1 PROCESSO MIGRATÓRIO RURAL-URBANO EM MONTES CLAROS: O DESENVOLVIMENTO REGIONAL E A VIDA RURAL. Autor: Frederico Oliveira Ferreira Co-autora: Drª Luci Helena Silva Martins e-mail: [email protected] e-mail: [email protected] Grupo de trabalho: Populações tradicionais e processos sociais. CAPÍTULO 1- BREVE HISTÓRICO DO DESENVOLIMENTO REGIONAL O surgimento das grandes periferias no espaço urbano brasileiro está ligado, entre outras situações, ao processo de esfacelamento das possibilidades de acesso aos direitos no campo, provocando o que alguns autores chamam de expulsão-atração rural-urbana ou êxodo rural. Para Shappo (2004), a migração rural-urbana não pode ser traduzida pelo termo tradicional êxodo rural, sob a justificativa de que ele melhor se emprega para as primeiras sociedades industriais européias, onde o inédito surgimento das indústrias proporcionou aos antigos trabalhadores rurais que se adentravam no espaço urbano a possibilidade de acesso a um emprego praticamente pleno, o que proporcionava um forte enraizamento destes neste novo espaço. Já na atualidade, conforme a autora: Tais restrições à utilização genérica de “êxodo rural” ampliaram-se nas últimas décadas, diante do contexto de aumento do nível de desemprego e das dificuldades de mobilidade social nos centros urbanos. (SHAPPO, 2004, p 229). Neste sentido, a falta de infra-estrutura no campo e de serviços públicos básicos de qualidade na cidade para as classes populares são fenômenos que agravam a chamada questão social brasileira, num país que ainda se caracteriza econômico-socialmente como país em desenvolvimento. O desemprego nas cidades é acentuado, e o desenraizamento torna-se característica dos grupos de “migrantes-nômades”, conforme Shappo (2004), que chegando num destino, se desencantam e partem em busca de melhores oportunidades, muito embora sem nenhuma garantia de trabalho ou inclusão social. A autora concebe ainda as migrações inter-rurais e interurbanas, ser nômade é característica de sobrevivência na sociedade atual, quem é capaz de sempre se deslocar em busca das melhores oportunidades de acesso à emprego e serviços públicos de qualidade tem maiores chances de satisfação de seus direitos 2 sociais. Diante destas discussões optamos aqui pelo termo migração rural-urbana em substituição ao termo êxodo rural. 3 1.1- O Norte de Minas, a chegada da SUDENE e o “ilusionismo citadino’’ É importante analisar o contexto do desenvolvimento econômico-social regional para compreendermos as principais variantes em torno da vida rural e as migrações ruralurbanas que foram acontecendo e se transformando até os tempos atuais. Neste sentido, o desenvolvimento econômico do Norte de Minas, o qual se confunde com o da cidade de Montes Claros, salvo poucas peculiaridades, conforme Cardoso (2000) deu-se primeiramente com a produção de alimentos para a economia de subsistência e, posteriormente, para comercialização. Destacou-se a pecuária bovina, a produção de feijão e milho, além de matéria – prima para a indústria, como algodão e borracha. Furtado (1987 apud CARDOSO, 2000)1 pondera que o modelo produtivo agrícola fora implantado para subsidiar os grandes projetos econômicos da nação, iniciada com o açúcar e em seguida com a mineração aurífera. No século XVIII, a região norte-mineira veio abastecer a região das minas e o nordeste. Os municípios menores, como Montes Claros abasteciam as regiões de monocultura açucareira. Após a decadência destas, a agropecuária se auto–sustentou exatamente por ter características de subsistência, assim como de renovação. Ela foi vista como a “salvação” da economia nos períodos de crise, o que não deixou de provocar uma estagnação no desenvolvimento estrutural e tecnológico do país nestes períodos. De acordo com Cardoso (2000), no final do século XIX, a seca nordestina ganhou repercussão nacional, sendo que a resposta do Estado em face da questão se dá de forma discreta com medidas isoladas em poucas regiões. Com a implantação da industrialização no país no início do século XX, há uma intensificação na produção de algodão na região do Norte de Minas, porém é apenas na década de 1970 que de fato as cidades desta são integradas à Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE – e conseguem impulsionar uma industrialização “forte”, genuinamente e tipicamente capitalista, dado o fato de sua inclusão neste órgão, criado em 1959. No que tange à questão social e histórica da migração