Sabedoria com Profecia Pe. Medoro de Oliveira A memória é muito importante. Uma pessoa sem memória não recorda o passado, não sabe se situar no presente, nem como projetar o futuro. A memória registra a História e é condição para se fazer História. E nós somos, pela memória bíblico-teológica, o Povo de Deus consciente de sua gesta libertadora na História. Desde a sua intervenção inicial que funda a História de suas intervenções salvíficas até se encarnar em Jesus, para vir fazer História com a humanidade que, ainda hoje, sob a moção do Espírito Paráclito faz a História da Salvação, na expectativa de sua plenitude. A iniciativa do Departamento de Teologia da PUC-Rio de recordar e celebrar a sua história é por isso mesmo, um fato histórico da maior relevância, pois lendo a memória de seus 45 anos com as lentes da fé e das ciências pode discernir a sua missão de estar a serviço da inteligência e da transmissão da fé no presente e no futuro da mesma, continuada e progressiva História amorosa e libertadora de Deus com o seu Povo. Desta pude participar vivamente entre os anos de 1978 a 1998, inicialmente e sempre como aluno e depois como professor. Honrado por testemunhar para essa memória, sou agradecido por ter podido beber dessa fonte e compartilhar as alegrias dessa caminhada verdadeiramente discipular e missionária. Nos tempos do bacharelado em Teologia éramos entusiastas de um Brasil novo e de uma Igreja libertadora. Vivemos as mobilizações populares que fizeram renascer a democracia, em meio a intimidações e riscos do regime ditatorial. A bandeira da libertação levantada pelas CEBs com seus cristãos militantes dos movimentos populares era razão forte para um novo pensar teológico. A Igreja do Brasil, no seu conjunto assumiu a opção pelos pobres em chave libertadora e pagou por isso o testemunho dos Mártires da Caminhada. Bispos pastores de seu pobre povo pobre tomaram a peito a profecia. Destes queremos lembrar apenas de Dom Waldyr Calheiros de Novaes (completando nesses dias seus 90 anos) - Volta Redonda, Dom Adriano Hipólito Nova Iguaçu, Dom Mauro Morelli – Duque de Caxias e Dom Vital Wilderink que, próximos de nós, acreditaram e apostaram na Teologia da PUC para formação dos padres e leigos comprometidos com a libertação. Desfrutei assim, da sabedoria de professores que deram à Teologia da PUC o nível de excelência, por seu rigor científico, peso cultural e diaconia eclesial. Recordo com especial lembrança e carinho o teólogo Alfonso Garcia Rubio, meu Diretor Espiritual. Seu discernimento – sempre acompanhado de bom humor - foi decisivo para que desse prioridade ao aprofundamento da fé na perspectiva de um ministério que tivesse os empobrecidos como destinatários prioritários da missão evangelizadora. Também o meu orientador de estudos o querido Pe. Antônio Pereira da Silva que me fez abraçar uma eclesiologia de comunhão ministerial a serviço do Reino de Deus na História. Ao seu lado o Pe. Mário de França Miranda que me acolheu e sempre me incentivou e acompanhou com amizade. Junto a eles sou igualmente grato aos professores Gabriel Selong, Jesus Hortal, Pedro Ribeiro de Oliveira, João Batista Libânio, Álvaro Barreiro, Antônio Moser, Emanuel Bouzon, Felix Pastor, Clodovis Boff, Carlos Palácio, Juan Ruiz de Gopegui e Luiz Alberto Gomes de Souza Ao lado dos mestres, durante três anos, ali compartilhei de um grupo de estudantes rico em sua pluralidade de leigos, religiosos/as e seminaristas. Rico igualmente na dedicação aos estudos, às comunidades e aos pobres. Recordo dentre eles os mais amigos e parceiros na caminhada: Ana Maria Tepedino, Delir Brunelli e Francisco Dinelli (teólogos), Domingos Ormondes (liturgista), Joel Portela (pastoralista), Gustavo Auler, Paulo Quiquita de Oliveira e Antônio Carlos Almeida (párocos), Tereza Cavalcante (biblista) e Margarida Brandão (moralista). Comissão de Memória do Departamento de Teologia da PUC-Rio 1 Se pudesse resumir numa única expressão diria que, naqueles