REVISTA EDUCARE ISEIB - MONTES CLAROS - MG V. 1 2005 HOMEM E NATUREZA NOS GERAIS DE MINAS Antônio Maurílio A. Feitosa* Rômulo Soares Barbosa** RESUMO: Este texto pretende reunir e analisar informações acerca do processo histórico-ambiental ou da relação homem / natureza, vivenciado no espaço geográfico dos Gerais de Minas O texto está estruturado em cinco partes, buscando-se, com isso, compreender as transformações ocorridas nesta região, bem como as implicações socioambientais para os grupos humanos que habitaram e habitam esse ambiente. Palavras-Chave: Cerrado, Meio Ambiente, População. Apresentação Este texto pretende reunir e analisar informações acerca do processo históricoambiental ou da relação homem / natureza, tendo como espaço geográfico os Gerais de Minas. Busca-se, com isso, compreender as transformações ocorridas nesta região, bem como as implicações socioambientais para as populações locais. Dividiu-se o texto em sete momentos: i) período do Pleistoceno, abordando a ocupação humana no continente americano e no Brasil; ii) o Homem de Lagoa Santa, enfatizando este dado arqueológico como fundamental para a compreensão da ocupação humana em Minas; iii) o Homem nos Gerais de Minas, enfocando sua relação com o Homem de Lagoa Santa, e a importância dos Rios São Francisco e Rio das Velhas para tal intercâmbio; iv) A agricultura, tratando das características da agricultura no Cerrado e nos Gerais de Minas; v) a Agricultura/Pecuária no Período Colonial, apontando a especificidade da pecuária nessa região; vi) a Modernização Conservadora e as Transformações nos Agroecossistemas Familiares, destacando que implicações esse processo trouxe para a agricultura familiar regional, e, por fim, vii) a Perspectiva da Sustentabilidade, apontando a importância deste debate atualmente. A Ocupação Pleistocênica * Professor do Depto de Geociências da UNIMONTES e do Núcleo de Geociências do ISEIB-Faculdades Ibituruna. ** Sociólogo, Doutorando em Desenvolvimento e Agricultura – CPDA/UFRRJ. Prof. do Depto de Ciências Sociais da UNIMONTES. 1 REVISTA EDUCARE ISEIB - MONTES CLAROS - MG V. 1 2005 O pleistoceno, há cerca de 40.000 anos, é considerado o período onde ocorre a ocupação humana no continente americano (Chonchol, 1994). Dentre as hipóteses acerca da rota feita pelos grupos humanos para a chegada às Américas, destacamos as seguintes: a) via Austrália-Tasmânia-Antártica-América do Sul; b) via dispersão transpacífica, onde teriam alcançado diversas partes do continente americano por meio de viagens pelo pacífico em embarcações; c) os continentes eram unidos anteriormente, sendo a América do Sul e África um mesmo continente, possibilitando dispersão por diversas áreas; d) vindos da Ásia via Estreito de Bering. (Campos, 1983) A hipótese mais aceita pelos especialistas é a chegada às Américas pelo Alaska, por meio do Estreito de Bering. Descobertas arqueológicas corroboram esta hipótese. Nos Estados Unidos: o Homem de Folson – 40 mil anos; no Panamá: o Homem de Sandia – 16/24 mil anos; na Venezuela: grupos humanos – 17 mil anos; no Brasil: o Homem de Lagoa Santa – 8/12 mil anos; no litoral brasileiro: o Homem dos Sambaquis – menos de 8 mil anos. (Campos, 1983) É então no final do pleistoceno, há cerca de 14 mil anos, quando ocorre a última glaciação quaternária, onde houve uma redução da temperatura em torno de 4oC, que se criam as condições climáticas favoráveis à vida humana na América do Sul. Grupos humanos chegaram à região do Cerrado brasileiro por meio do “istmo do Panamá, chegando às savanas colombianas, onde se implantaram entre 15 e 14 mil anos atrás perseguindo os grandes mamíferos do pleistoceno”. (Ribeiro, 1999:08) Essas mudanças climáticas afetaram a fauna pleistocênica, com conseqüente extinção da mesma. Entretanto, os