rural urbana em Montes Claros e na região Norte do Estado, é relevante também analisar este processo de instalação da SUDENE. Para Cardoso (2000), este organismo governamental foi criado como resposta à marginalização da região pelo Estado no início do século XX, exatamente com o projeto de industrialização do país, focado na região centro-sul. O intuito maior da SUDENE era 1 - FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 22ª ed; 1987. p56-64 4 dinamizar a região nordestina tradicionalmente agrícola e falida desde a queda do açúcar no século XVII. Em 1952 foi criada uma instituição financeira exclusiva para a questão nordestina, o BNB (Banco do Nordeste do Brasil), que forneceu subsídios para a região; logo depois surge o GTDN (Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste), que objetivava o planejamento regional, com o tripé: indústria, agropecuária e combate à seca. Houve uma aversão de alguns autores a tal grupo, para os quais, este era um órgão de fortalecimento do capital industrial, a fim de “ressuscitar” a falida economia açucareira nordestina. Finalmente, em 1959 cria-se a SUDENE, porém Minas Gerais somente irá integrála em 1963, por força de lei. Eram considerados parte do Nordeste até o século XIX, apenas os estados produtores de açúcar, o que excluía muitos estados que atualmente compõem a região. Dentre as visões apresentadas por Cardoso (2000) sobre a inclusão do Norte de Minas como região do polígono da seca e participante da SUDENE, temos como principais: a visão oficial do Estado, a partir da qual a inserção da região a esta superintendência deu-se por motivo de ordem geofísica puramente. Outra visão diz que a concessão desta participação na SUDENE foi dada por uma espécie de “acordo velado” em que a participação de Minas seria secundária, não estando em “pé-de-igualdade” com os demais estados para acesso aos benefícios. Uma outra visão levanta uma questão política, correlacionando a inserção de Minas à SUDENE ao fato do Presidente da República de então, Juscelino Kubistschek, ter nascido no Estado. Talvez todas estas hipóteses possam estar corretas, pois não existe um fator isolado que fundamente por si só essa inclusão. Realmente a região ficara marginalizada, porém, segundo Cardoso (2000), isto se explicava muito mais pela desarticulação do próprio governo de Minas, que voltava suas atenções para a região centro-sul, deixando o Norte de Minas em segundo plano. A superintendência deixou de cumprir sua função integradora, sendo um instrumento propulsor do acirramento da desigualdade social na região, e não de um desenvolvimento para todos. Segundo Pereira (2007), já na década de 1940 a região norte–mineira articulava-se para tal participação, tendo como liderança a cidade de Montes Claros, que se organizou politicamente para a realização desta “empreitada”. È nesta época que nascem a Sociedade Rural de Montes Claros e a Associação Comercial e Industrial de Montes Claros, lideradas por diversos segmentos prestigiados da elite regional. Desta forma, este autor concorda com a hipótese apresentada por Cardoso (2000), de que houve uma hegemonização na articulação e na obtenção dos benefícios da SUDENE; contudo, o desenvolvimento por ela prometido 5 chegou de fato às mãos de poucos. Inclusive o autor cita que a primeira empresa instalada com o funcionamento desta foi o FRIGONORTE (Frigorífico do Norte de Minas) em 1965, em Montes Claros, que tinha como proprietários o governo estadual e alguns fazendeiros e empresários da região. De toda forma, o que é relevante de fato para a nossa análise em relação a este resgate da história do desenvolvimento econômico regional é que Montes Claros veio a ser construída pela modernidade via SUDENE sobre a disseminação de um “ilusionismo citadino”, termo que concebo para explicar um fenômeno de corrida para a cidade, que via nela a chance de obtenção das oportunidades que o campo não era capaz de oferecer. A urbanização e o avanço da industrialização são processos cabais necessários para o capitalismo, é uma tendência para o desenvolvimento econômico e tecnológico, mas que por outro lado traz o seu ônus no tocante às agravantes da questão social. No campo, tal modernização chegou através da agroindústria e do apoio técnico-profissional, para se atender ao novo padrão de consumo de alimentos e matéria-prima industrial que se faz ampliar com o passar dos anos. Com a acentuação destas mudanças, há uma profunda