Caminhos da INCLUSÃO | caminhos para inclusão.indd 1 1 23/8/2011 11:01:59 Reitora Vice-Reitora Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Pró-Reitor de Graduação Pró-Reitora de Extensão Pró-Reitor de Gestão Universidade do Estado do Pará Marília Brasil Xavier Maria das Graças da Silva Jofre Jacob da Silva Freitas Ruy Guilherme Castro de Almeida Mariane Cordeiro Alves Franco Manoel Maximiano Junior Editora da Universidade do Estado do Pará Coordenadora Josebel Akel Fares Revisor Nilson Bezerra Neto Marco Antonio da Costa Camelo Jessiléia Guimarães Eiró Designer Gráfico Hudson Maik Campos da Silva Flávio Cardoso de Araújo Diagramador Odivaldo Teixeira Lopes Apoio Técnico Willame de Oliveira Ribeiro Bruna Toscano Gibson Conselho Editorial Elizabeth Teixeira Hebe Morganne Campos Ribeiro Ivanilde Apoluceno de Oliveira Jofre Jacob da Silva Freitas Joelma Cristina Parente Monteiro Alencar Josebel Akel Fares Maria das Graças da Silva Marília Brasil Xavier Norma Ely Santos Beltrão Tânia Regina Lobato dos Santos caminhos para inclusão.indd 2 23/8/2011 11:02:08 Caminhos da INCLUSÃO | caminhos para inclusão.indd 3 3 23/8/2011 11:02:08 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Diretoria de Biblioteca Central da UEPA ______________________________________________________________________________ Caminhos da inclusão / Ana Irene Alves de Oliveira, Danielle Alves Zaparoli, Juliana Maciel de Queiroz Lourenço, Rafael Luiz Morais da Silva, (orgs.). _ Belém : EDUEPA, 2011. 192 p. : il. Inclui bibliografias ISBN: 978-85-88375-75-8 1.Educação inclusiva. 2. Educação especial. 3. Inclusão em educação. I. Oliveira, Ana Irene Alves de, Org. CDD 22. ed. 371.9 _____________________________________________________________________________ caminhos para inclusão.indd 4 23/8/2011 11:02:08 APRESENTAÇÃO A inclusão representa nos dias de hoje uma ampla tarefa frente a nossa realidade. Vivemos num país de grandes diferenças sociais, que requer uma educação de qualidade para todos, e incluímos neste contexto os portadores de qualquer tipo de necessidade especial. No dicionário, ‘incluir’ significa ato ou efeito de incluir. Para chegar à inclusão pensamos que, muitas vezes, precisamos inovar. Porém a inovação não necessariamente se faz através da criação de algo novo, frequentemente faz-se necesário repensar algo que já existe e trazer para a efetividade na busca de estratégias que possibilitem à pessoa com deficiência construir seus conceitos e aplicá-los a sua realidade. Não deixa de ser uma inovação. É uma reinvenção. Os caminhos da pedagogia da inclusão apontam para uma construção do conhecimento baseada na interação dos sujeitos envolvidos neste processo, cabendo, neste momento, estratégias que tornem certos conceitos acessíveis ao nosso “aluno”, considerando os diversos graus de potencialidades. Neste contexto, vários indivíduos interessados no crescente estudo das perspectivas, inovações e reflexões acerca da inclusão reuniram-se no III Fórum de Tecnologia e Inclusão Social da Pessoa Deficiente e socializaram o fruto do seu trabalho nesta área, que tende a crescer a cada nova experiência que surge. Este livro, composto por 21 capítulos, aborda os caminhos da inclusão frente à realidade dos autores, suas vivencias, reflexões e suas práticas do processo de inclusão da pessoa deficiente. São experiências e relato de casos que tornam a leitura gratificante, e levam o leitor a pensar em outras estratégias frente a sua vivência diária. Esperamos que todos aproveitem deste substrato de conhecimento e, a partir desta proposta, reflitam e mudem suas realidades ou aperfeiçoem suas ideias e estratégias. Assim cresce a ciência da TECNOLOGIA ASSISTIVA e INCLUSÃO. Ana Irene Alves de Oliveira Danielle Alves Zaparoli Juliana Maciel de Queiroz Lourenço Rafael Luiz Morais da Silva caminhos para inclusão.indd 5 23/8/2011 11:02:08 caminhos para inclusão.indd 6 23/8/2011 11:02:08 PREFÁCIO O leitor vai encontrar no livro Caminhos da Inclusão, organizado por Ana Irene Alves de Oliveira, uma variedade de textos, produzidos de forma coletiva, que tratam sobre o processo de inclusão social e educacional de pessoas surdas, autistas, com síndrome de down, paralisia cerebral, entre outras necessidades especiais. O livro trata, com riqueza de informações, sobre o tema inclusão, em seus 21 artigos, perpassando pelo debate de questões referentes à aprendizagem, à tecnologia assistiva e à acessibilidade, bem como a práticas inclusivas e à formação de professores. Apresenta a inclusão em diferentes contextos (clínicos e educacionais) e abordagens teórico-metodológicas, contribuindo de forma significativa para o estudo da inclusão no cenário brasileiro. Caminhos da Inclusão está organizado em três partes. Na primeira, intitulada “Pessoas com deficiência e procedimentos de aprendizagem”, Marilice Garotti, Karina Montenegro e Raphaella Albuquerque, em seu estudo sobre “Funcionalidade dos Sistemas Parentais de Mães Surdas e ouvintes e seus bebês ouvintes durante o primeiro semestre”, buscam identificar os sistemas parentais, em situação de brincadeira livre, de duas díades mãe-bebê, sendo uma das mães surda; Ruth Daisy Souza e Grauben de Assis em “Aprendizagem de relações ordinais em crianças surdas” objetivam verificar, por meio de estudo experimental, o controle do comportamento por relações ordinais com discriminação simples, sob controle condicional e contextual em crianças surdas; Cintia Sanchez