grupos humanos que chegaram à região do Cerrado encontraram uma nova fonte de recursos naturais, com uma diversidade de fontes vegetais e de animais de pequeno porte, ocorrendo um aperfeiçoamento da extração vegetal, bem como uma maior generalização da caça. (Ribeiro, 1999) Mudanças climáticas permitiram a expansão da floresta amazônica sobre áreas do Cerrado. Isso provocou a divisão do tronco lingüístico Jê-Pano-Caribe, sendo que as famílias Pano e Caribe ficaram no norte da América do Sul e as Jê se concentraram na região central, principalmente no Cerrado. Configurou-se na região do Cerrado a Tradição Itaparica e os grupos lingüísticos do tronco Jê. A Tradição Itaparica pode ser definida por constituir-se de pequenos grupos migrantes, utilizando-se de grutas e abrigos, onde possuíam água potável e um ambiente rico em recursos minerais, vegetais e animais. (Ribeiro, 1999) 2 REVISTA EDUCARE ISEIB - MONTES CLAROS - MG V. 1 2005 O Homem de Lagoa Santa Na região central de Minas Gerais, próximo a Belo Horizonte, se encontram os sítios arqueológicos de Lagoa Santa, que compreende, também, outros municípios, tais como Pedro Leopoldo, Matozinhos e Sete Lagoas. Nesta região, chegou, em 1836, o naturalista dinamarquês Peter Wilhelm Lund, que fez escavações, encontrando restos esqueletais. Segundo Campos (1983), em 1976), Annette Laming-Empaire, em expedição à Lapa Vermelha, região de Pedro Leopoldo, participante da Missão Franco-Brasileira, comprovou, com testes de Carbono 14, a datação de um crânio humano de pelo menos 12 mil anos. Estas descobertas configuram-se no que é chamado Homem de Lagoa Santa, sendo que os materiais arqueológicos eram, até aquele momento, os mais antigos encontrados no Brasil. (Campos, 1983) O Homem nos Gerais de Minas As informações sobre os sítios arqueológicos de Lagoa Santa até a Bahia indicam, segundo Campos (1983:47), a “dispersão do homem primitivo pelas imediações de rotas aquáticas”. Com isso, aponta-se para a importância de rios como o São Francisco e o Rio das Velhas, tanto para o deslocamento de grupos humanos da região de Lagoa Santa para os Gerais1, quanto para o intercâmbio entre estes. Descobertas arqueológicas feitas na Lapa Pequena, região de Montes Claros/MG, corroboram esta tese, sendo que foram datadas de cerca de 8 mil anos atrás, no mesmo período de existência do Homem de Lagoa Santa. (Campos, 1983) Conforme este autor, o homem dos Gerais era exímio artesão de pedra, sabia escolher bem os minerais, tais como: sílex, quartzo, calcário, arenito, quatzito, além de ossos e madeira, para a fabricação de artefatos. Eram comumente utilizados machados, machadinhas, raspadeiras, martelos, amoladores, pedras-bigornas, arcos, lanças, flechas, escavadeiras, dentre outros. 1 Utilizamos aqui a noção definida por Dayrell (1999): “Os Gerais é um termo regional que refere-se às áreas localizadas nos planaltos e serras, onde se predomina a formação vegetal denominada de cerrados (que é um tipo de savana). Segundo Gonçalves (1999), a denominação Gerais comporta a noção de um modo de uso e apropriação comum, geral, das terras e outros recursos naturais pelas populações locais. 3 REVISTA EDUCARE ISEIB - MONTES CLAROS - MG V. 1 2005 Pela variedade de oferta de vegetais e animais, o homem dos Gerais desenvolveu um vasto conhecimento botânico, além de grande habilidade para a caça, notadamente o veado. Formavam a sua dieta alimentar, raízes diversas, coco-macaúba, frutas silvestres, mel, paca, tatu, aves, jacaré, dentre outros. A expectativa média de vida girava em torno de 40 a 50 anos. Os falecidos eram enterrados dentro das cavernas. (Campos, 1983) A Agricultura A agricultura é um sistema de produção de alimentos, que, segundo Mario Sanoja (citado por Chonchol, 1994), articula três componentes: a) ambiental ou ecológico, b) tecnológico, e c) econômico e social. Sendo que a) consiste na base física, solos, vegetação, clima, relevo, fauna, etc.; b) instrumentos e meios de produção, técnicas e métodos; e c) formas de organização social da produção, distribuição e consumo, tipos de relação com a terra e entre os membros do grupo, entre outros. (Chonchol, 1994) É entre 6500 e 4000 mil anos atrás, no período chamado Arcaico Recente, que se atinge o denominado “ótimo climático”, quando ocorre um aumento na temperatura e o ambiente, de forma geral, torna-se úmido, “as florestas se expandem mais e o Cerrado se desloca e se dilata, reduzindo a Caatinga em limites próximos aos atuais”. (Ribeiro, 1999:10) Isso provocou mudanças nas condições de habitação. Por exemplo, na região central de Minas, em Lagoa Santa, houve melhorias nas condições naturais dos abrigos. “Além de dividir o espaço em ambientes especializados, houve a construção de valetas e muros de pedra para desviar a água da enxurrada e o alinhamento de postes, sugerindo a instalação de paredes, possivelmente para proteger do sol.” (Ribeiro, 1999:10) Escavações indicam aparecimento de grãos de milho, pertencentes a este período (4 mil anos atrás), tanto na região central de Minas (Santana do Riacho) quanto no noroeste/norte (Unaí / Varzelândia). Também foram encontrados restos de amendoim e de abóbora. (Ribeiro, 1999) Segundo Campos (1983), é no município de Varzelândia que se encontrou a espiga de milho mais antiga do mundo, datada de 5 mil anos, indicando que a agricultura, já neste período, era praticada nos Gerais de Minas. 4 REVISTA EDUCARE ISEIB - MONTES CLAROS - MG V. 1 2005 Para Ribeiro (1999), a agricultura veio para complementar um complexo sistema alimentar, ou seja, não se trata de uma revolução no sistema de abastecimento, mas, sim, de um mecanismo utilizado em articulação com a caça e a coleta. Barbosa e Schmitz (citado por Ribeiro, 1999:12) sustentam que, em linhas gerais, pode-se propor o seguinte “diagrama de abastecimento” das populações do Cerrado no período do Arcaico Médio: Estação chuvosa, onde havia maior variedade de alimentos: - coleta de frutas (setembro a fevereiro) desenvolvida, principalmente, no ambiente campestre, mas, também, em áreas de mata e ribeirinhas; - cata de insetos, representadas, principalmente, por larvas de espécies voadoras e tanajuras (fêmeas de Atta sp.), realizada no início da estação (setembro a novembro), restrita, particularmente, aos espaços campestres; - extração de mel silvestre e coleta de moluscos (outubro a fevereiro) - caça de mamíferos campestres (setembro a fevereiro), aves (setembro a dezembro) e répteis de pequeno porte (outubro a fevereiro) Estação seca, marcada por uma sobrevivência ligada aos recursos faunísticos: - pesca (maio a setembro), em áreas ribeirinhas mais espraiadas e nas lagoas e lagos; - coleta de ovos (junho a setembro) tanto de aves campestres, em especial, a ema, como de grandes répteis ribeirinhos como a tartaruga e o jacaré; - caça de mamíferos e répteis ribeirinhos (junho a agosto). Pode-se observar uma lacuna de dois meses (março e abril) deixada no período de transição entre a estação chuvosa e a seca. De acordo com Ribeiro (1999), neste período, conforme observado entre indígenas e agricultores atuais, realiza-se a colheita de milho e abóbora, sendo que estes produtos foram encontrados em sítios arqueológicos. Esta afirmação corrobora a tese de que a agricultura, para os povos dos Gerais, é uma estratégia de complementação alimentar, dentro de um sistema agroalimentar muito complexo. A Pecuária No período de chegada dos portugueses ao Brasil, uma diversidade de formas de agricultura era praticada nessa região. Para Ribeiro (1999), os principais grupos indígenas encontrados