estratificação da classe agrícola. Os detentores das sofisticadas técnicas de produção avançam com a grande monocultura e a grande pecuária, os médios produtores tem acesso parcial a tal tecnologia, sendo esta secundária; os pequenos produtores tentam sobreviver com as tradicionais técnicas, com muito mais valor cultural do que sistemático e lucrativo. Para Feitosa (2003) esta inserção do Norte de Minas na SUDENE, foi marco desta modernização campesina, o Banco do Nordeste e Banco do Brasil foram importantes agentes financeiros de grandes projetos de desenvolvimento. Mas a desvalorização da agricultura e o surgimento das monoculturas de eucalipto e algodão na região ajudaram a provocar as migrações sazonais, ou seja no período entressafra, dos agricultores familiares e a acentuação dos problemas de ordem sócio-econômica e até mesmo ambiental. Já Shappo (2004), concebe que as conseqüentes migrações, oriundas de tal evolução estratiforme, não são exatamente o problema central, mas sim a absorção de todo este contingente humano no mercado de trabalho, que se desloca constantemente, fazendo da migração e a reemigração uma das tentativas para a mobilidade social ou mesmo uma estratégia de sobrevivência. De certa forma, direta ou indiretamente a migração rural-urbana está ligada à busca de emprego, de maneira geral, em decorrência dos anseios de satisfação das necessidades sociais básicas do ser humano, como educação, saúde e lazer. Ganha-se destaque na atualidade o acesso à educação, com veremos nos resultados empíricos deste trabalho, ligada à evolução da demanda exigida pelo mercado de trabalho por qualificação, 6 mas que ainda sim não se faz como garantia de acesso ao emprego. Ao que se pode perceber, tal política ganha força central no tocante às migrações não só rural-urbanas, como também nas demais modalidades: intermunicipais, interestaduais e até internacionais. 7 CAPÍTULO 2- O DEBATE FACE AOS PROCESSOS MIGRATÓRIOS E A VIDA RURAL O processo empírico é de extrema riqueza para a realização do trabalho científico porque proporciona o contato direto com a realidade e os fatos que a permeiam. Sob este patamar, é dada a palavra para os atores do fenômeno, na pessoa dos trabalhadores, assim como da representação institucional do Estado e da sociedade civil. Foram entrevistadas cinco pessoas, que possuem rendimento per capta de um salário mínimo, sendo residentes na zona urbana periférica desta cidade e que vieram da própria zona rural de Montes Claros a partir do ano 2000. Também foram entrevistadas cinco pessoas, residentes do distrito de “Nova Esperança’’ e “Fazenda Pindaíba’’, que pratiquem a agricultura familiar como pequenos proprietários ou meeiros, com renda per-capta familiar de até um salário mínimo. Este perfil sócio-econômico tem a finalidade de restringir a pesquisa aos trabalhadores de “baixa renda’’. Ambos os públicos foram entrevistados a partir de um roteiro semi-estruturado com questões fechadas referentes a dados sócios-econômicos, que permitiram a inclusão de questionamentos secundários. E ainda, foram entrevistadas as representações institucionais através da Secretaria Municipal da Agricultura. As entrevistas foram realizadas com uso de gravador de voz. Para definição dos sujeitos entrevistados, foi utilizado o método bola de neve, o qual, conforme Pieve et al (2008), um entrevistado indica outro, numa montagem de uma rede de informantes, até que se chegue ao número esperado destes. Dos principais resultados obtidos com as famílias da zona urbana de Montes Claros, tivemos que: - Quatro entrevistados moram no bairro Independência e um no Bairro Universitário, ambos localizados na zona periférica da cidade. A maioria dos personagens são de um mesma comunidade devido à definição de amostragem pelo método “Bola de Neve’’. Duas eram do sexo feminino e tinham menos de trinta anos, com a escolaridade de ensino médio completo, sendo desempregadas.