SOUZA, Edinaldo Antonio Oliveira. Lei e costume: experiências de trabalhadores na
Justiça do Trabalho. Recôncavo Sul, Bahia, 1940-1960. Salvador: EDUFBA, 2012.
Luana Moura Quadros1
Edinaldo Antonio Oliveira Souza é baiano de Dom Macedo Costa, pequena cidade
do Recôncavo. É professor da Universidade Estadual da Bahia no campus de Santo
Antônio de Jesus, próximo à sua cidade natal. Esta mesma região é o locus de sua
pesquisa que se estende para outros municípios como Nazaré das Farinhas e Cachoeira,
sede das Comarcas de onde provêm os processos estudados. Atualmente cursando
doutorado na Universidade Federal da Bahia, o autor continua investigando as
experiências de trabalhadores em suas lutas por direitos.
O trabalho desenvolvido pelo autor está no bojo das discussões historiográficas
sobre os trabalhadores, que nos últimos anos no Brasil, os têm evidenciado como
protagonistas do fazer-se enquanto classe, negando as teses de que eram passivos e
cegamente subordinados ao Estado. Por conseguinte, os novos estudos que buscam
compreender a relação de trabalhadores com a Justiça do Trabalho vão na contramão de
pensar este órgão apenas como uma maneira de impor a dominação do Estado sobre a
classe operária. Reconhecendo na sua criação, todo o viés ideológico corporativista do
governo Vargas, perceberam, através de pesquisa empírica, que os trabalhadores
também arquitetavam estratégias, apropriando-se do saber jurídico e requerendo
direitos.2
Neste sentido, “Lei e costume: experiências de trabalhadores na Justiça do
Trabalho” trata-se de um estudo que objetiva compreender como os trabalhadores do
interior da Bahia, mais precisamente no Recôncavo Sul, se relacionaram com a Justiça do
Trabalho e a legislação trabalhista. Utilizando-se de 125 processos provenientes de
Mestranda em História Social pelo Programa de Pós-Graduação em História na Universidade Federal da
Bahia – PPGH/UFBA, sob orientação da Profª. Drª. Lina Maria Brandão de Aras. Bolsista do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). E-mail: [email protected]
1
Sobre os avanços destes estudos, ver CHALHOUB, Sidney; SILVA, Fernando Teixeira da. Sujeitos no
imaginário acadêmico: escravos e trabalhadores na historiografia brasileira desde os anos 1980. In:
Cadernos AEL. UNICAMP, v. 14, n.26, 2009.
2
Historien (Petrolina). ano 5. n. 10. Jan/Jun 2014: 451-455.
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reclamações trabalhistas de três Comarcas (Cachoeira, Nazaré e Santo Antônio de Jesus),
o autor explorou as possibilidades desta fonte para apreender as experiências de
sujeitos no cotidiano dos mundos do trabalho daquela região através de estudos
comparativos.
Edinaldo Souza procurou não adequar sua pesquisa dentro de um paradigma
explicativo, fosse do populismo ou do pacto trabalhista, para não “incorrer nas
armadilhas teóricas” (p. 16) inerentes a estes conceitos. Preferiu ressaltar, conforme
estudos mais recentes, que “entre aquilo que pretendia o Estado e a forma com que
foram recebidas pelos trabalhadores, aconteceram desvios, apropriações, resignificações dos seus propósitos”(p.44). Assim, colocou estes na cena, atuando e
reconhecendo sua experiência histórica, uma vez que “não eram papéis em brancos para
serem grafados” (Idem).
Dividido em três capítulos, o fio condutor do livro está em perceber a Justiça do
Trabalho como uma via conciliatória - caráter colocado desde a sua criação. A
conciliação não é vista como sinônimo de harmonização entre patrões e empregados,
mas um meio de luta para que fossem assegurados os direitos previstos em lei. Até
mesmo as militâncias trabalhistas e comunistas no período de redemocratização pósEstado Novo preconizavam a negociação entre as partes e viam na greve o último
recurso, pois como declarou o jornal comunista O Momento, a agitação e a desordem não
eram interessantes ao proletariado que precisava “garantir os seus direitos e a liberdade
recém-conquistada” (p. 36).
