quem jurara amor eterno são a mesma pessoa. Casam e são felizes para sempre. Com Macedo inaugura-se no Brasil o romance urbano- aquele que tem como cenário a cidade grande. Essa modalidade será desenvolvida por outros escritores da época. Em a Moreninha, a cidade do Rio de Janeiro, sede do Império. Macedo deixou-nos 18 romances, 16 peças de teatro, 1 livro de contos dentre outros. José Martiniano de Alencar José de Alencar escreveu as páginas que lemos, e que há de ler a geração futura. O futuro não se engana. Machado de Assis A epígrafe que introduz nosso comentário, assinada por Machado de Assis, diz da grandeza desse escritor que perpassou as três gerações românticas. Em relação ao romance urbano, escreveu Cinco minutos (1856), A viuvinha (1860), Lucíola (1862), Diva (1864), A pata da gazela (1872), Senhora (1875), Encarnação (publicado em 1896). Comentar cada obra é tirar do leitor a curiosidade de conhecer essa gama de personagens e de possibilidades de contatar com a verve de um escritor tão polivalente. Todas as obras citadas são lindas e valem a pena ser lidas. Chamamos a atenção para Lucíola e Senhora. O motivo? Só lendo você descobrirá. O desafio está lançado. 164 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Atividade II 1. Pesquise em livros de Literatura, na Internet ou em Bibliotecas, o Poema Guesa errante, de Sousândrade. Escolha fragmentos e distribua com colegas e alunos. Se possível publique em murais. Incentive seus alunos, caso você já ensine, a declamar e divulgar a obra de um poeta tão pouco conhecido. 2. Após a leitura de Lucíola, assista ao filme “Uma linda mulher”, com Richard Gere e Julia Roberts. Observe com atenção o enredo, compare as protagonistas, atentando para a época que cada uma representa. Elabore um comentário e procure publicá-lo em algum jornal de sua cidade. Não se limite apenas ao comentário. Vá além, exercitando a crítica literária e a crítica cinematográfica. 3. Vamos trabalhar, agora, com a Técnica do Cochicho. Vou explicar como funciona. Convide um grupo para discutir um assunto, no caso da tarefa que vamos propor, já estudado por todos. Reunido o grupo, divida-o em subgrupos de 2 membros. Estabeleça no máximo 5 minutos para a dupla conversar sobre o assunto que você determinar. Encerrado o tempo estabelecido, cada dupla vai expor a conclusão a que chegaram. É uma técnica bem democrática porque todos participam. Assunto do cochicho: O final da obra Senhora surpreende o leitor. Concorda? Justifique? O romance regionalista – Principais representantes Da mesma forma que os escritores indianistas elegeram o índio e a natureza como representação da identidade nacional, escritores como Bernardo Guimarães, José de Alencar, Visconde de Taunay e Franklin Távora dentre outros, criaram o romance regionalista como forma de enaltecer a natureza dos sertões brasileiro, seu povo, costumes, modos de falar. Muda-se a fala, muda-se a cor local, muda-se o ambiente, muda-se as personagens, mas permanece a essência romântica: “ a concepção de amor único e idealizado, de cujo êxito resulta a felicidade, ou para cujo fracasso só há uma saída – a morte.” Bernardo Guimarães – Mineiro de Ouro Preto, foi o primeiro a abordar Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 165 dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades! a temática. Amigo e contemporâneo de Álvares de Azevedo na Faculdade de Direito, fez parte do famoso grupo boêmio da faculdade. Suas obras são ambientadas em Minas Gerais e Goiás. Além de romancista ficou conhecido por seus poemas humorísticos e eróticos. Exerceu a magistratura e, segundo o imaginário coletivo, costumava despachar suas sentenças ao som de um violão, tocado por ele mesmo. Obras: O ermitão de Muquém (1865), O seminarista (1872), A escrava Isaura (1875) – sua obra mais conhecida e estudada, tema de telenovela de grande sucesso aqui e mo exterior. Alfredo d’Escragnolle Taunay nasceu no Rio de Janeiro. Cursou a Escola Militar e, nomeado segundo-tenente, participou da Guerra do Paraguai e de outras campanhas militares. Ingressou na política, exercendo as funções de deputado, presidente da província do Paraná e senador. Recebeu o título de visconde. Ficou cognominado para a posteridade como Visconde de Taunay. Obras: A mocidade de Trajano (1871), Inocência (1872), Lágrimas do coração (1873), Ouro sobre azul (1875). A retirada da Laguna (1868 em francês, 1872 em português. Inocência é sua obra mais importante do ponto de vista literário, traduzida para quase todos os idiomas modernos, inclusive o japonês. A obra foi adaptada também para o cinema. José Martiniano de Alencar - Esse você já conhece, entretanto é interessante saber que nasceu em Mecejana, Ceará - um nordestino como nós. Foi contemporâneo de Álvares de Azevedo na famosa Faculdade de Direito de São Paulo. Introvertido, não se adaptou à vida boêmia de seus colegas. Seu trabalho literário é resultado de muito estudo e disciplina. Obras regionalistas: O gaúcho (1870), O tronco do Ipê (1871), Til (1872), O sertanejo (1875). Franklin Távora – João Franklin da Silveira Távora nasceu em Baturité – Ceará, estudou no Recife, onde formou-se em Direito. Defendia uma literatura nordestina livre dos modelos estrangeiros, posicionando-se contra a literatura do Sul. Vejamos o que nos informa o narrador de “O Cabeleira”, obra mais importante do autor, em defesa de sua causa: As letras têm, como a política, um certo caráter geográfico; mais no Norte, porém, do que no Sul abundam os elementos para a formação de uma literatura propriamente brasileira, filha da terra. Franklin Távora trouxe para a Romantismo brasileiro temas como o banditismo, o cangaço, a seca, a miséria, temas até então ausentes de nossa literatura. Obras: Os Índios do Jaguaribe (1862); A Casa de Palha (1866); O Cabeleira (1876); O Matuto (1878); Sacrifício (1879); Lourenço (1881); Lendas e Tradições Populares do Norte (1878); A Trindade Maldita (1861); Um Casamento no Arrabalde (1869); dentre outras. 166 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Álvares de Azevedo - Quando tratamos da poesia no Romantismo brasileiro, afirmamos que Álvares de Azevedo foi o principal representante do byronismo em nosso país, lembra? No entanto, é difícil dizer em que modalidade foi mais byroniano , se na poesia ou na prosa. Sua obra em prosa, Noite na Taverna –, é, na verdade, uma série de narrativas fantásticas, contadas por um grupo de amigos em uma taverna, que têm como enredo: necrofilia, corrupção, adultério, antropofagia, traição, incesto, assassinato, vingança e … Por tudo isso, é considerada como obra ímpar em nossa literatura. Para aguçar sua curiosidade, transcrevemos alguns fragmentos: “Silêncio, moços! Acabai com essas cantilenas horríveis! Não vedes que as mulheres dormem ébrias, macilentas como defuntos? Não sentis que o sono da embriaguez pesa negro naquelas pálpebras onde a beleza sigilou os olhares da volúpia?” “ - Oh! Vazio! Meu copo está vazio, Olá, taverneira, não vês que que as garrafas estão esgotadas? Não sabes, desgraçada, que os lábios da garrafa são como os da mulher: só valem beijos enquanto o fogo do vinho ou o fogo do amor os borrifa de lava?” “Olá, taverneira, bastarda de Satã! Não vês que tenho sede e as garrafas estão secas, secas como tua face e como nossas gargantas?” Atividade III Ao longo dos nossos encontros temos comentado que as tendências de época têm um tempo cronológico. Contudo, afirmamos também que os sentimentos são peculiares ao humano e, como tal, extrapolam toda e qualquer época. Leiam a matéria jornalística a seguir. Divulgue-a no seu grupo, na sua comunidade. Procure ouvir a opinião das pessoas sobre o assunto. De posse delas, elabore um texto argumentativo sobre o assunto. Exponha seu texto ou envie para um jornal de sua cidade. