Tema II
Tópicos Especiais de Finanças Públicas
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Segundo Lugar
Oliveira Alves Pereira Filho*
Impactos das Transferências
Intergovernamentais no Federalismo Brasileiro:
uma avaliação do Fundo Constitucional do
Distrito Federal sob os aspectos de equidade
fiscal e eficiência econômica
* Mestre em Economia do Setor Público pela Universidade de Brasília (UnB). Analista de Planejamento e Orçamento
Federal.
Resumo
Este trabalho verifica – por meio de raciocínios descritivos, consultas
às evidências empíricas disponíveis e mediante a proposição de um modelo
de mensuração da qualidade dos gastos públicos subnacionais – se existem
no federalismo fiscal brasileiro distorções em termos de equidade fiscal e
eficiência econômica advindas da criação e da manutenção pela União do Fundo
Constitucional do Distrito Federal (FCDF), uma modalidade de transferência
intergovernamental que possui como principal característica o fato de beneficiar
apenas um ente federado, no caso provendo integralmente os serviços de
segurança pública e parcialmente os de saúde e educação da capital federal. Tal
investigação justifica-se pelo fato de que a evidência recente oferecida pela teoria
positiva registra que transferências condicionadas e sem contrapartida, categoria
em que se enquadra o referido Fundo, podem incentivar uma oferta excessiva
e uma alta relação custo-benefício nos bens vinculados, o que prejudicaria sua
eficiência relativa. Como motivação adicional, tem-se que as particularidades
do FCDF foram, até o momento, pouco debatidas pela literatura nacional
especializada em finanças públicas, mesmo sendo esse mecanismo orçamentário
não desprezível em termos de dotações e impactos federativos. Como principais
inferências, as informações analisadas por este estudo parecem sugerir que
o FCDF é um mecanismo de transferência intergovernamental mal desenhado
(baseia-se em uma premissa de desequilíbrio vertical equivocada), que ao
conceder níveis extremamente elevados de receita per capita para o DF acaba
por tornar, de acordo com as estimações produzidas pelo modelo econométrico
de fronteiras estocásticas de custo, a provisão de seus serviços de segurança
pública a mais ineficiente (em termos econômicos) da Federação. Esse excesso
de recursos “vindos de fora” produz ainda outros incentivos nocivos (política
de pessoal irreal e fiscalmente insustentável) e sob o ponto de vista federativo
concentra ainda mais a riqueza e as oportunidades, recrudescendo desequilíbrios
horizontais historicamente presentes na realidade brasileira. Em continuidade,
esta monografia traz, não obstante o reconhecimento das dificuldades políticas
associadas, sugestões de mudança no funcionamento do FCDF, com as quais se
espera minimizar a intervenção negativa do governo federal no federalismo fiscal
brasileiro e ao mesmo tempo incentivar um comportamento fiscal equilibrado
de longo prazo para o DF (respeitando inclusive a LRF). Entre essas propostas
estão a incorporação pela União do contingente de servidores públicos das áreas
de segurança pública, saúde e educação pagos atualmente pelo FCDF (a exemplo
do que foi feito no passado com os funcionários dos extintos territórios) e o
congelamento dos valores nominais repassados, também no âmbito do FCDF,
para as despesas de custeio e investimento relacionadas aos objetivos do Fundo.
Isto feito, a reposição dessa força de trabalho passaria a ser paulatinamente
realizada com recursos próprios do DF e não mais da União, o que temporalmente
produziria incentivos para atitudes fiscais mais realistas no âmbito desse ente. Por
fim, reitera-se a necessidade de que seja incorporada como prática corriqueira em
nosso país a revisão periódica dos critérios de repartição federativa, premiando-se
situações que conciliem a busca legítima por equidade fiscal com a necessidade
de maior eficiência econômica no gasto público.
Palavras-chave: federalismo; equidade fiscal; eficiência econômica.
Sumário
1 Introdução, 7
2 Fundamentos econômicos das transferências federativas, 9
3 Análise descritiva do Fundo Constitucional do Distrito Federal, 15
3.1 Afinal, o que é o Distrito Federal brasileiro?, 15
3.2 Particularidades do Fundo Constitucional do Distrito Federal, 21
4 Equidade fiscal: impactos do FCDF no federalismo fiscal brasileiro, 27
4.1 Fontes de receita e aplicação dos recursos disponíveis, 30
5 Eficiência econômica: uma avaliação empírica da qualidade dos gastos do FCDF, 38
5.1 Metodologia, 39
5.2 Modelo econométrico e base de dados, 42
5.3 Análise dos resultados, 45
5.4 Índices subnacionais de eficiência econômica, 51
6 Considerações finais e proposições de mudança, 54
Referências, 58
Lista de figuras
Figura 1. Tipos de transferências intergovernamentais, 11
Figura 2. Execução orçamentária do FCDF no Siafi, 26
Lista de gráficos
Gráfico 1. Fontes de receita do Distrito Federal (em %), 17
Gráfico 2. Evolução das despesas correntes do Distrito Federal – preços constantes de 2008
(IPCA médio), 19
Gráfico 3. Transferências da União aos estados e aos municípios em 2008
(R$ milhões correntes), 29
Lista de tabelas
Tabela 1. Demonstrativo dos limites do Distrito Federal, segundo a LRF e o Senado
Federal – 3o quadrimestre (% da Receita Corrente Líquida – RCL), 20
Tabela 2. Evolução dos recursos transferidos ao DF (art. 21, inc. XIV, da CF 1988)
(Empenhos liquidados em R$ milhões constantes de 2008 – IPCA médio), 23
Tabela 3. Recursos federais transferidos ao DF (art. 21, inc. XIV, da CF 1988) por setor
beneficiado (empenhos liquidados em R$ milhões constantes de 2008 – IPCA médio), 24
Tabela 4. Recursos federais transferidos ao DF (art. 21, inc. XIV, da CF 1988) por GND
(empenhos liquidados em R$ milhões constantes de 2008 – IPCA médio), 25
Tabela 5. Evolução dos percentuais de participação do FPE e do FPM (em %), 28
Tabela 6. Indicadores per capita selecionados dos entes subnacionais em 2008 –
valores correntes (R$ 1,00), 31
Tabela 7. Despesas per capita dos entes federados (municípios inclusos) em 2008
nas funções orçamentárias selecionadas – valores correntes (R$ 1,00), 36
Tabela 8. Indicadores selecionados das forças policiais subnacionais em 2006 –
valores correntes (R$ 1,00), 37
Tabela 9. Estatística descritiva – R$ constantes de 2006 (IPCA médio), 43
Tabela 10. Testes de especificação fronteira estocástica de custo-eficiência
(segurança pública), 46
Tabela 11. Estimativa fronteira estocástica de custo-eficiência (segurança Pública), 48
Tabela 12. Índices estaduais e distritais de eficiência em custos (segurança pública), 52
Tabela 13. Despesas executadas, custos estimados e desperdícios apurados no setor de
segurança pública do df e dos estados (municípios inclusos) – R$ milhões
constantes de 2006 (IPCA médio), 53
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1 Introdução
Passado o período de estabilização macroeconômica dos anos 1990, quando
o Brasil enfim equacionou seus problemas inflacionários, as reais necessidades
de financiamento do setor público foram de fato evidenciadas, o que levou, entre
outras consequências, ao aumento tanto do endividamento estatal quanto da carga
tributária (ainda hoje considerada elevada perante a comparação internacional).
Uma vez que nosso sistema tributário traz consigo grande regressividade e persistem em nosso país bolsões de pobreza e iniquidade, as atenções de pesquisadores
e formuladores de políticas públicas têm se focado cada vez mais na questão da
eficiência do gasto público, isto é, como promover maior bem-estar para a sociedade, sobretudo para as camadas mais necessitadas, ao mínimo custo.
Nesse sentido, a teoria econômica da descentralização fiscal faculta o uso
dos gastos públicos locais como uma das maneiras de se maximizar a eficiência
dos bens públicos na medida em que aproximam as decisões do gestor público das
preferências da comunidade local beneficiada, podendo inclusive induzir critérios
de equilíbrio horizontal e vertical necessários à estabilidade e à manutenção de
pactos federativos. Seguindo esse receituário, o federalismo fiscal brasileiro vem
fazendo uso intensivo desses mecanismos de repasses interjurisdicionais como
estratégia explícita de enfrentamento das mazelas regionais que permeiam o país,
mesmo se reconhecendo que, se forem mal concebidas, as referidas transferências
também podem gerar ou agravar demandas regionais já existentes.
No caso específico do Distrito Federal, membro sui generis da Federação
brasileira, a análise dos aspectos de equidade fiscal e eficiência econômica advindos do gasto público descentralizado também é matéria de especial interesse, uma
vez que o referido ente recebe, em regime de exceção, transferências da União via
Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) para a manutenção integral de
seu setor de segurança pública e parcial das áreas de saúde e educação, benefício
este que não é compartilhado com nenhum outro ente federado.
Em face dessas particularidades, este estudo objetiva verificar a hipótese de
que possam existir distorções em termos de equidade fiscal e eficiência econômica advindas da criação e da manutenção do FCDF. Tal investigação justifica-se
pelo fato de que a evidência recente oferecida pela teoria positiva registra que
transferências condicionadas e sem contrapartida, categoria em que se enquadra o
referido Fundo, podem incentivar uma oferta excessiva e uma alta relação custobenefício nos bens vinculados, o que prejudicaria sua eficiência relativa.
Em complemento, esta monografia busca sistematizar os conhecimentos a
respeito do FCDF, um mecanismo orçamentário não desprezível em termos de
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dotações, porém pouco conhecido e consequentemente pouco explorado pela literatura brasileira especializada em finanças públicas. Para se ter ideia da relevância do referido Fundo, uma comparação pode ser útil: no Programa Nacional de
Segurança Pública com Cidadania (Pronasci) do governo federal estão previstos
dispêndios em todo o território nacional de R$ 6,7 bilhões até o fim de 2012,
enquanto a União destinou apenas ao FCDF em 2008 R$ 6,6 bilhões em valores
correntes, destes, R$ 3,5 bilhões apenas para o setor de segurança pública (inativos inclusive).
Para se testar a conjectura proposta, foram desenvolvidos basicamente dois
grupos de raciocínio: no primeiro estão aqueles eminentemente descritivos, baseados na teoria econômica das transferências intergovernamentais que buscam
elucidar os impactos do FCDF sobre os equilíbrios vertical e horizontal (equidade fiscal) do federalismo brasileiro. O segundo grupo de evidências apoia-se em
uma análise empírica da eficiência econômica subnacional (avaliação da qualidade desse gasto) no ramo de atividade proporcionalmente mais beneficiado pelo
FCDF, isto é, o setor de segurança pública.1 Nessa abordagem, comparamos o DF,
receptor de recursos federais, com os demais estados da Federação por meio do
método econométrico de fronteiras estocásticas de custo-eficiência, o qual possibilita a hierarquização das 27 Unidades Federadas (UFs) conforme seu desempenho econômico quando da provisão do bem público segurança.
Os dados utilizados são provenientes de diversas fontes, incluindo Ministério da Saúde (Datasus), Ministério da Fazenda (Secretaria do Tesouro Nacional
– STN e Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal –
Siafi), Ministério da Justiça (Secretaria Nacional de Segurança Pública – Senasp
e Departamento Penitenciário Nacional – Depen), Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão (MPOG), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF), Ipeadata, Poder Judiciário e Secretarias Estaduais de Administração e Segurança Pública.
Como principais inferências, as informações analisadas por este trabalho
parecem sugerir que o FCDF é um mecanismo de transferência intergovernamental mal desenhado, ineficiente para o fim a que se propõe (prover os serviços de
segurança pública do ente), indutor de incentivos econômicos nocivos (política
de pessoal irreal e fiscalmente insustentável) e concentrador segundo critérios
federativos, recrudescendo desequilíbrios horizontais já presentes na realidade
brasileira (distorções em termos de equidade fiscal).
Esta monografia está dividida em 5 seções, além desta introdução, subdivididas em subseções, quando necessário. Como o FCDF é um tipo de repasse da
1As demais áreas atendidas pelo Fundo (saúde e educação) foram, neste primeiro momento, preteridas por serem apenas
parcialmente financiadas com recursos federais, todavia são naturalmente candidatas para possíveis novas análises que
venham a expandir a abordagem aqui proposta.
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União específico para o DF, a seção 2 trata brevemente das principais contribuições teóricas e empíricas a respeito das diversas modalidades de transferências
intergovernamentais em federações como a brasileira, destacando nessa análise
os benefícios de sua utilização, bem como suas limitações em termos de incentivos econômicos adversos, perda de eficiência e desequilíbrios horizontais (iniquidade).
A seção 3 traz uma análise descritiva do FCDF e das transferências que o
antecederam, seus impactos nas finanças públicas do DF, sua evolução em anos
recentes, seu mecanismo de funcionamento e as formas pelas quais ocorre sua
inclusão orçamentária. A seção 4 apresenta as consequências da existência do
FCDF para o federalismo fiscal brasileiro, enfatizando os efeitos desse instrumento em termos de equidade vertical e horizontal. Nesse ponto, explicitam-se
também as fontes de receita (próprias e de transferências) que os entes federados
possuem para a provisão potencial de serviços públicos em seus territórios, alertando-se para algumas distorções existentes nos critérios de distribuição desses
recursos. Além disso, é apresentada ainda, para fins de comparação, a aplicação
dos recursos disponíveis (despesas) de cada ente nos setores beneficiados pelo
FCDF (segurança pública, saúde e educação).
O mote da seção 5 é estimar econometricamente a eficiência econômica
estadual e distrital na provisão dos serviços de segurança pública, investigando,
por consequência, o papel desempenhando pelo FCDF nesse contexto e disponibilizando, como corolário, o ranking federativo de ineficiências. Por fim, na seção
6 enunciam-se as principais conclusões (e proposições de mudança) do estudo
como um todo.
2 Fundamentos econômicos das
transferências federativas
Um enunciado da moderna teoria econômica do setor público diz que um
resultado eficiente no sentido de Pareto para a provisão de bens públicos, conforme exposto em Samuelson (1954), não pode ser garantido se existirem externalidades entre regiões que possuem limites jurisdicionais fixos (RUBINFELD apud
AUERBACH; FELDSTEIN, 1987, p. 625-626). Em outras palavras, similarmente ao que ocorre no mercado de bens privados, o bem público produzido localmente só será eficiente se seus benefícios e custos forem integralmente atribuídos
aos residentes. Caso contrário, os transbordamentos (spillovers) afetarão habitantes de outras localidades que não participaram do referido processo decisório
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e de financiamento, o que causará a provisão excessiva ou a suboferta dos bens
em questão (respectivamente nos casos de externalidades negativas e positivas).
Todavia, esse mesmo arcabouço teórico considera que as ineficiências relatadas podem ser superadas em um sistema federalista que seja hábil em produzir,
por meio de mecanismos de descentralização, tanto competição quanto ações coordenadas entre seus múltiplos níveis de governo. Dessa forma, estudos como os
de Tiebout (1956), Oates (1972) e Gordon (1983) expandem e complementam as
motivações para o gasto público efetuado em nível local, ensejando entendimentos de que uma correta redistribuição de recursos e atribuições entre as diversas
entidades federativas incrementaria o bem-estar social ao equilibrar desigualdades verticais e horizontais.2
Nesse cenário normativo, as transferências entre níveis de governo e/ou
entre unidades do mesmo nível possuem papel-chave, pois são os instrumentos
que auxiliarão essa alocação eficiente e a citada redistribuição de competências,
atribuições e/ou recursos (equilíbrio entre receitas e despesas) nas Unidades Federadas. Esse sistema de repartição ocorre, na maioria das vezes, do ente maior
para o menor, contudo a experiência brasileira já registrou exceções a essa prática, como foi o caso da reforma tributária de 1934, que previu a distribuição de
parte das receitas arrecadadas pelos estados da Federação com a criação de novos
tributos (residuais) na proporção de 30% para a União (grifo nosso) e 20% para
os municípios (COSSIO, 2002, p. 30).