e Amauri Gouveia Junior no artigo “Inclusão diagnóstica do surdo”, trata sobre a questão da avaliação psicológica do surdo, sendo destacada a dificuldade do diagnóstico dessa população pela falta de instrumento adaptado para a avaliação; Ana Irene Oliveira, Rafael da Silva e Sayuri Fernandes Toda em “O uso do conto e reconto de histórias na inserção de símbolos gráficos: ampliando a comunicação de um indivíduo com paralisia cerebral” relatam experiências no atendimento de um usuário com paralisia cerebral por meio da comunicação alternativa, utilizando como estratégia a narração de histórias, adaptada por simbologia pictográfica. Por fim, Marcilene Pinheiro, Luana de Sena, Ana Irene de Oliveira e Rafael da Silva no texto “ Era uma vez...: as narrativas infantis como recurso de estimulação cognitiva de uma criança síndrome de down” analisam as caminhos para inclusão.indd 7 23/8/2011 11:02:08 8 possibilidades de utilização das narrativas infantis como recurso terapêutico ocupacional na estimulação cognitiva de uma criança com Síndrome de Down. A segunda parte congrega artigos sobre “Tecnologias de Apoio à Inclusão Social”. Dalva Watanabe, Lília Giacomini, Marcia Souza, Sandra Stanziani, Higino Mesquita, Shirley Maia e Vula Ikonomidis em “O uso de tecnologia assistiva para favorecer a aprendizagem da pessoa com surdocegueira e deficiência múltipla” relatam o processo de triagem, avaliação e participação nas oficinas de comunicação do Programa de Reabilitação de Ahimsa e Grupo Brasil e no treinamento de uso de tecnologia assistiva de duas pessoas com surdo-cegueira adquirida; Mariana Miccione e Grauben Assis no texto “Contribuições da análise do comportamento para compreensão de repertórios acadêmicos e comportamentos clinicamente relevantes”, apontam a relevância da análise do comportamento por meio do estudo sistemático das variáveis circunscritas no processo de Ensino-Aprendizagem, na compreensão de comportamentos complexos, especialmente aqueles envolvidos com a leitura, a matemática e clinicamente relevantes; Jaci de Souza e Grauben Assis, no artigo “Estabelecendo comportamento textual em função da ordenação de letras”, analisam o efeito de um procedimento de ensino por encadeamento de respostas para apresentar formas não representacionais e instalar os pré-requisitos do comportamento textual (ordenação de símbolos do alfabeto para formar palavras dissílabas) em alunos que apresentavam atraso no desenvolvimento cognitivo; Marília Gonçalves, Sebastião Miraglia, Vania Ulbricht, Claudia de Macedo e Josiane Vieira, no texto “Acessibilidade na Educação - Visuak GD, relatam a pesquisa realizada com o intento de adequar o conteúdo de Representação Gráfica Espacial para a WEB respeitando os requisitos de acessibilidade e utilizando a construção de objetos de aprendizagem considerados ainda hoje como um conceito novo; Hildebrando Esteves Neto, Ana Irene Oliveira, Anna Karen Mendes, Márcia Hellen Santos, Ermelinda Melo, Direlene da Silva e Herika Pereira, em “Multimídia biblioteca virtual inclusiva”, apresentam o projeto de criação de uma biblioteca virtual inclusiva acessível, vinculada aos Núcleos de Atendimento a Pessoas com Necessidades Específicas (NAPNEs), com obras relevantes e materiais de interesse didático-pedagógico, disponibilizadas ao público em formato digital e que atenda caminhos para inclusão.indd 8 23/8/2011 11:02:08 Caminhos da INCLUSÃO | 9 aos estudantes com necessidades educacionais específicas matriculados nos Institutos Federais e redes parceiras – Universidade do Estado do Pará (UEPA) e Coordenadoria de Educação Especial do Estado do Pará (COEES); Aline de Albuquerque, Danielle Zaparoli e Ana Irene de Oliveira debatem sobre “Software Educativo: o que é? Para que? e Por quê?”, revisando os paradigmas das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) e suas dimensões no âmbito da escola; Jorgeane Pantoja; Ana Irene Oliveira; Rafael Luiz Morais; Deyse Pinheiro; Elson Costa e Luísa Monteiro abordam no texto “Uso da Comunicação alternativa com crianças autistas: uma contribuição da Terapia Ocupacional” os déficits de linguagem de crianças autistas, sem desconsiderar as características clínicas do autismo infantil. Na terceira parte o foco é para as “Práticas em contextos inclusivos.” Alessandra Souza, Daniel da Cruz, Giordana Calado, Victor Soares, Alberto Luiz Aramaki e Gismeire Ribeiro discutem sobre “Acessibilidade no contexto escolar” relatando a experiência de avaliação da acessibilidade de escolas da rede pública de ensino do Programa Escola Acessível implantado pelo Laboratório Integrado de Tecnologia Assistiva da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (LITA/UFTM); Christine Magalhães e Ramon Panades, no texto “Centro de Atenção Psicossocial da Infância e da Adolescência (CAPSI) de Ouro Preto, MG: atividades intersetoriais e interdisciplinares, saúde mental, educação e família”, apresentam a história de um Centro de Atenção Psicossocial da Infância e da Adolescência (CAPSI) em Ouro Preto, MG, a partir da reforma psiquiátrica, e conta uma trajetória envolvendo as ações para a construção de uma Política Pública em Saúde Mental, no município de Ouro Preto, para a Infância e a Adolescência; Nonato Márcio Sá e Adriana Valery Sá debatem, em “Hanseníase: um olhar psicossocial”, sobre a questão do preconceito e da exclusão que permeia o contexto das pessoas acometidas pela hanseníase, destacando os aspectos sociais