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 167 Jovens invadem e quebram cemitério em ‘festa gótica’ no PR 04 de setembro de 2011 • 12h18 Onze jovens foram presos após invadirem o Cemitério Municipal de Curitiba na madrugada deste domingo. Segundo a Polícia Civil, um grupo de 80 pessoas entrou no local por volta das 5h para realizar uma “festa gótica”. De acordo com a polícia, os jovens, com idade entre 18 e 22 anos, depredaram os túmulos e quebraram vasos e enfeites. Antes da invasão, eles teriam ingerido bebidas alcoólicas. Quando a Guarda Municipal chegou ao local, a maioria conseguiu fugir. Os presos foram encaminhados para o Centro Integrado de Atendimento ao Cidadão Sul (Ciac-Sul) e devem responder por dano qualificado. O crime é afiançável. dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades! Fonte: http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias Leituras recomendadas A leitura deve ser uma prática na vida do aluno de Letras e do professor de Literatura. Portanto, recomendamos: • Livros e Revistas de Literatura que abordem o Romantismo no Brasil • Noite na Taverna e Lira dos Vinte Anos de Álvares de Azevedo • A Moreninha - Joaquim Manuel de Macedo • Lucíola e Senhora - José de Alencar • Primaveras - Casimiro de Abreu 168 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I • O Cabeleira - Franklin Távora • A Escrava Isaura - Bernardo de Guimarães • Inocência - Visconde de Taunay • O Gaúcho e Til - José de Alencar • O Guarani – Ópera - Carlos Gomes • Poemas de Junqueira Freire • Poema O Guesa Errante - Sousândrade Estas obras você pode encontrar em Bibliotecas, em edições impressas, no site www.dominiopublico.gov.br Filmes recomendados A Moreninha Sinopse Toda a história se passa na paradisíaca Ilha de Paquetá centrada em Carolina (Sônia Braga) e Augusto (David Cardoso). Amigos da família reúnem-se para um sarau na casa de Carolina. Lá, ele vai reencontrar aquele amor dos tempos de criança, com quem trocou juras de amor e um camafeu, peça fundamental para que eles se reconheçam. Adaptação do livro homônimo de Joaquim Manuel de Macedo. Inocência Sinopse Inocência é um filme no estilo romântico ambientado no Brasil. A menina Inocência (Fernanda Torres) é acometida de malária e o médico Cirino (Edson Celulari) é designado para tratá-la. Os dois se apaixonam, mas a jovem está prometida para um rico fazendeiro da região e seu pai coloca-se contra a relação. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 169 Proposta Indecente Sinopse Um casal que se ama, mas está em crise financeira, recebe uma proposta indecente de um milionário excêntrico: se a bela esposa aceitar ir para a cama com ele por uma noite, os dois ganharão US$ 1 milhão. As necessidades financeiras acabam se conflitando, com a insegurança de ambos no futuro do casamento se a proposta for aceita. Esse filme é interessante para você fazer um confronto com a obra Senhora, de José de Alencar. O Cangaceiro Sinopse O bando de cangaceiros do capitão Gaudino semeia o terror pela caatinga nordestina. A professora Maria Clódia, raptada durante um assalto do grupo, se apaixona pelo pacífico Teodoro. O forte amor entre os dois gera grande conflito. Esse filme é indicado para você conhecer o mundo do cangaço, no qual se desenrola o drama de O Cabeleira. 170 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Resumo Chegamos ao penúltimo encontro. Convivemos com a 2ª Geração Romântica. Com esses jovens poetas aprendemos que a evasão, o sonho, a fuga da realidade pode não ser o caminho, mas com certeza é uma possibilidade. Estavam certos, estavam errados? Não temos respostas. Aprendemos que o homem é um só, apesar do tempo, apesar do conhecimento, apesar de tudo. Em sua essência, ele, homem, é um só. O homem é um poço de sentimentos, que vai expondo como e quando lhe convier. Aprendemos e apreendemos que é inexoravelmente produto da sociedade em que vive. Nesse sentido, convivemos a angústia de Álvares de Azevedo, bem como o saudosismo e o medo de Casimiro de Abreu. Compreendemos a ânsia de viver de cada um deles. Com Sousândrade vivemos e sentimos na pele a dor da incompreensão e da exclusão. Conhecemos Macedo e sua doce Moreninha. Com eles ficamos sabendo dos usos e costumes da burguesia da Corte brasileira. Fomos despertados para conhecer Lúcia, Diva, Aurélia e demais protagonistas das obras alencarinas. Tomamos conhecimento da luta de escritores como Franklin Távora, Bernardo Guimarães, Taunay e também Alencar para mostrar que o Brasil vai além da Corte, além do Rio de Janeiro, mostrando um novo tipo de personagens, de linguagens e costumes diferentes. Entretanto, vimos que apesar das diferenças todos se comportam como manda os preceitos do Romantismo. E para finalizar, presenciamos o non sense da experiência byroniana de Noite na Taverna. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 171 Autoavaliação É a curiosidade que me move, que me inquieta, que me insere na busca, que aprendo e ensino.” Paulo Freire Usando como exemplo essa busca freiriana, reveja os objetivos estabelecidos para esse encontro e se autoavalie. dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades! 172 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Referências ABDALA Jr, Benjamin, CAMPEDELLI, Samira Youssef. Tempos da Literatura Brasileira. São Paulo: Ática, 1986. AZEVEDO, Álvares de. Lira dos Vinte Anos. São Paulo: Martin Claret, 2001. BARBOSA, Onédia Célia de Carvalho. Byron no Brasil: traduções. São Paulo: Ática, 1975. BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultriz, 1992. CEREJA, William Roberto, MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português: Linguagens. São Paulo: Atual, 1994. FARACO, Carlos Emílio e MOURA, Francisco Marto. Língua e Literatura. Vol 2. São Paulo, 1997. MOISÉS, Massaud. História da Literatura Brasileira. Vol. 2. São Paulo: Cultrix, 1991. site http://guiadoestudante.abril.com.br/estude www.recantodasletras.com.br Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 173 174 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I VIII UNIDADE Terceira geração romântica, última etapa dessa Viagem Literária Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 175 Apresentação Caro (a) aluno (a), Iniciamos a última etapa da viagem que começamos em 1500. Lembra? Chegamos a 1870, princípio do terceiro momento romântico, quando é publicada a obra de Castro Alves, Espumas Flutuantes, encerrando-se em 1881 com a publicação de O Mulato, obra de Aluísio de Azevedo. Nesse decênio o Brasil já não vivia a euforia da recém independência. O povo ansiava por mudanças, por um novo regime - a sonhada República. Essa insatisfação, esses anseios refletiam uma realidade que estava se tornando insustentável. Consequentemente, a produção literária da época vai nos permitir “enxergar” o que estava acontecendo na sociedade brasileira. Nesse contexto, conviveremos com Castro Alves, Fagundes Varela e Manuel Antônio de Almeida, dentre outros. Com eles conheceremos uma outra faceta do Romantismo, a qual abrirá nossos olhos para uma nova forma de ver 176 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I a vida, encarando-a tal qual ela é. Tenho certeza de que você irá gostará desse finalzinho da viagem. Da nossa parte, já estamos com o gosto amargo da despedida, entretanto “o anjo da história nos impele para frente”, embora nossos olhos estejam presos às décadas que acabamos de viver. O último porto se avizinha, corramos para vê-lo. Quando em terra firme, queremos lembrá-lo (a) de que se surgirem algumas dúvidas, algumas inquietações, procure seus colegas e consulte-os, eles podem ajudá-lo (a), bem como amigos que já estudaram esse assunto. Lembre-se de que seu tutor está sempre pronto a orientá-lo (a) e que você pode, ainda, enviar uma mensagem no AVA e discutir aspectos relevantes sobre a temática estudada. Objetivos No final dessa aula, esperamos que você: • Identifique a 3ª Geração do Romantismo Brasileiro como tendência de época resultante das transformações sociais, políticas e ideológicas ocorridas no Brasil; • Compreenda as especificidades da 3ª Geração Romântica, bem como seus principais representantes na poesia e na prosa; • Compreenda a influência de Byron na poesia de Castro Alves; • Conheça as características da poesia deste período; • Conheça as características da prosa de transição, desenvolvida neste período; • Analise a produção literária produzida nesse contexto: ideológico, político, social e individual; • Reflita sobre as propostas do Romantismo relacionando-as a filmes da contemporaneidade. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 177 Romantismo no Brasil 3ª geração Diferentemente da primeira geração romântica que exaltava a exuberância da nossa natureza, enaltecia o índio como senhor da terra, ora vítima do colonizador, ora aliado deste; da segunda geração a carpir conflitos íntimos, fruto de uma visão egocêntrica, limitadas ao “eu”, a terceira geração apresenta características mais universais. Saindo um pouco de si, poetas e escritores dessa geração passam a enxergar o que está à sua volta: o povão, o anseio por um governo republicano, a indignação com a escravatura, adotando uma postura político- social, resultando, assim, em uma literatura engajada que pretende, de fato, intervir no processo histórico do país. Utilizando-se de uma linguagem grandiloquente, próxima da oratória, os poetas objetivam cativar o leitor para a causa que defendem. Por essa visão grandiloquente e por associarem-se às ideias de Victor Hugo, escritor francês, do qual já estudamos o “Prefácio de Cromwell”, são cognominados de condoreiros. Segundo Cereja e Cochar (1994, p. 78-79), identificando-se com o condor – ave de voo alto e solitário, com capacidade de enxergar a grande distância -, os poetas supunham ser eles também dotados dessa capacidade e, por isso, tinham o compromisso, como poetas gênios iluminados por Deus, de orientar os homens comuns para a causa da justiça e da liberdade. No contexto europeu do século passado1, o alvo preferido dos condoreiros era a causa dos oprimidos socialmente, isto é, dos operários da indústria e dos camponeses. No Brasil, cuja força de trabalho era predominantemente escrava, o condoreirismo assume feições abolicionistas e republicanas. Estes versos do poema “Vidente”, de Castro Alves, demonstram o pensamento liberal cristão do poeta: O autor refere-se ao século XIX, visto que o livro citado foi produzido no século XX. 1 Quebram-se as cadeias, é livre a terra inteira, A humanidade marcha com a Bíblia por bandeira; São livres os escravos... quero empunhar a lira, Quero que est’alma um canto audaz desfira, Quero enlaçar meu hino aos murmúrios dos ventos, As harpas das estrelas, ao mar, aos elementos! 178 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I A poesia da terceira geração Os poetas da terceira geração romântica, como já dito, afastam-se um pouco do egocentrismo praticado por seus antecessores, sem, no entanto, perderem as características peculiares à tendência. Cantam o amor, cantam suas dores, cantam a mulher amada, mas como uma nova performance. A sensualidade e a sexualidade da mulher serão decantadas como algo natural, distanciando-se daquela musa inatingível, platonicamente amada. Na poesia, destaca-se Castro Alves como o principal representante dessa geração, considerado o fundador da poesia social e engajada2 o Brasil. São destaques também: Fagundes Varela, Sousândrade (já estudado com os poetas da 2ª geração) e Narcisa Amália, primeira presença feminina em nossa literatura. Denomina-se de poesia engajada aquela que procura ser veículo de contestação e de conscientização a serviço de uma causa político- ideológica. 2 Antônio Frederico de Castro Alves Antônio Frederico de Castro Alves nasceu em 14 de março de 1847, na fazenda Cabaceiras, interior da Bahia. Após os estudos secundários ingressa na Faculdade de Direito do Recife, 1864. Logo chama a atenção da comunidade acadêmica por sua inspiração poética e pelos embates públicos que travava com outro poeta, também da mesma faculdade, Tobias Barreto. Reconhecidamente cognominado como o poeta dos escravos, conclamava a todos para a causa abolicionista, pois considerava a escravidão, a grande vergonha do país. A praça pública, espaço que para ele pertence ao povo, é o cenário utilizado em prol dos seus ideais. Ali ele conclama a todos pra a luta. Ali ele ratifica, no poema “Povo ao poder”, segunda estrofe, o direito de todos aos espaços públicos. Vejamos: “ A praça! A praça é do povo como o céu é do condor É o antro onde a liberdade Cria águias em seu calor. Senhor !... pois quereis a praça? Desgraçada a populaça Só tem a rua de seu … Ninguém vos rouba os castelos Tendes palácios tão belos... Deixai a terra ao Anteu3. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB Antônio Frederico de Castro Alves Anteu - Gigante, filho da Terra e de Netuno. Vivia na Líbia. 3 179 Com um alto poder de persuasão, ele declamava esses versos quando, muitas vezes, reunidos em praça pública via a polícia chegar enfurecida para dispersar a multidão. Segundo Abdala Júnior e Campedelli (1986), Castro Alves destaca-se como a voz mais alta da terceira geração romântica, não só por ter sido consagrado o “poeta dos escravos”, mas principalmente, pelo tom vigoroso de sua poesia, de versos ressoantes, indignados, expressivos. Inscrito na categoria de poeta condoreiro, sua poesia difere muito da de outros poetas das gerações anteriores: ela é feita para ser ser declamada, gritada em praça pública, uma poesia de grandiloquência, pelo menos no que se refere à denúncia dos horrores da escravidão ou à defesa de interesses políticos. Desse modo, valeu-se com frequência de hipérboles, num exagero intencional, que reforçava suas ideias. (…) A poesia abolicionista de Castro Alves demonstra que ele apreendeu muito bem o que ensinava o “mestre” francês Victor Hugo, ou seja a possibilidade de registrar artisticamente não apenas o belo, mas, também, o grotesco. Nesse sentido, o condor francês lega ao condor brasileiro a audácia das imagens, no empenho da luta. (…) Usa e abusa de comparações, construindo, desse modo, uma poesia rítmica, com um vocabulário riquíssimo e efeitos sonoros altamente estéticos. Assim como recebeu influência de Victor Hugo, Castro Alves também foi influenciado por Byron, embora o byronismo que aparece em sua poesia não seja o satanismo, a necrofilia e o tédio tão frequente na produção da segunda geração. O Byron que influenciou nosso condor foi o poeta amante da liberdade, engajado na luta pela liberdade de povos em regime de opressão, voltado para o viver intensamente, amado e idolatrado por várias mulheres. Jorge Amado, um dos maiores escritores de nossa literatura, legou-nos uma obra belíssima sobre Castro Alves. À semelhança das narrativas de cordel, Jorge Amado conta a história do poeta baiano, de A a Z, com o título ABC de Castro Alves. Na letra B, no finalzinho do texto, o narrador poeticamente faz a seguinte referência ao poeta: “Porque amiga, doce amiga do cais, outra verdade nos ensinou Castro Alves: igual ao rifle, à metralhadora e ao punhal, a poesia é também uma arma do povo.” E a poesia foi para ele a arma da conquista, não só da causa abolicionista, mas, também, das causas amorosas. É o primeiro poeta romântico brasileiro a cantar a sexualidade feminina, a volúpia do amor. O eu lírico de seus poemas é um homem viril e sensual, cuja 180 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I amada corresponde-lhe com o mesmo ardor, como vemos nos versos de “Amemos! Dama Negra”: (…) “Desmanchar teus cabelos delirantes, Beijar teu colo...! Oh! vamos minha amante, Abre-me o seio teu.” Eu quero teu olhar de áureos fulgores, Ver desmaiar na febre dos amores, Fitos, fitos em mim. Eu quero ver teu peito intumescido, Ao sopro da volúpia arfar erguido... O oceano de cetim... Viveu intensamente e apaixonadamente. Segundo seus biógrafos, teve várias paixões, dentre elas a atriz portuguesa Eugênia Câmara, o grande amor de sua vida, romance que escandaliza a sociedade do Recife. Foram muitas as suas musas – Leonídia, amiga de infância, Idalina, com quem vive na cidade do Recife, as irmãs judias, Mary, Simi e Ester, Eugênia e Agnese Murri Trinci, seu último amor. Assim como os demais românticos, o desvario, as noites mal dormidas, o tédio e a boemia ceifaram-lhe a vida muito cedo. Em novembro de 1869, em uma caçada, a arma que trazia a tiracolo dispara, acidentalmente, atingindo-lhe o pé, que em consequência será amputado. O pulmão já comprometido pela tuberculose, agrava-lhe o estado de saúde. Retorna à Bahia onde falece a 6 de julho, às 3h30 minutos, junho a uma janela banhada de sol, para onde fora levado de acordo com seu último desejo. Quando de sua morte, Castro Alves já era o mais discutido poeta do Brasil. Seus versos hugoanos, condoreiros, byronianos, patrióticos e viris, poeta do amor e da liberdade, encontraram eco entre os jovens estudantes brasileiros. “Os moços do Recife e de São Paulo choraram a morte do amigo, do líder, do grande coração e sobretudo do poeta maior que ele continua sendo.” Luís Nicolau Fagundes Varela Conforme prometemos no encontro anterior, apresentaremos Nicolau Fagundes Varela, poeta considerado pertencente às duas últimas gerações românticas. Nasceu em Rio Claro, Estado do Rio de Janeiro, no ano de 1841. Aos 18 anos veio para São Paulo e ingressou na Faculdade de Direito. Teve uma vida bastante conturbada. Casou-se em 1862 e no ano seguinte nasceu-lhe o primeiro filho, que morreu aos três meses de idade. A esse filho dedica o poema “Cântico do calvário”. Essa perda desnorteia-lhe a vida. Entrega-se a boemia e ao alcoolismo. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 181 Luíz Nicolau Fagundes Varela Embora sua obra apresente características ultrarromânticas, como o pessimismo, a solidão e a morte, o poeta já apresenta preocupação com os problemas sociais e com a política do país, a nacionalidade, o índio e a escravidão. Sua obra perpassa do lirismo de Gonçalves Dias e Casimiro de Abreu ao condoreirismo de Castro Alves. É considerado precursor da linguagem grandiloquente e da oratória, marcas futuras da poética de Castro Alves. Conta-se que em março de 1865, Castro Alves embarca em um navio de volta para o Recife. Para sua surpresa reconhece entre os passageiros o poeta Fagundes Varela, com quem trava a conversa que transcreveremos a seguir, citada por Francisco Pereira da Silva ( 2001, p.82 ). No diálogo, o poeta conta a Castro Alves como viviam (o grupo de poetas ultrarromânticos) em São Paulo. - Menino, você precisa conhecer as loucuras que vivemos na São Paulo da garoa, sob a tutela da velha academia do largo do São Francisco! Nossa tenda de magia fica sob as famosas “arcadas” do velho Colégio Anchieta. Ali, tingimos os trapos de uma nova civilização! Nosso clima é de super-realismo lírico! Corremos a vida de extremo a extremo - das imundas estalagens para o altar da purificação intelectual! Temos os nossos rituais, a nossa simulada loucura, as nossas perversões. Byron é o condutor e o grande deus envenenador. Ali, tudo é permitido, até o estudo, se for o caso, embora isto nunca aconteça. Porque o desespero é a medida. Ah, seu moço, você precisava conhecer a nossa Sociedade Epicurista! Atingimos, com a nossa recusa, a hipócrita sociedade paulista. Melhor é amar furiosamente e morrer depressa. Amigo, uma dose, uma dose do verde absinto! Castro Alves está desconcertado com o desabafo daquele que foi o seu ídolo, daquele que ainda é para ele o maior poeta! (…) O belo anjo caído estava ali, sem literatura. Era triste, pois a vida vale ser vivida. Narcisa Amália de Campos Narcisa Amália de Campos, filha do poeta Jácome de Campos, e da professora primária Narcisa Inácia de Campos, nasceu em São João da Barra, Rio de Janeiro, em 1852. • Em 1863 transfere-se para Resende com a família. • Em 1866 casa-se com João Batista da Silveira, artista ambulante, de quem se separa alguns anos depois. • Em 1872 publica seu primeiro e único livro de poesia, “Nebulosa”, que alcança grande repercussão. Seus poemas exaltam a natureza, a pátria e a infância, bem ao estilo Romântico. Narcisa Amália de Campos 182 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I • Em 1874 publica “Nelúmbia”, livro de contos. Ao prefaciar um livro de versos de Ezequiel Freire recebe o seguinte comentário de Machado de Assis: “As flores do campo, volume de versos dado em 1874, tiveram a boa fortuna de trazer um prefácio devido à pena delicada e fina de D. Narcisa Amália, essa jovem e bela poetisa (...)”. Esse comentário por parte de alguém como Machado de Assis dá notoriedade à poeta e a sua fortuna crítica. Em 1880, casa-se novamente, dessa vez com Francisco Cleto da Rocha, também chamado Rocha Padeiro, dono da “Padaria das Famílias”, em Resende. Ajuda o marido nos primeiros anos, mas continua a receber os amigos literatos em sua casa. Frequentam seus saraus nomes famosos como Raimundo Correia, Luís Murat, Alfredo Sodré e o Imperador Pedro II, que por ocasião de sua visita a Resende, vai “visitar a sublime padeira, por estar ansioso por lhe provar... do pão espiritual”, embora seja a poetisa fervorosa republicana abolicionista. O segundo casamento também não dura muito e Narcisa é forçada a deixar a cidade que considerava sua terra, pressionada por campanha maledicente movida pelo marido enciumado. No Rio de Janeiro, Narcisa Amália dedica-se ao magistério. Em 13 de outubro de 1884, funda um pequeno jornal quinzenal, o Gazetinha, suplemento do Tymburitá que tinha, como subtítulo, “folha dedicada ao belo sexo”. Narcisa Amália foi a primeira mulher a se profissionalizar como jornalista, alcançando projeção em todo o Brasil com seus artigos em favor da Abolição da Escravatura, em defesa da mulher e dos oprimidos em geral. Morre Narcisa Amália, a 24 de junho de 1924. Tendo em vista a ausência de referência a Narcisa Amália nos manuais de literatura, transcrevemos parte de um artigo de Norma Telles, o qual você encontrará no endereço eletrônico: http://www.revistasusp. sibi.usp.br/scielo.php?pid=S0034-83091989000100005&script=sci_arttext. Vejamos: Narcisa Amália (1863-1924), como assinava o que escrevia, foi professora, escritora e jornalista. Tornou-se conhecida, por volta de 1870, através de publicações em jornais da Côrte e das províncias. Seu livro de poemas, Nebulosas (1872), teve boa repercussão. Morou em Rezende, depois no Rio de Janeiro, e foi uma batalhadora incansável pelos direitos da mulher, uma democrata radical e, por isso mesmo, abolicionista. Para ela, o ideal do século, a Musa Inspiradora, era a Liberdade que, sonhava, talvez - num futuro não muito distante -, permitiria aos povos, aos homens e às mulheres, viverem livres de violência, opressão e injustiças. Em versos, traçou o “quadro hediondo” da escravidão, narrou os sofrimentos”dos míseros cativos”. “Meu Deus! ao precito/Sem crenças na vida,/Sem pátria querida,/Só resta tombar” O escravo, ouLiteratura Brasileira I I SEAD/UEPB 183 trora um bravo em sua terra, permanecia curvado ante um falso poder e era preciso partir os grilhões, quebrar as algemas. Era preciso que “esta raça, que genuflexa rebrama” se erguesse “de pé ungida, das crenças livres...” pois então o anjo da liberdade, tendo descido, “de infelizes escravos/Fez talvez dez homens bravos,/Talvez dez outros heróis!” A pátria não poderia ser independente, nem se constituir como nação plena, enquanto persistisse a nefasta instituição, enquanto todos os direitos não fossem restituídos. Narcisa Amália contemplava com desgosto e tristeza o “espetáculo desolador dos costumes pátrios” e não era uma otimista em relação à situação. Acreditava que era p r e c i s o lutar e conclamou à rebeldia e à revolução. Essas ideias lhe valeram severas críticas de contemporâneos. Uma moça escrever versos de amor, ainda vá, mas meter-se em política! Isso não! Narcisa Amália acreditava no poder da escrita, acreditava que a imaginação literária poderia construir uma ponte de simpatia e compreensão por sobre o abismo de intolerância entre os grupos. A imprensa, especialmente, era vista por ela como instrumento privilegiado, pois criara novas esferas de atividade para a “educação coletiva” e a “modificação das emoções”. A imprensa já servira a outras revoluções, diz ela, tanto as cruentas quanto as pacíficas e poderia, portanto, ser um meio de luta pela harmonia social. A propaganda oral, pensava, embora fosse muito importante, não tinha o mesmo peso e a mesma penetração que a imprensa. Esta, através de uma ação lenta, contínua, constante, podia fazer dos espíritos mais retrógrados prosélitos apaixonados”. A comprovação dessa hipótese ela encontra em José do Patrocínio, a quem admirava e por quem era admirada, e na penetração influente que exerceu através de seu jornal, durante a década que precedeu à Abolição. O interessante é que Narcisa Amália, que demonstrou um radicalismo cônscio e vigoroso contra todas as formas de tirania, não se deixou iludir pela modificação institucional. Em 1889, publica “Condolência”, onde se mostra descrente das reformas empreendidas e da Abolição, porque não antevê a possibilidade do povo se instruir “nos mistérios da igualdade” através do acesso a uma educação democrática. Como pode, pergunta, “águia cativa/ Subtrair-se à inércia que estiola/Soerguer-te do nada-rediviva?... “se da ciência não lhe vem amparo e se “abrem-te a detenção, fecham-te a escola!” 