No tocante aos desequilíbrios verticais, determinados bens públicos serão,
sob o ponto de vista econômico, mais bem providos por localidades regionais que
conhecem de forma mais detalhada as preferências dos cidadãos ali residentes,
podendo com isso realizar escolhas públicas próximas da função de bem-estar social ótima. Em complemento, a maior parcela da arrecadação tributária é eficientemente realizada em nível central devido à existência de economias de escala,
custos administrativos da atividade, falta de coordenação federativa e mobilidade
de agentes e/ou bases tributárias. Assim, o descolamento entre competências tributárias e provisão pública eficiente enseja e legitima a transferência de parte dos
recursos arrecadados de maneira centralizada para as entidades subnacionais, que
passam então a ser responsáveis pela oferta de determinados bens públicos.
2Resumidamente, Tiebout (1956) acredita que os indivíduos podem ser incentivados a revelar suas preferências por
bens públicos mediante a competição entre jurisdições descentralizadas. Assim, cada indivíduo “votaria com os pés”,
migrando para governos que oferecessem um conjunto de bens públicos e tributos que maximizassem suas preferências.
Oates (1972), por sua vez, centra suas análises nos ganhos advindos da descentralização, assumindo que governos locais
conhecem melhor do que esferas centralizadas as preferências dos seus cidadãos. Com isso, a definição de competências
e atribuições entre os níveis de governo passa a ser o pilar básico da busca por maior bem-estar na Federação. Gordon
(1983) enfoca pormenorizadamente os transbordamentos e seus incentivos no processo de descentralização. Todas essas
abordagens entendem que os gestores públicos são “benevolentes” e dedicados a maximizar o bem-estar dos eleitores
representativos, este pressuposto é a principal divergência entre teóricos normativos e positivos.
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Por sua vez, o equilíbrio horizontal é fundamento para a existência e a manutenção
do federalismo, pois é fortemente desejável que todos os entes locais disponham de meios
suficientes (recursos per capita) para a promoção de seu desenvolvimento e do bem-estar
de seus habitantes, minimizando com isso instabilidades sociais, econômicas e migratórias
nocivas ao pacto federativo. Consequentemente, em cenários de desigualdade regional e
concentração espacial da riqueza, determinados entes apresentarão insuficiência de bases
tributárias e carência de investimentos em capital humano e infraestrutura, o que tornaria
defensável o uso de transferências intergovernamentais objetivando a equalização entre as
diversas unidades (estados ou municípios) componentes desse arranjo político.
Ademais, se não forem utilizadas transferências compensatórias em cenários
de iniquidade horizontal haverá a tendência de que o quadro se aprofunde e se perpetue num círculo vicioso no qual finanças públicas locais debilitadas subofertarão
bens públicos e propiciarão desenvolvimento econômico e social insuficiente, culminando em um ente incapaz de consolidar seu potencial tributário, sua autonomia
e um padrão requerido de sustentabilidade social, demográfica e fiscal.
Em termos de classificação econômica, as transferências subdividem-se como
apresentado na Figura 1. Os efeitos econômicos e o papel a ser desempenhado por
esses mecanismos irão depender fundamentalmente do fato de serem vinculadas
(ou não) a um determinado objetivo e se recebem (ou não) complementação do
governo subnacional beneficiado.
Figura 1
Tipos de transferências intergovernamentais
Fonte: elaboração do autor com base nas informações de Rubinfeld (apud AUERBACH; FELDSTEIN, 1987), Shah (1994)
e Stiglitz (2000)
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A combinação (AA) é utilizada em geral com natureza devolutiva, ou seja,
é instrumento para combater o desequilíbrio vertical, uma vez que o arrecadador
eficiente (governo central) repassa recursos livremente ao provedor eficiente (governo local), que os incorpora ao seu patrimônio e discricionariamente pode escolher entre aumentar a provisão de bens públicos ou conceder aumento de renda
ao setor privado via redução de tributos de sua competência. Se dimensionados
para critérios redistributivos, esses repasses também podem minorar desequilíbrios horizontais ao serem entregues em maior proporção aos entes com carências
tributárias, baixa renda, limitações geográficas, entre outros indicadores. Na realidade brasileira, o FPE, o FPM e o ICMS transferido de estados para municípios
são os principais exemplares dessa categoria (transferências livres).
Em contrapartida, se o governo central deseja implantar em todas as jurisdições subnacionais uma política setorial que garanta um nível mínimo de provisão
para um determinado bem público (tido como de interesse secundário pelos governantes locais), uma transferência sem contrapartida e condicionada, apresentada na ramificação (AB), será a melhor escolha, conforme explicitado por Mendes
(apud BIDERMAN; ARVATE, 2004, p. 437):
Como os governos locais podem ter incentivos a não atender às necessidades da população mais necessitada – para não atrair população carente
nem ter de elevar tributos, perdendo competitividade na atração de investimentos – o governo central garantiria [por meio de transferências
condicionadas] os recursos necessários para que os municípios dessem
um padrão mínimo de atendimentos aos mais pobres.
Caso a vinculação se restrinja ao mínimo requerido pelo governo federal e a
comunidade beneficiada já o garanta, então esse repasse produzirá exatamente os
mesmos efeitos de (AA), ou seja, poderá ser livremente alocado pelo governo local
em quaisquer outras atividades. Entretanto, se a vinculação for plena (é permitido
produzir apenas o bem inicialmente estipulado), esse tipo de transferência poderá
apresentar como pontos negativos uma elevada relação custo-benefício (não produz
incentivos para que o gestor local minimize seus custos), bem como uma produção
excessiva (advinda da necessidade de se gastar os recursos ora vinculados, mesmo
que o mínimo planejado já tenha sido atendido). Exemplos desse tipo de condicionalidade na realidade brasileira são abundantes, com destaque para o próprio Fundo
Constitucional do Distrito Federal (FCDF), transferências ao Sistema Único de Saúde
(SUS), Fundef (atualmente Fundeb), alguns convênios (transferências voluntárias3 no
âmbito do governo federal, mas vinculadas aos entes recebedores), entre outros.
3São repasses do governo federal a estados, ao Distrito Federal e aos municípios efetivados por meio de instrumentos
como convênios, e, dado seu caráter de não obrigatoriedade, são recorrentemente objeto de intensos debates políticos
acerca de sua repartição federativa.
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As transferências com contrapartida (BC e BD) não são muito utilizadas no
federalismo fiscal brasileiro, e os poucos exemplos existentes estão concentrados
no âmbito das transferências voluntárias. Uma parte dos convênios efetivados
entre a União e as unidades subnacionais (principalmente municípios) exige uma
participação do ente recebedor, ou seja, a localidade beneficiada complementa,
numa proporção contratualmente estabelecida, os recursos federais repassados
para determinada finalidade. Esse tipo específico de transferência é indicado para
situações em que existam externalidades positivas beneficiando não residentes.
Como nesses casos o governo local tende a subofertar esses bens, o nível central
de governo subsidia os custos de produção com o uso de um matching grant, beneficiando ambas as regiões pela continuidade ou pelo aumento da produção do
bem incentivado.
A principal crítica a esse mecanismo concentra-se no plano da equidade,
pois é flagrante que entes mais ricos disporão de maiores recursos para a contrapartida estipulada, o que em casos extremos pode até inviabilizar os resultados esperados com a escolha desse tipo de repasse. No que diz respeito à eficiência, esse
modelo de transferência, ao contrário daquelas sem contrapartida, possui efeito
substituição (o subsídio concedido altera os preços relativos) que se relaciona,
segundo Stiglitz (2000, p. 748), a maiores custos para atingir os mesmos níveis de
bem-estar proporcionados por uma transferência sem contrapartida.
Não obstante as características benéficas anteriormente apresentadas, as
contribuições da economia positiva apoiam-se em experiências empíricas que
relatam efeitos colaterais e incentivos negativos oriundos da prática das transferências, especialmente os relacionados ao desestímulo à arrecadação de tributos
locais; e à expansão e à piora na qualidade do gasto público local devido a problemas de assimetria de informação (fiscal illusion e flypaper effect).4
Autores como Fisher (1982), Oates (1979, 1991) e Turnbull (1992) sugerem
que problemas de assimetria de informação entre governos concedentes, entidades locais recebedoras, burocracia e eleitores podem ensejar o fenômeno conhecido de maneira abrangente na literatura econômica como fiscal illusion (ilusão
fiscal, em uma tradução livre), o qual tem o potencial de anular boa parte dos ganhos econômicos do federalismo fiscal propostos por Oates (1972), especialmente aqueles derivados da proximidade entre contribuintes e governantes (ligação
essa responsável pela maior vigilância e pelo controle popular em relação ao uso
eficiente dos tributos arrecadados).
Conceitualmente, essa anomalia está ligada ao fato de que ao receberem
transferências intergovernamentais os eleitores das localidades beneficiadas tendem a perder a conexão entre os tributos por eles pagos e a oferta de bens públi4Gasparini e Cossio (apud MENDES (Org.), 2006) sintetizam diversas dessas evidências.
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cos locais, pois, implicitamente, moradores de outras unidades estão financiando
parte desses bens. Esse processo então subvalorizaria esses custos públicos, acarretaria provisão excessiva e prejudicaria o mecanismo de accountability.5 Nesse
contexto, os benefícios políticos advindos da “miopia” dos contribuintes seriam
apropriados pelos governantes locais e também pela burocracia, uma vez que
ambos são mais bem informados acerca dos meandros legais e dos verdadeiros
impactos econômicos desses repasses, conforme sintetizado a seguir:
[...] os cidadãos de uma comunidade sabem quanto pagam de impostos ao
governo, mas não conhecem o montante de dinheiro que “vem de fora”,
ou seja, que chega via transferências. Seria dispendioso, para o contribuinte, obter esse tipo de informação. Aproveitando-se dessa assimetria
de informações, o governante local conseguiria esconder do eleitorado
o real valor recebido em transferências, de modo a induzi-lo a subestimar o real custo de produção de bens públicos. Daí porque um aumento
das transferências recebidas permitiria ao governante expandir o gasto,
enquanto um aumento da renda local, que levaria à expansão da arrecadação tributária, não resultaria em aumento equivalente da despesa, pois,
nesse caso, o eleitor teria informações suficientes para monitorar adequadamente as ações do governante (MENDES apud BIDERMAN; ARVATE
(Org.), 2004, p. 451).
Uma derivação do conceito de ilusão fiscal e que por vezes tem sido separadamente analisado é o flypaper effect, fenômeno que representa a situação econômica
em que o dinheiro adentra os cofres públicos locais via transferência intergovernamental e, ao contrário do que previa a teoria normativa, ali fica expandindo os
gastos da jurisdição com novos bens públicos, deixando com isso de ser repassado
para o setor privado por meio de uma redução proporcional de tributos. As transferências, então, como dito anteriormente, por motivos políticos e burocráticos incrementam os gastos locais em uma proporção maior do que ocorreria se houvesse um
aumento equivalente na renda da comunidade, isto é, se essas mesmas transferências tivessem sido feitas diretamente aos habitantes locais.6
Há ainda, segundo alguns autores, um desestímulo à arrecadação de tributos
locais pelos beneficiários desses repasses intergovernamentais. Isso ocorre porque arrecadar tributos, ao contrário de receber transferências, envolve custos não
desprezíveis, seja pela indisposição política que gera nos eleitores/contribuintes
5Guedes e Gasparini (2007) encontraram evidências acerca da ilusão fiscal no federalismo brasileiro, enquanto Winer
(1983), Logan (1986), Strumm (2000) e Gemmel et al. (2002), entre outros, investigaram a referida distorção no âmbito
da realidade internacional.
6Evidências empíricas desse efeito na realidade brasileira foram econometricamente verificadas por Cossio e Carvalho
(2001) e Cossio (2002), enquanto Fisher (1982), Gramlich (1977), Hamilton (1983), Turnbull (1992), Wyckoff (1988)
e Strumpf (1998), entre outros, analisaram esse fenômeno no âmbito internacional.
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seja pela necessidade de estruturação da máquina administrativa local por meio
de investimentos em tecnologia e capital humano que, tudo o mais constante, reduzirão os gastos locais em outras áreas geradoras de dividendos políticos (saúde,
estradas, pontes, políticas assistenciais, entre outras). Segundo Schwengber e Ribeiro (2000), existem na realidade brasileira evidências empíricas de que as transferências intergovernamentais não vinculadas a gastos (no caso o Fundo de Participação dos Estados – FPE) geraram durante o período analisado (1985-1995),
na média, incentivos para um baixo desempenho fiscal nos estados beneficiários,
uma vez que esses entes federados apresentaram arrecadação efetiva abaixo dos
seus respectivos potenciais.7
Na prática, tem-se verificado que um bom dimensionamento das transferências (viabilidade e coerência nos volumes a serem repassados e nas contrapartidas
requeridas) não é tarefa das mais fáceis, uma vez que formas federalistas em geral são compostas por entes pouco homogêneos, com demandas próprias e bases
tributárias desiguais. O ideal seria que os mecanismos atualmente em uso fossem
reavaliados periodicamente (o que raramente ocorre no Brasil), premiando sempre arranjos que conciliem a busca legítima por equidade com a necessidade de
maior eficiência no gasto público.
Em face do exposto, torna-se relevante e oportuna uma investigação (fundamentada na brevemente apresentada teoria econômica das transferências intergovernamentais) a respeito do FCDF, seu histórico e funcionamento, seus impactos
(em termos de eficiência econômica e equidade) nas finanças do Distrito Federal
e, principalmente, no federalismo fiscal brasileiro, o que passamos a fazer nas
seções seguintes.
3 Análise descritiva do Fundo
Constitucional do Distrito Federal
3.1 Afinal, o que é o Distrito Federal brasileiro?
O Distrito Federal é um ente subnacional com características e competências diferenciadas no âmbito do federalismo fiscal brasileiro, não sendo exatamente um estado federado, assim como também não é um município. Enquanto
os demais estados da Federação possuem suas respectivas competências tributá7Sobre esse mesmo assunto (esforço fiscal dos entes recebedores de transferências no Brasil), vide também os resultados
empíricos de Souza Júnior e Gasparini (2006) para estados e de Cossio (1998) para municípios.
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rias e subdividem-se em municípios, os quais também contam com competências
tributárias privativas, ao DF é vedada tal prerrogativa, porém lhe é permitido, de
acordo com o art. 32, § 1o da Constituição Federal de 1988, arrecadar cumulativamente os tributos concernentes a estados e municípios, bem como receber a
totalidade das transferências intergovernamentais destinadas a esses entes.
Esse tratamento diferenciado (e inegavelmente benéfico) é potencializado
na medida em que à União também cabe a organização e a plena manutenção das
instituições distritais representantes do Poder Judiciário, do Ministério Público,
da Defensoria Pública, das Polícias Civil, Militar e do Corpo de Bombeiros; e ainda a prestação de assistência financeira (custeio em parte) para os serviços locais
de saúde e educação (art. 21, incisos XIII e XIV, da CF 1988).
