V RAM - REUNIÃO DE ANTROPOLOGIA DO MERCOSUL Antropologia em Perspectivas 30 novembro a 03 de dezembro de 2003, Florianópolis “Fazendo a América”, fazendo faxina: redefinindo identidades de gênero? Gláucia de Oliveira Assis – Faed/ Udesc [email protected] Grupo de Trabalho XII feminilidades, Coordenadoras: Fabiola Rohden Flávia Mattos Motta Sentidos do Gênero: masculinidades, sexualidades A emigração de brasileiros para os Estados Unidos é um fenômeno recente que, no final do século XX, inseriu o Brasil nos novos fluxos internacionais de migrantes. Uma das características desses novos fluxos é o aumento da participação feminina. Essas mulheres quando chegam aos Estados Unidos têm se inserido num nicho de mercado de trabalho que é a faxina doméstica. Este artigo pretende discutir, a partir de dados de pesquisa de campo realizada nas cidades da região de Boston (EUA) e em Criciúma (SC) 1 , como o “negócio da faxina” e a própria organização do trabalho doméstico redefinem ou problematizam as identidades de gênero, na medida em que, quando a faxina é realizada pelo casal ou por duas mulheres, são atribuídos outros significados a atividades consideradas mais “pesadas” ou mais “leves”, mais “masculinas” ou “femininas” fazendo com que na faxina, essas identidades circulem. Assim, fazendo faxina na América mulheres e homens são confrontados com redefinições de identidades que podem ou não implicar em mudanças nas relações de gênero 2 . Os novos e/imigrantes de Criciúm para os EUA e a Itália. A região que hoje compreende a cidade de Criciúma está localizada ao sul do estado de Santa Catarina e distante de Florianópolis 190 Km (via BR 101). No final do séc. XIX, a região sul do Estado de Santa Catarina constituiu-se num encontro de etnias das quais a italiana representa uma parcela significativa (Arns 1985, Baldin 1987, Nascimento 1993), 1 O trabalho de campo, assim como a vida dos migrantes dividiu-se entre dois lugares. Em Criciúma, cidade que a partir dos anos 90 emergiu como ponto de partida para emigrantes para a Itália e os EUA, realizaram-se dois momentos dessa pesquisa, um survey sócio-demográfico visando traçar um perfil da população migrante e entrevista com aqueles que permaneceram, os familiares mais próximos, bem como migrantes retornados. Nos EUA, na região de Boston acompanhei a vida cotidiana do migrante criciumense. . 2 Na bibliografia internacional sobre mulheres imigrantes, particularmente para os EUA, há um predomínio do conceito de gênero elaborado por Scott (1990) que se refere a construção social da diferença entre os sexos. Esse artigo ao enfocar os aspectos relacionais nas construções de gênero no processo migratório buscou incorporar a pertinente discussão realizada no Fórum Sentidos do Gênero I/ Assim, procuro analisar gênero a partir da noção de Strathern (1988), que entende por gênero as categorizações de pessoas, eventos, artefatos, eventos, seqüências, etc, que se baseiam numa imagética sexual, nos modos segundo a qual as distinções entre as características masculinas e femininas se concretiza nas idéias das pessoas acerca da natureza das relações sociais. O debate que vem ocorrendo nesse campo contribui para descentrar as análises de gênero apenas de homens e mulheres (Motta 2002) e demonstrar que o gênero circula (Côrrea, 2001). Uma revisão sobre como os estudos de migração vêm incorporando as questões de gênero encontrase em Assis (2003). 2 que ali se instalaram como aspiração do governo ao projeto de colonização de terras do interior do país com mão-de-obra européia e não mais escrava. Passados 120 anos que os imigrantes chegaram à cidade, na cidade os descendentes dos imigrantes iniciaram um novo movimento, um caminho inverso, conforme denominou Savoldi (1998) ao se referir ao movimento de retorno dos descendentes de imigrantes italianos para a terra de seus tataravôs. No final do século XX, Criciúma tornou-se um ponto de partida de emigrantes para algumas regiões da grande Boston, concentrando-se nas cidades de Lowell, Sommerville e Everett (dados do campo) e