184 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Atividade I Com base na conversa que mantivemos neste encontro, leia e analise os textos a seguir, considerando as especificidades de cada autor. Não esqueça de registrar as impressões que eles lhe causaram. Comente-os com a turma. Fale dessa presença feminina em nossa literatura. Divulgue-a. Narcisa Amália Por que sou forte A Ezequiel Freire Dirás que é falso. Não. É certo. Desço Ao fundo d’alma toda vez que hesito... Cada vez que uma lágrima ou que um grito Trai-me a angústia - ao sentir que desfaleço... E toda assombro, toda amor, confesso, O limiar desse país bendito Cruzo: - aguardam-me as festas do infinito! O horror da vida, deslumbrada, esqueço! É que há dentro vales, céus, alturas, Que o olhar do mundo não macula, a terna Lua, flores, queridas criaturas, E soa em cada moita, em cada gruta, A sinfonia da paixão eterna!... -E eis-me de novo forte para a luta. À MINHA MÃE A viração que brinca docemente No leque das palmeiras, Traga à tu’alma inspirações sagradas, Delícias feiticeiras. A flor gentil que expande-se contente Na gleba matizada, Inveje-te a tranquila e leda vida, Dos filhos sempre amada Só teus olhos roreje délio pranto De mística ternura; Omo silfos de luz cerquem-te gozos, Enlace-te a ventura! Os filhos todos submissos junquem De rosa tua estrada; Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades! 185 E curvem-te os espinhos sob os passos Da Mãe idolatrada! Tais são as orações que aos céus envia A tua pobre filha; E Deus acolha o incenso, embora emane De branca maravilha. (Fagundes Varela) A FLOR DO MARACUJÁ Pelas rosas, pelos lírios, Pelas abelhas, sinhá, Pelas notas mais chorosas Do canto do sabiá, Pelo cálice de angústias Da flor do maracujá! Pelo jasmim, pelo goivo, Pelo agreste manacá, Pelas gotas de sereno Nas folhas do gravatá, Pela coroa de espinhos Da flor do maracujá! Pelas tranças de mãe-d’água Que junto da fonte está, Pelos colibris que brincam Nas alvas plumas do ubá, Pelos cravos desenhados Na flor do maracujá! Pelas azuis borboletas Que descem do Panamá, Pelos tesouros ocultos Nas minas do Sincorá, Pelas chagas roxeadas Da flor do maracujá! Pelo mar, pelo deserto, Pelas montanhas, sinhá! Pelas florestas imensas, Que falam de Jeová! Pela lança ensanguentada Da flor do maracujá! Por tudo o que o céu revela, Por tudo o que a terra dá Eu te juro que minh’alma De tua alma escrava está!… Guarda contigo este emblema Da flor do maracujá! 186 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Não se enojem teus ouvidos De tantas rimas em – á Mas ouve meus juramentos, Meus cantos, ouve, sinhá! Te peço pelos mistérios Da flor do maracujá! Castro Alves O Adeus de Teresa A vez primeira que eu fitei Teresa, Como as plantas que arrasta a correnteza, A valsa nos levou nos giros seus... E amamos juntos... E depois na sala “Adeus” eu disse-lhe a tremer co’a fala... E ela, corando, murmurou-me: “adeus.” Uma noite... entreabriu-se um reposteiro... E da alcova saía um cavaleiro Inda beijando uma mulher sem véus... Era eu... Era a pálida Teresa! “Adeus” lhe disse conservando-a presa... E ela entre beijos murmurou-me: “adeus!” Passaram tempos... sec’los de delírio Prazeres divinais... gozos do Empíreo... ... Mas um dia volvi aos lares meus. Partindo eu disse — “Voltarei!... descansa!... Ela, chorando mais que uma criança, Ela em soluços murmurou-me: “adeus!” Quando voltei... era o palácio em festa!... E a voz d’Ela e de um homem lá na orquestra Preenchiam de amor o azul dos céus. Entrei!... Ela me olhou branca... surpresa! Foi a última vez que eu vi Teresa!... E ela arquejando murmurou-me: “adeus!” Todos os poemas de Fagundes Varela e Castro Alves você encontrará no site www.dominiopublico.gov. br Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 187 A prosa na 3ª geração A prosa representativa da 3ª geração romântica segundo Lúcia Miguel Pereira (apud Moisés, 1995, p.277), tem como traço característico a indecisão, a tonalidade furta-cor, os ecos do passado se misturando aos esboços do futuro, tudo em surdina, , tudo apagado. Nessa perspectiva, a produção literária do período é considerada como obra de transição. Em um dos nossos encontros falamos sobre o quadro de Paul Klee, “Angelus Novus”, citado por Walter Benjamin, para explicar o poder do progresso sobre o homem. Segundo Benjamin, embora sinta-se preso ao passado, o homem é impelido por uma tempestade que o obriga a seguir em frente. Esta explicação é pertinente para entendermos um período de transição. Ainda que presos às características do período vigente, os autores “enxergam” o futuro que se avizinha trazendo-o para as obras que produzem. De que maneira nós leitores percebemos isso? Pelas pistas que o texto nos apresenta. Citamos como exemplo a obra “Senhora” de Alencar, a qual solicitamos, no encontro anterior, que você lesse, lembra? Nessa obra o autor tematiza o casamento como ascensão social, os valores e comportamentos da sociedade da época, frutos do capitalismo emergente. Tem-se, assim, uma heroína diferente da meiga Carolina, a Moreninha, de Macedo. Aurélia é uma mulher fria, determinada, culta, conhecedora do mundo dos negócios. Compra o homem que um dia rejeitou-a. É a sua vingança. Tem-se também uma nova versão do herói masculino. Este já não é o cavalheiro. É um homem sujeito às fraquezas, às exigências de uma sociedade que valoriza a aparência, a fortuna, não importando os meios utilizados para pertencer à alta roda social. Tudo tem um preço. Essa mudança no comportamento feminino e masculino são pistas para o leitor perceber a nova ordem social. Já não há como cantar a mulher ingênua, infantilizada, a mercê de um herói que a conduza. Uma tempestade se aproxima. Entretanto, diferentemente do anjo da história, embora cante o novo, o autor olha o passado e vacila. O final da narrativa mostra bem essa condição. Aurélia tem nas mãos a vingança que arquitetara, todavia o amor vence a razão e ela se entrega a Fernando, o marido que comprara, confessando-lhe o seu amor, que nunca deixara de amá-lo. O leitor é surpreendido com um final bem ao estilo romântico. Pode parecer contraditório uma obra que aborda o casamento como uma questão financeira apresentar um final romanticamente feliz. Entretanto, é necessário frisar que o interesse de Aurélia, por baixo da fieza aparente era, desde o início do projeto de comprar um marido, “readquirir ” o seu primeiro amor. Nessa nova ordem social do capitalismo emergente de que tudo é negociável, tudo tem um valor, um preço, as quatro partes em que a obra está dividida: O preço, Quitação, Posse e Regate, corroboram essa realidade. 188 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Memórias de um sargento de milícias: Uma obra inusitada Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida, é o que podemos chamar de obra inusitada, ímpar em nossa literatura, por dois motivos: primeiro por ser a única do autor, segundo pela singularidade temática e de personagens. Como era comum na época, primeiramente foi lançado, pelo Correio Mercantil, como folhetim e de forma anônima, por alguém que se apresentava apenas como “Um Brasileiro”. Ambientado no Rio de Janeiro, durante o período joanino, o romance tem como eixo central a vida de Leonardinho, filho de Leonardo Pataca e Maria da Hortaliça, dois imigrantes portugueses que se conhecem no navio em que vinham para o Brasil. Essa pequena amostragem já justifica a estranheza que a obra causou. Com esses personagens, pessoas simples do povo, “sem eira nem beira”, linguagem coloquial e ambientes suburbanos, a narrativa fica para a história, como algo singular e, apesar das críticas recebidas, se perpetua. Como personagens, o autor traz para as luzes da sociedade figuras até então inimagináveis para protagonizarem uma obra literária. São barbeiros, compadres, comadres, ciganas, soldados, parteiras e ... Leonardinho não é um personagem tipicamente romântico, não é um bom moço, na verdade é um grande malandro a aprontar com seus pais “adotivos”, o compadre e a comadre, bem como com todos que o cercam. Não luta por um ideal, não trabalha, não é forte nem bonitão. Entretanto acaba saindo-se “bem” de todas as enrascadas em que entra. Por estas características é considerado como um pícaro. Mas o que vem a ser um pícaro, você pode se indagar? A grosso modo, o personagem pícaro é aquele que narra a sua própria história, as suas aventuras; vive ao sabor da sorte; é de origem humilde; é amável; risonho; astucioso; é ingênuo, a dureza da vida o leva a roubar, a enganar os outros, a mentir, a ser inescrupuloso, condição sine qua non à sua sobrevivência. Assim é Leonardinho. Entretanto, em Dialética da Malandragem (1993, p. 22 et passim), ensaio de Antônio Cândido, o autor embora discorde da afirmativa de que Leonardinho seja um autêntico pícaro aponta, para esclarecer melhor o assunto, um estudo comparativo das características deste com as do típico herói ou anti-herói picaresco, minuciosamente levantadas por Chandler em obra sobre o assunto. Vejamos: Em geral, o próprio pícaro narra as suas aventuras, o que fecha a visão da realidade em torno do seu ângulo restrito; e esta voz na primeira pessoa é um dos encantos do leitor, transmitindo uma falsa candura que o autor cria habilmente e já é recurso psicológico de caracterização. Ora, o livro de Manuel Antônio é contado na terceira pessoa por um narrador (ângulo