4 MECÂNICA APLICADA - Cames 4.3 DIAGRAMA DE DESLOCAMENTOS 4.3.1 Introdução A geometria de uma came é determinada pelo movimento que se pretende induzir ao seguidor. O problema resolve-se mais facilmente com recurso a uma inversão do mecanismo, considerando a came estacionária e o seguidor em rotação em sentido oposto, obtendo-se assim o denominado Diagrama de Deslocamentos. Na realidade, o processo de concepção de uma came inicia-se pela traçagem do referido diagrama, em que: - a abcissa corresponde aos 360o de rotação completa da came, (devendo ter o perímetro da circunferência principal) - a ordenada representa o deslocamento linear pretendido do seguidor. tal como o esboçado na Fig.4.4, aplicado ao caso da came da Fig.4.3. Figura 4.4 - Diagrama de deslocamentos Neste diagrama podem identificar-se facilmente os períodos de subida, de retorno e de estacionamento quer ‘em cima’ quer ‘em baixo’ do seguidor, sendo de salientar que uma came pode apresentar vários destes estágios ao longo de uma única rotação. De notar também a existência de pontos de inflexão das curvas, que correspondem aos pontos primitivos do traçado da came e que, coincidindo com a maior inclinação da curva primitiva, se traduzem nos pontos de ângulo de pressão máximo. A abcissa do diagrama divide-se num número conveniente de partes, dependendo unicamente da precisão requerida para a traçagem, correspondendo a sectores angulares de rotação da própria came. Obs.: do exposto acima depreende-se que, para a criação de um Diagrama de Deslocamentos, deverão ter sido definidos previamente os diâmetros do rolete (caso exista) e da circunferência principal (ou da circunferência de base) da came; a forma de dimensionar estes parâmetros, assim como as implicações dos seus valores no resultado final, serão abordadas mais adiante neste capítulo. 5 MECÂNICA APLICADA - Cames 4.3.2 Movimentos Básicos do Seguidor 4.3.2.1 Movimento uniforme O movimento uniforme (ou, mais exactamente, o movimento a velocidade constante) corresponde a um deslocamento regido por uma equação do tipo, y=C⋅θ em que (y) é o deslocamento do seguidor, (C) uma constante e (θ θ) o ângulo de rotação da came. Considerando que se pretende uma elevação total (d) numa rotação de (β β) radianos, então: d=C⋅β ou seja, C = d/β pelo que, y = d/β ⋅ θ ou seja, (y = d) para (θ θ = β), o que equivale à equação de uma recta - Fig.4.5. Por sua vez, velocidade e aceleração do seguidor serão dadas por, v = dy/dt = d/β dθ/dt = d/β⋅ω a = d2y/dt2 = d/β dω/dt = 0 em que (ω ω) é a velocidade angular (constante) da came. Figura 4.5 - Diagrama de movimento uniforme Nota: no caso de o movimento ser de descida, e não de subida como o ilustrado, a análise e respectivas conclusões seriam idênticas, sendo apenas necessário ajustar o sinal nas equações acima. 6 MECÂNICA APLICADA - Cames 4.3.2.2 Movimento uniforme modificado Pelo facto de implicar uma passagem abrupta da condição de repouso à de velocidade constante (e vice-versa) tornam-se óbvios os inconvenientes da utilização de um movimento uniforme 'puro'. A situação - que se traduz na existência de acelerações teóricamente infinitas na zona de transição, como se pode ver na Fig.4.5 - levaria à geração de forças elevadíssimas no ínício do movimento e à impossibilidade de o seguidor se manter em contacto com a superfície da came, no fim da subida. Questões similares se põem na sua utilização para o retorno (descida) do seguidor. Assim, uma solução simples reside no 'arredondamento' das zonas de transição, com o auxílio de arcos de raio igual à elevação total (d), tal como ilustrado na Fig.4.6. Figura 4.6 - Movimento uniforme modificado 4.3.2.3 Movimento parabólico Correspondendo à construção de uma curva de deslocamentos como a da Fig.4.7, Figura 4.7 - Diagrama de movimento parabólico a respectiva equação vem como, y = C ⋅ θ2 expressão que apenas é aplicável para (0 ≤ θ ≤ ponto de inflexão). 