pelos colonizadores nos Gerais de Minas foram: Cataguás, Kayapó do Sul, Guayaná, Akroá e Xakriabá. Esses povos pertencem ao tronco lingüístico Macro-Jê. Esses grupos foram identificados pelos portugueses como Tapuia, que é um termo de origem tupi, que significa inimigo. Os grupos indígenas do litoral eram identificados como Tupi, e se transformaram em aliados dos portugueses e 5 REVISTA EDUCARE ISEIB - MONTES CLAROS - MG V. 1 2005 inimigos dos Tapuias. O abastecimento alimentar Tapuia era complexo, conforme já relatado anteriormente, mantendo uma rica relação com a vegetação nativa, a fauna e a agricultura. As grandes transformações ocorridas na relação de uso dos recursos naturais pelas populações indígenas e tradicionais, derivadas da miscigenação entre europeus, escravos africanos e indígenas, foram as atividades de mineração e de criação de gado. Os bovinos chegaram ao Brasil trazidos pelos portugueses, por volta de 1870, vindos da costa ocidental da África – Madeira, Açores, Cabo Verde. A pecuária se somou às práticas milenares de agricultura, pesca, caça e coleta. (Ribeiro, 1999) A descoberta do ouro se deu de forma mais intensa na região central de Minas (Ouro Preto, Sabará) e em menor escala nos Gerais, em cidades como Grão Mogol, Itacambira, dentre outras. A intensificação da atividade mineradora no centro-mineiro fez com que a região incorporasse um imenso contingente demográfico, demandando produtos alimentícios de outras regiões. Dos Gerais recebiam, principalmente, a carne bovina, sendo esta atividade intensificada nesta região, tendo a bacia do Rio São Francisco como corredor de escoamento e intercâmbio entre as regiões. (Ribeiro, 1999) Um dos fatores que colaboraram para a expansão da atividade pecuária foi a forma de estruturação fundiária da região. Essa atividade, operada de forma extensiva, é grande demandante de terras, e foi potencializada pelo processo de divisão da região em grandes sesmarias. Segundo Barbosa (1971), citado por Ribeiro (1999:250), “o Governador da Capitania só concedia sesmaria grande – três léguas de comprimento por três léguas de largura ou três de largura por uma de comprimento”. Pode-se observar que a atividade de pecuária extensiva nos Gerais é praticada, principalmente, pelos grandes fazendeiros. Soma-se a esse fator, os tipos de solos e o de vegetação da região dos Gerais. A grande quantidade de “pastos nativos” favoreciam a atividade pecuária, sendo formados por gramíneas e pequenos arbustos. Conforme Saint-Hilaire (1975), citado por Ribeiro (1999:21): o que torna muito preciosos os terrenos salitrados do sertão, é que eles substituem, para o gado, o sal que se é forçado a dar aos animais nas outras zonas da Província de Minas Gerais e na de São Paulo. A essa vantagem, a região acrescenta, ainda, como já vimos, a de possuir pastagens imensas; por isso, os gados bovino e cavalar podem ser considerados como sua principal riqueza. 6 REVISTA EDUCARE ISEIB - MONTES CLAROS - MG V. 1 2005 Pode-se observar, segundo Matos (1979), citado por Ribeiro (1999:22): entre as exportações da Capitania de Minas Gerais, no período de julho de 1818 a junho do ano seguinte, 580 couros de veado, custando cada um $300,00, ou seja metade do valor de um boi, que totalizavam, no mesmo período, 877 peças. Dessa maneira, deve-se assinalar que as demais atividades, tais como caça, pesca, coleta e agricultura, não foram subsumidas pela pecuária. Modernização Conservadora e Transformações nos Agroecossistemas Familiares O mundo rural norte-mineiro é composto por um complexo de populações e de formas de relação homem-natureza, co-evoluindo e produzindo saberes, como os geraizeiros (habitantes das áreas de Cerrado, onde esta se encontra com a Caatinga), caatingueiros (habitantes da Caatinga, onde