e psicológicos e os desafios da inclusão social dessas pessoas; José Anchieta Bentes e Rita Souza-Bentes, no artigo “Avaliação de alunos na sala de recurso multifuncional: discussões em torno da (dis) normalidade”, apresentam uma proposta de avaliação de alunos com necessidades educacionais especiais tendo como base o discurso disnormalizador; Christine Magalhães, Franclin do Nascimento e Anna Karen Mendes, em “Orientações pedagógicas na educação de alu- caminhos para inclusão.indd 9 23/8/2011 11:02:08 10 nos com Transtornos Globais do Desenvolvimento na Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica”, apresentam o trabalho de orientação referente à educação inclusiva aos Institutos Federais pela Comissão Técnica Nacional de Acompanhamento de Alunos com Transtornos Globais de Desenvolvimento; Ana Irene de Oliveira, Rafael Luiz da Silva, Amanda Peixoto, Sayuri Toda, Thalita Melo e Marcilene Pinheiro, no texto “Formação de professores e o uso de tecnologias de apoio à comunicação: experiências em escolas da Região Metropolitana de Belém”, relatam a experiência de formação de professores do ensino regular na utilização de recursos de Comunicação Alternativa e/ou suplementar com crianças com disfunção motora; Adriane Giugni da Silva, Karina Portal e Lilian Cristina Araújo, em “Inclusão x exclusão: a práxis em uma brinquedoteca pública de Belém”, apresentam resultados de uma pesquisa em que investigam o processo dialético inclusão-exclusão mediado pela práxis educativa com crianças na faixa etária de 4 a 6 anos de idade, em uma brinquedoteca pública de Belém; Aline Monteiro, Gisely Gabrieli de Souza, Ana Irene de Oliveira e Rafael Luis da Silva, no texto “A compreensão da inclusão do deficiente visual na rede regular de ensino: um estudo sob o olhar de quem a vivencia”, relatam a pesquisa realizada com uma jovem cega em uma escola pública de Ananindeua, com o objetivo de conhecer suas reais necessidades e analisar percepção da aluna sobre o seu processo de inclusão escolar. Por fim, Solange Rabelo de Souza, Ana Irene de Oliveira, Rafael Luiz da Silva e Marcilene Pinheiro, no artigo “Relação terapeuta-paciente: o principal objetivo do terapeuta ocupacional - relato de um caso”, evidenciam a importância da relação terapeuta-paciente na evolução do tratamento, a partir do relato da experiência com uma criança com Síndrome de Down assistida no NEDETA. Assim, neste livro, os autores tratam da inclusão de diferentes grupos sociais e em diversas facetas, levando-nos a refletir sobre a necessidade e importância da inclusão na sociedade e educação brasileira. Convido os leitores a adentrarem neste significativo debate acadêmico. Ivanilde Apoluceno de Oliveira Belém, agosto de 2011 caminhos para inclusão.indd 10 23/8/2011 11:02:08 SUMÁRIO PARTE I Pessoas com deficiência e procedimentos de Aprendizagem FUNCIONALIDADE DOS SISTEMAS PARENTAIS DE MÃES SURDAS E OUVINTES E SEUS BEBÊS OUVINTES DURANTE O PRIMEIRO SEMESTRE APRENDIZAGEM DE RELAÇÕES ORDINAIS EM CRIANÇAS SURDAS INCLUSÃO DIAGNÓSTICA DO SURDO 15 23 31 O USO DO CONTO E RECONTO DE HISTÓRIAS NA INSERÇÃO DE SÍMBOLOS GRÁFICOS: AMPLIANDO A COMUNICAÇÃO DE UM INDIVÍDUO COM PARALISIA CEREBRAL 39 ERA UMA VEZ...: AS NARRATIVAS INFANTIS COMO RECURSO DE ESTIMULAÇÃO COGNITIVA DE UMA CRIANÇA COM SÍNDROME DE DOWN 47 PARTE II Tecnologias de Apoio à Inclusão Social O USO DE TECNOLOGIA ASSISTIVA PARA FAVORECER A APRENDIZAGEM DA PESSOA COM SURDOCEGUEIRA E DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA 59 CONTRIBUIÇÕES DA ANÁLISE DO COMPORTAMENTO PARA COMPREENSÃO DE REPERTÓRIOS ACADÊMICOS E COMPORTAMENTOS CLINICAMENTE RELEVANTES 69 ESTABELECENDO COMPORTAMENTO TEXTUAL EM FUNÇÃO DA ORDENAÇÃO DE LETRAS SOFTWARE EDUCATIVO: O QUE É? PARA QUE? E POR QUÊ? 79 87 95 101 USO DA COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA COM CRIANÇAS AUTISTAS: UMA CONTRIBUIÇÃO DA TERAPIA OCUPACIONAL 107 ACESSIBILIDADE NA EDUCAÇÃO VISUAL GD MULTIMÍDIA BIBLIOTECA VIRTUAL INCLUSIVA caminhos para inclusão.indd 11 23/8/2011 11:02:09 PARTE III Práticas em contextos Inclusivos ACESSIBILIDADE NO CONTEXTO ESCOLAR 117 CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL DA INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA !CAPSI" DE OURO PRETO, MG: ATIVIDADES INTERSETORIAIS E INTERDISCIPLINARES, SAÚDE MENTAL, EDUCAÇÃO E FAMÍLIA 125 HANSENÍASE: UM OLHAR PSICOSSOCIAL AVALIAÇÃO DE ALUNOS NA SALA DE RECURSO MULTIFUNCIONAL: DISCUSSÕES EM TORNO DA !DIS” NORMALIDADE 133 143 ORIENTAÇÕES PEDAGÓGICAS NA EDUCAÇÃO DE ALUNOS COM TRANSTORNOS GLOBAIS DO DESENVOLVIMENTO NA REDE FEDERAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA 151 FORMAÇÃO DE PROFESSORES E O USO DE TECNOLOGIAS DE APOIO A COMUNICAÇÃO: EXPERIÊNCIAS EM ESCOLAS DA REGIÃO METROPOLITANA DE BELÉM 159 INCLUSÃO X EXCLUSÃO: A PRÁXIS EM UMA BRINQUEDOTECA PÚBLICA DE BELÉM 169 A COMPREENSÃO DA INCLUSÃO DO DEFICIENTE VISUAL NA REDE REGULAR DE ENSINO: UM ESTUDO SOB O OLHAR DE QUEM A VIVENCIA 177 RELAÇÃO TERAPEUTA PACIENTE: O PRINCIPAL OBJETIVO DO TERAPEUTA OCUPACIONAL “ RELATO DE UM CASO” 185 caminhos para inclusão.indd 12 23/8/2011 11:02:09 Caminhos da INCLUSÃO | caminhos para inclusão.indd 13 13 23/8/2011 11:02:09 caminhos para inclusão.indd 14 23/8/2011 11:02:09 FUNCIONALIDADE DOS SISTEMAS PARENTAIS DE MÃES SURDAS E OUVINTES E SEUS BEBÊS OUVINTES DURANTE O PRIMEIRO SEMESTRE 1 Marilice F. Garotti2, Karina S. Montenegro3, Raphaella D. L. de Albuquerque4 Universidade Federal do Pará