para algumas cidades da Itália, onde há parentes e amigos que os auxiliam e estimulam na migração. Ao iniciar a pesquisa não dispunha de dados que traçassem um perfil dessa população. Esses dados foram obtidos através de um survey3 que foi realizado na cidade. A pesquisa constatou que uma parcela de 3,2% da população de Criciúma tem experiência migratória internacional o que demonstra a relevância da migração para a cidade, já que a média nacional, segundo dados do IBGE, é 1% da população brasileira vivendo no exterior. Os dados que emergiram do survey permitiram traçar um perfil da população migrante e também demonstrar que as relações familiares e de gênero circunscrevem as opções e decisões de migrar, apontando para a importância das redes familiares no processo. A população migrante é constituída por imigrantes jovens (19,7%) está na faixa etária de 25-29 anos e correspondem, em geral, à quarta geração de descendentes de imigrantes para a cidade. Os dados da população migrante segundo o sexo indicam o predomínio da migração masculina com (62,7%) de homens e (37,3%) de mulheres. Ao longo dos anos 90 há um crescimento contínuo da migração e as mulheres começaram a participar efetivamente desse processo. Quando partem para os EUA, os migrantes criciumenses levam cons igo o sonho de uma vida melhor desejam “Fazer a América” o que significa trabalhar e juntar dinheiro para comprar uma casa, um carro e montar um negócio. No entanto, para realizar esse projeto 3 A pesquisa foi coordenada pela professora Teresa Sales. A coleta de dados foi realizada nas cidades de Criciúma (SC) e Maringá (PR) e forneceram o histórico migratório, o perfil sócio-demográfico e caracterização da população migrante. A equipe de pesquisa era constituída por Wilson Fusco, que coordenou o trabalho de campo, por Elisa Massae Sasaki que coordenou o trabalho de campo em Maringá e por mim, que coordenei o trabalho de campo em Criciúma. A pesquisa foi financiada pela FAPESP e teve por objetivo traçar a configuração das redes sociais nas cidades de origem dos fluxos de brasileiros 3 esses migrantes têm que trabalhar como migrantes indocumentados e em trabalhos que não exerciam no Brasil. Os migrantes criciumenses, assim como outros migrantes brasileiros e de outras nacionalidades se inserem no mercado secundário de trabalho4 caracterizado por baixos salários, precárias condições de trabalho, pouca segurança, alta rotatividade. Esse mercado é destinado em geral a mulheres, adolescentes, migrantes e imigrantes, pois não exige pouca qualificação e independe do conhecimento da língua. Pode-se dizer ainda que, além de se inserirem num mercado de trabalho segmentado etnicamente, esses imigrantes irão responder as essas “forças macroestruturais” diferentemente moldados pelas relações de gênero.(Hodagneu-Sotelo, 1994). Assim não é por acaso que inicialmente, que o mercado de trabalho ao qual se destinam os emigrantes criciumenses em Boston seja a construção civil para os homens e o serviço doméstico 5 para as mulheres (baby-sitter, housecleanners, housekepper). Segundo Martes (2000) “os imigrantes brasileiros apropriaram-se do ramo da faxina de maneira a gerar vantagens sobre outros grupos migrantes”. No entanto, é interessante observar que não são os migrantes brasileiros que “dominam a faxina”, mas as mulheres migrantes que fazem da faxina um “negócio” conforme observaram Martes (2000), Fleisher (2002) e Melo (2003)6 ao analisarem a configuração de um nicho de trabalho para as emigrantes brasileiras. As mulheres brasileiras que migram para os EUA têm na faxina um trabalho que pode lhes garantir a realização do projeto de fazer a América e os homens, quando 4 Para uma discussão sobre a inserção no mercado de trabalho americano ver: Sales, T. Brasileiros longe de casa. São Paulo, Cortez, 1999. Scudeler, V.. Imigrantes valadarenses no mercado de trabalho nos EUA. In; Reis, R. R e Sales T. Cenas do Brasil Migrante. São Paulo, Boitempo, 1999. Martes Brasileiros nos Estados Unidos: um estudo sobre imigrantes em Massachusetts. São Paulo, Paz e Terra, 2000. 