7 MECÂNICA APLICADA - Cames Considerando que o ponto de inflexão é tal que (y = d/2), pelo que (θ θ = β/2) e (C = 2⋅⋅d/β β2), então na primeira parte do movimento, y = 2⋅d (θ/β)2 e, por seu turno, v = dy/dt = (4⋅d⋅ω/β2)⋅θ a = d2y/dt2 = 4⋅d⋅ω2/β2 Para a segunda parte do movimento, após o ponto de inflexão, vem que: y = C1 + C2 θ + C3 θ2 donde, tendo em atenção que (θ θ = β) para (y = d), d = C1 + C2 β + C3 β2 Por sua vez, como para (θ θ = β) a velocidade é nula e para (θ θ = β/2) é máxima, então de: dy/dt = C2⋅ω + 2⋅C3⋅ω⋅θ resulta que: 0 = C2⋅ω + 2⋅C3⋅ω⋅β 2⋅d⋅ω/β = C2⋅ω + 2⋅C3⋅ω⋅(β/2) sendo possível calcular: C1 = -d C2 = 4⋅d/β C3 = -2⋅d/β2 Assim, virá finalmente: y = d⋅[1-2⋅(1- θ/β)2] v = dy/dt = (4⋅d⋅ω/β)⋅(1-θ/β) a = d2y/dt2 = -4⋅d⋅ω2/β2 cujos resultados podem ser visualizados na Fig.4.8, em que (B) designa o ponto de inflexão da curva de deslocamentos, à esquerda e à direita do qual são aplicáveis um ou outro dos grupos de equações deduzidos acima. Adicionalmente, a Fig.4.8 inclui a curva correspondente à terceira deriva do deslocamento designada como o impulso ou choque - e que, correspondendo à variação da aceleração, fornece uma indicação adicional da qualidade do accionamento conseguido. No caso do movimento parabólico torna-se evidente que, apesar de a aceleração ser constante, existem situações de impulso 'infinito' no princípio e no fim do movimento, bem como no ponto de inflexão, sendo assim de esperar alguns problemas de funcionamento nestes pontos. 8 MECÂNICA APLICADA - Cames Por esta razão, sistemas empregando este tipo de movimento estão sujeitos a consideráveis restrições de velocidade de rotação. Figura 4.8 - Movimento parabólico 4.3.2.4 Movimento harmónico simples A curva para este tipo de movimento pode ser obtida conforme mostra a Fig.4.9, sendo o deslocamento do seguidor dado por: y = d/2 ⋅[1-cos(π⋅θ/β)] Figura 4.9 - Diagrama de movimento harmónico simples enquanto para a velocidade e a aceleração temos: v = dy/dt = [π⋅d⋅ω/(2⋅β)]⋅sen(π⋅θ/β) a = d2y/dt2 = [(d/2) ⋅(π⋅ω/β)2]⋅cos(π⋅θ/β) 9 MECÂNICA APLICADA - Cames Como mostra a Fig.4.10, os problemas de funcionamento devido à existência de impulso 'infinito' no início e no fim do movimento levam a restrições na sua aplicação, não muito diferentes daquelas verificadas para o movimento parabólico. Figura 4.10 - Movimento harmónico simples 4.3.2.5 Movimento cicloidal Geometricamente, a curva para pode ser obtida como ilustrado na Fig.4.11, sendo o deslocamento do seguidor dado por: y = d ⋅[(θ/β) - (1/2π)⋅sen(2πθ/β)] Figura 4.11 - Diagrama de movimento cicloidal 10 MECÂNICA APLICADA - Cames sendo a velocidade e a aceleração dadas por: v = dy/dt = (d⋅ω/β) ⋅[1 - cos(2πθ/β)] a = d2y/dt2 = (2πd) ⋅[(ω/β)2⋅sen(2πθ/β)] Os diagramas correspondentes encontram-se na Fig.4.12. A notória ausência de problemas de funcionamento faz com que este tipo de perfil seja indicado para mecanismos de alta velocidade. Figura 4.12 - Movimento cicloidal 11 MECÂNICA APLICADA - Cames 4.4 DETERMINAÇÃO GRÁFICA DO PERFIL DA CAME 4.4.1 Came com Seguidor de Rolete Centrado de Deslocamento Linear Inicia-se o procedimento dividindo o diagrama de deslocamentos num número conveniente de partes, tendo em consideração os pontos mais relevantes do movimento - isto é, início e fim de subida, descida, etc. Estes troços são depois sub-divididos equitativamente, contrabalançando a precisão requerida com o número de pontos de