Tais prerrogativas restaram inequívocas quando do julgamento da Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no 3.756-1, em que o Supremo Tribunal
Federal (STF) reconheceu o caráter único do DF, não obstante também ter firmado entendimento de que esse ente se assemelha mais a um estado do que a um
município para fins de aplicabilidade da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF),
consoante ao reproduzido a seguir:
Se é verdade que o DF não se traduz em estado membro, não menos certo
é que município ele também não é. O DF é uma projeção jurídica, é um
ser autônomo, que dispõe de competências próprias. O DF é o DF. [...] No
entanto, a qualificação jurídica permite aproximá-lo mais de um estado
que de um município (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, 2007).
Sob uma perspectiva histórica, Barros (1992) informa que era antigo o desejo de implantar um Distrito Federal no coração do Brasil, fundamentado na
experiência norte-americana (mudança da capital da Filadélfia para Washington,
Distrito de Columbia, em 1800), por questões de segurança nacional (proteção
contra agressões externas) e pela necessidade de integrar e expandir economicamente as regiões centrais do país, até então pouco exploradas. Esse anseio foi devidamente expresso no art. 3o da Constituição de 1891, que taxativamente enunciava: “Fica pertencendo à União, no planalto central da República, uma zona
de 14.400 quilômetros quadrados, que será oportunamente demarcada para nela
estabelecer-se a futura capital federal”.
Fato é que o Distrito Federal só foi transferido para o Planalto Central com a
criação de Brasília em 1960, e durante a redemocratização dos anos 1980 iniciou-se
um movimento em defesa da autonomia política dessa região, que até então obedecia ao exposto nos §§ 1o e 2o do art. 17 da Constituição de 1967, redação dada pela
Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969, descrito a seguir:
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Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Oliveira Alves Pereira Filho
Art. 17. A lei disporá sôbre a organização administrativa e judiciária do
Distrito Federal e dos Territórios.
§ 1o Caberá ao Senado Federal discutir e votar projetos de lei sôbre
matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração do Distrito Federal.
§ 2o O Governador do Distrito Federal e os Governadores dos Territórios serão nomeados pelo Presidente da República.
Em 1986, os eleitores do Distrito Federal finalmente puderam escolher diretamente oito deputados federais e três senadores para representá-los na Assembleia
Nacional Constituinte. A promulgação da Constituição Federal de 1988 endossou,
em seus arts. 18 e 32, a autonomia política do DF, elevando-o, como brevemente
explicitado anteriormente, à categoria de membro sui generis da Federação e garantindo para 1990 a realização de nova eleição direta para a escolha de deputados
federais, senadores, governador e 24 deputados distritais, estes últimos incumbidos
de elaborar a primeira Lei Orgânica do Distrito Federal (promulgada em 1993).
Desde então, as finanças públicas do DF também evoluíram significativamente, contudo ainda são muito dependentes dos recursos transferidos pela
União, conforme exposto no Gráfico 1.
Gráfico 1
Fontes de receita do Distrito Federal (em %)
Fonte: elaboração do autor com base nos dados do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), Secretaria
do Tesouro Nacional (STN) e Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF)
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
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Esses repasses provenientes do governo federal podem ser divididos em
dois agrupamentos distintos. O primeiro deles diz respeito ao objeto deste trabalho, ou seja, às transferências federais para a prestação de serviços de segurança
pública, saúde e educação nos limites geográficos da capital federal, que a partir
de 2003 passaram a ser realizadas por meio do FCDF e que terão suas particularidades examinadas em profundidade adiante. As demais transferências federais
são aquelas compartilhadas com todos os estados, municípios e com o próprio
DF, decorrentes tanto de mandamentos constitucionais/legais (com destaque para
o FPM, o FPE, compensação às exportações e saúde) como da vontade discricionária do governo federal (convênios, acordos, ajustes, etc.).
Seguindo as informações constantes no Gráfico 1, podemos verificar que
há uma tendência de crescimento na arrecadação de recursos próprios (receita
corrente e de capital, exceto transferências corrente e de capital) superior à apresentada pelos recursos de transferências para a manutenção dos serviços de segurança pública, saúde e educação.8 Em 1995, o esforço de arrecadação do ente
representava apenas 40,4% das receitas totais, passando em 2008 a representar
54,0%. No mesmo período, a participação das referidas transferências recuou de
51,3% para 38,9% dos recursos totais. Por sua vez, as demais transferências da
União permaneceram com sua participação relativa praticamente estável no período, com média de 7,2% das receitas totais.
No tocante à composição das receitas correntes próprias do DF, é possível inferir pelos balanços orçamentários do ente que o Tesouro local se apoia fortemente
na arrecadação de receitas tributárias (cerca de 80% do total), consideravelmente
bem diluídas entre ICMS, IRRF (recolhido pela União dos funcionários públicos
distritais), ISSQN, IPVA e IPTU, o que reduz a dependência da arrecadação de apenas um tributo e reflete o perfil específico do contribuinte brasiliense: ainda muito
ligado às atividades da administração pública, que no DF reconhecidamente paga
salários acima da média do setor privado, e detentor da maior renda per capita nacional, que lhe permite adquirir patrimônio, bens e serviços passíveis de tributação.
A soma dos critérios constitucionais/legais determinantes dessas competências tributárias e das transferências recebidas da União tornam o DF, como será
pormenorizado na seção seguinte, detentor de uma privilegiada situação fiscal
no contexto do federalismo brasileiro. Essa abundância de recursos, como não
poderia deixar de ser, reflete-se no lado da despesa, no qual o crescimento real
dos gastos correntes (FCDF incluso) foi expressivo, especialmente após 2002,
conforme exposto no Gráfico 2.
8De 2003 em diante, os recursos federais para segurança pública, saúde e educação passaram a ser efetuados por meio
do FCDF, que, mesmo tendo apresentado crescimento real expressivo no período, como veremos nas seções seguintes,
estabilizou sua participação relativa em torno de 40% das receitas totais, fato que sugere em períodos recentes um maior
foco e capacidade do DF na exploração de suas bases tributárias.
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Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
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Gráfico 2
Evolução das despesas correntes do Distrito Federal –
preços constantes de 2008 (IPCA médio)
Fonte: elaboração do autor com base nos dados do MPOG, da STN, do TCDF e do IBGE
Mesmo em face do citado incremento nas despesas correntes, podemos verificar por meio da Tabela 1 que o Poder Executivo distrital ainda cumpre os limites
impostos pela LRF e pelo Senado Federal, apresentando indicadores que podem ser
considerados baixos em relação a alguns dos seus pares federativos (em que pese
a tendência de crescimento observada nas despesas de pessoal em anos recentes).
Essa situação de relativo equilíbrio gera um círculo virtuoso, uma vez que com a
dívida consolidada líquida sob controle o Governo do Distrito Federal (GDF) pode
realizar uma gestão de caixa menos dependente de empréstimos e consequentemente menos comprometida com o pagamento de juros e serviços da dívida.
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
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Tabela 1
Demonstrativo dos limites do Distrito Federal, segundo a LRF e o Senado
Federal – 3o quadrimestre (% da Receita Corrente Líquida – RCL)
Fonte: STN
Essa confluência de fatores positivos (maiores gastos com relativa estabilidade fiscal) só é possível porque parte do ônus financeiro da existência de um Distrito Federal no Brasil é compartilhada com o restante da Federação. Isso ocorre
porque os gastos para a manutenção da mão de obra de importantes setores do DF,
como os de Justiça, Ministério Público, Defensoria Pública, segurança pública,
saúde e educação (esses três últimos constantes do FCDF), são bancados integralmente ou parcialmente pela União, isto é, um contingente expressivo da força de
trabalho desse ente não faz parte dos indicadores apresentados na Tabela 1 e se
sujeita a um limite diferenciado.9
Essa sistemática torna menos transparente o controle estatal, relativiza o
verdadeiro custo econômico dos serviços públicos oferecidos nessa Unidade Federada e pode ensejar gastos desnecessários e servidores públicos com médias
salariais incompatíveis com o restante dos estados e dos municípios. Gera-se
também um incentivo econômico perverso, no qual os gestores distritais podem
não se empenhar nos níveis desejáveis pela realização de um ajuste fiscal em
sua política de pessoal, uma vez que os ganhos políticos do apoio à burocracia
distrital (eleitores que agem sempre em busca de maximizar seus rendimentos)
podem ser atrativos e os custos desse posicionamento recairiam integralmente
ou parcialmente sobre o pagador dos reajustes, no caso, a União. A teoria econô9Segundo a regulamentação de dispositivo da LRF efetuada pelo Decreto n. 3.917/2001, posteriormente alterado pelo
Decreto n. 6.334/2007, o FCDF contará com um limite máximo para gastos totais com pessoal de 2,2% da RCL
federal (grifo nosso). Esse percentual abrangerá os gastos previstos no art. 18 da LRF, ou seja, gastos com servidores
ativos, inativos, pensionistas e os encargos sociais e as contribuições recolhidas pelo ente às entidades de previdência
(contribuição patronal). A Justiça do DF terá um limite de 0,275%, e o Ministério Público, de 0,092%, ambos também
da RCL federal.
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Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Oliveira Alves Pereira Filho
mica das transferências intergovernamentais diz que, nesses casos, a existência
desses mecanismos de exceção acarreta a exportação (parcial ou integral) desse
ônus para o restante da Federação, gerando uma restrição fiscal fraca sobre o ente
beneficiado, no caso, o DF, que tende a gastar toda a receita que recebe, independentemente do uso de critérios de eficiência para isso.
3.2 Particularidades do Fundo Constitucional do Distrito Federal
A Carta Política de 1988 ratificou sua antecessora de 1967 ao sustentar que
o DF fosse o responsável por abrigar fisicamente a capital federal (Brasília) e todos os encargos daí advindos. Especialmente por essa razão, sempre foi tida como
uma obrigação do governo federal a transferência de recursos (além das transferências constitucionais/legais e voluntárias encaminhadas a todos os estados e
municípios da Federação) para a manutenção de determinados setores do Distrito
Federal, sob a alegação de que esse ente, por ser uma cidade administrativa, era
possuidor de uma baixa capacidade arrecadatória.10 Em outras palavras, esse tipo
específico de repasse foi criado para compensar um alegado desequilíbrio vertical
entre as escassas fontes de receita à disposição do DF e os elevados custos de
provisão de determinados bens públicos nesse território.
Por conseguinte, a redação original da Constituição Federal determinou,
em seu art. 21, inciso XIV, que é de competência da União organizar e manter a
Polícia Militar, a Polícia Civil e o Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal
e dos Territórios. Posteriormente, tal dispositivo legal sofreu alterações em sua
redação (por meio da Emenda Constitucional – EC n.. 19, de 4 de junho de 1998),
passando a vigorar da seguinte maneira:
Art. 21. Compete à União:
[...]
XIV - organizar e manter a Polícia Civil, a Polícia Militar e o Corpo de
Bombeiros Militar do Distrito Federal, bem como prestar assistência financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços públicos [saúde
e educação], por meio de fundo próprio.
10Por dependerem majoritariamente dos serviços de governo, as cidades administrativas dos diversos países raramente
dispõem de bases tributárias suficientes para a automanutenção. Nesse sentido, a experiência mundial tem sinalizado
como usual a atitude dos governos centrais de financiar totalmente ou parcialmente seus distritos administrativos. O
principal exemplo vem da gestão do distrito federal norte-americano, Washington, D.C, onde, segundo informações
do sítio oficial da cidade (<www.dc.gov>), mesmo não possuindo plena gestão administrativa e contando com direitos
políticos restritos, a capital dos Estados Unidos arrecada cerca de 70% da sua receita orçamentária e tem o restante de
suas dotações complementado por recursos provenientes de fundos federais.
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
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Em complemento, a referida emenda constitucional garantiu a não interrupção dos repasses federais ao DF durante a mudança de regimes de transferências:
Art. 25. Até a instituição do fundo que se refere o inciso XIV do art. 21
da Constituição Federal, compete à União manter os atuais compromissos
financeiros com a prestação de serviços públicos do Distrito Federal.
Esse fundo próprio foi regulamentado pela Lei n. 10.633, de 27 de dezembro de 2002, que criou o Fundo Constitucional do Distrito Federal, pois até então
a União repassava recursos para o Distrito Federal em valores definidos ano a ano
e em termos estritamente políticos e conjunturais (não existia fixação legal de
valores a serem transferidos). A partir dessa lei, a União foi obrigada a transferir
anualmente ao GDF montantes financeiros calculados utilizando uma base fixa
e com atualização monetária rigidamente preestabelecida, ao contrário do que
ocorria até 2002.
Do ponto de vista do GDF, o ato legal significou o fim da incerteza com relação aos montantes a serem recebidos para sua manutenção, protegendo a execução
das ações orçamentárias do Fundo de qualquer mudança de rumo na política fiscal
do governo federal, incluindo possíveis contingenciamentos, frustrações na arrecadação tributária ou até mesmo o desfazimento de compromissos e alianças políticas.
Para a União, entretanto, houve aprofundamento do problema da rigidez
orçamentária, que, segundo o Fundo Monetário Internacional (REGIONAL ECONOMIC OUTLOOK, 2006, p. 28), é elevada em relação à comparação internacional, aproximando-se dos 90% da receita primária (combinação de vinculações
de receitas e despesas obrigatórias) e prejudicando a eficiência dos dispêndios públicos na medida em que: 1) dificulta ajustes fiscais de curto prazo, sobretudo em
cenários de queda na arrecadação de receitas (crises internacionais, por exemplo);
2) torna escassos os recursos destinados às chamadas despesas discricionárias do
governo federal (especialmente investimentos); e 3) incentiva a assunção de obrigações em setores que nem sempre estão realmente necessitados.
Segundo a Lei n. 10.633/2002, as transferências ao FCDF tomarão como
base o valor de R$ 2,9 bilhões (base para 2003), o qual receberá sua atualização
pela razão entre a RCL11 realizada no período de 12 meses, encerrado em junho
do exercício anterior ao repasse do aporte anual de recursos e no período de 12
meses, encerrado em junho do exercício anterior ao período anteriormente referido, como exposto a seguir:
11De acordo com o art. 2o da Lei Complementar n. 101/2000 – LRF, a RCL é obtida, no âmbito da União, quando se
deduzem das receitas correntes os valores das transferências constitucionais e legais aos estados, ao DF e aos municípios,
contribuição ao PIS/Pasep, contribuição das empresas e dos trabalhadores para a seguridade social, contribuição para o
plano de seguridade do servidor público e contribuição para o custeio das pensões militares.
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Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Oliveira Alves Pereira Filho
Reajuste FCDF Ano X =
RCL acumulada julho X-2 a junho X-1
RCL acumulada julho X-3 a junho X-2
Ocorre, porém, que as receitas correntes do governo federal se vêm expandindo significativamente em anos recentes devido a causas diversas e não
totalmente consensuais (as quais fogem ao escopo desta monografia analisar12),
o que, por consequência, dada a rigidez imposta por lei, provocou expressivo
crescimento também nas dotações orçamentárias do FCDF, superiores à variação
acumulada de qualquer índice de inflação.
Tabela 2
Evolução dos recursos transferidos ao DF (art. 21, inc. XIV, da CF 1988)
(Empenhos liquidados em R$ milhões constantes de 2008 – IPCA médio)
Fonte: Balanço Geral da União, MPOG, IBGE e Siafi
Nota: 2009 refere-se à dotação atual (lei + créditos) e 2010 ao Ploa, ambos em valores correntes.