5 Segundo Fleisher (2002, p.73) o trabalho doméstico é uma temática pouco visível nos estudos acadêmicos. A autora atribui essa invisibilidade, em parte, a própria natureza do trabalho doméstico: trabalho muito comum e tido como pouco complexo feito dentro das casas, por mulheres, em geral de classes e etnias desvalorizadas e lida com elementos dotados de potencial poluidor (como lixo, excreções humanas, sujeiras). No entanto, a despeito dessa invisibilidade, o trabalho doméstico vem aumentando em países como os EUA. Mary Romero(1997) e outras pesquisadoras têm ressaltado que o trabalho doméstico não é percebido como um emprego porque se realiza no espaço doméstico, ligado à família e atividades de lazer em oposição ao mundo do trabalho que seria realizado nas fábricas ou escritórios. Nesse contexto, as mulheres são identificadas como trabalhadores “naturais”, pois lavar, limpar, cuidar das crianças – são atributos “naturais” do gênero feminino. 6 Fleisher, S. R. Passando a América a limpo: o trabalho de housecleaners brasileiras em Boston, Massachusetts. São Paulo: Annablumes, 2002. Melo, S. Protagonistas de um Brasil imaginário: faxineiras em Boston. In: Martes, C. B. e Fleisher, S. R. Fronteiras Cruzadas – Etnicidade, família e redes sociais. São Paulo, Editora Paz e Terra, 2003. 4 trabalham na faxina doméstica, o fazem na maioria das vezes, subordinados a uma mulher. Elas são a “boss” 7 , determinam o trabalho, o que limpar, como fazer o serviço e o preço e os homens, quase sempre, obedecem sem questionar. O que gostaria de chamar atenção aqui é que além de mulheres e homens, as tarefas e as coisas são generificadas. O lugar do trabalho o escritório ou fábrica, lugar do emprego formal tornam-se masculinos, não exclusivo dos homens, pois mulheres trabalham em escritórios, mas carregados de atributos do gênero masculino, competitividade, eficiência, normas rígidas contratos. Enquanto que o trabalho doméstico “feito por amor”, onde a empregada é tratada como alguém da família, ganha atributos de gênero femininos como prestação de serviço, cordialidade, o cuidado, a informalidade, a ausência de regras claras. Nesse sentido, o fato das mulheres brasileiras se concentrarem na faxina, assim como outras migrantes latino americanas revelam algo das relações de gênero, mas também do seu entrecruzamento com classe e etnia, pois o aumento da inserção das mulheres migrantes latinas nos lares americanos significou uma substituição gradual das mulheres afro-americanas por mulheres da América Latina, Caribe e Ásia(...) mulheres de partes menos desenvolvidas do mundo não são apenas mais baratas para serem contratadas e estão mais dispostas a trabalhar duro e longamente, elas também são mais diferenciais e, devido a precariedade econômica e social, mais dóceis 8 (Rollins, 1990, 75). As mulheres brasileiras se insere num mercado segmentado por gênero, classe e etnia trabalhando para famílias americanas, cujas mulheres trabalham e pagam para outra mulher o serviço. Para os migrantes recém chegados esse trabalho, que não requer muito conhecimento da língua, nem habilidades específicas é uma boa oportunidade, pois além de tudo paga bem, uma casa custa cerca de U$S 50,00 e a faxina dura cerca de duas horas. Vejamos através das trajetórias de Roberto e Luisa, Cláudio e Laura, e Manoela nos ajudam a entender como se configura o negócio da faxina. 7 Chefe Rollins, Judith. In: Conlen, Shellee e Sanjek, R. At work in homes: household workers in world prepsctive. American ethnological society monograph serie. Whashington: American Anthropology Association, 1990, p. 74-88. 