- Três do sexo masculino. - Quando perguntados se tiveram a oportunidade de trabalhar na zona rural que antes moravam, duas pessoas responderam que não, haja vista a escassez de oportunidade de emprego nas suas comunidades. Dois disseram que trabalharam como lavrador, um informalmente em terra própria e outro formalmente, residindo na fazenda do seu patrão. - Da infra-estrutura das atuais residências, todos os entrevistados possuem casa própria, com acesso a água, energia elétrica, telefone, mas só um residia em rua asfaltada. - Finalmente, quando perguntados das motivações para a saída do campo, foi unânime a resposta de que desejavam uma melhor 8 condição de vida, procurando emprego e acesso à educação para si ou para outro familiar. Duas afirmaram que não conquistaram estes planos, mas todos afirmaram que sua qualidade de vida melhorou significamente na cidade e que há uma possibilidade remota de retorno ao campo. Em análise às respostas, podemos descrever que estes cinco sujeitos oriundos da zona rural deste município tiveram como destino as periferias da cidade de Montes Claros. Como fora relatado nas respostas dos entrevistados, a falta de oportunidade de emprego ou a sua precariedade levou-os a esta mudança. É importante considerar que embora parte da periferia desta cidade seja composta por migrantes rurais montesclarences, ela é formada por variados grupos, como montesclarences originários da zona urbana, migrantes de outros centros urbanos e de outras áreas rurais. Elias (2003), que considera uma multiplicidade de variáveis que determinam o fenômeno da urbanização do Brasil em meados do século XX e que se perdura em tempos atuais. São elas: A agroindústria, que demanda grande extensão de terra para seu desenvolvimento; o aumento do número de empregos e o melhoramento das condições de trabalho; a modernização dos transportes. Mas o sonho do emprego urbano, como se analisa nos questionários aplicados, nem sempre se materializa para uma mão-de-obra tipicamente camponesa. Para delinear o fenômeno da urbanização em nível nacional, a autora traz uma tabela que mostra que, em 1940, a taxa de urbanização brasileira era de 31%, já em 1991 ela chega em 77,13%; e com ela também cresce os infindáveis problemas sociais vividos pelo “povo’’ da periferia das cidades. Quanto ao processo de migração rural-urbana e a vida rural, que se coloca aqui como centro de nosso debate, é importante analisar também as suas determinantes juntas àqueles que ainda não saíram do campo e resistem aos fortes fatores que possam impulsionar um possível futuro abandono. Foram analisadas cinco famílias, também através do questionário semi-aberto. Das principais características descritas por estas, temos que: Duas residem na comunidade de Nova Esperança e três na comunidade de Pindaíba. Quatro tinham idade acima dos cinqüenta anos. - Uma pessoa não possuía terra para plantio, outra era meeira e três tinham terra própria. - Das atividades desenvolvidas, três eram lavradores, um comerciava gado e outro era desempregado. Apenas um participou do PRONAF (Programa Nacional da Agricultura Familiar) em 1999, para financiamento de compra de vacas pretas, mas conforme ele as vacas não se adaptaram á região, deram pouca renda e a dívida não foi paga. - Dois vivam exclusivamente das atividades agrícolas, e dois viviam de outras fontes de renda, como 9 trabalho informal, aposentadoria e programa de transferência de renda; ambos com renda percapta inferior a um salário mínimo. Um era desprovido totalmente de renda e vivia da caridade dos outros moradores. - Quatro participavam de associação de moradores, e destes, três recebiam alguma espécie de benefício direto delas (como semente e encanamento de rede de água). Todos tinham acesso à energia elétrica e água, menos à telefonia. - Todos afirmaram que apesar das muitas dificuldades, nunca abandonariam o campo por não adaptarem-se à zona urbana. Analisando-se estas respostas dos cinco entrevistados da zona rural de Montes Claros, percebe-se que, entre outros aspectos, a pobreza rural parece ser um fator importante na questão da migração rural-urbana. A falta de incentivo à agricultura familiar, o trabalho informal e degradante ou mesmo a total ausência de oportunidade de trabalho deixa o homem do campo sem grandes perspectivas de desenvolvimento, tendo em alguns casos mínimas condições de sua reprodução social, assim como de sua família. Como exemplo, destacamos a fala na íntegra de um dos pesquisados da comunidade rural de Nova Esperança, que chamamos aqui de senhor “L”. Ele falou sobre suas situações mais difíceis pelas quais passou na comunidade de Nova Esperança, enfrentando o trabalho informal, degradante e o atual estado de miséria em que se encontra, sobrevivendo de ações de caridade dos seus vizinhos: (...) Depois que eu saí da firma, trabalhei um dia aqui, outro lá, agora quando eu passei a limpar lote... Um dia eu peguei cinco lotes, por vinte reais cada, que tinham daquele capim “braquiara” de um cara lá de Lontra, ele não me deu o nome dele não... quebrei dois cabos de enxada lá, limpei os lotes todos, e não tinha café, não tinha açúcar, não tinha nada. Só tinha eu e a vasilha de cozinhar e a água. Eu fui lá buscar o dinheiro, quando eu cheguei tinha uns caras bravos, e eu falei: eu vim aqui porque um homem me empreitou a limpeza desses lotes (era Elias que ele chamava). E eles responderam não, nós compramos esse lote dele limpo, ele já recebeu e nós não podemos te pagar, vá atrás dele em Bocaiúva. Os pequenos agricultores não são incluídos nos projetos de desenvolvimento rural do país, pelo menos do que parece indicar a nossa pesquisa empírica. Os trabalhadores rurais montesclarences aqui identificados, quando não mergulhados na extrema pobreza, sobrevivendo da solidariedade comunitária sem acesso a nenhum benefício público, como no caso apresentado, se encontram destituídos da posse da terra, sendo meeiros, tendo que desenvolver outras atividades de trabalho, geralmente informal, para tentar reproduzir-se socialmente, sendo amparados por programas governamentais de transferência de renda para satisfazer um dos mínimos sociais que é o direito à alimentação. 10 A migração neste ponto ganha respaldo positivo. Infelizmente, a zona rural de Montes Claros parece não oferecer muitas condições para a satisfação de problemas de ordem social destas pessoas citadas, em especial no caso do senhor “L”. Viver da agricultura já não se constitui como tarefa tão simples para estes que não tem poder financeiro para o emprego de grandes investimentos na atividade diante da agroindústria, pior ainda se faz a situação daqueles que se encontram envolvidos em uma série de problemas de ordem social como a fome, a falta de acesso à educação e saúde. Migrar atualmente pela busca aos serviços sociais públicos se apresentou como solução para os ex-agricultores aqui entrevistados anteriormente citados. Neste ponto, Bonall & Maluf (2007) consideram que as famílias agrícolas brasileiras se caracterizam pelos elevados índices de pobreza, entendida pelo autor como: “precárias condições de vida e inexistente capitalização das famílias rurais” (BONALL & MALUF, 2007, p 224). Neste cenário, as políticas agrícolas encontram certas restrições de implantação, haja vista as dificuldades inerentes à renda da população rural em geral e os problemas sociais por ela enfrentados. Os programas de repasse de renda pelo governo têm se apresentado como solução imediata, porque a agricultura por si só não tem tido sucesso na tarefa de geração de renda, pela falta de apoio técnico e financeiro efetivo, como fora relatado pelos pesquisados. Desta forma, o agricultor não pode nem mesmo sanar o problema da fome, através do plantio para subsistência, restando-lhe a venda de sua força de trabalho quando este é encontrado ou a migração para a zona urbana onde, sem formação profissional adequada, ele possivelmente encontrará o subemprego, possivelmente também morando em uma comunidade periférica com uma infra-estrutura deficitária, sem nem mesmo ter um terreno para a prática de agricultura de subsistência, como forma de auxílio à sua alimentação e de sua família. 11 2.1- Políticas de incentivo à agricultura familiar em Montes Claros Debater a atuação do Estado mediante uma demanda que se funda dentro do próprio modelo de desenvolvimento adotado por este, indica uma contradição: uma lacuna deixada no tocante ao debate e resolução dos problemas enfrentados pela classe trabalhadora, especialmente aqui, a da zona rural. Seguindo este parâmetro, a discussão segue no questionamento da atual qualidade de vida e trabalho que possui o pequeno agricultor de Montes Claros, a partir de uma análise qualitativa, pelo perfil sócio-econômico destas famílias já descrito; somando-se à averiguação de quais programas são oferecidos pelo poder público nas suas três instâncias para o financiamento de suas atividades no campo, a fim de se verificar a afirmação de Veiga (2000): “O PRONAF abrange a aplicação de recursos na qualidade de vida, aprimoramento profissional, tecnologia, infra-estrutura, etc.” (VEIGA, 2000, p.177). Avaliando a atuação do governo neste aspecto, a Secretária Municipal de Agropecuária e Abastecimento apresenta, na pessoa da engenheira de alimentos Elaine Cristina que: O foco do trabalho da secretaria é o pequeno produtor, principalmente aquele vinculado à agricultura familiar, então a política da administração, tanto