De acordo com as informações constantes da Tabela 2, é possível verificar
que foram repassados, em média, nos períodos 1981-1994 e 1995-2002, respectivamente, R$ 2,0 bilhões e R$ 4,0 bilhões em valores constantes de 2008. Já no
período 2003-2010, durante a vigência do FCDF, a média dos valores repassados
continuou crescendo, passando a se situar na casa dos R$ 6,0 bilhões por ano ou
ainda R$ 2.317,42 por habitante.
Esses crescentes recursos do FCDF nem sempre foram legalmente vinculados ao atendimento de despesas distritais relacionadas à segurança pública, saúde
e educação, isso porque a Constituição Federal de 1988, em seu texto original,
12Algumas explicações para esse fenômeno podem ser encontradas em Bacha (1994), Franco (1995), Goldjfan (2002) e
Versiani (2002).
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
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abarcava explicitamente apenas o setor de segurança pública. O GDF, todavia,
dispunha de razoável grau de discricionariedade na alocação dos recursos em tela
e por uma interpretação própria realizava também empenhos nas áreas de educação e saúde (em média 30,0% e 22,7% do total, respectivamente, durante todo o
período analisado, como ratificado na Tabela 3), mesmo antes da previsão legal
para isso, posteriormente estabelecida na EC n. 19/1998.
Tabela 3
Recursos federais transferidos ao DF (art. 21, inc. XIV, da CF 1988) por setor
beneficiado (empenhos liquidados em R$ milhões constantes de 2008 – IPCA médio)
Fonte: MPOG, IBGE e Siafi
Nota: 2009 refere-se à dotação atual (lei + créditos), e 2010 ao Ploa, ambos em valores correntes.
Além disso, nos anos de 1996 a 2001, até mesmo despesas com o metrô do
Distrito Federal (“Outros”) foram previstas e executadas no Orçamento Geral da
União (OGU), situação flagrantemente em desacordo com as vinculações legalmente determinadas para tal transferência.
É digna de nota ainda a constatação de que essas transferências da União
específicas para o DF foram alocadas, segundo a classificação orçamentária de
Grupos de Natureza de Despesa (GND), majoritariamente em gastos com pessoal
(ativos, inativos e pensionistas, bem como encargos sociais), e, de maneira secundária, em despesas de manutenção e funcionamento da máquina administrativa
e em investimentos necessários ao desenvolvimento das ações abarcadas pelo
Fundo, como exposto na Tabela 4.
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Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Oliveira Alves Pereira Filho
Tabela 4
Recursos federais transferidos ao DF (art. 21, inc. XIV, da CF 1988) por GND
(empenhos liquidados em R$ milhões constantes de 2008 – IPCA médio)
Fonte: MPOG, IBGE e Siafi
Nota: 2009 refere-se à dotação atual (lei + créditos), e 2010 ao Ploa, ambos em valores correntes.
A referida distribuição demonstra o que foi dito anteriormente, ou seja, a
relevância desse Fundo para as finanças distritais é imensa, pois é com ele que o
DF honra a totalidade da sua folha de pagamentos na área de segurança pública e
ainda complementa despesas com pessoal nos setores de saúde e educação.
Quanto à classificação contábil e à apropriação desses recursos transferidos,
até o exercício de 2002 esses repasses federais eram registrados no OGU como
modalidade de aplicação “30 – Transferências a Estados e ao Distrito Federal”,13
com posterior incorporação ao orçamento e ao patrimônio do Distrito Federal
na rubrica “Demais Receitas de Transferências da União”. Esses recursos eram
discricionários no governo de origem (federal), mas se tornavam vinculados no
orçamento do ente recebedor (DF). A criação do FCDF alterou sutilmente essa
13De acordo com o Manual Técnico de Orçamento 2008 (BRASIL, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão,
2007, p. 40): “A modalidade de aplicação destina-se a indicar se os recursos serão aplicados mediante transferência
financeira, inclusive a decorrente de descentralização orçamentária para outras esferas de governo, seus órgãos ou
entidades, ou diretamente para entidades privadas sem fins lucrativos e outras instituições; ou, então, diretamente pela
unidade detentora do crédito orçamentário, ou por outro órgão ou entidade no âmbito do mesmo nível de governo.
A modalidade de aplicação objetiva, principalmente, eliminar a dupla contagem dos recursos transferidos ou
descentralizados”.
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
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sistemática de repasses, visto que os recursos em análise passaram a ser rigidamente acompanhados pela União (por meio do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal – Siafi), ocasionando um sistema misto de
gestão do Fundo, no qual os funcionários distritais responsáveis por cada um dos
setores beneficiados (ordenadores de despesa e unidades gestoras locais externas
ao governo federal) executam as despesas do FCDF diretamente no OGU, procedimento exposto de maneira pictográfica na Figura 2.
Figura 2
Execução orçamentária do FCDF no Siafi
Fonte: DISTRITO FEDERAL (2004, p. 139)
Assim, em que pese o FCDF ser do ponto de vista econômico uma transferência intergovernamental sem necessidade de contrapartida condicionada à realização de determinadas despesas no Distrito Federal, na prática esses recursos não
transitam pelo orçamento desse ente, permanecendo nos cofres federais até o efetivo pagamento dos empenhos aos seus respectivos credores, reduzindo com isso
a discricionariedade do gestor local sobre essas dotações. Podemos dizer ainda
que os recursos totais à disposição do governo do DF se encontram classificados
em duas peças orçamentárias distintas, sendo a parcela do FCDF constante da Lei
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Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
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Orçamentária Anual (LOA) da União e os demais recursos (próprios) registrados
no orçamento distrital.
Todavia, independentemente da forma pelo qual é viabilizado, o crescimento dessa transferência tem colaborado, como anteriormente ressaltado, para o
aprofundamento do fenômeno da rigidez do OGU, dificultando um ajuste fiscal de
boa qualidade na União e proporcionando incentivos econômicos para que o gestor distrital elabore e administre uma política orçamentária incompatível com sua
verdadeira restrição fiscal, sobretudo favorecendo demasiadamente gastos com
pessoal, que, segundo a evidência empírica, são despesas de eficiência contestável.14 Explicita-se assim uma das características negativas dos gastos vinculados,
qual seja, a produção em excesso de um bem público rigidamente beneficiado por
uma transferência mal dimensionada.
Ademais, o expressivo incremento nos montantes federais destinados ano a
ano ao FCDF, sob a alegação de que esse ente não possui uma base arrecadatória
sólida o suficiente para arcar com o custo adicional de sediar a capital federal e
as demais obrigações oriundas da existência de um ente autônomo, também tem
apresentado como efeito colateral o agravamento de distorções no pacto federativo
brasileiro, como veremos na próxima seção ao analisarmos, em termos per capita,
as fontes de recursos e os gastos efetuados por cada Unidade da Federação (UF).
4 Equidade fiscal: impactos do
FCDF no federalismo fiscal brasileiro
O modelo de federalismo fiscal adotado pelo Brasil a partir da Constituição
de 1988 foi predominantemente descentralizador, reagindo à concentração em
nível federal promovida anteriormente pelo regime militar. A maior participação dos entes subnacionais na receita do governo federal ocorreu também pela
ampliação da base tributável local,15 mas principalmente pelo recebimento de di14Gasparini e Cossio (apud MENDES (Org.), 2006, p. 175-201) sintetizam diversas evidências empíricas acerca
dos efeitos colaterais das transferências intergovernamentais, incluindo a piora na qualidade do gasto público
pela majoração das chamadas despesas de overhead (administração central, planejamento e Poder Legislativo)
em detrimento das despesas sociais e de infraestrutura. Isso ocorre porque “[...] burocratas e políticos utilizam as
transferências recebidas para, prioritariamente, aumentar as despesas administrativas locais, que representam renda
para eles próprios e para seus grupos de apoio”.
15Principalmente pela ampliação da base de incidência do então chamado Imposto sobre Operações Relativas à
Circulação de Mercadorias (ICM) estadual, que passou a incorporar também serviços de transporte interestadual
e intermunicipal, de comunicações e os impostos únicos federais (sobre minerais, energia elétrica e combustíveis),
tornando-se com isso Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de
Transporte e Comunicações (ICMS).
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versos tipos de transferências intergovernamentais destinadas a manter a coesão
política do federalismo, na medida em que são indispensáveis à correção das
mazelas sociais e estruturais, desigualmente distribuídas pelo território nacional
(desequilíbrios horizontais).
De fato, essa concentração regional tacitamente impõe o uso de mecanismos compensatórios visando a reverter estatísticas como as divulgadas pelo Departamento de Contas Regionais do IBGE para o ano de 2006, nas quais 75% de
toda a riqueza nacional se encontrava restrita a apenas sete estados (SP – 33,9%;
RJ – 11,6%; MG – 9,1%; RS - 6,6%; PR – 5,8%; BA – 4,1%; e SC –3,9%), dos
quais seis pertencem às Regiões Sul e Sudeste (mais ricas e industrializadas) e
apenas um à Região Nordeste.
Nesse sentido, a Tabela 5 demonstra que desde meados dos anos 1970 as
principais modalidades de repartição de receitas para estados e municípios (FPE
e FPM, respectivamente) vêm majorando seus percentuais sobre a arrecadação
do IR e do IPI, sendo no início dos anos 1980 a composição total desses fundos
de 20% dos tributos em tela, atingindo em 2007 45%, explicitando, assim, não
obstante, os pontos negativos elencados pela teoria econômica, uma estratégia
clara em favor das transferências como mecanismos corretivos da referida concentração regional e indutores de equidade fiscal, econômica, social e estrutural
no pacto federativo brasileiro.
Tabela 5
Evolução dos percentuais de participação do FPE e do FPM (em %)
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Fonte: STN
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Desse modo, nas últimas décadas, os entes subnacionais ampliaram consideravelmente suas fontes de recursos, e o DF, por possuir conjuntamente as
competências tributárias de estados e de municípios, foi proporcionalmente ainda
mais beneficiado pelos critérios de descentralização aplicados, pois sua característica sui generis lhe permite acumular também os repasses federais concedidos
tanto a estados como a municípios, com o atenuante de não necessitar compartilhá-los, como fazem todos os estados da nação, uma vez que não pode subdividirse em municípios.
Não bastassem todas as potencialidades fiscais relatadas, o GDF sempre
pôde contar também, como pormenorizado na seção anterior, com os recursos
concedidos pelo governo federal via FCDF. A representatividade desse Fundo
no montante das principais transferências da União para estados e municípios
(constitucionais/legais e voluntárias) é inegável e pode ser verificada por meio
das informações descritas no Gráfico 3.
Gráfico 3
Transferências da União aos estados e aos municípios em 2008
(R$ milhões correntes)
Fonte: elaboração do autor com base nos dados da STN e do Siafi
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Os recursos recebidos pelo GDF só são menores, em termos absolutos, do
que os destinados aos fundos de participação dos municípios (FPM) e estados
(FPE), ao Sistema Único de Saúde, ao Fundeb, às compensações energéticas
(recursos hídricos e minerais, tratado de Itaipu e royalties de petróleo e gás natural) e às transferências voluntárias; ao passo que supera as dotações de transferências consignadas a estados e municípios pelo salário-educação, compensações às
exportações (Lei Kandir e fomento), IPI Exportação, Cide, ITR e IOF. Contudo,
há de se ressaltar que todas as transferências apresentadas no referido gráfico,
exceção feita ao próprio FCDF, são partilhadas, dados seus critérios específicos,
com praticamente todos os estados e municípios da Federação, inclusive com o
próprio Distrito Federal.
Isso posto, um dos desafios que se colocam no caso específico do FCDF é
saber como a existência deste Fundo impacta a equidade fiscal no âmbito do federalismo brasileiro, isto é, quais são as repercussões de tal regime de exceção em
termos do equilíbrio horizontal federativo. Ele aprofunda ou combate os desníveis horizontais historicamente existentes entre os entes subnacionais? Ou ainda,
pelo critério de justiça fiscal baseado na disponibilidade de recursos per capita, o
DF seria o ente mais necessitado desse tipo de auxílio?
4.1 Fontes de receita e aplicação dos recursos disponíveis
Em termos práticos, os entes federados deparam-se com dificuldades substanciais quando da estruturação e do funcionamento de um sistema de transferências intergovernamentais que equilibre fatores regionais e maximize o bem-estar
coletivo. Shah (1994, p. 45-56) dedicou-se a elencar critérios desejáveis em um
arranjo de repasses interjurisdicionais, tais quais: garantia de autonomia aos entes, adequação de bases tributárias, equidade, eficiência nos gastos, controle para
incentivos econômicos adversos, estímulo ao esforço fiscal, entre outros. Mac
Dowell e Gremaud (2005, p. 2) complementam, sugerindo que:
[...] um bom sistema de transferências deve buscar a eqüidade de recursos
per capita entre as jurisdições para que as mesmas tenham condições de
oferecerem um padrão mínimo de serviços e também deve ser sensível às
oscilações econômicas, demográficas e sociais do País.
Partilhando dessa interpretação e entendendo o equilíbrio federativo como
uma situação geradora de externalidades positivas e por isso mesmo um bem público a ser provido pelo Estado, temos que uma abordagem possível para se verificar a atualidade, ou não, da premissa de criação do FCDF é quantificar, em termos
30
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per capita e em comparação com os demais entes, quais os recursos decorrentes
das atividades próprias de cada estado e de seus municípios16 e quais as dotações
provenientes de transferências da União.
Tabela 6
Indicadores per capita selecionados dos entes subnacionais
em 2008 – valores correntes (R$ 1,00)
Fonte: elaboração do autor com base nos dados da STN, do Siafi e do IBGE
Nota: o PIB per capita regional de 2008 foi obtido utilizando-se a mesma participação das UFs no PIB total de 2006.
A ponderação da receita corrente própria dos entes pelo número de habitantes de cada estado, apresentada na Tabela 6, permite-nos verificar que o DF possui
e explora um considerável potencial de arrecadação, o qual lhe permite ocupar o
primeiro lugar do ranking aqui analisado, registrando a confortável marca de R$
3.510,60 de receita por morador. Exemplificativamente, esse montante está um
pouco abaixo do dobro da receita corrente per capita média dos 27 entes da Federação (R$ 2.010,73) ou equivale a mais de três vezes e meia a média do mesmo indicador para a Região Nordeste (R$ 1.021,17), sinalizando com isso desequilíbrio
entre as fontes próprias de receita à disposição dos entes federativos e a factível
16Visando a facilitar as comparações federativas, excluímos desse indicador de receitas correntes próprias todas as
transferências correntes recebidas e o FCDF e agregamos todas as receitas correntes próprias dos estados e de seus
respectivos municípios (receita tributária, de contribuições, patrimonial, industrial, agropecuária, de serviços e outras
receitas correntes), formando assim uma espécie de Estado federado unitário, sem subdivisões, o que permite uma
melhor equiparação, dadas as especificidades políticas e fiscais do Distrito Federal.
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
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provisão de bens públicos nesses territórios, uma vez que muitos se encontram
abaixo da média nacional e poucos bem acima.
A geração de receita corrente per capita aqui apresentada (própria da atividade estatal) está intimamente ligada a diversos fatores, dentre os quais se destacam o grau de desenvolvimento econômico (medida do potencial de arrecadação)
e o esforço de arrecadação inerente a cada um dos estados/municípios envolvidos
(realização efetiva do referido potencial), incluindo-se neste último item a capacidade própria de exploração das bases tributárias, o grau de modernização e aparelhamento administrativo, bem como fatores político/culturais que estimulariam
ou restringiriam a arrecadação estatal.