8 5 O casal Ramella9 e o negócio da faxina Roberto e Luisa Ramella constituem uma família que pode ser considerada como pertencente às camadas médias da população brasileira, pois na época da migração possuíam casa própria, um pequeno negócio confecção, e as filhas estudaram em escola particular até concluírem o ensino médio. Quando decidiram emigrar, Roberto estava com 46 anos e Luisa com 40 anos. Antes de emigrar ambos trabalhavam em setores e atividades muito diferentes das que viriam a exercer nos Estados Unidos. O motivo da migração foi o pagamento de dívidas decorrentes da falência desse negócio de confecção que quebrou em 1998. Endividados perderam o que tinham: casa na praia, carro. Os parentes de Roberto emprestaram o dinheiro para a viagem. O casal chegou aos Estados Unidos, em setembro de 1998 e foram recebidos em Lowell, na casa do filho e da namorada de um amigo de Criciúma que deram um “help”. Nos primeiros tempos, segundo Luisa e Roberto, foram os mais difíceis. Segundo Luisa “O açúcar não adoça, o sal não salga, era tudo saudade”… e a saudade das filhas que haviam ficado era o que mais doía. Assim, acabaram chamando a filha mais nova, oito meses depois, para terminar a terceiro ano nos Estados Unidos. As saudades do Brasil são amenizadas comprando produtos brasileiros e ligando para o Brasil. Além da saudade das filhas, Roberto e Luisa tiveram que se adaptar ao trabalho e a dificuldade com a língua, pois não falavam nada de inglês. Com a ajuda dos amigos, arrumaram trabalho logo que chegaram. Roberto, começou a trabalhar na pintura e Luisa foi trabalhar de camareira num hotel. Como não tinham intenção de permanecer nos Estados Unidos, não se preocuparam em legalizar-se, trabalham como outros imigrantes com documentos falsos. O casal começou a pensar no negócio da faxina influenciado pela sobrinha que morava na Filadélfia que dizia que era um bom negócio e que ia retornar para o Brasil e “passar” a faxina para eles quando retornasse e também pelos amigos de Criciúma que já haviam comprado um schedule 10 de faxina e montado o negócio. O que ocorreu nesse meio 9 Como se trata de uma migração indocumentada, os nomes que aparecem ao longo do trabalho, são fictícios, para resguardar a identidade dos migrantes. 10 Schedule de faxina consiste numa agenda estruturada que distribui as casas ao longo dos dias da semana. O schedule pode conter casas semanais, quinzenais e mensais. Em geral contém o nome do dono da casa e 6 tempo é que em junho de 2001 “apareceu” a oferta de 35 casas na região de Boston, por U$S 21.000,00, que foram pagos em três meses e eles pegaram as casas. Quem arrumou as casas foi um amigo de Criciúma, Cláudio, que também estava trabalhando com faxina, arranjou de um casal que estava indo embora para o Brasil e que “passou” as casas para Roberto e Luisa. Passar a faxina significa que os donos do negócio “vendem as casas” ou seja os pontos de trabalho quando estão retornando para o Brasil. Isto é, vendem principalmente a confiança, pois apresentam os futuros compradores aos seus “clientes” os proprietários das casas como amigos ou parentes próximos que vão substituí- los enquanto vão passar um tempo no Brasil. É interessante observar o caráter de negócio 11 que adquire a faxina, pois já foi dito, o trabalho é bem remunerado e por ser autônomo é considerado um negócio que confere as mulheres autonomia e prestígio na comunidade brasileira status bem diferente da faxina no Brasil. Essa distintividade em relação à faxina no Brasil é algo que não só Roberto e Luisa destacaram, mas também Cláudio e Laura, Manoela e Carla que trabalham com ajudantes, geralmente migrantes recém-chegadas. Dessa forma Roberto foi sendo convencido pelos amigos que já faziam faxina a dois e pela sobrinha a entrar nesse negócio. Até limpou uma casa para ver como era, assim decidiram montar o negócio, as oportunidades de trabalho podem ser moldadas por gênero como diz Hodagneu-Sotelo (1994), mas nesse e em outros casos em que os homens vão fazer faxina com as mulheres, há uma redefinição das atividades e os homens têm que aprender a executar as tarefas sob o comando das mulheres que conhecem e dominam o serviço. Como relatou Roberto: “A chefe é a Luisa. É ela que fala com o cliente, ele liga só para ela (risos), ela entende mais” Roberto o horário da faxina. Quando a faxina é realizada pelo casal, são as mulheres que organizam o schedule. E no caso de duas mulheres é a “dona” do serviço que detém o schedule. Aqueles que trabalham para firmas não tem o schedule vão para onde a firma manda, portanto, o grande negócio para as housecleanners é cosneguir comprar um schedule, que os migrantes vendem quando pretendem retornar o Brasil. 