traçagem a obter. Seguidamente, divide-se a circunferência de base da came nos sectores angulares equivalentes à divisão efectuada no diagrama de deslocamentos. Partindo de um diagrama de deslocamentos, como o da Fig.4.13.b) - o valor da ordenada de cada ponto pode ser transferido para o correspondente raio do sector angular, no desenho da came Fig.4.13.a) - adicionando-o à circunferência principal. (a) (b) Figura 4.13 - Came com seguidor de rolete centrado A união de todos os pontos assim determinados dá origem à curva primitiva da came, que MECÂNICA APLICADA - Cames 12 corresponde à trajectória do ponto de traçagem. Finalmente, o esboço das circunferências do rolete em todos os ponto determinados, e a traçagem de uma linha tangente a todas elas, permite a obtenção da superfície da came. 4.4.2 Came com Seguidor de Rolete Descentrado de Deslocamento Linear No desenho da came, começa-se por traçar uma circunferência de raio igual ao descentramento do seguidor (distância, na perpendicular, entre a linha de acção do seguidor e o eixo da came). Seguidamente divide-se esta circunferência no número de sectores angulares correspondentes às divisões definidas no diagrama de deslocamentos. Na intercepção de cada um dos raios, assim marcados, com a circunferência de descentramento traçam-se as respectivas perpendiculares Fig.4.14. Nota: estas perpendiculares correspondem, de facto, à linha de acção do seguidor Figura 4.14 - Came com seguidor de rolete descentrado A transferência dos valores das ordenadas do diagrama de deslocamentos é feita para estas perpendiculares, definindo os pontos da curva primitiva. A continuação do procedimento é idêntica ao caso do rolete centrado. 13 MECÂNICA APLICADA - Cames 4.4.3 Came com Seguidor de Prato de Deslocamento Linear O procedimento é genericamente idêntico aos anteriores, para seguidor centrado ou descentrado, conforme o caso, até à traçagem da curva primitiva. Tendo em atenção que, neste caso, o ponto de traçagem corresponde ao ponto central do prato, o passo seguinte é o esboço de linhas perpendiculares à linha de actuação do seguidor, passando pelo ponto de traçagem (que, na realidade, são esboços da superfície de contacto do prato). A curva da came obtem-se por traçagem de uma linha tangente à superfícies do prato, em todas as posições definidas. Adicionalmente, é possível determinar a largura mínima do prato que, dependendo do diagrama de deslocamentos, pode não ser simétrico - valores a e b, na Fig.4.15. Figura 4.15 - Came com seguidor de prato 4.4.4 Came com Seguidor de Rolete de Deslocamento Angular Inicia-se o procedimento por traçar a circunferência correspondente ao eixo de rotação do seguidor, com centro no eixo da came, dividindo-a depois no número de sectores angulares previamente definido no diagrama de deslocamentos (1”, 2”, ..., na Fig.4.16). Nota: nestes casos, a ordenada do diagrama de deslocamentos corresponde a variações angulares e não lineares Seguidamente, esboça-se o seguidor na sua posição de partida e sobrepõe-se-lhe o arco de oscilação pretendido, marcando-lhe as diferentes posições angulares (1’, 2’,...) constantes do diagrama de deslocamentos. A curva primitiva é então determinada pela intercepção do arco, com centro no eixo da came, saído de cada ponto acima referido (1’, 2’, ...) com o arco de raio igual ao comprimento do seguidor (*) e centro no eixo da posição considerada (1”, 2”, ...). (*) entendendo-se por comprimento do seguidor a distância entre o seu eixo e o eixo do respectivo rolete 14 MECÂNICA APLICADA - Cames A superfície da came é traçada do mesmo modo que nos casos anteriores. Figura 4.16 - Came com seguidor oscilante