as anteriores quanto a atual é grandemente voltada para o produtor rural (...) Temos o crédito ao PRONAF, principalmente o B, que é o micro-crédito ao pequeno produtor rural de até R$1.500,00, e aí ele ajuda na produção (...) pelo PRONAF são cadastrados mais de 4 mil produtores sendo atendidos (...) Além deste, temos: -O Programa de Aquisição de Alimentos para a merenda escolar diretamente da agricultura familiar; -Construção de Barraginhas; -PCPR (Programa de Combate à Pobreza Rural) que é o financiamento de projetos produtivos; -PA Leite, que compra leite da agricultura familiar para a distribuição à crianças de zero a seis anos e idosos. Tais ações de apoio à pequena agricultura, segundo Veiga (2000), aqui apresentadas na zona rural de Montes Claros, exemplificam-se nas grandes economias, que tendem a possuir uma população rural estável, dado que é disponibilizada a esta uma infinidade de vantagens subsidiárias. Porém, ainda conforme ele, no Brasil o PRONAF, que possui este caráter de sustentabilidade do pequeno agricultor, ainda é recente, sendo criado em 1996 pelo decreto 1446 e aprovado no governo de Fernando Henrique Cardoso, foi retomado e efetivamente implantado só a partir de 2003 sob a vigência da presidência de Luís Inácio da Silva. Ainda está sendo construída a efetiva estabilidade da agricultura familiar, dado o histórico descaso com esta, em favor da extensão e afirmação do latifúndio. Conforme a EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - na safra 2003-2004 foram atendidas 1,8 milhões de famílias pelo PRONAF. As políticas sociais e econômicas que visam a amenização das questões sociais ligadas ao campo devem consequentemente conter o fluxo 12 migratório rural-urbano. Para Veiga (2000, p.187) “a atividade agropecuária brasileira possui uma capacidade de acréscimo de 20% de sua população para plena realização destas atividades”. Além de que, existe uma reforma agrária que pouco avançou no país, tanto dentro das suas discussões como dentro de sua aplicação. A princípio, a tendência do Estado, que se coloca numa posição de conciliador de conflitos, tende a tomar medidas paliativas diante da questão agrária, como a regularização agrária que “foi o que salvou o país de se transformar num território de enclaves do poder absoluto do capital latifundista” (MARTINS, 2004, p.101). Ainda segundo ele, na prática essa regularização agrária representa a legitimação da posse da terra a fim de impedir a invasão ilegal dos grandes latifúndios às pequenas propriedades, o que ocorre com certa freqüência pelos movimentos populares. Há uma clara diferenciação, conforme Bonall & Malluf (2007) entre agricultura familiar e agro-negócio, a primeira não visa contemplar apenas a questão da produtividade, como também a segurança alimentar e a ecologia; e a segunda, está totalmente ligada à margem de lucro. Em Montes Claros, esta primeira linha está sendo construída pelos órgãos públicos de fomento do apoio e financiamento da agricultura familiar, verificando-se o trabalho da Secretária Municipal de Agropecuária e Abastecimento como já analisado. Na pesquisa empírica realizada, como já descrito, todos os entrevistados tinham o conhecimento do PRONAF, mas a oportunidade de acesso foi constatada em apenas um entrevistado residente na zona rural, o senhor “V.R.” que relatou que: Foi a pior coisa que teve foi aquele PRONAF que teve, que eles falam da “Vaca Preta” em 1999, foi o pior que teve. Se fosse um PRONAF para comprar vaca nelore era uma coisa boa demais, mas a vaca preta pra você comprar fora (...) Ainda mais que chegou e não adaptou. Tem gente que morreu tudo e não ficou nada [...] Esse empréstimo eu acho que ninguém que eu conheço pagou. Eu tenho a dívida e não tenho como pagar esta dívida, porque não teve retorno. Aí a gente não pode entrar em outro por causa da dívida. O financiamento da agricultura familiar é um instrumento de defesa do direito do trabalhador rural de permanecer no campo, oferecendo ao pequeno produtor a oportunidade de estabilizar-se na sua atividade, assim como a toda a sua família, tendo consequentemente condições reais de sobrevivência e permanência na zona rural. Não foi possível aqui pesquisar um produtor rural montesclarence nas comunidades que visitamos que teve acesso e sucesso com o PRONAF; ou outro dos diversos programas realizados pela Secretaria Municipal de Agropecuária e Abastecimento. No entanto, por este fato, os relatos colhidos