INTRODUÇÃO Avanços recentes em pesquisas da Psicologia Transcultural e da Psicologia Evolucionária vêm documentando que as primeiras interações do bebê com seus cuidadores primários são adaptativas e podem afetar, de forma positiva ou negativa, seu desenvolvimento [1],[2]. Inter-relações entre estruturas físicas do ambiente, parâmetros populacionais e estruturas socioeconômicas criam orientações culturais com objetivos desenvolvimentais específicos, refletidos nas etnoteorias parentais [3]. Estas fazem referência a um conjunto de ideias a respeito da natureza e necessidades da criança, envolvendo tanto as metas de socialização, quanto as práticas partilhadas pela comunidade sobre a forma de alcançar essas metas [4]. Assim, diferentes práticas parentais ou estratégias de socialização podem ser identificadas não apenas em diferentes culturas, mas também dentro de uma mesma cultura. A literatura identifica dois principais modelos culturais relacionados a diferentes estratégias de socialização e a diferentes trajetórias de individualização (self) [5,6,7]. Os modelos de independência são observados em famílias urbanas de classe média de sociedades ocidentais, com educação formal entre média e alta. Geralmente, as estratégias parentais 1 Os dados deste trabalho foram coletados pela terceira autora para sua dissertação de mestrado, parcialmente financiada pela CAPES. 2 Docente orientadora do Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento, UFPA, [email protected]. 3 Terapeuta Ocupacional, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento, UFPA, [email protected]. 4 Psicóloga, Docente do Campus de Castanhal da Universidade Federal do Pará, [email protected] caminhos para inclusão.indd 15 23/8/2011 11:02:09 16 valorizam objetivos, necessidades e direitos individuais, enfatizando o desenvolvimento de indivíduos autônomos e independentes. Os modelos de interdependência podem ser observados em famílias rurais, com pouca instrução e educação formal. As estratégias parentais priorizam valores coletivos, obediência a regras e deveres, enfatizando o desenvolvimento de indivíduos sociocêntricos e relacionais. Um terceiro modelo, o autônomo-relacional, combina dimensões dos dois anteriores e é observado em famílias educadas de sociedades historicamente interdependentes. As estratégias de parentagem reforçam educação e competitividade em ambientes de trabalho (próprias do modelo independente), e proximidade e respeito à hierarquia e obrigações em outros ambientes [8]. Para compreender as variações culturais em estratégias de parentagem, Keller [7] propôs um modelo de investimento parental5 organizado em seis sistemas individualmente modulados pelos mecanismos interacionais de atenção, contingência e calorosidade. Os sistemas parentais cuidados primários, contato corporal, estimulação corporal, estimulação por objeto, contato face a face e envelope narrativo foram avaliados em diferentes culturas. Os resultados indicaram, para todos os ambientes culturais, que sistemas parentais e mecanismos interacionais ocorriam em diferentes frequências, expressando diferentes estilos parentais. Os sistemas face a face e estimulação por objeto (estilos parentais distais) estavam relacionados a trajetórias de socialização para independência. Os sistemas contato corporal e estimulação corporal (estilos parentais proximais) estavam associados a trajetórias de socialização para interdependência. 5 O sistema de cuidados primários visa atender às necessidades básicas do bebê e tem a função de reduzir estresse, mais do que eliciar estados comportamentais positivos ou compartilhar momentos agradáveis. Está associado ao desenvolvimento de segurança e confiança. O contato corporal consiste em favorecer posições em que o contato corporal é predominante, carregando o bebê junto ao corpo. Promove experiência de calor emocional e está associado à aceitação de normas e valores da geração anterior e preparação do indivíduo para uma vida baseada em hierarquia e harmonia na família e no grupo social primário. O sistema de estimulação corporal tem caráter diádico e envolve qualquer estimulação motora, cinestésica, tátil e/ou do equilíbrio do bebê. Sua função é estimular o desenvolvimento motor e a intensificação da percepção corporal, influenciando a descoberta da auto-eficácia corporal em relação a recursos do ambiente. O sistema de estimulação por objetos é identificado quando a mãe tenta atrair a atenção do bebê utilizando um objeto e/ou evento externo, sendo a interação é mediada por ele. Seu foco são processos atencionais extradiádicos, e está relacionado a atividades exploratórias, ligando o bebê ao mundo de objetos e ao ambiente físico em geral. Parece estimular o desenvolvimento cognitivo e a autonomia, promovendo o desengajamento parcial do bebê da dependência de relações iniciais. O sistema face a face é caracterizado pelo contato visual mútuo e uso frequente da linguagem. Sua função é promover proto-diálogos, oferecendo ao bebê a experiência de percepção contingente. Finalmente, o envelope narrativo consiste em toda a mediação simbólica em que o bebê é envolvido por meio da fala da mãe caminhos para inclusão.indd 16 23/8/2011 11:02:09 Caminhos da INCLUSÃO | 17 Assim, o modelo proposto acima fornece uma ferramenta teórico-metodológica que permite compreender o desenvolvimento humano como interface entre a biologia e cultura [9], na medida em que permite compreender como as