Essas particularidades fiscais contribuem para que a renda e a riqueza sejam
espacialmente concentradas no federalismo brasileiro, e nesse contexto o DF é
novamente privilegiado, pois ostenta com relativa folga a maior renda per capita
regional, reafirmando a sugestão de que essa Unidade Federada goza, em termos
relativos, de comodidade para a provisão potencial de bens públicos locais vis-àvis suas fontes disponíveis de receita. De maneira agregada, os dados de receitas
próprias e renda, ambos no conceito por habitante, sugerem que o DF possui um
aparato administrativo consolidado, apto a arrecadar e a explorar bases tributárias
suficientes para sua automanutenção, ao contrário do que se supunha na hipótese
de criação do FCDF.
Nesse tipo de cenário, a teoria econômica do setor público sugere então que
uma das formas de minimizar a concentração federativa da renda e da riqueza e
promover o equilíbrio socioeconômico (horizontal) entre os entes subnacionais é
mediante o uso de transferências intergovernamentais. Para mensurar o impacto
dos repasses da União sobre a provisão potencial de bens públicos nos estados
e em seus respectivos municípios, utilizaremos, conforme exposto na Tabela 6,
um indicador per capita das transferências recebidas por cada ente, ou seja, uma
medida de quantos reais o ente irá receber da União para prover bens e serviços
públicos a cada morador residente em seus limites geográficos.17
O ranking federativo das transferências per capita é substancialmente distinto daqueles baseados na renda e nas receitas próprias arrecadadas por cada
ente, enfatizando a importância do mecanismo de repasses intergovernamentais.
Todavia, esses dados reafirmam que o DF é, por conta da existência do FCDF,
proporcionalmente mais beneficiado pelo mecanismo de transferências que seus
pares federativos. De fato, se o GDF não contasse com o referido Fundo teria recebido de transferências da União apenas R$ 979,23 por morador, valor superior
17A receita de transferências apresentada na Tabela 6 inclui as transferências correntes e de capital recebidas pelos estados
e seus respectivos municípios e o FCDF. Além disso, cumpre ressaltar que foram eliminadas as duplas contagens
(transferências provenientes dos estados em favor dos municípios, já contabilizadas anteriormente como receitas
próprias daqueles entes).
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Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
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apenas ao repassado a São Paulo (R$ 815,59), o que sugeriria implicitamente um
caráter redistributivo em face de sua renda e arrecadação per capita, ambas consideravelmente acima da média nacional. Contudo, esse ente recebeu na verdade
a expressiva quantia per capita de R$ 3.558,28, tornando-se por conta do FCDF
uma das UFs que mais receberam repasses da União por morador, ou seja, esse
tipo de mecanismo, a despeito de ter sido adotado para viabilizar a autonomia do
Distrito Federal, vem causando um recrudescimento do já grave, e anteriormente
explicitado, desequilíbrio horizontal presente no federalismo fiscal brasileiro.
Ainda de acordo com a Tabela 6, mesmo não sendo a temática principal
deste estudo, cumpre tecer comentários acerca das informações que sugerem tratamento desigual também entre o grupo de estados que possuem baixa capacidade de geração de receitas próprias per capita. Dos estados em questão, apenas
aqueles com reduzido contingente populacional (RR, AC, AP e TO) passaram a
receber transferências por morador em volumes extremamente expressivos, bem
superiores aos que recebem os demais beneficiários das Regiões Norte e Nordeste (especialmente PA, BA, PE, CE e MA), e isso se deve em grande medida
aos critérios de distribuição do FPE, tendo em vista que esse fundo representou,
de acordo com dados da STN, quase 43,7% de todas as transferências correntes
efetuadas em 2008 pela União aos estados e ao DF.18
De acordo com a Lei Complementar n. 62, de 28 de dezembro de 1989, o
FPE será distribuído em 85% às UFs integrantes das Regiões Norte, Nordeste e
Centro-Oeste, e 15% às UFs integrantes das Regiões Sul e Sudeste, o que parece
coerente com a ideia de equalização federativa, pois o segundo grupo de regiões
é, na média, detentor de maior renda e arrecadação per capita.19 Entretanto, os
coeficientes individuais dos estados componentes de cada região são pouco sensíveis aos desníveis demográficos, o que acarreta, em termos per capita, o superdimensionamento das transferências estaduais concedidas àqueles entes detentores
de baixo contingente populacional, gerando o desequilíbrio horizontal evidenciado nas receitas de transferências da Tabela 6. O FPE deixa então de cumprir
sua função de distribuir renda e passa a concentrá-la em determinadas Unidades
Federativas, notadamente RR, AC, AP e TO.20
18De acordo com as informações provenientes dos balanços orçamentários das 27 UFs e consolidadas pela STN, a cotaparte bruta do FPE em 2008 foi de R$ 46,8 bilhões (antes do repasse ao Fundeb), e as transferências correntes da União
para estados e para o DF foram de R$ 107,1 bilhões.
19Em termos desagregados, a participação por região no FPE consiste em: Nordeste (52,46%), Norte (25,37%), Sudeste
(8,48%), Centro-Oeste (7,17%) e Sul (6,52%).
20Cabe ressaltar que o FPE também beneficia (em menores proporções, é verdade) os estados da Região Centro-Oeste,
pois esta entra nos critérios de repasse desse Fundo como “pobre”, e por isso recebe, juntamente com o Norte e o
Nordeste, 85% desses recursos. Ocorre, porém, que, excetuando-se Goiás, os demais componentes (Distrito Federal,
Mato Grosso do Sul e Mato Grosso) possuem receitas correntes próprias per capita acima da média nacional, maiores
inclusive do que as arrecadações por habitante dos estados da Região Sul, por exemplo.
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
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Isso posto, as informações referentes às receitas totais per capita dos 26
estados e do DF possibilitam consolidar o entendimento de que distorções nos
critérios de partilha dos recursos proporcionam níveis de receitas totais per capita bem acima da média nacional para alguns entes, especialmente DF, RR, AC e
AP, aquinhoando-os com mais recursos por morador do que aos demais estados,
inclusive aqueles economicamente mais necessitados.
Em termos de equilíbrio horizontal, seria interessante que fossem proporcionalmente mais beneficiados pelas transferências os estados mais pobres (sobretudo os da Região Nordeste e os mais populosos da Região Norte), aproximando-os, no critério receita por morador, dos estados mais ricos, objetivando
com isso elevar sua renda tributável e desenvolver sua máquina arrecadatória, o
que geraria um círculo virtuoso de geração de receitas próprias pelo ente, minimizando a necessidade de recursos de outros níveis de governo e potencializando
a provisão de bens públicos locais por esforço próprio, favorecendo-se, por consequência, o mecanismo de accountability, prejudicado até então pelo fenômeno
da fiscal illusion. Todavia, não é o que se constata na Tabela 6, donde verificamos
que estados como MA, PA, BA, CE, PI, PE, PB e AL, mesmo depois de receberem transferências da União, continuam com um baixo nível de receita total per
capita, abaixo inclusive da média nacional (R$ 3.300,56).
No caso específico do DF, objeto da nossa análise, constatou-se que foi o
único ente beneficiado nos dois critérios analisados (receitas correntes próprias
e transferências recebidas per capita). Mesmo se não possuísse o privilégio do
FCDF, o Distrito Federal já contaria com uma das maiores receitas totais per capita da Federação (R$ 4.489,83), de posse desse Fundo então, sua disparidade em
relação aos demais estados atinge níveis alarmantes, chegando sua receita total
per capita a representar, conforme apresentado na Tabela 6, mais que o dobro
da média nacional e cerca de três vezes a média desse mesmo indicador para os
estados da Região Nordeste (R$ 2.378,47).
Dessa forma, o argumento norteador da criação do FCDF, a saber, existência de um possível desequilíbrio vertical oriundo da baixa capacidade tributária
do DF por abrigar as atividades de governo da capital federal e serviços de embaixadas, não se sustenta em vista da análise descritiva ora apresentada. Isso porque
é nítido que o DF já produz receitas próprias em níveis satisfatórios, contando
ainda, caso seja necessário, com alto potencial de arrecadação tributária (elevada
renda per capita, competências tributárias comuns a estados e municípios e administração tributária bem estruturada para combater possíveis evasões fiscais).
Há de se ressaltar ainda que o DF, ao contrário dos demais estados, não
necessita aplicar parte de seus expressivos recursos na manutenção do seu Poder
Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, dado que tal função de
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custeio compete, constitucionalmente, à União (art. 21, inciso XIII, da CF 1988).
Esse outro benefício em regime de exceção torna o DF ainda mais rico (em termos de custo de oportunidade) que seus congêneres federados, nos quais as três
instituições citadas competem por recursos com os demais bens públicos providos nessas localidades (saneamento, saúde, educação, segurança pública, etc.).21
Além disso, seria incoerente acreditar que as atividades federais trazem
apenas custos para o Distrito Federal, quando na verdade o alto padrão de renda, a
tributação e as oportunidades econômicas atualmente registrados nesse território
dificilmente se repetiriam se nele não estivessem concentradas todas as principais
atividades administrativas da União. Em outras palavras, dada uma perspectiva
econômica, talvez fosse necessário calcular o saldo líquido das externalidades
positivas e negativas ocasionadas pela implantação da capital federal no território do DF. Dados apresentados pelo Cadastro Central de Empresas (Cempre) do
IBGE apontam, por exemplo, que em 1996 os servidores públicos eram responsáveis por 60% de toda a renda da capital federal e recentemente majoraram essa
participação para 61% em 2005 e 65% em 2006, ou seja, desempenham cada vez
mais o papel de multiplicadores na economia do DF. Em complemento, os 35%
de renda restantes são provenientes, na maioria das situações, de atividades econômicas privadas fundamentalmente dependentes do setor público, em especial
aquelas vinculadas ao setor de serviços, tais quais consultorias e assessorias, bancos, turismo (inclusive de negócios), transporte aéreo, cultura, entretenimento,
etc., o que certamente contribui para que o argumento de criação e manutenção
do FCDF seja relativizado e necessariamente padeça de revisão.
Pela ótica da despesa, a mencionada heterogeneidade federativa (desnível
horizontal) consolida-se, tendo em vista que os gastos públicos subnacionais são,
na realidade brasileira, fortemente influenciados pela distribuição espacial das
receitas (próprias e de transferências), anteriormente apresentada na Tabela 6.
Essa disparidade torna-se ainda mais evidente nos setores legalmente beneficiados pelos recursos do FCDF (segurança pública, saúde e educação), podendo-se
verificar que o DF gasta substancialmente mais do que a imensa maioria dos entes
federados em todas as funções orçamentárias apresentadas na Tabela 7. Em se
tratando do setor de saúde, o DF despendeu R$ 1.223,32 por habitante em 2007,
cifra 46,0% superior aos R$ 837,84 gastos pelo segundo colocado (Roraima).
O maior desvio, no entanto, ocorre na área de segurança pública, na qual a despesa per capita de R$ 1.072,42 realizada em favor da capital federal supera em
5,4 vezes a média de gastos dos demais estados (R$ 198,46), situação que só é
fiscalmente factível devido às transferências específicas realizadas pela União.
21Em 2008, por exemplo, a União direcionou para a manutenção da Justiça do DF e territórios (Unidade Orçamentária
16101 no Siafi) pouco mais de R$ 1,2 bilhão em moeda corrente ou, equivalentemente, R$ 475,76 per capita. Nos
demais estados, de acordo com os dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para 2008, o gasto per capita médio
com a manutenção de seus sistemas judiciários (pagos com recursos próprios) foi de apenas R$ 96,15.
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
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Tabela 7
Despesas per capita dos entes federados (municípios inclusos) em 2008
– valores correntes (R$ 1,00)
nas funções orçamentárias selecionadas
Fonte: elaboração do autor com base nos dados da STN, do Siafi e do IBGE
Nota: as despesas do FCDF com segurança pública não incluem o pagamento de inativos.
Ainda sobre o bem público segurança, outra consequência desses gastos tão
desiguais pode ser verificada na Tabela 8, que relaciona os efetivos de policiais
militares e civis ponderados pela população e as remunerações iniciais das corporações do setor no ano de 2006 (valores correntes). A privilegiada situação financeira do DF, possível apenas com a captação de recursos do restante da União,
proporciona a esse ente o maior contingente ponderado de policiais para a imposição da lei, os quais ainda contam com os maiores salários da Federação, em que
pese suas taxas de homicídios acompanharem os registros médios da nação, o que
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tem reforçado a hipótese de que esses recursos, apesar de representativos, possam
estar sendo alocados de maneira ineficiente ao longo do tempo.
Tabela 8
Indicadores selecionados das forças policiais
2006 – valores correntes (R$ 1,00)
subnacionais em
Fonte: elaboração do autor com base nos dados da Senasp, do Datasus (dados preliminares), Boletim Estatístico de Pessoal
da União, legislações estaduais e Secretarias Estaduais de Administração e Segurança Pública
Em uma síntese preliminar, a racionalidade econômica aplicada ao FCDF
parece sugerir que a abundância de recursos “vindos de fora”, além de agravar
os desequilíbrios horizontais já existentes no federalismo brasileiro (iniquidade
fiscal), também tem gerado incentivos para a condução de uma política fiscal
(principalmente nas despesas de pessoal) permissiva, na qual o governo local se
“une” à burocracia, concedendo a esta maiores ganhos, viabilizados pelo restante
da nação em troca de benefícios político-eleitorais que permitam a esses gestores a permanência no poder. Os demais estados, que mantêm esses setores com
recursos próprios, acabam realizando uma política salarial mais austera, pautada
em restrições orçamentárias mais rígidas tanto na hora da contratação quanto
no tocante às renegociações salariais, o que invariavelmente lhes acarreta maior
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desgaste político, sobretudo devido à ocorrência de greves, paralisações ou manifestações de familiares (no caso dos militares).
A análise descritiva das fontes de recursos de que dispõem o DF e os 26
estados federados (com seus respectivos municípios agregados) e a aplicação que
fazem destas é sugestiva e relevante, pois enfatiza que transferências mal dimensionadas, em vez de solucionarem desequilíbrios verticais e horizontais, podem
na verdade fortalecê-los.22 Todavia, para que se torne efetiva e realmente conclusiva, deve ser acompanhada de outras averiguações acerca de quão eficientemente
são gastos os recursos destinados à provisão dos bens públicos que cada território
necessita, uma vez que as demandas subnacionais são desigualmente estabelecidas e fortemente influenciadas por critérios sociais, econômicos, demográficos,
culturais, entre outros, inerentes a cada ente federado.
Por conseguinte, a próxima seção apresentará uma metodologia para se avaliar empiricamente a qualidade dos gastos federais efetuados via FCDF, que, somada à análise descritiva de equidade fiscal desta seção, permitirá um diagnóstico
abrangente desse importante mecanismo.
5 Eficiência econômica: uma avaliação
empírica da qualidade dos gastos do FCDF
De acordo com as teorias econômicas que entendem ser o governo um “ditador benevolente”, estritamente comprometido com o bem-estar social de seus
jurisdicionados, seria de se esperar que localidades com abundância de recursos
proporcionassem bens públicos de melhor qualidade e em maiores quantidades
do que regiões financeiramente menos aquinhoadas. Todavia, devido às chamadas
falhas de governo e outras assimetrias (Teorema da Impossibilidade de Arrow e
problema Agente-Principal, por exemplo), essa condição ótima por vezes não é
passível de ser obtida, ou seja, unidades ricas podem, por algum motivo, estar
gastando de maneira ineficiente os recursos públicos que lhes foram conferidos.