anos a Teologia da PUC teve como característica fundamental ser “Sabedoria com Profecia”. As reflexões arraigadas à mais genuína Tradição, com inigualável rigor teológico e grande peso sócio-cultural eram compartilhadas com beleza e encantamento trazendo em seu bojo o imperativo do engajamento numa Igreja comprometida com a evangelização dos pobres. Buscava oferecer luz para o discernimento que levasse à conversão e calor para o engajamento nos processos de libertação de nossa gente. O clima era de alegria, esperança, otimismo e ajuda mútua. Conseguimos, por anos a fio, ser uma comunidade de discípulos e discípulas de Jesus Cristo comissionados à formação de comunidades verdadeiras – as CEBs – que articulassem a gratuidade própria da fé nas suas expressões orantes, especialmente da Eucaristia, e o engajamento dos militantes nas iniciativas de transformação da sociedade. O pulsar dessa alvorada eclesial era recolhido em nossos diálogos e debates acadêmicos de forma madura, firme, corajosa e discreta que não abortasse o novo nos “barris velhos”. Nas condições de possibilidade de então, a fidelidade decorrente de nosso compromisso batismal nos obrigava produzir um pensamento teológico fortemente profético com a doçura e a clareza da sabedoria. Uma teologia “de ponta” que muito cedo viu seus cursos de bacharelado, mestrado e doutorado reconhecidos doutrinária e academicamente por parte da Santa Sé e do Estado Brasileiro. Todos os seus agentes ou produtores teóricos não se perderam assim num desgaste eclesiástico, como não perderam seu diálogo com o conjunto da academia e seu engajamento profético. Não sabíamos que estávamos então preconizando o tempo eclesial atual em que o Papa Francisco, sem falar explicitamente em Teologia da Libertação, assume seus princípios, numa hermenêutica libertária e legítima das Escrituras e de toda genuína Tradição, e conclama os pastores, os fiéis e os teólogos a uma “Igreja pobre para os pobres”. Não tenhamos medo de afirmar que a produção dos teólogos da PUC contribuiu decisivamente para o amadurecimento das comunidades e para esse inovador momento eclesial-eclesiástico. Recordemos, a título de ilustração, que na última Vigília de Pentecostes o Papa Francisco convidou novamente a Igreja “para sair de si mesma, em direção à periferia, a dar testemunho do evangelho e a encontrar-se com os demais”. Ainda, "Prefiro uma Igreja acidentada, do que doente por fechar-se”, disse. Coerentemente, o Papa criticou aqueles que permanecem indiferentes a essa realidade, especialmente quando cristãos “que falam sobre teologia enquanto tomam chá”. Segundo Francisco, esses seriam “cristãos de salão”. Assim a Teologia da PUC já ensinava como Francisco, que “nós temos que ter coragem e ir ao encontro daqueles que são a carne de Cristo”. Isso porque para a Teologia da Libertação e para o Papa Francisco, a pobreza não é vista como uma categoria filosófica ou sociológica, mas teológica. “Porque o Filho de Deus se fez pobre” e se a Igreja não vai em direção a carne de Cristo que está nos pobres, cai na “mundanidade espiritual”, algo que está intimamente ligado aos perigos do “cristianismo de salão”. Quero assim, celebrar com todo Departamento de Teologia e também com meus excolegas e professores os 45 anos de produção teológica da PUC-Rio. Guardo a riqueza de duas décadas que ainda hoje alimenta minha presença e missão na Igreja dos Pobres. Etapa que inovou e enriqueceu a comunidade teológica formando leigos e mulheres – e com caráter ecumênico – a serviço da libertação e da vida. Assim, bendigo a Deus pelas décadas de 80 e 90 na PUC, etapa do caminho que, como num mutirão teológico, vivencie a Teologia da Libertação: sabedoria com profecia! Pe Medoro de Oliveira Souza Neto Paróquia de S. José Operário – Três Rios, RJ ITF – Instituto Teológico Franciscano, Faculdade de Teologia, Petrópolis, RJ PUC-Rio (licenciado) [email protected] Comissão de Memória do Departamento de Teologia da PUC-Rio 2