interações iniciais entre cuidadores e seus bebês estabelecem bases para trajetórias ontogenéticas. Nesse sentido, o modelo também poderia ser utilizado em pesquisas relacionadas ao desenvolvimento de linguagem e comunicação, dado que seria possível separar, a partir das interações cuidador–bebê, os elementos culturais daqueles que realmente mereceriam atenção. Em Belém, estudos recentes identificaram, por meio de entrevistas e questionários, uma combinação de autonomia e sociocentrismo nas metas de socialização das mães [10,11]. Até o momento, nenhum estudo observacional focalizando os sistemas parentais foi conduzido em Belém, especialmente com díades caracterizadas pelo uso de distintos canais sensoriais em suas interações. Esse estudo teve como objetivos: a) identificar os sistemas parentais de duas díades mãe-bebê, sendo uma das mães surda, em situação de brincadeira livre; e b) identificar prováveis diferenças entre as díades com relação ao sistema parental priorizado em cada idade. As díades foram acompanhadas dos três aos seis meses de idade do bebê. Nosso grupo de pesquisa optou por díades de mães surdas e bebês ouvintes por apresentarem características que habilitam estudos longitudinais envolvendo componentes culturais e algumas características atípicas com relação ao desenvolvimento da linguagem e comunicação quando comparadas com díades que utilizam mesmos canais sensoriais (mãe ouvinte-bebê ouvinte, mãe surda-bebê surdo). Mães surdas que utilizam língua de sinais (Libras) podem pertencer à cultura surda (por opção), bem como à cultura ouvinte, por fazerem parte, geralmente, de famílias ouvintes [12]. Além disso, suas metas de socialização foram modeladas em contextos culturais mais amplos, de independência e/ou interdependência. Os bebês, por sua vez, podem ser bilíngues e bi-culturais, aos quais, no entanto, falta o estímulo auditivo durante as interações com a mãe. Alguns dados [13,14] indicam para essas díades, por exemplo, desempenhos mais pobres em compreensão durante a comunicação, bem como em trocas recíprocas (turn-taking) entre 12 e 18 meses, quando comparados a díades mãe surda-bebê surdo. caminhos para inclusão.indd 17 23/8/2011 11:02:09 18 MÉTODO Participantes Dois bebês, meninos, e suas mães, uma delas surda e outra ouvinte. Ambas eram primíparas. MS foi selecionada com a ajuda da ASTILP e MO foi selecionada por conveniência, para emparelhamento da idade do bebê, nível educacional e socioeconômico. A mãe surda (MS) tinha 36 anos, graduada, apresentava perda neuro-sensorial bilateral severa, diagnosticada aos dois anos, assim como o pai, 35 anos (diagnosticado aos cinco). Ambos eram fluentes em Libras, mas não a utilizavam com o bebê; utilizavam prótese auditiva, com oralização pouco fluente. Viviam na casa da avó materna, que participou de todas as observações. A mãe ouvinte (MO) tinha 34 anos e vivia com o pai da criança (27 anos) no mesmo terreno da casa da avó materna; ambos cursavam a faculdade. Categorias de observação Contato Corporal (CC). Computado quando contato corporal predominava sobre o não-contato corporal e incluia posições como segurar o bebê no colo, carregá-lo, sentado nas pernas. Estimulação Corporal (EC). Computado com a ocorrência de estimulação vestibular, motora, cinestésica e/ou tátil. Estimulação por Objeto (EO). Registrado quando a mãe tentava atrair a atenção do bebê com um objeto e este era tocado pela criança. Face a Face (FF). Registrado quando havia contato visual mútuo e trocas recíprocas (vocalizações, sorrisos) por pelo menos três segundos. O ângulo de posicionamento entre a face da mãe e a face e ombro do bebê era de 45º, no máximo. caminhos para inclusão.indd 18 23/8/2011 11:02:09 Caminhos da INCLUSÃO | 19 Procedimentos Após a aprovação pelo Comitê de Ética e a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido eram agendadas as entrevistas. As entrevistas foram realizadas em duas partes. Na primeira, as mães respondiam a um questionário sociodemográfico e preenchiam o Inventário de Comparação de Metas de Socialização; na segunda, era conduzida uma anamnese. Com MS as entrevistas eram realizadas junto com uma intérprete em Libras. Sessões de observação Eram marcadas com antecedência e conduzidas na casa das mães. Foram registradas em vídeo as interações das díades em situação de brincadeira livre. Nesta, pedia-se às mães que interagissem com sua criança como faziam normalmente, ‘tentando ignorar a presença da pesquisadora’. Amostra observacional O período analisado variou entre as idades, mas foi equiparado entre os participantes pelo de menor duração para uma dada idade. As sessões eram divididas em intervalos de 5 segundos para registro de frequência e duração das instâncias de CC, EC, EO e FF. RESULTADOS E DISCUSSÃO O índice de concordância entre observadores variou entre 83% (BC) e 100%. A Figura 1 indica a duração dos sistemas parentais para as duas díades participantes. Para cada díade (MS-BO, MO-BO) e idade (3, 4, 5, 6 meses) foi calculada a duração das instâncias de CC, EC, EO e FF observadas individualmente e em combinação. Os dados são apresentados como percentagem da duração total de cada sessão. caminhos para inclusão.indd 19 23/8/2011 11:02:10 20 Figura 1. Duração, plotada como percentagem do tempo total da sessão, de cada sistema parental (contato corporal [CC], estimulação corporal [EC], estimulação por objeto [EO] e face-to-face [FF] para as díades MS-BO (mãe surda-bebê