No caso específico do DF, que possui gastos notadamente superiores aos
praticados pelos demais estados federados e viabilizados com “recursos de fora”
(FCDF), a evidência empírica existente, em que pese escassa, é unânime em enfatizar que esse ente ostenta a incômoda pior colocação (27o) nos rankings estaduais de efetividade e eficiência econômica quando da provisão dos serviços de
22Em Santos (2006), há uma sugestão normativa para um novo sistema de transferências intergovernamentais baseado em
critérios socioeconômicos (nível de pobreza, indicadores sociais, etc.) e sensível a incentivos econômicos (capacidade
fiscal, esforço fiscal relativo, etc.).
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segurança pública (BRUNET et al., 2006; BRUNET; BERTE; BORGES, 2007),
ou seja, é a UF que mais desperdiça recursos públicos durante a execução dessas
atividades. Nas áreas de saúde e educação (setores custeados apenas em parte
pela União), os autores citados revelam que essa ineficiência também se encontra
entre as mais altas da Federação.
Em comum, ambos os estudos têm o fato de que produziram, com o uso de
dados cross section, rankings simples de efetividade ou eficiência baseados nos
recursos gastos nas funções orçamentária, segurança pública, saúde e educação
(insumos) versus diversos indicadores sociais de produto em determinados períodos de tempo. Não obstante o reconhecimento do pioneirismo, do mérito e dos
resultados desses estudos, cumpre ressaltar que tais iniciativas padecem de severa
omissão de variáveis, afinal é cada vez mais reconhecido pela literatura econômica que outros fatores, além dos gastos públicos, também concorrem para a
explicação da provisão eficiente (ou não) de serviços públicos, com destaque para
características do corpo funcional responsável por essas atividades (quantidade,
composição, classes salariais, etc.), estrutura legal envolvida, bem como variáveis
socioeconômicas e demográficas, tais como concentração de renda, população residente em aglomerados urbanos, níveis de escolaridade, abandono escolar, etc.
5.1 Metodologia
Objetivando quantificar a qualidade dos gastos federais realizados via FCDF
e ao mesmo tempo contribuir com o referido debate, esta seção concentrou-se
em produzir medidas para a eficiência econômica subnacional na provisão de
serviços de segurança pública,23 utilizando para isso o método de fronteiras estocásticas de custo aplicado a um painel de dados24 (2001-2006), o qual permite,
ao contrário dos exercícios com dados cross section, o controle para a heterogeneidade não observada presente nas UFs da amostra. Além disso, propõe ainda o
tratamento para a endogeneidade entre gastos públicos e homicídios, assim como
também leva em consideração variáveis ambientais, socioeconômicas e de gestão
quando da explicação dos rankings de custo-eficiência.
As funções de fronteira estocástica com termo de erro composto receberam
os primeiros tratamentos econométricos, quase simultaneamente, de Aigner, Lovell e Schmidt (1977) e Meeusen e Van den Broeck (1977), com Battese e Corra
23Como dito anteriormente, as demais áreas atendidas pelo Fundo (saúde e educação) foram, neste primeiro momento,
preteridas por serem apenas parcialmente financiadas com recursos federais, todavia são naturalmente candidatas para
possíveis novas análises que venham a expandir a abordagem aqui proposta.
24Conjunto de dados nos quais as mesmas unidades cross sections são acompanhadas durante um determinado período
de tempo.
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(1977) introduzindo mais adiante uma relevante reparametrização nos componentes da variância, muito utilizada nas contribuições empíricas posteriores.
A definição de eficiência econômica utilizada segue aquela inicialmente
proposta por Farrel (1957), que a decompõe em duas partes: i) eficiência técnica
(TE), que reflete a habilidade da firma em obter o máximo produto a partir de
um dado conjunto de insumos ou, equivalentemente, a capacidade da firma em
minimizar os insumos utilizados na obtenção de um dado nível de produto; ii)
eficiência alocativa (AE), que retrata a habilidade da firma em utilizar os insumos
em proporções ótimas, dados os seus respectivos preços e a tecnologia de produção vigente. Esses conceitos são apresentados com orientação tanto para insumos
(foco na redução destes) quanto com orientação para o produto (o objetivo é prover o máximo destes).
Aigner, Lovell e Schmidt (1977) especificaram, para dados cross section, a
seguinte fronteira estocástica, inicialmente orientada para a produção:
yi = ƒ (xi, β) + εi,
em que yi é o produto observado da i-ésima firma; xi é um vetor de insumos utilizados no processo de produção pela i-ésima firma; e β é um vetor de parâmetros
desconhecidos. Por sua vez, o termo de erro composto (εi) é subdividido em dois
elementos distintos
εi = vi – ui
ui ≥ 0.
A parcela idiossincrática (vi) é distribuída independentemente de ui e assumida i.i.d N(0, σv2 ), isto é, tem distribuição normal, independente e identicamente distribuída, com média 0 e variância σv2 , e captura ruídos aleatórios como,
por exemplo, erros de medida e choques externos fora do controle da firma.
O segundo componente (ui) é uma variável aleatória estritamente não negativa25
relacionada às ineficiências na produção, ou seja, aos desvios em relação ao nível
máximo de produto passível de obtenção pela função de produção estocástica
yi = ƒ (xi, β) + vi, dada a tecnologia vigente.
Schmidt e Lovell (1979) relatam que a estimação da fronteira estocástica de
custo, que por definição fornece o dispêndio mínimo necessário para produzir um
dado produto a partir de um determinado nível de insumos e de seus respectivos
preços, possui tratamento operacional similar àquele dedicado em favor das fronteiras estocásticas de produção. Todavia, existem algumas diferenças que devem
ser levadas em conta, sendo a primeira delas relacionada aos dados requeridos,
uma vez que estimativas de custo-eficiência necessitam de informações também
sobre os preços dos fatores de produção, situação que nem sempre é verificável.
25Em outras palavras, ui ≥ 0 significa que os produtos observados deverão, no caso da produção, estar sempre abaixo ou
exatamente sobre a fronteira estocástica (e nesta última situação a firma seria plenamente eficiente).
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Além disso, ao contrário do que ocorre com estimativas de produção, o termo de
ineficiência ui em fronteiras estocásticas de custo capta efeitos relacionados tanto
à otimização técnica quanto alocativa, de forma que um produtor que parece estar
operando eficientemente por uma medida da função de produção pode, ainda,
parecer ineficiente vis-à-vis uma função de custo.
A extensão dos métodos de fronteiras estocásticas para dados em painel,
inclusive os não balanceados, possibilita, de acordo com Coelli et al. (2005,
p. 275), a obtenção de estimadores mais eficientes para os parâmetros desconhecidos, bem como para os índices de eficiência técnica. Ademais, o referido conjunto
de informações permite, de acordo com a modelagem escolhida, a investigação
de mudanças ao longo do tempo tanto na eficiência técnica quanto na tecnologia
de produção (ou de custos).
Seguindo a especificação para a função de fronteira estocástica de custo
descrita por Coelli (1996, p. 8), mas adaptando-a para uma situação de dados em
painel (BATTESE; COELLI, 1995), temos:
yit = xit β + vit + uit,
em que yit é agora o (logaritmo do) custo de produção da i-ésima firma no tempo t;
xit é um vetor (ou uma transformação) dos preços dos insumos e do(s) produto(s)26
da i-ésima firma no tempo t; e β é um vetor de parâmetros desconhecidos.
Com relação ao termo de erro, vit representa a parcela aleatória, assumida
como i.i.d N(0, σv2 ) e independente de uit, que, por sua vez, é uma variável aleatória estritamente não negativa relacionada às ineficiências presentes no custo de
produção e obtida pelo truncamento (em zero) da distribuição N(0, σv2 ), tal que:
µit = zit δ,
ou seja, os efeitos de ineficiência seguem as proposições de Kumbhakar,
Ghosh e McGukin (1991) e Reifschneider e Stevenson (1991) e são expressos
como uma função explícita de um vetor de variáveis específicas de cada firma
em cada período de tempo (zit) e um vetor de parâmetros δ a ser estimado em um
único estágio por máxima verossimilhança.
O sinal agora positivo do termo de ineficiências (uit) traz consigo uma interpretação levemente diferente para a medida de eficiência técnica em custos,
apresentada por Coelli (1996, p. 9) da seguinte maneira:
,
26A abordagem de custos possui outra vantagem adicional, que é a possibilidade de contabilização de múltiplos produtos,
fato que não ocorre com a função estocástica de produção.
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em que yit* = exp( yit ), uma vez que a variável dependente está expressa em logaritmo. Assim, as medidas de eficiência dependem do valor de ui a ser estimado
(predito), sendo alcançadas pela derivação das expressões para a esperança de
ui, condicional aos valores observados de (vi + ui ). A expressão relevante para a
eficiência técnica da firma i é:
,
isto é, o índice de eficiência em custos variará entre 1 e infinito, com a firma na
primeira situação tendo ineficiência zero, pois estará operando exatamente na
fronteira e minimizando custos. Em todos os outros resultados haverá possibilidade de ganhos de eficiência.
5.2 Modelo econométrico e base de dados
O modelo de fronteira estocástica de custo estimado por meio de uma função Translog para os serviços subnacionais de segurança pública é especificado
da maneira que segue:
Ao passo que o modelo de ineficiências técnicas é definido por:
O subscrito i (i = 1, 2, ..., 27) refere-se a cada um dos entes federados abarcados pela amostra, assim como t (t = 1, 2, ..., 6) denota a dimensão temporal, ou
seja, cada um dos anos do painel analisado. Em ambas as relações, ln representa a transformação pelo logaritmo natural, sendo essas variáveis posteriormente
normalizadas para terem média zero, isto é, as variáveis em nível são divididas
por suas médias geométricas sobre i e t, facilitando com isso o cálculo das elasticidades. O parâmetro αi representa os efeitos fixos, isto é, busca capturar a heterogeneidade não observada dos entes subnacionais que pode estar correlacionada
com as demais variáveis explicativas do modelo.27 O elemento idiossincrático do
27A estimação do modelo de efeitos fixos é operacionalizada pela inclusão de um conjunto de variáveis dummies
representativas de cada unidade federativa presente na amostra (exceto uma, para evitar colinearidade perfeita),
conforme explicação de Coelli et al. (2005, p. 276).
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Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Oliveira Alves Pereira Filho
termo erro é vit, ao passo que o segundo componente (uit) segue as definições de
Battese e Coelli (1995, p. 326), ou seja, trata-se de uma variável aleatória estritamente não negativa obtida pelo truncamento (em zero) da distribuição N(µit, σv2 ),
relacionada às ineficiências no custo de provisão e assumida como independente,
mas não identicamente distribuída.28
A medida de tendência (tempo) capta mudanças tecnológicas ocorridas na
estrutura de custos durante o período analisado, e a variável qualitativa federal
aponta para os efeitos na ineficiência oriundos da participação da União nos sistemas subnacionais de segurança pública. A dummy em questão assume valor 1 para
os estados que recebem, a título de exceção, alguma ajuda extra do governo federal para a manutenção e o funcionamento do setor em análise e 0 para os demais
entes que não são agraciados com essas prerrogativas. No caso específico do Distrito Federal, essa provisão dá-se pelo repasse de recursos financeiros via FCDF,
enquanto para Amapá, Rondônia e Roraima esse benefício se materializa no contingente de funcionários da União pagos por essa esfera federativa e cedidos para
desempenharem suas funções nas corporações policiais desses ex-territórios.
As demais variáveis utilizadas no modelo estão definidas na Tabela 9, que
apresenta também as respectivas estatísticas descritivas.
Tabela 9
Estatística descritiva – R$ constantes de 2006 (IPCA médio)
Fonte: elaboração do autor com base nos dados da STN, do Siafi, do Senasp, do Depen, do Datasus, do IBGE, do Inep,
do Ipeadata, Boletim Estatístico de Pessoal da União, legislações estaduais e Secretarias Estaduais de Administração e
Segurança Pública
28No contexto de dados de painel, esta última assunção registra que as ineficiências podem variar temporalmente e de
forma específica para cada unidade analisada.
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
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Vale notar que o modelo em questão não inclui, por indisponibilidade desse
dado, o preço do fator capital, mas como o setor de segurança pública é predominantemente trabalho intensivo, entende-se que isso tenha impactos mínimos
sobre os resultados. Cabe ressaltar ainda que foi imposta a restrição teórica de
homogeneidade linear nos preços dos fatores mediante a normalização da variável dependente (segpub) e dos salários iniciais da Polícia Militar (salpm) e dos
delegados da Polícia Civil (saldeleg) em relação ao custo dos demais insumos,
representado pelo salário inicial de agentes e escrivães da Polícia Civil (salcivil).
Assim, a variável dependente do modelo apresentado neste trabalho é o
custo total com o sistema de segurança pública (segpub), composto pela despesa
per capita liquidada por estados, DF (inclusive FCDF) e municípios na função
orçamentária “06 – Segurança Pública”. Em termos econômicos, essa variável
representa quanto custa prover certo nível de segurança pública, o que envolve os
esforços de dissuasão (deterrence) via aumento nas probabilidades de apreensão e
condenação dos transgressores, esperando-se com isso a minimização das perdas
advindas de atividades criminosas.
Esses recursos financeiros (alocados aos setores de segurança pública) e
também aqueles destinados ao Judiciário (justcorren) têm como fontes principais
os balanços orçamentários das UFs consolidados pela STN, e, no caso específico
do FCDF e das despesas com o Judiciário do Distrito Federal, o Siafi. As informações relativas aos salários iniciais das corporações estaduais de segurança pública
são provenientes de fontes pulverizadas, destacando-se o Boletim Estatístico de
Pessoal da União (informações do DF e dos extintos territórios), legislação estadual, Secretarias Estaduais de Administração e Segurança Pública e sindicatos
representativos das diversas Polícias Civis. Todos os dados financeiros estão atualizados a preços de 2006 pelo IPCA Médio do IBGE.
Os dados concernentes aos efetivos policiais29 (civil e militar) e às ocorrências envolvendo drogas (uso, porte e tráfico) são provenientes da Secretaria
Nacional de Segurança Pública (Senasp), ao passo que as informações do sistema
penitenciário (número de vagas e de presos) são oriundas do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), sendo ambas as instituições subordinadas ao Ministério da Justiça. As informações socioeconômicas são produzidas por duas fontes:
Ipeadata no caso dos anos médios de escolaridade, do índice de desigualdade de
Gini e do percentual de pessoas com renda inferior à linha de pobreza; e Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do Ministério da Educação, para a taxa de abandono escolar no ensino médio.
29Aos efetivos policiais do Amapá, de Rondônia e de Roraima foram somados os servidores públicos federais que prestam
serviços de segurança pública nessas localidades. Esses dados foram retirados do Boletim Estatístico de Pessoal da
União (2004 a 2006), e os anos anteriores (2001 a 2003) foram cordialmente fornecidos pela Secretaria de Recursos
Humanos do MPOG.