esta se encontra com o Cerrado), vazanteiros (habitantes das vazantes do Rio São Francisco), dentre outros (Dayrell, 1998). Com a modernização do campo norte-mineiro, vivenciou-se um processo de amplos investimentos, desenhando um novo cenário para esta região. O Norte de Minas possui uma área de 120.701 km2, correspondendo a 20,7% do território do Estado. Sua população em 1996 era de aproximadamente 1.387.865 habitantes, distribuídos por 86 municípios. A população rural desta região é bastante significativa, sendo cerca de 40% da população total2. Os dados de 1985 mostram que cerca de 45% da população eram agricultores familiares, convivendo com uma realidade de alta concentração fundiária, pois representavam, naquele momento, cerca de 84% dos estabelecimentos rurais e ocupavam apenas 16% da área total3.Segundo Delgado (1985) esse processo de modernização do campo, no Brasil, não altera a estrutura agrária, de caráter latifundiário, denominado “modernização conservadora”. A partir de 1965, quando a região é inserida dentro da área de atuação da SUDENE, inicia-se um processo de modernização do campo, sob a égide daquele organismo do Estado, principalmente através das linhas de financiamento como FINOR (Fundo de Investimento no Nordeste) e FISET ( Fundo de Investimento Setoriais). Podem-se verificar 4 (quatro) principais pilares desse processo: agricultura/fruticultura irrigada, monocultura de eucalipto, pecuária extensiva e monocultura de algodão. 2 IBGE. Contagem da População. Rio de Janeiro, 1996. Fundação João Pinheiro. Anuário Estatístico da Região Mineira do Nordeste. Belo Horizonte: FJP, 1994. 3 7 REVISTA EDUCARE ISEIB - MONTES CLAROS - MG V. 1 2005 Destaca-se a instalação de grandes projetos de fruticultura irrigada como o caso do Projeto de Colonização do Jaíba, em que, segundo Rodrigues (1998:270), foram investidos recursos da ordem de US$ 471.275.419,03 pelos Governos Federal e Estadual. A utilização dos maciços homogêneos de eucalipto para o fornecimento de carvão do quadrilátero ferrífero. O investimento de agentes financeiros, como o Banco do Nordeste (BNB) e Banco do Brasil, na pecuária extensiva, ocupando milhões de hectares; e a monocultura do algodão, notadamente, nos municípios da microrregião da Serra Geral (Porteirinha, Mato Verde Azul e Espinosa). É importante ressaltarmos que esses eixos de modernização rural no Norte de Minas se apresentaram com maior ou menor intensidade em alguns municípios e microrregiões. Esse modelo de desenvolvimento rural do Norte de Minas, baseado nos princípios da “Revolução Verde”, com uso intensivo de mecanização e pacotes agroquímicos, se, por um lado, provocou a “modernização do campo”, por outro, implicou no empobrecimento dos agricultores familiares, na degradação dos recursos naturais e na manutenção da concentração fundiária. Fenômenos denominados “viúvas da seca”, “comunidades fantasmas” e “escravos do carvão”, ficaram nacionalmente conhecidos devido, sobretudo, ao deslocamento sazonal de agricultores familiares para trabalharem nas lavouras de café e cana-de-açúcar, no sul de Minas Gerais e interior de São Paulo, respectivamente, bem como através da utilização da mão-de-obra familiar regional em condições subhumanas pelas reflorestadoras, nos seus fornos de produção de carvão. Com o processo de “modernização conservadora”, um novo quadro socioeconômico e ambiental se desenhou para os agricultores familiares, que tiveram acesso às áreas de chapada, tradicionalmente utilizadas para o extrativismo vegetal e animal, restringido ou pelos eucaliptos ou pelas cercas das áreas de pastagens destinadas à pecuária extensiva (Dayrell, 1998). O uso intensivo de agroquímicos e a destruição das matas ciliares ao longo dos rios e nascentes provocaram a contaminação e escassez