ouvinte) e MO-BO (mãe ouvinte-bebê ouvinte), observado isoladamente ou de forma combinada entre os 3 e 6 meses dos bebês. Mãe surda-bebê ouvinte. Nem todos os sistemas parentais foram observados para essa díade. Estimulação por objeto, um estilo parental distal foi priorizado aos três (31,2%) e quatro (48,2%) meses, enquanto contato corporal (39,6%) seguido por estimulação corporal (29,8%) foram os sistemas priorizados aos cinco e seis meses, respectivamente. Essa mudança de estilo parental para proximal pode ser confirmada pela combinação CC-EC, que ocupou 44.7% do tempo da interação aos cinco meses, sugerindo um perfil cultural interdependente. Mãe ouvinte-bebê ouvinte. Todos os sistemas parentais foram observados para essa díade. Estimulação corporal foi priorizada aos três (32,5%) e, principalmente, aos quatro meses (79,4%), bem como combinações envolvendo contato corporal, estimulação corporal e face a face nessas mesmas idades (47,5% e 20,6% aos três e 4 meses, respectivamente). CC também foi priorizado aos cinco e seis meses, porém com menor duração (28,9% e 17, 4%, respectivamente), juntamente com a combinação CC-EC. Os estilos parentais proximais, priorizados desde os três meses para essa díade, sugerem um perfil cultural interdependente. caminhos para inclusão.indd 20 23/8/2011 11:02:10 Caminhos da INCLUSÃO | 21 Sistemas parentais e metas de socialização. A díade MS-BO, a partir do quarto mês, modificou sua estratégia parental de distal para proximal, enquanto a díade MO-BO manteve o mesmo estilo proximal. Assim, os sistemas parentais priorizados sugerem perfis interdependente para as duas mães. Por outro lado, as escolhas dessas mães feitas ao Inventário de Comparação de Metas de Socialização indicaram tanto metas dirigidas para o desenvolvimento de autonomia e independência, quanto dirigidas para o desenvolvimento de valores sociocêntricos, como obedecer aos mais velhos e priorizar a harmonia do grupo, sugerindo perfis autônomo-relacionais, como indicado por estudos anteriores [10,11]. No entanto, a escassez de participantes torna os dados inconclusivos. Variações nos estilos parentais. As mães utilizavam os mesmos sistemas parentais com diferentes objetivos. Contato corporal era utilizado por MS para reduzir o distress do bebê, enquanto MO o utilizava como meio para promover estimulação corporal e para colocar o bebê em contato com o mundo externo. As observações indicaram diferenças na frequência duração dos sistemas parentais para as duas díades como consequência de fatores contextuais da interação. De modo geral, todos os sistemas parentais mostraram características que permitem isolar elementos culturais de elementos que merecem atenção em episódios interativos. Contudo, definições do modelo original devem ser revistas para incluir características de mães surdas como, por exemplo, o contexto face a face, que deve considerar os gestos que sempre acompanham as vocalizações da mãe. Nesse estudo consideramos uma distância de até 50 cm. Outro ponto a ser considerado é a necessidade de observações longitudinais, pois, como observado para a díade MS-BO, os sistemas se alteram ao longo do tempo e alguns podem nem mesmo ser observados. REFERÊNCIAS [1] Belsky J, Bakermans-Kranenburg MJ, Van Ijzendoorn MH. For better and for woorse – Differential susceptibility to environmental influences. Current Directions in Psychological Science. 2007; 16(6): 300-4. [2] Keller H, Yovsi RD, Borke J, Kärtner J, Jensen H, Papaglioura Z. Developmental con- caminhos para inclusão.indd 21 23/8/2011 11:02:10 22 sequences of early parenting experiences: Self regulation and self recognition in three cultural communities. Child Development. 2004; 75:1745-60. [3] Keller H, Kuensemueller P, Abels M, Voelker S, Yovsi R et al. Parenting, Culture, and development: A comparative study. San Jose, CR: Instituto de Investigaciones Psicológicas; 2005. [4] Keller H, Borke J, Yovsi R, Lohaus A, Jensen H. Cultural orientations and historical changes as predictors of parenting behavior. International Journal of behavioral Development. 2005; 29:229-37. [5] Greenfield1 PM, Keller H, Fuligni H, Maynard A. Cultural pathways through universal development. Annu. Rev. Psychology. 2003; 54 : 461–90. [6] Keller H. Culture and development: Developmental pathways to individualism and interrelatedness. In: Lonner WJ, Dinnel DL, Hayes SA, Sattler DN, editors. Online Readings in Psychology and Culture (Unit 11, Chapter 1). Center for Cross-Cultural Research, Western Washington University, Bellingham, Washington USA; 2002. http://www.wwu. edu/culture. Acesso em: 31 jan. 2010. [7] Keller H. Cultures of infancy. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates; 2007. [8] Kagitcibasi C. Autonomy and relatedness in cultural context: Implications for self and family. Journal of Cross-Cultural Psychology. 2005; 36: 403-22. [9] Keller H. Development as the interface between biology and culture: a conceptualization of early ontogenetic experiences. In: Keller H, Poortinga YH, Schölmerich A (Orgs.), Between culture and biology: perspectives on ontogenetic development. Cambridge, Mass.: Cambridge University Press; 2002. p. 320-340. [10] Seidl de Moura ML, Lordelo E, Vieira ML, Piccinini CA, Magalhães CMC, Pontes FAR, Rímoli AO, Salomão NMR. Metas de socialização de mães de sete cidades brasileiras: uma análise de conteúdo. Cadernos de Resumos da X Semana Científica do Laboratório de Psicologia; 2007. p. 3-4. [11] Silva RA. Cognições parentais: crenças, metas e estratégias de socialização de mães primíparas. [Dissertação]. Belém (PA): Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento da Universidade Federal do Pará, 2008. [12] Singleton JL, Tittle MD. Deaf parents and their hearing children. Journal of Deaf Studies and Deaf Education. 