O primeiro capítulo, “Os trabalhadores do Recôncavo e a Justiça do Trabalho”,
apresenta a criação e a recepção da Justiça do Trabalho e traça o perfil dos reclamantes a
partir dos próprios processos, como também dos censos de 1940 e 1950. Este
delineamento constitui a chave para compreender a análise dos processos nos capítulos
subsequentes, bem como faz o leitor ter uma ideia de que região é esta que Edinaldo
Souza se detém em seus estudos.
Numa região onde era rara a quantidade de trabalhadores sindicalizados, a
criação da Justiça do Trabalho significou a possibilidade da garantia dos direitos
trabalhistas, uma vez que não trazia como obrigatória a filiação a um sindicato ou a
representação de advogado. Traçar o perfil dos reclamantes ocupa a maior parte deste
capítulo e explora: a as atividades da população nas três comarcas, bem como a cor da
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Resenha: Lei e costume
pele; chama atenção que ser alfabetizado facilitaria o acesso às informações das leis
trabalhistas, contudo não saber ler e escrever não exclui os trabalhadores de utilizarem
a via jurídica para fazerem valer a lei; destaca a presença feminina dos processos contra
o patrão como um ato de “independência e coragem”, quando a relação de trabalho à
época “era, ao mesmo tempo de exploração econômica e de discriminação sexual” (p.
57). Por fim, o autor compreende as estratégias de trabalhadores rurais e domésticos na
tentativa de se enquadrarem na Consolidação de Leis Trabalhistas (CLT), ressaltando a
complexidade de suas práticas de trabalho baseadas em acordos verbais, nas quais
prevalecia a honra, a palavra e não o documento escrito.
O segundo capítulo, “Tensões, conflitos e negociações: os bastidores da disputa
jurídica” confronta a ideia da conciliação sem atritos de interesses. Realizou-se um
levantamento dos principais direitos reclamados, percebendo as disputas jurídicas como
expressões de tensões cotidianas nas relações de trabalho. O autor, seguindo os
caminhos de E. P. Thompson destaca que a lei, ainda que enuncie métodos de controle e
disciplina de classe, não suprime a criação de estratégias e negociações por parte dos
trabalhadores, por isso a justiça tornava-se espaço de tensão e conflito (p.83). Trazer a
greve, como uma estratégia para lutar por direitos além da via jurídica, é outra questão
abordada, uma vez que era uma alternativa importante, principalmente para aquele
reclamante que ainda permanecia no trabalho, pois era um meio direto de pressionar o
patrão. Por fim, acentua que na arena jurídica as disputas não se davam apenas entre
patrões e empregados, mas entre advogados e destes com os juízes no domínio da lei e
da justiça, uma vez que estavam em jogo “motivações de natureza ideológica, busca de
prestígio profissional e, até mesmo, influências e vaidades pessoas” (p. 108).
O último capítulo, “Direitos pelos quais valia a pena lutar”, amarra algumas
questões já propostas, mas enfoca nos resultados dos processos trabalhistas. Dos 125
processos, 75 foram julgados procedentes e parcialmente procedentes, apresentando,
para o autor, uma avaliação positiva da atuação da Justiça do Trabalho para os
trabalhadores. Verificou-se que a popularização da via jurídica não apenas um efeito do
recurso propagandístico do governo, mas por “encontrar ressonância na experiência
vivida” dos trabalhadores, por isso conseguindo “desempenhar o papel ideológico a que
se propunha” (p. 138). Quanto ao processo de conciliação, o autor destaca que os
trabalhadores foram sujeitos participativos do processo, não sendo levados pelo
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discurso jurídico. Conciliar não significava aceitar, mas negociar e balancear possíveis
vantagens ou desvantagens. A última questão abordada é a relação entre direito e
costume, ou seja, quando este é um fundamento ou critério para legitimar aquele (p.
159), percebendo que a legislação não era um fim em si mesma, mas que “funcionava”
dentro de uma lógica social própria.