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Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Oliveira Alves Pereira Filho
Cumpre destacar ainda que todas as variáveis do modelo estão representadas em todos os anos analisados (2001 a 2006), o que significa dizer que estamos
lidando com um painel equilibrado, composto de 162 observações (27 unidades
multiplicadas por seis períodos). Para que tal conjunto de dados fosse conseguido,
foi realizada – nas variáveis de efetivos policiais, vagas do sistema penitenciário
e de população prisional – a imputação dos dados do ano de 2002, utilizando-se
para isso o método Best Linear Unbiased Prediction (BLUP) (HENDERSON,
1950; ROBINSON, 1991), o qual tem por principal característica produzir estimativas não viesadas e eficientes.
Com relação à variável de produto, temos que a taxa de homicídios (extraída
dos óbitos por causas externas do Datasus) foi incorporada ao modelo de fronteira
estocástica pelo seu inverso (itxhom), ou seja, o fim último de se alocar recursos ao
setor de segurança pública é, em nossa modelagem, a ausência de criminalidade e/
ou violência,30 o que nos parece fortemente coerente, pois não basta para a sociedade que o sistema público apenas solucione casos de homicídios já consumados, e
sim impeça-os, ou ainda que pelo menos busque minimizá-los. Ademais, os outros
indicadores de criminalidade disponíveis no Brasil (roubos, furtos, tentativas de
homicídios, estupros, sequestros, etc.) padecem de elevada taxa de sub-registro e
estão sujeitos às diferentes metodologias dos estados responsáveis por essas estatísticas, razão pela qual se optou, nesta monografia, pela utilização do inverso da taxa
de homicídios como o único produto esperado das atividades de segurança pública.
Por fim, convém ressaltar que as referidas taxas de homicídios foram corrigidas a fim de minimizar os inconvenientes gerados pela utilização da rubrica “eventos cuja intenção é indeterminada”, conforme o método de apropriação
apresentado por Pereira Filho (2008), o qual tem por qualidade produzir indicadores mais robustos para tal variável. As informações referentes ao ano de 2006 são
preliminares e foram gentilmente cedidas pelo Ministério da Saúde.
5.3 Análise dos resultados 31
Há de se ressaltar, em primeiro lugar, a existência de respaldo estatístico
para a inclusão do modelo de ineficiências, isto é, os testes de especificação para
a fronteira estocástica de custo-eficiência demonstram ser esta adequada e estatisticamente válida, uma vez que:
30Com isso, o pressuposto microeconômico de que funções de custo são não decrescentes no produto (também o são nos
insumos) é respeitado. Mais formalmente: sejam w e q, respectivamente, os insumos e o produto de uma função custo,
então um aumento em um desses não decrescerá os custos. No caso do produto, se q’ ≥ q, então c(w,q’) ≥ c(w,q), ou
seja, produzir maiores níveis de produto depende de maiores custos (COELLI et al., 2005, p. 23).
31Os resultados para a função de fronteira estocástica de custo-eficiência em dados de painel foram estimados em máxima
verossimilhança por meio do programa computacional Frontier versão 4.1 (COELLI, 1996).
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i) o teste de significância do parâmetro γ = σu2 / (σv2 + σu2 ), constante da Tabela 11, rejeitou a hipótese de que γ é igual a zero, inferindo-se por consequência
que o termo de ineficiências uit é estocástico (variância σu2 não é zero) e, nesse
caso, uma inclusão relevante e necessária aos modelos tradicionais de fronteira
estocástica;32 e
ii) o teste de Razão de Verossimilhança unicaudal (LR) (teste 1 da Tabela
10) também refutou fortemente a hipótese de que todos os parâmetros de ineficiência são conjuntamente iguais a zero (γ = δ0 = δ1 = … δ11 = δ12 = 0), referendando-se novamente a introdução do modelo de ineficiências proposto.
Em continuidade, a Tabela 10 apresenta mais alguns testes do tipo LR para
hipóteses relacionadas ao modelo em análise, e o teste de número 2 diz respeito à
escolha da forma funcional da fronteira estocástica de custo, donde se preteriu a
especificação do tipo Cobb-Douglas (desprovida de termos quadráticos e de produtos cruzados) em favor da função Translog, considerada mais flexível e ajustável que a concorrente. A ausência de progresso tecnológico é avaliada pelo teste
seguinte (3), o qual rejeita essa hipótese nula ao atestar a significância estatística
conjunta das variáveis associadas ao tempo.
Tabela 10
Testes de especificação fronteira estocástica de custo-eficiência
(segurança pública)
Fonte: elaboração do autor com base nas estimativas fornecidas pelo programa Frontier versão 4.1.
Por fim, o último teste da referida tabela verifica a correlação das variáveis
xit com a heterogeneidade não observada nas ineficiências estaduais e distritais,
donde novamente se rejeitou fortemente a hipótese nula, o que significa dizer
que a estimativa de um modelo de efeitos fixos por máxima verossimilhança é
adequada para a análise da fronteira estocástica de custo-eficiência dos serviços
de segurança pública subnacionais proposta nesta monografia.
32Quando γ = 0, os desvios em relação à fronteira serão inteiramente causados pelo erro estocástico, ou seja, o termo de
ineficiências seria dispensável. Por sua vez, se γ = 1, teremos a constatação estatística de que os desvios em relação ao
custo (produção) de referência serão totalmente causados pela ineficiência técnica. Na estimativa apresentada (Tabela
11), obtivemos γ = 0,1231, sugerindo-se em nível relevante de significância que o componente de ineficiência é de
grande valor no modelo, mesmo contribuindo timidamente para variância total (relativamente à parcela aleatória).
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As informações da Tabela 11 demonstram que os parâmetros estimados
são em sua maioria estatisticamente significantes e possuem os sinais esperados.
Como previsto, a função custo é crescente nos preços dos fatores (salpm e saldeleg) e côncava no salário dos policiais militares, sendo o coeficiente do salário
dos delegados ao quadrado insignificante estatisticamente. O fato de o setor de
segurança pública ser predominantemente trabalho intensivo reflete-se nas elasticidades do custo total em relação aos salários iniciais da Polícia Militar (0,3033),
dos delegados (0,2890) e do custo dos demais insumos (0,4077), referindo-se esta
última categoria ao salário inicial de agentes e escrivães da Polícia Civil utilizado
para impor a condição de homogeneidade linear e seu coeficiente, por consequência, obtido com base nas estimativas dos dois primeiros.
A interpretação da variável de produto (itxhom) diz que, em que pese o
sinal ser o esperado pela teoria (gasta-se mais para se ter mais segurança), não
há significância estatística para essa relação, ou seja, para a função apresentada
o custo total é fixo, não varia com possíveis mudanças no nível do produto (custo marginal igual a zero).33 Dito de outra maneira, essa inferência é contrária ao
pensamento político vigente, uma vez que os resultados estimados sugerem que
maiores níveis de produto (reduções na taxa de homicídios) podem ser alcançados
sem aumentos no custo de provisão (gasto per capita), o que sinaliza a existência
de melhores usos potenciais para o aparato estatal de segurança atualmente em
funcionamento (possibilidades de incrementos na eficiência econômica).
A presença de progresso tecnológico, ou seja, de melhorias que possibilitem
a redução de custos no setor de segurança pública durante o período analisado,
é estatisticamente referendada.34 O coeficiente da variável tempo registra que esses incrementos tecnológicos proporcionaram decréscimos nos custos da ordem
de 1,34% ao ano. Ademais, o termo quadrático da variável tempo (β9), também
significante, sugere uma aceleração nessa tendência, ou seja, os custos decrescem
temporalmente a uma taxa crescente.
33Contestar a capacidade de resolver os problemas de segurança apenas com incrementos no gasto público parece ser,
em tempos recentes, a tônica tanto das experiências empíricas internacionais (CORNWELL e TRUMBULL, 1994;
BARROS e ALVES, 2005; e CORMAN e MOCAN, 2000) quanto das nacionais (KUME, 2004; OLIVEIRA, 2005;
LOUREIRO e CARVALHO JÚNIOR, 2007; SANTOS e KASSOUF, 2007).
34Esse tipo de mudança temporal (alterações no estado de conhecimento a respeito dos diversos métodos que poderiam
ser utilizados para minimizar custos dados os insumos utilizados e os produtos obtidos) pode advir de muitos fatores,
entre os quais se destacam possíveis ganhos de aprendizado nas entidades responsáveis pela aplicação da lei (sistemas
policiais, de acusação penal, judiciais, penitenciários, etc.), conseguidos por meio de modificações periódicas em seus
modelos de atuação (gestão).
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Tabela 11
Estimativa fronteira estocástica de custo-eficiência
(segurança Pública)
Fonte: elaboração do autor com base nas estimativas fornecidas pelo programa Frontier versão 4.1
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A variável urbana (β5) foi incluída na fronteira estocástica de custo como
um controle para os diferentes níveis de urbanização com os quais os entes subnacionais se deparam quando da tarefa de prover os serviços de segurança pública.
Ratificando a teoria econômica do crime, essa variável informa que 1% de elevação no grau de urbanização impacta em quase 2,7% os custos do setor, o que pode
ser inicialmente explicado pela maior quantidade de ganhos potenciais existentes
para o transgressor nesses ambientes, mas também pela maior possibilidade de
fuga/anonimato e pela menor difusão de controles ético-morais (custo moral em
Becker), fortemente disseminados em comunidades rurais, por exemplo.
No tocante ao modelo de ineficiências, constata-se inicialmente que esforços envolvendo o aparelhamento dos sistemas judiciários (justcorren) e penitenciários (vagpres), situações em que o gestor governamental goza de relativa discricionariedade, são decisões acertadas, ou seja, é possível inferir que algumas
UFs aprimoram a eficiência ao influenciar negativamente as decisões individuais
de delinquir, sinalizando claramente que nesses territórios há um efetivo papel
punitivo desempenhado pelo Estado (maior probabilidade de condenação e uma
maior certeza de cumprimento da pena). Em verdade, o que ambas as variáveis
sugerem é que agilidade e eficácia na condenação devem ser acompanhadas de
um sistema penitenciário de qualidade que minimize tensões, fugas e, principalmente, possibilite a reinserção do detento na vida social após o cumprimento
integral de sua pena.
A composição das forças policiais (preven), outra área sob a qual os governantes podem atuar com certa liberdade, também se mostrou estatisticamente
significante na explicação das ineficiências. As estimações sugerem que localidades que priorizam as funções de policiamento ostensivo e manutenção da ordem
pública (Polícia Militar) em detrimento das atividades de investigação/elucidação
de delitos já consumados (Polícia Civil) tendem a ser menos eficientes, uma vez
que quanto maior for essa razão maior será a ineficiência.35
Uma das possíveis explicações para esses resultados pode residir no fato
de que hábitos reiterados de pouca apuração, ou investigações pouco efetivas,
podem incentivar mais e mais comportamentos criminosos, tendo em vista que os
agentes racionais irão entender essa omissão como uma menor probabilidade de
aprisionamento e posterior condenação. Sob outro prisma, a atuação da Polícia
Militar pode estar se pautando em premissas técnicas e de inteligência incorretas
como, por exemplo, fazer rondas por toda a cidade durante o dia quando as ocorrências se restringem apenas a poucos focos de perigo e em períodos noturnos.
35Esse resultado pode estar sendo agravado porque, não obstante a inexistência de estatísticas formais, é prática comum
a cessão de policiais militares para desempenhar funções de segurança em outros órgãos públicos (Assembleias ou
Câmaras Legislativas, demais Secretarias do Executivo e Tribunais). A utilização de policiais treinados para atividades
de campo em tarefas administrativas (atendimento telefônico, contabilidade, financeiro, etc.) é outra forma de distorção
que pode afetar o desempenho das ações de segurança pública.
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Por meio da variável qualitativa federal, o modelo proposto infere que a
participação direta do governo federal nos serviços de segurança pública de competência dos estados é fator agravante das ineficiências. No caso do FCDF, que
arca com praticamente a totalidade das despesas de segurança pública do referido
ente, os resultados empíricos reafirmam as conclusões anteriormente externadas
em termos descritivos, isto é, a existência de incentivos econômicos perversos
(políticas de segurança claramente destoantes das praticadas pelo restante das
UFs) que em nada contribuem para a efetividade desse dispêndio. Em que pese
também não ser eficiente, a situação dos ex-territórios de Rondônia, Amapá e Roraima, que possuem funcionários federais atuando em seus sistemas de segurança
pública, parece ser menos problemática e estar equalizada no longo prazo, uma
vez que as carreiras em questão já estão extintas e não receberão novas contratações, ou seja, trata-se de uma ineficiência fadada a diminuir progressivamente até
seu termo final.
Os resultados obtidos para a variável federal indubitavelmente sinalizam
que o governo federal deve enfatizar seu papel de coordenador do sistema nacional de segurança pública, abdicando de atuações diretas como a realizada em favor do Distrito Federal. Ações efetivas do nível central de governo no controle de
fronteiras (contrabando, tráfico de drogas, etc.), fiscalização criminal em reservas
ambientais e rodovias federais, construção de presídios modelo para criminosos
de reconhecida periculosidade (como o de Catanduvas no PR), implantação de
um banco de dados nacional de impressões digitais, oferecimento de treinamentos
e apoio logístico (FNSP) e, principalmente, coleta/sistematização das estatísticas
subnacionais (Senasp) são, do ponto de vista econômico, soluções mais eficientes
e menos distorcivas se comparadas com o modelo de financiamento atualmente
vigente no DF e nos extintos territórios.
Variáveis econômico-demográficas, tais como pobreza, nível educacional e
um maior número de jovens em idade de risco (15 a 29 anos), não são relevantes
estatisticamente para explicar, por si só, a ineficiência, mas a taxa de abandono
escolar e a desigualdade de renda (índice de Gini) contribuem para aumentar a
ineficiência na provisão de segurança pública. O mesmo ocorre em situações de
maiores níveis de evasão escolar no ensino médio (abandono), sugerindo-se que,
com controles para outras condições ambientais (por exemplo, mercado de drogas,
número de jovens, concentração de renda, etc.), a educação juvenil proporciona
maiores oportunidades no sistema legal e, pelo aspecto psicopedagógico, é um ambiente civilizatório, que prepara e habilita o ser humano para viver em sociedade.
Além disso, um mercado de drogas ativo, como esperado, traz ineficiências
ao custo, isso porque essa atividade ilícita favorece uma série de outros delitos, entre eles comportamentos individuais indesejáveis (crimes contra o patrimônio e até
mesmo latrocínios causados por viciados), poder paralelo (execuções de usuários,
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membros do tráfico e de inocentes, inclusive), mercados secundários de receptação,
desagregação familiar, delinquência juvenil, entre outros. Um combate efetivo ao
mercado de drogas pode ainda injetar eficiência no sistema de segurança pública
pelo ponto de vista das finanças do tráfico. Ao se romper elos da cadeia de produção/tráfico de drogas consegue-se reduzir o poder econômico dessas facções e, por
consequência, um menor número de ocorrências em outras áreas.
A falta de significância de pobreza contraria em certa medida o senso comum, no entanto ao entendimento teórico e empírico não é de todo inadmissível
que a provisão de serviços de segurança pública em regiões pobres possa ser
custo-eficiente, uma vez que nessas localidades pode haver baixo incentivo econômico para a realização de delitos. Controlando-se para outras variáveis, como a
qualidade dos serviços estatais, o papel do mercado de drogas, nível educacional
ou desigualdade de renda, fica intuitivo que por si só um maior nível de pobreza
não é explicação para as mazelas da segurança pública.