dos recursos hídricos. As políticas de crédito estavam direcionadas para os quatro pilares do desenvolvimento rural regional anteriormente descritos. Para Dayrell (1998:45), esse processo de modernização abalou os pilares de sustentabilidade da agricultura familiar norte-mineira, quais sejam: restrição no acesso aos recursos naturais: maior concentração das terras; redução das áreas de vegetação nativa tradicionalmente utilizadas para coleta extrativista e criação de animais “na solta”. Além disso, secamento 8 REVISTA EDUCARE ISEIB - MONTES CLAROS - MG V. 1 2005 dos principais rios, córregos e brejos da região que funcionavam como verdadeiros oásis no meio dos períodos de seca; difusão em larga escala da uniformização de culturas (monoculturas) e de variedades de plantas cultivadas geneticamente uniformes, em substituição das variedades locais, selecionadas secularmente pelos camponeses e adaptadas às condições de estresses agroambientais; restrição dos mercados e feiras livres, provocados pelo empobrecimento dos municípios e pela competição que os seus produtos enfrentam com os oriundos das agroindústrias, ensacados e enlatados. Com isso, a agricultura familiar norte-mineira desenvolveu novas formas de convivência com os agroecossistemas, reorientando suas estratégias produtivas, das quais, em linhas gerais sugerimos a seguir. Em locais onde predominou a monocultura do algodão, por exemplo, grande parte dos agricultores familiares transformou suas propriedades em minifúndios monocultores. Estabeleceram relações com o crédito oficial, notadamente o Banco do Nordeste, para os investimentos necessários. Venderam a sua produção para as agroindústrias de beneficiamento do algodão, instaladas principalmente no município de Porteirinha. Esse intercâmbio causava grande dependência da agricultura familiar em relação ao crédito oficial, aos insumos agroquímicos e à agroindústria beneficiadora. Com o fim do ciclo do algodão nesta região, no início da década de 1990, aos agricultores familiares restou reorganizar suas estratégias produtivas, em condições de restrições ambiental (solos desgastados e escassez de recursos hídricos) e socioeconômica (estavam, em grande parte, endividados e em situação de empobrecimento ascendente). Nas regiões onde predominou o monocultivo do eucalipto, como por exemplo o caso do município de Rio Pardo de Minas, restou aos agricultores familiares a alternativa de se refugiarem nos estreitos corredores, próximos ao leito dos córregos. Isso porque as chapadas e áreas de nascentes estavam ocupadas com, aproximadamente, 1.436.050 ha de monocultura de eucalipto (Dayrell,1998). Essas são, geralmente, áreas de terrenos devolutos concedidas pelo Estado e os investimentos foram feitos, principalmente, através de financiamentos com recursos do FISET (Fundo de Investimentos Setoriais). Com relação à pecuária extensiva, estavam destinados, em 1985, cerca de 4.456.745 hectares4. Tem-se como exemplo o município de Varzelândia que, em 1985, tinha 75% de sua área destinada à pecuária extensiva5 4 Fundação João Pinheiro. Anuário Estatístico da Região Mineira do Nordeste . Belo Horizonte: FJP, 1994. 5 Idem 9 REVISTA EDUCARE ISEIB - MONTES CLAROS - MG V. 1 2005 A agricultura familiar nos Gerais de Minas desenvolveu-se num binômio latifúndio-minifúndio, em condições de extrema concentração fundiária. (Costa, 1997) Graziano da Silva (1996), ao analisar a modernização recente da agricultura brasileira, chama a atenção para uma característica atual, para além das transformações típicas da “Revolução Verde”, qual seja, a “terceira revolução agrícola”, isto é, o desenvolvimento da informática, micro-eletrônica e biotecnologia. Isso permite um aumento da produção não mais pela ampliação da área plantada e, sim, por