2000; 5(3): 221-36. [13] Meadow-Orlans KP. Effects of mother and infant hearing status on interactions at twelve and eighteen months. Journal of Deaf Studies and Deaf Education. 1997; 2(1): 26-36. [14] Schiff NB, Ventry IM. Communication problems in hearing children of deaf parents. Journal of Speech and Hearing Disorders. 1976; XLI: 348-58. caminhos para inclusão.indd 22 23/8/2011 11:02:10 APRENDIZAGEM DE RELAÇÕES ORDINAIS EM CRIANÇAS SURDAS Ruth Daisy Capistrano Souza1 e Grauben José Alves de Assis2 INTRODUÇÃO Procedimentos de ensino voltados para o estabelecimento de habilidades acadêmicas básicas há muito tempo são uma preocupação de educadores e de pesquisadores, dentre os quais analistas do comportamento. Mais especificamente o ensino de habilidades matemáticas tem sido um desafio para estes profissionais. Assim, de acordo com Skinner [1], o ensino da Matemática implica colocar respostas verbais sob controle de diversos estímulos: “as respostas são todas verbais. Consistem em falar e escrever certas palavras, algarismos e sinais que, grosso modo, se referem aos números e operações da aritmética” (p.14). Portanto, resolver uma operação aritmética é um comportamento complexo que envolve, pelo menos, uma série de discriminações simples. Os operantes que o aluno emite durante a resolução de um problema aritmético são verbais. Por exemplo, em uma operação de adição envolvendo quantidades de objetos, a criança pode contar os objetos do conjunto que constitui a primeira parcela, contar os objetos do conjunto que constitui a segunda parcela, juntar os dois conjuntos e contar quantos objetos existem ao todo, chegando ao resultado da operação. O ensino de relações ordinais O termo ordenação vem sendo usado na literatura para designar um tipo de resposta sequencial na presença de um conjunto de estímulos apresentados simultaneamente [2], [3]. A emergência de relações ordinais é importante para a compreensão de sequências complexas como a 1 Ruth Daisy Capistrano Souza, docente das Faculdades Integradas Ipiranga/Universidade Estadual Vale do Acaraú; Profa. Especialista em Deficiência Auditiva da SEDUC-PA, [email protected] 2 Doutor em Psicologia Experimental pela USP. Professor Associado III da UFPA. Bolsista de Produtividade em Pesquisa pelo CNPq, [email protected] caminhos para inclusão.indd 23 23/8/2011 11:02:10 24 organização de frases e sentenças [4] ou uma rede de relações numéricas equivalentes [5]. A definição de classes ordinais baseia-se nas propriedades das relações de ordem. A proposta de Green et al. (1993) expande o paradigma de equivalência [6] para o estudo de relações entre estímulos em sequências e entre sequências ensinadas separadamente, com testes comportamentais que avaliam se tais relações apresentam as propriedades de uma relação ordinal (i.e: irreflexividade, assimetria, transitividade e conectividade). Green, Stromer e Mackay [7] definiram essas propriedades a partir da matemática: Irreflexividade é a propriedade segundo a qual um dado elemento da sequência não se segue a ele mesmo. Assim, não é possível a relação A1Æ A1. Assimetria se caracteriza por uma relação unidirecional, por exemplo, se A2 Æ A3 (lê-se A2 é seguido por A3), então A3Æ A2 (lê-se A3 é seguido por A2) não pode ser válida para a mesma sequência. Transitividade quando, por exemplo, A2Æ A3 e A3Æ A4, então A2 Æ A4. Conectividade prevê relações entre todos os pares de estímulos dentro de uma sequência e entre sequências ensinadas separadamente. Relações que exibem conectividade são necessárias (mas não são suficientes) para o arranjo de estímulos dentro de um conjunto. Por exemplo, se A1Æ A2ÆA3, então A1ÆA2, A1ÆA3, e A2ÆA3. A emergência de classes ordinais pressupõe que todos os estímulos sejam mutuamente substituíveis no controle de uma resposta e que qualquer propriedade controladora exercida por um membro da classe deva ser compartilhada por todos os outros membros da mesma classe. Portanto, a formação de classes ordinais, assim como na formação de classes de equivalência proposta por Sidman e Tailby [6], pressupõe relações arbitrárias entre estímulos. Nenhum estudo examinou o Paradigma de Equivalência em classes ordinais sob controle contextual, não havendo dados na literatura que evidencie esse fenômeno com crianças surdas. Dada a escassez de resultados experimentais com surdos, três estudos foram programados com o objetivo de verificar o controle do comportamento por relações ordinais com discriminação simples, sob controle condicional e contextual em crianças surdas. caminhos para inclusão.indd 24 23/8/2011 11:02:10 Caminhos da INCLUSÃO | 25 MÉTODO Participantes Participaram, no total, 9 alunos surdos de uma classe de alfabetização, com idade variando entre 6 e 8 anos, matriculados em uma Unidade de Ensino Especializada para surdos, com perda auditiva acima de 91 dB (surdez profunda), identificada a partir de exames com laudo emitido por médico otorrinolaringologista. Para o recrutamento dos participantes, realizou-se uma reunião com seus responsáveis, na qual foi explicitado o objetivo da pesquisa e fornecidos