5.4 Índices subnacionais de eficiência econômica
Após as análises dos parâmetros da fronteira estocástica de custo e do modelo de ineficiências – no qual se verificou, entre outros, que a parcela do FCDF
destinada à segurança pública é, em termos econômicos, contraproducente –, fazse oportuno o exame da posição relativa do DF perante os demais estados via
índices subnacionais estimados de custo-eficiência, presentes na Tabela 12, subdivididos em intervalos anuais e ordenados pelos resultados médios do período.
Em um enfoque global, a maioria das UFs mostrou-se ineficiente durante
o período analisado, estando, em média, cerca de 18,0% acima do custo mínimo
exigido caso operassem na fronteira de eficiência. Além disso, a ineficiência atingiu seu pico no ano de 2003 (1,2009), caiu expressivamente em 2004 (1,1681) e
voltou a subir continuamente até o último ano disponível (1,1867), distanciandose com isso dos índices médios de 2001 (1,1675).
Há de se ressaltar que não existe um padrão regional explícito no comportamento dos índices de custo-eficiência, isso porque existem representantes de
praticamente todas as regiões tanto abaixo como acima da mediana (1,1541). A
magnitude das ineficiências reflete novamente a heterogeneidade da Federação
brasileira, uma vez que o ente mais ineficiente (Distrito Federal) possui custos
médios de 61,1% acima da situação de referência (eficiência plena) e São Paulo
(estado mais eficiente) alcança 1,1% de excesso em relação à fronteira ótima
estimada. Além do Distrito Federal, os estados em média mais ineficientes são,
pela ordem, Ceará (1,4242), Bahia (1,4155), Rondônia (1,3717) e Goiás (1,3361).
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
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Por sua vez, os estados mais bem classificados são, além de São Paulo, Tocantins
(1,0124), Sergipe (1,0143), Roraima (1,0144) e Amapá (1,0257).
Tabela 12
Índices estaduais e distritais de eficiência em custos (segurança pública)
Fonte: elaboração do autor com base nas estimativas fornecidas pelo programa Frontier versão 4.1.
Em termos financeiros, conforme apresentado na Tabela 13, isso significa
que em 2006, por exemplo, o montante gasto ineficientemente no setor de
segurança pública atingiu quase R$ 4,8 bilhões, ou seja, as despesas totais dos
entes subnacionais (estados, DF e municípios) com segurança nesse ano (R$ 30,4
bilhões) excederam em 18,67% o custo ótimo estimado de R$ 25,6 bilhões. Por
analogia, o montante custo-eficiente estimado para os entes subnacionais nos anos
de 2001 a 2006 foi, a preços constantes de 2006, R$ 135,7 bilhões. No entanto,
como houve desvios médios de 17,99% em relação à fronteira ótima (Tabela 12),
o custo (despesas executadas) de fato observado foi de R$ 160,1 bilhões, o que
equivale a um desperdício por ineficiências de aproximadamente R$ 24,4 bilhões
no sexênio de referência.
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Tabela 13
Despesas executadas, custos estimados e desperdícios apurados no setor
– R$ milhões
constantes de 2006 (IPCA médio)
de segurança pública do df e dos estados (municípios inclusos)
Fonte: elaboração do autor com base nos dados da STN, do Siafi e dos índices subnacionais de eficiência estimados
No que diz respeito ao Distrito Federal, convém enfatizar que as particularidades de organização, manutenção e funcionamento do seu sistema de segurança
pública (mantido pela União via FCDF) acarretam desperdícios por ineficiências
tão expressivos e destoantes do restante da Federação que mesmo em termos absolutos já são os maiores do país. Essas distorções, em preços constantes de 2006,
equivaleram a R$ 3,9 bilhões (total de 2001 a 2006), que, somados ao custo ótimo
estimado de R$ 6,4 bilhões, atingem a despesa efetivamente executada para esse
ente no período (R$ 10,3 bilhões). Se novamente focarmos essa mesma medida
de perda, mas agora pelo critério per capita, observaremos que a distância relativa entre os entes se agrava, pois em 2006 o gasto ineficiente do DF por morador
foi da ordem de R$ 276,65, ao passo que a média do restante das UFs atingiu o
valor bem mais modesto de R$ 18,57. Nos valores acumulados de 2001-2006,
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
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Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Oliveira Alves Pereira Filho
temos, respectivamente, desperdícios per capita de R$ 1.733,40 no DF e R$ 89,97
na média dos 26 estados.
Isso posto, cabe enfatizar que as duas principais contribuições do modelo
de fronteira estocástica de custo-eficiência, a saber, possibilidade de verificação
(e mudança) dos índices individuais ao longo do tempo e inclusão de diversos fatores para a explicação do custo-eficiência subnacional, permitem a ruptura com
alguns dogmas da análise criminal, especialmente aqueles que buscam simplificar
o debate em torno da propalada “escassez de recursos” como fonte permanente
dos problemas do setor de segurança pública. Pelo exposto nas Tabelas 12 e 13,
combinadas com as informações das Tabelas 6, 7 e 8 da seção anterior, é possível a constatação de que existem altos índices de ineficiência tanto em estados
com poucos recursos (Ceará, Bahia e Goiás) quanto naqueles entes considerados
bem aquinhoados (Distrito Federal e Rondônia), o que também ocorre no grupo
de estados custo-eficientes, no qual Sergipe, a priori, dispõe de poucos recursos
para despender em segurança, ao passo que São Paulo, Roraima e Amapá gastam
acima da média nacional. O que determinará então a condição de custo-eficiente,
ano a ano, ente a ente, não é simplesmente a disponibilidade (ou não) de recursos
financeiros e sim a junção destes com fatores ambientais, existência ou não de
interferência do nível central de governo e escolhas acertadas em termos de gestão da máquina pública, como, por exemplo, um Judiciário bem estruturado, uma
Polícia eficazmente atuante e/ou um sistema penitenciário organizado.
Por fim, não obstante o entendimento de que um maior número de estudos
sobre a qualidade dos gastos públicos nos serviços subnacionais de segurança seja
desejável para a consolidação das relações ora estimadas, inferimos que o modelo proposto apresenta resultados suficientemente robustos em favor do caráter
contraproducente e ineficiente do FCDF, o qual, além de promover agravamentos
nos desequilíbrios horizontais federativos (iniquidade fiscal), também executa, no
setor aqui analisado, gastos públicos ineficientes do ponto de vista econômico, os
quais se diluem na atividade burocrática sem efetivamente beneficiar os cidadãos
dependentes desses serviços.
6 Considerações finais e
proposições de mudança
Esta monografia teve por objetivo sistematizar os conhecimentos a respeito
do Fundo Constitucional do Distrito Federal, uma transferência obrigatória do
governo federal que beneficia especificamente e tão-somente o Distrito Federal.
54
Finanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
Tópicos Especiais de Finanças Públicas – Oliveira Alves Pereira Filho
Durante esse processo, testou-se, por meio de raciocínios descritivos e modelo
empírico, a hipótese de que a criação e a manutenção do referido arranjo orçamentário acarretou distorções em termos de equidade federativa e eficiência
econômica. Tal iniciativa preenche uma lacuna existente no debate sobre finanças
públicas em nosso país, qual seja, o pouco conhecimento sobre o funcionamento
e os impactos econômicos decorrentes da existência de tão relevante Fundo, considerado por muitos uma verdadeira “caixa-preta” inserida no âmbito do federalismo fiscal brasileiro.
Inicialmente, verificamos que a teoria econômica admite benefícios no
uso das transferências intergovernamentais como forma de promover federações
equitativas e gerar incentivos para o incremento do bem-estar social. Não obstante, reconhece-se também o lado negativo desse mecanismo na medida em que a
literatura especializada relata casos em que os governos subnacionais receptores
desse benefício promoveram expansões em seus gastos ou exibiram queda na
qualidade destes (privilegiaram despesas com pessoal e manutenção da máquina),
bem como se esforçaram menos para exercer suas competências tributárias.
Dessa forma, o levantamento teórico adverte que os benefícios oriundos da
descentralização fiscal devem sempre ser cotejados com os possíveis incentivos
econômicos adversos. No caso das transferências condicionadas e sem contrapartida, categoria em que se enquadra o FCDF, a teoria positiva tem registrado
(nacional e internacionalmente) que esses mecanismos podem incentivar oferta
excessiva e alta relação custo-benefício nos bens vinculados, o que prejudicaria
sua eficiência relativa. Apregoou-se ainda a necessidade de constante revisão nos
mecanismos de transferências e em seus critérios de repartição (o que de fato
raramente ocorre no Brasil) como forma de premiar arranjos federativos que conciliem a busca legítima por equidade fiscal com a necessidade de maior eficiência
no gasto público.
Em termos históricos, foi possível verificar que o DF sempre recebeu transferências extras da União sob a alegação de que suas bases tributárias eram insuficientes para arcar com o “custo” que a manutenção da capital federal lhe impunha
(desequilíbrio vertical). Demonstrou-se, no entanto, que o DF possui, desde 1988,
ampla competência tributária (referente a estados e municípios), conta com arrecadação própria elevada e bem distribuída, administração fazendária estruturada, alta
renda per capita (quase três vezes a média nacional) e não necessita alocar recursos
em seu Poder Judiciário, no Ministério Público e na Defensoria Pública, fatores que
por si só já relativizam os fundamentos de criação e manutenção do FCDF.
Além dessas vantagens comparativas, salientou-se também que as atividades da União não trazem apenas custos para o DF, em verdade a instalação da
capital federal no referido território trouxe consigo externalidades positivas releFinanças Públicas – XIV Prêmio Tesouro Nacional – 2009
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vantes que provavelmente não teriam ocorrido sem essa mudança física no centro
administrativo federal. Em outras palavras, o alto padrão de vida alcançado atualmente em Brasília dificilmente teria sido conseguido apenas pelos interesses e
pelas atividades privadas localizados até então no planalto central.
Em continuidade, observou-se que a vinculação legal dos reajustes do FCDF
à variação da RCL da União, ocorrida a partir de 2003, beneficiou ainda mais as
finanças desse ente, pois tornou o repasse de recursos federais preeestabelecido e certo, ocasionando, por consequência, maiores disponibilidades em termos
de recursos “vindos de fora”. Com uma restrição orçamentária menos rígida e
valendo-se da fiscal illusion, os gestores distritais aprofundaram a condução de
sua política fiscal irreal, favorecendo sobretudo a burocracia local (gastos com
pessoal), que tem gozado de salários e contingentes operacionais incompatíveis
com os verificados no restante da Federação.
As comparações federativas promovidas na quarta seção enfatizaram o papel concentrador e iníquo (promotor de desequilíbrios horizontais) desempenhado no federalismo fiscal brasileiro pela atuação direta do governo federal via
FCDF, mecanismo este que exemplifica a principal característica negativa de um
gasto vinculado, qual seja, a produção custo-ineficiente e excessiva dos bens públicos beneficiados. De fato, os maiores níveis per capita de receitas totais do DF
(próprias e de transferências), viabilizados em parte pela captação de recursos do
restante da União via FCDF, atentam violentamente contra a equidade federativa,
recrudescendo desequilíbrios horizontais já existentes entre os entes subnacionais
nitidamente heterogêneos.
Além disso, o modelo econométrico sugerido na seção 5 para se analisar a
qualidade do gasto no principal setor beneficiado pelo FCDF (segurança pública)
corroborou a evidência empírica disponível, isto é, reafirmou que o DF é o ente
que mais desperdiça quando da provisão desses serviços públicos, notadamente
ineficiente em termos econômicos justamente pelo excesso de recursos que lhe é
outorgado, os quais se diluem na atividade burocrática sem efetivamente beneficiar
os cidadãos dependentes desses serviços. Verificou-se que o DF exibe custos 61,1%
superiores aos custos ótimos estimados para o setor (média do período 2001-2006),
consideravelmente além dos desperdícios médios da Federação (18,0%), o que em
preços constantes de 2006 equivale a perdas totais de R$ 3,9 bilhões, que somadas
ao custo ótimo estimado de R$ 6,4 bilhões proporcionam o custo efetivamente observado para esse ente no sexênio de referência (R$ 10,3 bilhões).
Como nos parece inconsistente, sob o ponto de vista federativo, concentrar recursos economicamente ineficientes no DF quando ainda existem estados
como, por exemplo, os do Nordeste ou os mais populosos do Norte que possuem
baixo nível de receitas per capita e elevada carência de bens públicos, passamos
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a propor alterações na condução e na existência do FCDF, sabendo de antemão
que todas elas dependem de modificações constitucionais e legais, ou seja, extremamente dificultosas dada a dinâmica parlamentar brasileira.
A solução mais tentadora e simplista seria defender a imediata extinção
desse mecanismo mediante alteração constitucional, todavia tal medida seria inviável politicamente e relegaria o DF a uma posição de ilegalidade perante a LRF.
Isso ocorreria porque as dotações do FCDF são destinadas em sua imensa maioria
para o custeio de despesas de pessoal (92,5% dos recursos do Fundo, na média de
2003 a 2008) e qualquer alteração neste envolveria forçosa adaptação do GDF aos
limites explícitos na LRF. Exemplificativamente, se incluirmos todas as despesas
de pessoal do FCDF em 2008 (Tabela 4) no cálculo do limite exposto na Tabela 1,
este passaria de 42,42% da RCL para espantosos 105,61%, ou seja, extremamente
acima dos 49% legalmente permitidos pela LRF.
Um modelo factível, pautado nos objetivos de reduzir a intervenção negativa do governo federal no federalismo fiscal brasileiro, incentivar um comportamento fiscal equilibrado de longo prazo para o GDF e ao mesmo tempo
preservar os limites da LRF, poderia ser obtido caso a União incorporasse como
seus funcionários o atual contingente de pessoal das áreas de segurança pública,
saúde e educação pago pelo FCDF (como já fez no passado com os servidores dos
extintos territórios) e delegasse a competência de novas contratações nessas áreas
ao próprio ente, que as faria considerando suas diretrizes de gestão (remunerações, benefícios, concessões salariais, etc.), normas fiscais (LRF) e na medida em
que os funcionários da ativa (agora federais) se fossem afastando pelos motivos
corriqueiros (aposentadoria, reforma, invalidez, demissão, etc.). Como na prática os funcionários pagos pelo FCDF já constam do OGU (inclusive registrados
no Sistema Integrado de Administração Pessoal do Governo Federal – Siape),
tal medida apenas impediria novos dispêndios da União para os fins atualmente
propostos e forçaria o gestor distrital a elaborar e a gerir sua política de pessoal
(novos padrões de remuneração e efetivos) tendo em vista sua própria restrição
fiscal (LRF).36
Dessa forma, as medidas propostas almejam reduções simultâneas na iniquidade federativa e na ineficiência econômica ora promovidas pelo gasto descentralizado do governo federal via FCDF. Contudo, o estudo também reconhece
a complexidade de qualquer tentativa nesse sentido, entendendo que os efeitos
positivos (caso as decisões necessárias sejam tomadas imediatamente) serão difusos entre a Federação e apenas gradativos durante toda uma geração produtiva,
36Como parte final dessa proposta, haveria ainda o congelamento do montante nominal repassado aos GNDs Outras
Despesas Correntes e Investimento (7,5% dos recursos do Fundo, na média de 2003 a 2008). Essa medida permitiria
que a União destinasse gradativamente menos recursos em termos reais (ou em proporção do PIB) para essas áreas, ao
passo que o DF teria novamente espaço temporal para adequar seus gastos funcionais à nova realidade federativa, bem
como aos limites impostos pela LRF.
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ao passo que os negativos (para o DF) serão concentrados e por isso mesmo ensejarão brava resistência política para a manutenção dos privilégios existentes.
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