ganhos de produtividade.Ainda conforme este autor, essa “nova dinâmica da agricultura brasileira” se insere num quadro mais amplo de desregulamentação e globalização de mercados e tem aumentado a concentração de renda e a pobreza. Considerações Finais ou a Perspectiva da Sustentabilidade A partir de debates acerca das implicações socioambientais da chamada “Revolução Verde”, entra em cena o debate sobre a sustentabilidade ambiental dos processos de desenvolvimento. Estão em questão, principalmente, a problemática do crescimento econômico, dos ganhos sociais ou a busca da equitatividade, os impactos ambientais e a capacidade de suporte do planeta. De acordo com Dayrell (1999:09) nos últimos anos vem crescendo, e não apenas nos meios científicos, a necessidade de reorientar os sistemas de produção rural, em modelos ecologicamente factíveis no uso dos recursos naturais e que consigam dar conta da problemática social e econômica no interior do universo ruralurbano. Tal perspectiva vem se desenvolvendo, sobretudo, com um forte envolvimento e impulso de organizações da sociedade civil. A sustentabilidade é uma noção em disputa, sobretudo no campo político/ideológico, onde são orientadas e implementadas políticas agrícolas e agrárias. Remete ao sentido de continuidade, durabilidade dos recursos naturais, culturais, étnicos. No entanto, há o risco de esvaziamento desta noção ou conceito, na medida em que os mais diversos atores sociais usam esse termo com sentidos diversos e “muitas vezes opostos”. (Silva, 1999:02) Há determinadas ações concretas que denunciam a sua insustentabilidade, conforme o sentido acima. Por exemplo: o desaparecimento de cursos d´água que antes eram perenes; processo de desertificação e contaminação dos solos; desequilíbrios de ciclos hidrológicos, de nutrientes, energéticos, dentre outros. (Silva, 1999) 10 REVISTA EDUCARE ISEIB - MONTES CLAROS - MG V. 1 2005 Para Toledo (1996), citado por Dayrell (1999:), a agricultura tradicional é possuidora de uma racionalidade ecológica contrastante com a racionalidade agroindustrial, podendo-se destacar algumas características: produção para o consumo versus produção para o mercado; predominância do valor de uso versus predominância do valor de troca; reprodução dos produtores e da unidade produtiva versus maximização da taxa de lucro e acumulação de capital; baseado no intercâmbio ecológico com a natureza versus baseado no intercâmbio econômico com o mercado; dentre outros. Tais características permitem à agricultura tradicional, e no caso específico do Norte de Minas Gerais, à agricultura geraizeira, uma forma de apropriação dos recursos naturais fundada na lógica de reprodução tanto dos recursos naturais como do homem. Têm-se desenvolvido atividades que minimizem ou eliminem determinados impactos e garantam a reprodução socioeconômica e cultural das populações. Pode-se destacar o trabalho de organizações não-governamentais, pertencentes à Rede Cerrado, que congrega dezenas de entidades espalhadas pelo bioma Cerrado. Essas ONGs agem na promoção e fortalecimento da agricultura familiar na perspectiva da sustentabilidade ecológica dos agroecossistemas de na reprodução social digna das populações. Nos Gerais de Minas não é diferente, trava-se uma verdadeira batalha na disputa por lógicas de relação entre o homem e natureza, onde a lógica sustentável cresce em reconhecimento e credibilidade, mas enfrenta a perspectiva dos megaprojetos de reflorestamento, pecuária extensiva, perímetros de agricultura irrigada, que, se antes fundamentavam-se nos princípios da Revolução Verde, hoje apóiam-se na Revolução da Biotecnologia, por meio da transgenia. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BANCO DO NORDESTE. 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