e os apontamentos de Veiga (2000), nota-se que o programa de financiamento da agricultura familiar precisa chegar a um número maior de produtores e o apoio técnico é falho, problemas 13 estes que não dependem apenas dos órgãos públicos, mas também da informação e articulação dos agricultores. A já referida secretaria municipal avalia que: (...) Sobre a questão da inadimplência, nós tivemos alguns problemas que estamos tentando superar. Às vezes o produtor não fica atento à questão da data de pagamento, encontra dificuldade, investe o dinheiro, mas às vezes, pelo financiamento que pegou não consegue quitar a dívida. Mas a secretaria e a EMATER tem ajudado com a assistência técnica, mas isto (a inadimplência) a gente já esperava. O governo federal atual, conforme a entrevistada tem somado esforços para o incentivo financeiro da agricultura familiar. Porém, em termos quantitativos; o PRONAF não tem chegado a um número significativo de trabalhadores, ou ainda demorou a ser implantado. Assim vemos que a migração para a busca de emprego é um fenômeno do século XX discutido por Gonzaga (1989), sendo típico de uma sociedade desigual onde as cidades e regiões são muito desiguais entre si. As piores regiões se esvaziam e as mais desenvolvidas sofrem com o inchaço populacional. E atualmente, os trabalhadores aqui pesquisados não têm conseguido se reproduzir socialmente no campo, não tendo nem mesmo as condições mínimas para o desenvolvimento da agricultura familiar, como a posse da terra e recursos para custeio da produção. Fato este que pode confundir-se com a realidade de várias outras regiões brasileiras 14 CONSIDERAÇÕES FINAIS O que se fica a partir do trabalho aqui apresentado é que a migração rural-urbana é um fenômeno (não um problema) presente na nossa sociedade, comum até, como considera Shappo (2004) em um sistema econômico contemporâneo em que o mercado de trabalho não consegue oferecer estabilidade para os operários e as migrações de forma geral tornam-se estratégias de sobrevivência, que se originam dentre outros fatores, da disseminação de uma ideologia de mobilidade social na zona urbana, impulsionado na história do desenvolvimento econômico-social de Montes Claros a partir da implantação da SUDENE; e também da desvalorização da agricultura familiar; que por sua vez acaba por resultar na acentuação do desemprego na zona urbana, a super-lotação das cidades e crescimento das zonas periféricas e os problemas sociais e estruturais que a caracteriza. Esta dita mobilidade é relativa ao planejamento de vida pessoal, identificada aqui nas falas apresentadas, que descreveram o sonho do emprego e do maior nível de escolarização, às vezes realizado inteiramente, ou parcialmente, ou mesmo não realizado, mas a esperança de surgimento de alguma oportunidade é depositada por eles na zona urbana e toda a sua dinâmica econômica e estrutural, e não na zona urbana. Estes cinco sujeitos que deixaram o campo dificilmente retornarão. Neste ponto, a educação técnica e superior mostrou-se um grande imã sóciomigratório que atrai principalmente os jovens, que por sua vez mobilizaram toda a sua família para uma mudança para a zona urbana. Todos são livres, possuem o direito legítimo de viver no campo ou na cidade, e de fato a zona rural não tem oferecido um pacote de possibilidades de acesso a tal serviço, como vimos nos relatos sobre a vida rural neste município. Em Montes Claros, com o atendimento de aproximadamente quatro mil pessoas conforme a Secretaria Municipal de Agropecuária e Abastecimento, a demanda ainda se faz insatisfeita, num universo de mais de dezessete mil moradores da zona rural em 2000 segundo o IBGE. A adesão do camponês ao financiamento depende de vários fatores, conforme os relatos colhidos, dentre eles a informação e o apoio técnico, afinal de contas ele realizará um investimento em um negócio que deva ser o mais rentável possível, haja vista que ele assumirá uma dívida significativa para si diante de uma grande instituição financeira. Apesar de tudo, o PRONAF é um programa importante, aqui no caso descrito pela referida secretaria, o PRONAF B, mas que talvez precise ser construído com maior ênfase em projetos comunitários, como cooperativas, que possam até dar mais segurança para os camponeses e ou mesmo uma maior margem de lucro. 15 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BONALL, Phillipe; MALUF, Renato S. 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