primário) que não se identifica e varia com desenvoltura o ângulo secundário -, trazendo-o de Leonardo Pai a Leonardo Filho, deste ao Compadre ou à Comadre, depois à Cigana e assim por diante, de maneira Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 189 Disponível em: http://www.soliteratura. com.br/romantismo/imagens/memorias_ sargento.jpg a estabelecer uma visão dinâmica da matéria narrada. Sob este aspecto o herói é um personagem como os outros, apesar de preferencial; e não o instituidor ou a ocasião para instituir o mundo fictício […] Em compensação, Leonardo Filho tem com os narradores picarescos algumas afinidades: como eles, é de origem humilde e, como alguns deles, irregular, “ filho de uma piscadela e de um beliscão”. Ainda como eles é largado no mundo, mas não abandonado, como foram o Lazarillo ou o Buscón de Quevedo; pelo contrário, mal os pais o deixam o destino lhe dá um pai muito melhor na pessoa do Compadre, o bom barbeiro que toma conta dele para o resto da vida e o abriga da adversidade material. Ainda segundo Cândido, a narrativa oscila entre dois mundos: o da ordem e o da desordem, de forma muito natural. Nessa dualidade, duas são as personagens femininas com as quais Leonardinho se envolve amorosamente: Luisinha e Vidinha. A primeira representa a ordem. É a jovem recatada de família burguesa, com a qual um envolvimento mais íntimo só será permitido pelo casamento. Vejamos a primeira descrição que o narrador faz da jovem, quando vista pela primeira vez por Leonardinho. Leonardo lançou-lhe os olhos, e a custo conteve o riso. Era a sobrinha de D. Maria já muito desenvolvida, porém que, tendo perdido as graças de menina, ainda não tinha adquirido a beleza de moça: era alta, magra, pálida: andava com o queixo enterrado no peito, trazia as pálpebras sempre baixas, e olhava a furto; tinha os braços finos e compridos; o cabelo, cortado, dava-lhe apenas até o pescoço, e como andava mal penteada e trazia a cabeça sempre baixa, uma grande porção lhe caía sobre a testa e olhos, como uma viseira. Trajava nesse dia um vestido de chita roxa muito comprido, quase sem roda, e de cintura muito curta; tinha ao pescoço um lenço encarnado de Alcobaça. Por mais que o compadre a questionasse, apenas murmurou algumas fases ininteligíveis com voz rouca e sumida. Mal a deixaram livre, desapareceu sem olhar para ninguém. Vendo-a ir-se, Leonardo tornou a rir-se interiormente. A segunda é a mocinha do povo, a representante da desordem, no sentido de não exigir obrigações, de permitir um relacionamento sem convenções, livre, como livre é a vida de seus familiares. As circunstâncias que levam Leonardinho a conhecer Vidinha têm a ver com a morte do padrinho, o retorno à casa do pai que a essas alturas tem uma amante que não aceita a presença do jovem e, por causa da amada, o pai “corre de espada” atrás do filho. Sem teto e sem saber para onde ir, vamos encontrar Leonardo conversando com um amigo, reencontrado, que o convida para participar da patuscada que juntamente com amigos e familiares estão se divertindo e já prontos, prestes a partir . É o narrador que nos conta: 190 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I - Vamos levantar a súcia, minha gente, disse um dos convivas. […] - Nada, inda não: Vidinha vai cantar uma modinha. […] Vidinha era uma mulatinha de 18 a 20 anos, de altura regular, ombros largos, peito alteado, cintura fina e pés pequeninos; tinha os olhos muito pretos e muito vivos, os lábios grossos e úmidos, os dentes alvíssimos, a fala era um pouco descansada, doce e afinada. Cada frase que proferia era interrompida por uma risada prolongada e sonora, e com um certo caído de cabeça para trás, talvez gracioso se não tivesse muito de afetado. […] O Leonardo, que talvez hereditariamente tinha queda para aquelas coisas, ouviu boquiaberto a modinha, e tal impressão lhe causou, que depois disso nunca mais tirou os olhos de cima da cantora. Nessa teia entre a ordem e a desordem, a vida de Leonardinho vai costurando o dia a dia do Rio de Janeiro, permitindo ao leitor perceber que “todos” têm algo a esconder, um segredo que será revelado, ou melhor, utilizado, sempre que o narrador dele necessitar para salvar nosso herói das enrascadas em que se mete. Um bom exemplo é o Major Vidigal, figura de conduta ilibada, perseguidor de malandros e malfeitores, temido por todos, um verdadeiro justiceiro e defensor da ordem pública que, surpreendentemente, livra nosso herói em troca da não revelação de um segredinho seu, desconhecido por aqueles que o consideram acima de qualquer suspeita. E assim, a vida de Leonardo Filho vai se organizando e, bem ao estilo Romântico, tudo acaba bem. Com a ajuda do major Vidigal consegue baixa da tropa de linha, fato que o impedia de casar; é nomeado sargento de Milícias; e “recebe ao mesmo tempo carta de seu pai, na qual o chamava para fazer-lhe entrega do que lhe deixara seu padrinho que se achava religiosamente intacto”; Luisinha fica viúva, situação que permitirá a união do casal pelo casamento, conforme veremos no trecho a seguir. Luisinha e Leonardo haviam reatado o namoro; e quem quiser ver coisa de andar depressa é ver namoro de viúva. […] Sem que os vissem, viam-se os dois muitas vezes, e dispunham seus negócios. Infelizmente ocorria-lhes a mesma dificuldade: um sargento de linha não podia casar. Havia talvez um meio simples de tudo remediar. Antes de tudo, porém, os dois amavam-se sinceramente; e a ideia de uma união ilegítima lhes repugnava. […] Passado o tempo indispensável do luto, o Leonardo, em uniforme de Sargento de Milícias, recebeu-se na Sé com Luisinha, assistindo à cerimônia a família em peso. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 191 O teatro no Romantismo brasileiro ‘ Disponível em: http://2.bp.blogspot.com/-SPlOSB6m15E/TWf0oAmDURI/AAAAAAAAAQE/-Bfri8Cjf0Q/ s1600/Teatro_Nova_Azul.jpg Sem receio de erros, afirmamos que grande parte da orientação cultural do nosso teatro se deve à crítica. (Sábato Magaldi) É no período Romântico que se define o teatro nacional. Coube a Gonçalves de Magalhães, mais uma vez, lembre que sua obra Suspiros poéticos e saudades inicia o Romantismo no Brasil, introduzir, com a tragédia Antônio José ou o Poeta e a Inquisição, o teatro romântico brasileiro, quando entrega o texto a João Caetano, ator que procurava criar no Rio de Janeiro um ambiente teatral. Entretanto, Luís Carlos Martins Pena será o responsável pela consolidação da dramaturgia do período. Martins Pena foi o nosso primeiro autor popular. Seus textos são representados até hoje, dada a sua atualidade. Se Manoel Antônio de Almeida é o pioneiro do romance de costumes, Martins Pena é pioneiro da comédia de costumes. Suas peças são sátiras à sociedade e seus personagens são possíveis de serem encontrados nas ruas do Rio de Janeiro da época: solteironas, jovens casadoiras, velhos, comerciantes, contrabandistas, estrangeiros e jovens dentre outros. O olhar arguto e a forma como descreve a sociedade permitem um registro que se aproxima da realidade, fugindo do esteriótipo das personagens idealizadas, vislumbrando um tendência prestes a se instalar. Segundo Clenir Bellezi de Oliveira (2002, p. 244), Martins Pena era um dramaturgo fecundo e talentoso: nos seus 33 anos de vida produziu 28 peças, a maior parte delas, comédias. Começou a escrevê-las na adolescência e desde logo contou com o apoio do ´produtor e ator João Caetano. Martins Pena 192 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Num primeiro momento, sua produção foi exclusivamente de comédias, que logo obtiveram grande êxito de público e de crítica. Seus tipos eram populares e provincianos, e o autor soube extrair a comicidade natural deles exagerando-lhes as tintas, carregando-lhes os traços. Cômico, ou bufão, agradava em cheio as plateias, fazendo uma crítica social corrosiva e hilária, Tentou, num segundo momento, peças históricas , mais sérias, mas algumas delas nem foram levadas à cena. Retomou, então, as comédias, trabalhando sobre o cotidiano carioca. Menos conservador do que seus contemporâneos, Martins Pena construiu quadros vivos e expressivos da vida urbana do Rio de Janeiro. Foi um pioneiro na comédia de costumes, ou seja, a que desnuda os costumes, ideias, sentimentos e comportamentos de determinada sociedade, fazendo a crítica a partir do cômico. Alheio ao sentimentalismo vigente em sua época, suas peças apresentam fortes tons de realismo, ainda que não exatamente um realismo acabado. Sobre ele, disse Sílvio Romero: Se se perdessem todas