Sem dúvida, é a exploração dos processos trabalhistas que permitiu ao autor
tocar em diversos assuntos referentes ao cotidiano de trabalho, mas com um caminho
muito definido: experiências de trabalhadores na Justiça do Trabalho. O jornal, como O
Momento, apesar de delinear as perspectivas defendidas pelos comunistas no período de
redemocratização pós-Estado Novo, não é a substância do trabalho. Talvez por isso, a
pouca crítica a esta fonte, no que concerne à sua formação de opinião enquanto veículo
ligado ao Partido Comunista. Outro caso são as informações verbais que aparecem
poucas vezes ao longo do trabalho. Elas trazem informações que complementam os
processos, mas carecem de discussões sobre memória, e até mesmo de informações
burocráticas, mas necessárias ao ofício do historiador como: data da coleta do
depoimento, idade do depoente, bem como dar o crédito devido ao final do trabalho.
Devido à quantidade de processos analisados, muitos foram os assuntos
abordados, priorizando extrair a atuação dos trabalhadores nas negociações na Justiça
do Trabalho. Entretanto, diante da miríade de casos, a presença feminina e as ações de
trabalhadores rurais na Justiça do Trabalho explanadas neste estudo, dão margem a
pensar mais profundamente sobre estas questões. Cabendo, para as experiências
femininas, estudos de gênero que visem compreender não apenas a importância delas
para a economia fumageira, como também suas estratégias para colocar-se com
autonomia num universo ainda masculinizado que é a esfera do trabalho como um todo.
No entanto, estas questões não ofuscam a contribuição de “Lei e Costume” à
historiografia baiana no que versa sobre a História Social do Trabalho como um campo
de pesquisa que se renova. Primeiro, por adentrar em mundos do trabalho praticamente
desconhecidos e mostrar como os trabalhadores do interior da Bahia foram atuantes na
luta por direitos, desmitificando a ideia de que tais lutas e o acesso à Justiça do Trabalho
se concentrassem apenas na capital.
Segundo, ainda que perceba que a legislação trabalhista procurasse atender uma
demanda social, ela não era uma “retórica vazia” como o autor citou, parafraseando
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Resenha: Lei e costume
Thompson (p. 138). Por isto, as análises foram refinadas ao considerar as experiências
destes sujeitos sempre fazendo a ressalva que a honra, a palavra e a dignidade, somadas
às noções de direito e justiça intrínsecos ao cotidiano dos operários, sempre se
impuseram neste jogo jurídico também jogado por eles. Desse modo, as normas, a lei e a
justiça não são estatizantes, mas construídas no social.
Terceiro, ao optar pelo não aquartelamento do trabalho em paradigmas, fosse
populista ou trabalhista, o autor conseguiu utilizar-se dos casos apontados nos
processos para relativizar e colocar os trabalhadores não como manipuláveis ou como
atores de um pacto trabalhista, mas como sujeitos ativos que negociavam
conscientemente as perdas ou ganhos que aquelas ações lhes poderiam conferir. E o
quarto ponto a ser destacado, é a leveza com que é estabelecido o diálogo com as obras
de E.P. Thompson, seu referencial teórico. Não se trata de uma teoria simplesmente
encaixada, mas de usos pertinentes mediante à problematização das fontes. Desse modo,
conceitos como experiência e a forma com que se relativizou a lei, a justiça e o direito,
pensando-os engendrados nas práticas sociais, possibilitou o autor pensar no que seria
uma cultura de classe para o Recôncavo Sul da Bahia.
“Lei e Costume” é um estudo profundo que dialoga com pesquisas consolidadas
de historiadores como Alexandre Fortes, Antonio Luigi Negro (seu orientador),
Fernando Teixeira da Silva, Hélio da Costa e John French3. Logo, é uma referência não só
a quem pretende se dedicar ao assunto, mas também para os diletantes amantes da
história, por se tratar de um texto leve e instigante.
Sobre a produção destes historiadores ver: FORTES, Alexandre (et al.). Na luta por direitos: leituras
recentes em história social do trabalho. Campinas/SP: Editora da UNICAMP, 1999. ; LARA, Silvia e
MENDONÇA, Joseli Maria Nunes (Org.). Direitos e justiças no Brasil: ensaios de história social.
Campinas/SP: Editora da UNICAMP, 2006. ; GOMES, Ângela de Castro e SILVA, Fernando Teixeira da. A
Justiça do Trabalho e sua história. Campinas/SP: Editora da UNICAMP, 2013
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