11 Essa questão também foi analisada por Martes (2000), Fleisher (2002).Martes ressalta o aspecto contraditório da venda de faxina, pois sob o pressuposto da solidariedade étnica, as faxinas são vendidas – sem o conhecimento dos proprietários das casas - para outros brasileiros amigos, parentes ou apenas conhecidos. Dessa forma realiza-se um negócio bem lucrativo para quem vende e, se tudo der certo, para quem compra, o que muitas vezes gera conflitos e acusação de exploração entre os migrantes. 7 As tarefas são assim divididas: as tarefas que são consideradas mais pesadas vão para Roberto que passa o vacuum (aspirador de pó), tira a poeira e ajuda a trocar a roupa de cama e quando tem laundry(roupa para lavar na máquina) ele faz. Luisa limpa os banheiros, a cozinha e passa o pano na casa. Os dois trabalham bem rápido para dar conta de fazer a faxina em duas horas. É Luisa também quem lê os bilhetes quando os patrões deixam instruções, combina com eles o serviço ou ouve alguma reclamação, por isso ele a considera a chefe. Essa mesma divisão de tarefas foi observada no casal Cláudio e Laura. Quando a faxina é realizada por duas mulheres, em geral a dona do negócio fica com as tarefas consideradas mais leves, arrumar o quarto, limpar a cozinha e o banheiro e a ajudante com as mais pesadas. Sob o comando de Luisa que diz por onde começar e o que fazer, e inclusive onde irão “tapear” o serviço naquele dia, Roberto migrou para o serviço doméstico e precisou aprender algo que não fazia no Brasil, a limpar casa, passar aspirador de pó, tirar poeira, lavar a roupa, que são classificadas como atividades mais “pesadas” e Luisa fica com as atividades mais “leves” arrumar os quartos, trocar roupa de cama serviço que Roberto ajuda, limpar os banheiros e a cozinha. É interessante observar que nesse contexto o trabalho doméstico ganha atributos masculinos pois, passar aspirador se torna uma tarefa masculina, assim como fazer a laundry, mesmo tirar poeira, considerado um trabalho mais delicado e portanto, feminino, é ensinado aos homens, que têm que aprender a tomar cuidado com peças delicadas. Dessa forma, as tarefas e os utensílios vão sendo classificados segundo as relações que os migrantes vão estabelecendo com as mesmas e o masculino e o feminino circulam. Em compensação, no caso dos casais analisados, são os homens que são responsáveis pela rota. Ou seja, todo o percurso que fazem para fazer a faxina. Estão em Lowell saem por volta das 07:00hs da manhã para fazer uma faxina em Cambridge, outra em Newton, outra em Lawrence, andam 30 milhas até Boston, depois têm que voltar para Lowell onde residem e fazem o part time, pois segundo eles na cidade onde moram as casas já estão todas tomadas por outras migrantes. Assim gastam um tempo do trabalho com o percurso entre uma cidade e outra. Quando surge alguma casa nova, no dia anterior olham no mapa primeiro e seguem as indicações para não errar o endereço no dia seguinte, nem chegar atrasado. Em geral chegam uns cinco minutos antes e ficam esperando dar a hora 8 para fazer a faxina. No caso das mulheres que trabalham junto com outras mulheres, a dona do negócio em geral tem o carro no qual carrega todo o material panos, material de limpeza, vacuum, luvas, que são pouco utilizadas. Nesse sentido a importância de ter um carro nos EUA, esse é um instrumento de trabalho fundamental tanto para os homens quanto para as mulheres, pois permite mobilidade e rapidez no deslocamento de um lugar ao outro. Depois que o casal Roberto e Luisa começou a trabalhar na faxina, o rendimento dobrou. Segundo Roberto e Luisa, antes, trabalhando em dois lugares, ganhavam cerca de US$ 800, 00 por semana. Com a faxina ganham cerca de US$ 1500,00 por semana, juntando o part time que continuam fazendo em Lowell. No começo se assustaram porque perderam onze casas. Pois, o