as leis, escritos, memórias da história brasileira dos primeiros cinquenta anos deste século XIX, que está a findar, e nos ficassem somente as comédias de Pena, era possível reconstruir por elas a fisionomia moral de toda essa época. Na internet, estamos sempre lembrando esse veículo de pesquisa, encontramos, em http://www.encontrosdedramaturgia.com.br/?page_ id=612, o texto a seguir. Luís Carlos Martins Pena é considerado como o fundador da comédia de costumes na qual satirizava a sociedade brasileira de então. Ao mostrar como funcionavam as relações sociais, contribuiu para a compreensão histórico sociológica do seu tempo, bem como com a linguística, visto que escrevia as falas das personagens, utilizando a linguagem coloquial da época. Com a sua aguçada veia cômica Martins Pena mostrou a realidade de um país atrasado e, predominantemente, rural, fazendo a plateia rir de si mesma. Seus textos abordam, sobretudo, flagrantes da vida brasileira, do campo à cidade. Eles mostram problemas familiares, casamentos, heranças, dotes, dívidas, corrupção, injustiças, festas populares e, de forma impar, uma galeria de tipos onde pontuam funcionários públicos, padres, meirinhos, juízes, malandros, matutos, moças namoradeiras ou sonsas, guardas nacionais, mexeriqueiros, viúvas e outras figuras. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 193 O Juiz de Paz da Roça ( 1838); A Festa e a Família na Roça (1840); O Judas em Sábado de Aleluia (1844); O Irmão das Almas (1844); Os Dois ou o Inglês Maquinista (1845); Os Namorados ou A Noite de São João (1845); Os Três Médicos (1845); O Cigano (1845); O Noviço (1845); As Desgraças de uma Criancinha (1845); Bolingbroke ou As Casadas Solteiras (1845); Os Meirinhos (1845); O Terrível Capitão do Mato (1846); O Segredo de Estado (1846); A Barriga de meu Tio (1846), são títulos de algumas de suas obras, com a respectiva data de quando foram encenadas pela primeira vez. Disponível em: http://4.bp.blogspot. com/-X1JZCpzfqA8/TtZVaCq0a4I/ AAAAAAAAAJs/vtqlCKpYzRA/s1600/ martins-pena.jpg Dentre elas, destacamos a peça “O Noviço”, escrita e representada em 1845, é uma comédia romântica que explora de maneira interessante o maniqueísmo típico desse estilo literário: na dualidade entre o bem e o mal, entre enganados e enganadores, entre fracos e fortes. E, como é peculiar à época, o bem prevalecerá em detrimento do mal, culminando a peça com um final feliz. Bigamia, extorsão, herança e malandragem são ações praticadas para a obtenção de enriquecimento ilícito. Obra recomendada para os exames vestibulares em nosso país, é leitura indispensável aos estudiosos da literatura. Outro texto que indicamos para leitura é O Juiz de Paz da Roça, cuja temática critica as convenções sociais, o casamento, a família, o governo, bem como satirizar figuras “incontestáveis” da sociedade: padres, juízes, políticos inescrupulosos e os novos ricos. No endereço http://www.resenhando.com/resenhas/r20408.ht você encontrará, de Hélder Bentes, comentários sobre o autor e a obra. Atividade II 1. Comparando-se o enredo de Memórias de um Sargento de Milícias, romance apontado como de transição, com A Moreninha, primeiro romance urbano de nossa literatura, comente os pontos de convergências e divergências entre eles. 2. Em A Moreninha, o autor retrata a vida e os costumes da sociedade carioca, tema que também é abordado nas Memórias de um Sargento de Milícias. Trata-se de uma mesma sociedade mostrada de forma diferente, ou os autores tratam de sociedades distintas? Comente. dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades! 3. “Seus tipos eram populares e provincianos, e o autor soube extrair a comicidade natural deles exagerando-lhes as tintas, carregando-lhes os traços”. Este comentário refere-se à obra de Martins Pena. Entretanto é possível 194 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I aplicá-lo às Memórias de um Sargento de Milicias. Provoque seus colegas a se posicionarem em relação à afirmativa. Registre as opiniões coletadas. Não esqueça de socializá-las. Arrematando fios É hora de retomarmos o primeiro encontro e arrematarmos os fios do tecido que começamos a tecer. Nele iniciamos uma viagem que prometíamos ser bastante interessante. Para mensurar o tempo que ficaríamos na viagem, usamos a simbologia da ampulheta, lembra? Entramos no túnel do tempo e “mergulhamos” em busca do desconhecido. Tenho certeza que assim como nós você não se arrependeu. Foi uma viagem e tanto! Aportamos em novas terras, onde encontramos pessoas que nem imaginávamos. Com elas vivemos o descobrimento, conhecemos índios, desrespeitamos suas culturas, catequizamos com os jesuítas, vivemos entre o céu e o inferno e, cansados e desiludidos, nos afastamos para o campo. Creio que os objetivos traçados foram atingidos. Queríamos que você conhecesse e refletisse conosco sobre a nossa própria história; queríamos que entendesse que a literatura, embora não tenha preocupação com “verdades”, permite que entendamos o homem como reflexo de uma determinada sociedade culturalmente, politicamente, socialmente, religiosamente e ideologicamente permeada por um contexto histórico. Somos indivíduos ao tempo em que também somos o coletivo, embora possa parecer complicado. Temos certeza de que foi uma experiência ímpar. Pensando em uma forma de você não esquecer nossa viagem, escrevemos um texto, o qual intitulamos de Viagem Literária. A ampulheta foi mais uma vez utilizada como forma de nos mostrar que o tempo, instrumento que o homem criou para limitar suas próprias ações, é testemunha de nossas mudanças e inquietações. Para não reproduzir a imagem do primeiro encontro, pesquisamos na internet e encontramos uma série de ampulhetas, as quais associamos a ideia do tempo que estivemos juntos. Extrapolamos o limite inicial que deveria corresponder ao período que vai do Descobrimento ao Romantismo. Que motivos nos levaram a tal atitude? Cativá-los, seduzi-los para que continuem a viagem. Desta feita já não mais em nossa companhia, todavia, temos a certeza de que os novos roteiros serão tão interessantes quanto aqueles que juntos percorremos. Passemos ao texto, então. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 195 Viagem Literária Maria de Fátima Coutinho Sousa Usemos a imaginação e façamos uma viagem através do tempo, uma viagem literária. No começo foram as informações. Com os viajantes e Caminha desbravamos e cantamos o Brasil. Fizemos os relatos minuciosos, trouxemos os jesuítas, impusemos a fé católica e aculturamos os nossos índios. Enfim, com os portugueses, dominamos a nova terra. Somos vencedores e estamos perdidos. A nossa fé está abalada. Algo indefinível começa a surgir no horizonte. É Calvino, é Lutero, loucos que ousam desafiar o poder da milenar Igreja. O homem se divide, se questiona, se interroga. Como não se sentir atraído pelo novo? Como resistir? Sou um ou sou dois? Eis a Reforma e, em contrapartida, a Contra Reforma. Começa a opressão, a perseguição, a trajetória do medo. A igreja mãe se transforma e mostra, talvez, a sua verdadeira face. Convivemos nesse momento com Gregório de Matos e com Vieira. Com o primeiro satirizamos, ironizamos, pecamos e nos arrependemos, impregnados que estávamos de um Cristo compreensivo, verdadeiro Pai. Com o segundo, refletimos a nossa fé, questionamos o nosso comportamento, escutamos e escutamos, e ousamos, até questionar Deus! Encontramos respostas e sossegamos; e nesse sossego procuramos a paz do campo. Fomos buscar nos gregos e romanos a essência da vida e, no contato com a natureza, nos ungimos de simplicidade. Somos pastores a desfrutar o bucolismo, a buscar nos regatos, nos montes e no gado, a nossa identidade. Oh! ser inconstante e mutável é o homem! Estamos inquietos, insatisfeitos. Sentimos necessidade de participar ativamente da vida política, de protestar, de aceitar ou não o que nos foi imposto. Questionamos a aristocracia e na Revolução Francesa, com a queda da Bastilha, colocamos um ponto final na monarquia e elevamos a burguesia. Quanta beleza existe na realização de um sonho! Ah! Lord Byron, como aprendemos com a verdade que defendias que, mesmo pertencendo a uma determinada classe social, devemos nos insurgir contra ela, quando essa classe oprime e dilacera os ideais de um povo. Somos revolucionários. Vestimo-nos de soldados do mundo e lutamos em todos os 196 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I países onde a nossa presença se fez necessária. A sociedade já não nos entende e não nos satisfaz. Buscamos o isolamento, a imaginação, a introspecção, o negativismo e a morte. Sofremos e, no nosso sofrimento, encontramos alento para resgatar as injustiças antes praticadas contra nossos índios. Com Gonçalves Dias e Alencar exaltamos a beleza, a bravura, o heroísmo, o desprendimento e a fidelidade desses heróis incógnitos e incompreendidos. Cantamos a nossa natureza, mais bela que em qualquer outra parte. Dela sentimos saudades e de saudades choramos com Casimiro de Abreu a distância da terra querida e da infância perdida. Vivemos sós. Que sociedade hipócrita! Queremos morrer. E em “ Lembranças de Morrer” e “Tristeza”, com Álvares de Azevedo e Fagundes Varela, ansiamos por esse momento. Conhecemos a morte, essa noiva amorosa e verdadeira que nos espera de braços abertos. Acordamos e, ao acordar, que vemos? Que gritos são esses? Que lamentos profundos! São as “ Vozes d’África”, é o “ Navio Negreiro”, é a “Tragédia no Lar”. É a desgraça do negro que Castro Alves passa a cantar. Surge uma nova mulher, antes imaginária, agora, mulher tentação, mulher sedução, mulher que descobre seu poder de atração. Façamos uma pausa. Os tempos mudam! Realmente, os tempos mudaram. O homem descobre a “Ciência” e nela busca explicações para o que antes era inexplicável. As cidades crescem, a população se comprime nas proximidades das fábricas. E eis na sociedade o mulato. Não o “Mulato” Raimundo, de olhos azuis, de rara beleza, de educação exemplar, europeizado, mas a nova raça, produto da escravidão recém-abolida. Essa camada pobre e marginalizada, formada de brancos e mestiços, incha os “Cortiços”. As denúncias surgem e prova-se por A mais B que o homem é produto do meio, da raça e das circunstâncias. Encontramos em “Lenita” a nova heroína, a mulher que se impõe, que se descobre, que se encontra e que vê no homem um parceiro para novas descobertas. É a mulher sexuada, consciente de seu corpo e de suas necessidades, que encontra o prazer no sexo, no entregar-se, no completar-se biologicamente. Nas “ Casas de Pensão ” os estudantes se deleitam com as falsas virgens. Homens e mulheres descem as máscaras e se mostram como verdadeiramente são. Quanto realismo! Quanta verdade dolorosa! Cansam-nos tantas injustiças, misérias e falsidades. A hipocrisia da humanidade nos desnorteia. Deus, ó Deus! Que mistérios, quanta negritude, que abismo nos cerca! Que ser difícil, meu Deus, é o homem. Quanto nos pesa essa vida! Neste “ Cárcere das Almas”, somos “Náufragos” e quiçá, na “Sombra do Tamarindo”, com Cruz e Sousa, Alphonsus de Guimarães e Augusto dos Anjos encontremos a paz tão ansiada. Qual nada, o mundo avança. A marcha do tempo é implacável. Surge o telégrafo, o automóvel, a guerra e a pós-guerra. O homem é um ser mutilado, perdido no caos deixado pela destruição e pela morte. É necessário destruir o que restou: a cultura. Destruamos livros e museus. “Cuspamos no Altar da Arte”. Somos “futuristas”. Só o momento nos interessa. Voemos. Precisamos acompanhar passo a passo a velocidade dos acontecimentos. Os “ismos” serão nossa meta. Vivamos o “ Cubismo”, o “Dadaísmo” e todos os “ismos” que surgirem. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 197 Estamos no início do século XX. O Brasil é uma mistura de raças e de culturas. Como dói, não é Major Quaresma? Como dói ver o sentimento nativista e nacionalista colocado a parte. É preciso resgatar nossas raízes. É preciso desmascarar a República e os inimigos do Brasil. Imolaram Antônio Conselheiro, a notícia nos chega da Bahia e, enquanto isso, o nosso Jeca Tatu sofre o descaso dos governantes e espera a ajuda prometida para a agricultura. Precisamos mudar, precisamos gritar, precisamos elevar bem alto o nosso protesto. Urge resgatar nossa identidade. Chega de estrangeiros. Chega de imposições. Queremos a liberdade criadora. Queremos cantar o que é nosso. Queremos, sobretudo, uma língua própria, fruto da mistura de raças, como nos propõe Menotti. Corramos! O tempo corre e não perdoa atrasos. Somos intransigentes. Cantemos nós o Brasil, e apenas nós. Escandalizamos a sociedade burguesa. Saímos dos grandes centros para os sertões. Vivemos nas “ Terras do sem fim” a questão agrária, o poder do coronelismo, o latifúndio, a prostituição , a morte na tocaia, a degradação humana. “ A Bagaceira” na Paraíba, “ O Quinze” no Ceará, as “ Vidas Secas “ nas Alagoas trazem para nós essa tragédia que não é só da Bahia, mas de toda a região nordestina. Com Bandeira e com Drummond extravasamos nossos sentimentos, angústias, descrenças, insatisfações. Oh! solidão do boi no campo! Oh! solidão do homem na cidade! No meio da multidão estamos sós. A nossa mente é um labirinto e encontramos em Macabea o nosso estado de perdidos, já vivenciado em “Angústia” com Luís da Silva. Somos realmente retirantes. Retirantes da seca, retirantes da vida como diz João Cabral de Melo Neto. A nossa arte é a palavra. A palavra objeto, a palavra que por si só se basta. Somos concretistas. Criticam-nos, bem sabemos. Entretanto, não desanimemos. É preciso acima de tudo acreditar. Acreditar e amar “ Amar, malamar, amar” nos ensina Drummond. E Clarice nos diz: “Nasci para três coisas na vida. Nasci para escrever, para ser mãe e para amar. Escrever é transitório pois a imaginação criadora pode desaparecer de uma hora para outra; os filhos nós somos apenas mero instrumento para trazê-los ao mundo; mas amar, amar é uma ventura que ninguém pode tirar, pois o amor é inesgotável” e a vida, a vida, esta continua... 198 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Autoavaliação Autoavaliar-se é fazer um exercício de introspecção, é enxergar-se de fora para dentro, é refletir sobre as práticas vivenciadas. Nesse sentido, o espelho, metáfora do olhar-se a si mesmo lhe permitirá registrar suas impressões sobre os conhecimentos adquiridos nessa viagem e, acima de tudo, avaliar-se como parte desse processo e sujeito de sua própria história. Leituras recomendadas Temos consciência de que, embora imbuídos de boa vontade, muito deixamos por dizer. Sabemos das lacunas, dos vazios a serem preenchidos. O leme agora está em suas mãos. Como estudante de Letras e professor de Literatura, é imprescindível que você leia e leia muito. A responsabilidade em relação ao jovem que chega em uma sala de aula é muito grande. Incentiva-o a ser um leitor proficiente, demonstrando-lhe que você o é. A pedagogia do exemplo é o melhor caminho para que os jovens acreditem em seu professor. Por esse motivo, indicamos como leituras de aprofundamento: • A obra de Castro Alves • O ABC de Castro Alves, de Jorge Amado • A obra de Fagundes Varela • As peças de Martins Pena • As Memórias de um Sargento de Milícias, Joaquim Manuel de Macedo • Artigos na internet que abordem as obras desses autores • Livros sobre a Revolução Francesa • As obras de Laurentino Gomes, 1808 e 1822 • O Guia politicamente incorreto da História do Brasil, de Leandro Narloch, dentre outros. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 199 dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades! Filme recomendado Disponível em: http://www. cinepop.com.br/cartazes/ fera_3.jpg 200 A Fera é uma adaptação moderna do conto de fadas A Bela e a Fera. A arrogância de Kyle Kingson (Alex Pettyfer), um jovem bonito, rico e inteligente, faz com que ele seja amaldiçoado pela colega de classe Kendra (Mary-Kate Olsen) após humilhá-la na frente de toda a escola. Transformado numa aberração e rejeitado pelos pais, Kyle é exilado no Brooklyn. Lá descobre que só terá sua beleza de volta quando alguém amá-lo verdadeiramente, provando que nenhum amor pode ser feio. SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Referências ABDALA Jr, Benjamin, CAMPEDELLI, Samira Youssef. Tempos da Literatura Brasileira. São Paulo: Ática, 1986. AMADO, Jorge. ABC de Castro Alves. Rio de Janeiro: Record, 1982 BARBOSA, Onédia Célia de Carvalho. Byron no Brasil: traduções. São Paulo: Ática, 1975. BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1992. CÂNDIDO, Antônio. Dialética da malandragem, in O discurso e a cidade. São Paulo: Duas Cidades, 1993. CHAVES, Lília Silvestre. Castro Alves, Espumas Flutuantes e outros poemas. São Paulo: ÁTICA. 2004. MOISÉS, Massaud. História da Literatura Brasileira. Vol. 2. São Paulo: Cultrix, 1991. OLIVEIRA, Clenir de Bellize. Arte Literária: Portugal-Brasil. São Paulo:Moderna, 2002. Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 201 202 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 203 204 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB 205