fato de passarem a faxina, não significa que os clientes vão manter o serviço, principalmente porque não sabem que suas casas foram “vendidas”. Além disso, o período logo após o atentado de 11 de setembro significou uma queda no rendimento que repercutiu nas faxinas, mas ao longo do ano Luisa de Roberto recuperaram algumas e fizerem novas casas. Fazem cerca de 4 casas por dia, tem dia que são 05. O número de casas por semana varia algumas são quinzenais, outras mensais, outras semanais.. O preço das faxinas varia entre US$ 50,00 e US$ 80,00. A duração de cada faxina é de cerca de duas horas. A limpeza americana é sempre destacada como diferente da limpeza brasileira, pois não tem sujeira, não se joga água, pois os banheiros não têm ralos, e os produtos de limpeza são muito fortes. Muitas vezes as casas estão mais bagunçadas 12 do que sujas, dizem as housecleaners. Para as housecleaners o sucesso da faxina brasileira é atribuído ao fato dos americanos não saberem limpar. Quando a gente faz a primeira faxina capricha bastante para que elas vejam que a limpeza brasileira é diferente, mas diferente do Brasil não levamos o dia inteiro, o trabalho deve durar no máximo duas horas. Não reclamavam dos “clientes”, mas percebi uma certa tensão quando uma das patroas americanas reclamou do “vacuum” da semana anterior. As reclamações são feitas para Luisa porque Roberto não entende nada de inglês. Luisa quando chegou também não entendia, mas diferente Roberto, fez a high school por correspondência e freqüenta um curso de inglês aos sábados pela manhã. Diz que o inglês melhorou bastante que já consegue se comunicar razoavelmente. 12 Para uma discussão sobre os tipos de limpeza ver Fleisher (2002). 9 Considerações Finais Assim a faxina, um trabalho que é considerado feminino no Brasil, mistura os papéis de gênero e redefine as posições de homens de mulheres, quando trabalham em conjunto. Essa não é a forma mais recorrente desse arranjo, pois conforme os casais que acompanhei “ tem que estar muito afinado o casal para funcionar”. Embora o trabalho com a faxina seja muito cansativo e de baixo status na sociedade americana, na comunidade brasileira esse status é resignificado. As mulheres são vistas como businessswomen que têm seu próprio negócio, ganham bem, tem carro e contribuem substantivamente para o orçamento familiar (sua renda não é vista como complemento), viajam para o Brasil ou trazem seus parentes para visitá-las. Esses ganhos compensariam o caráter de trabalho braçal, pesado de baixo status. Esse aspecto também foi observado por Martes (2000) e Fisher (2002) e Sales (1999) 13. Nesse contexto a faxina doméstica ganha status de trabalho para as migrantes e podemos dizer que fazer faxina na América “empodera” as mulheres que conseguem entrar nesse competitivo negócio o que atribui um significado diferente do que foi apontado no início do texto por autoras que analisam o emprego doméstico entre outras imigrantes latinas e asiáticas. É importante observar que as mulheres se sentem empoderadas, mas entre os homens que fazem a faxina, não observei esse sentimento. Por isso fazer faxina na América torna-se um projeto das mulheres, que embora cheguem muito cansadas e com dores nas costas, os produtos de limpeza provoquem alergias e sintam mesmo depressão, por realizarem uma tarefa que no Brasil pagavam para fazer, a garantia de rendimento continuo compensaria essa perda de status. Driblando esse rebaixamento, as imigrantes brasileiras chamam suas patroas de clientes ou freguesas o que parece uma tentativa de escapar da visão que elas mesmas têm do trabalho doméstico e da faxina no Brasil. A faxina, ao invés de trabalho feminino desvalorizado e não reconhecido como emprego, torna-se para mulheres e homens um negócio que ajuda a realizar o projeto de fazer a América. Roberto e Luisa, Cláudio e Laura, assim como Manoela, compraram com o dinheiro da faxina imóveis no Brasil. Por isso consideram que fazem a América, fazendo faxina. 13 Sales, Teresa. Brasileiros longe de casa. São Paulo, Cortez, 1999.