também esclarecimentos para que pudessem assinar com segurança, nos termos da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, aprovado pelo Comitê de Ética da UFPA, autorizando a participação de cada aluno no experimento. Nos experimentos, o ensino das tarefas foi realizado através da Comunicação Total e Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). Ambiente experimental O ambiente experimental foi uma sala de informática, localizada em uma Unidade de Ensino Especializada. Material e equipamento Nas etapas de treino e testes, apresentação dos estímulos, número de tentativas, número de posições de cada estímulo na tela, registro de respostas corretas e incorretas foi utilizado um software (REL 4.0 for Windows) especialmente construído para esta pesquisa. Estímulos Foram utilizados três conjuntos de estímulos: O conjunto “A”, formado por numerais em LIBRAS. O conjunto “B”, com quantidades correspondentes de figuras não representacionais e o conjunto “C”, formado pelo nome escrito dos números, todos nos valores de 1 a 5. A figura 1 apresenta os estímulos que foram usados. caminhos para inclusão.indd 25 23/8/2011 11:02:10 26 Figura 1. Conjunto de estímulos que foram utilizados nos três Experimentos. PROCEDIMENTO GERAL Ensino Experimentadora e o participante sentavam-se em frente ao microcomputador, e aquela mostrava a tela do computador e fornecia as instruções ao participante quanto aos procedimentos iniciais. Para a apresentação dos estímulos, houve a divisão da tela do computador em duas partes: “Área de Escolha” (parte inferior da tela), composta de 8 quadrados onde os estímulos foram apresentados de forma aleatória, e a “Área de Construção” (parte superior da tela do computador) que consistia na formação completa da sequência após o “tocar” no estímulo que se encontrava na “área de escolha”. Acima da “Área de Construção” havia uma janela, na qual o participante tocava e apareciam os estímulos de escolha. O participante deveria tocar em um estímulo e, em seguida, no outro. Ao tocar a figura, esta se deslocava da área de escolha para a “Área de Construção”. Caso o participante respondesse corretamente, uma animação gráfica era apresentada na tela por 2s e, paralelamente, sinais em LIBRAS – feitos pela experimentadora – indicavam o acerto. Caso a sequência fosse outra, havia o escurecimento da tela por 2s e a mesma configuração de estímulos era reapresentada na “Área de Escolha”. Para cada participante estava previsto o ensino de cada sequência três vezes consecutivas sem erro (critério de acerto) ou até dez vezes com caminhos para inclusão.indd 26 23/8/2011 11:02:10 Caminhos da INCLUSÃO | 27 erro. A diferença entre os experimentos 1, 2 e 3 consistia: no primeiro, o participante deveria tocar em uma janela com a palavra TOQUE e selecionar os estímulos na ordem crescente; no segundo, na presença de uma janela com a cor verde, o participante deveria selecionar os estímulos na ordem crescente e, na presença da janela com a cor vermelha, na ordem decrescente; no terceiro, na presença do círculo e da janela com a cor verde, o participante deveria selecionar os estímulos na ordem crescente, na presença do círculo e da janela com a cor vermelha, na ordem decrescente, na presença do triângulo e da janela com a cor verde, o participante deveria selecionar os estímulos na ordem decrescente e, na presença do triângulo e da janela com a cor vermelha, na ordem crescente. Sonda Na fase de sonda, os mesmos pares de estímulos do ensino eram apresentados, mas não havia consequências para acerto ou erro. As diferenças entre os experimentos nos parâmetros utilizados na ordenação de estímulos foram os mesmos do ensino. Teste de transitividade Nestes testes, eram apresentados pares de estímulos não adjacentes, por exemplo, A1 e A3. Não havia consequência para acerto ou erro. As diferenças entre os experimentos nos parâmetros utilizados na ordenação de estímulos foram os mesmos do ensino. Revisão da linha de base As revisões de linha de base eram realizadas sempre com dois conjuntos de estímulos, antes de cada teste de conectividade envolvendo estes conjuntos de estímulos. Portanto, foram realizadas duas revisões de linha de base: com os estímulos dos conjuntos “A” e “B” e, posteriormente, com os estímulos dos conjuntos “B” e “C”. As diferenças entre os experimentos nos parâmetros utilizados na ordenação de estímulos foram os mesmos do ensino. Teste de conectividade Nesse teste, os estímulos dos dois conjuntos “A” e “B”; “B” e “C” caminhos para inclusão.indd 27 23/8/2011 11:02:10 28 eram apresentados na “área de escolha”, randomizados, por exemplo, A1ÆB2 e o participante deveria selecioná-los na ordem de acordo com a contingência programada. Não havia consequência para acertos ou erro. As diferenças entre os experimentos nos parâmetros utilizados na ordenação de estímulos foram os mesmos do ensino. RESULTADOS E DISCUSSÃO No experimento 1, o ensino por sobreposição, pelo menos em algumas tentativas, os participantes precisaram ser expostos mais de uma vez para que pudessem atingir o critério de acerto de três respostas consecutivas sem erro. Os participantes responderam prontamente na maioria das tentativas dos testes de transitividade e conectividade (Figura 2). Os dados corroboram o estudo de Stromer e Mackay [8], que considera as relações derivadas do procedimento de ensino por sobreposição de estímulos como relações verdadeiramente transitivas. Figura 2. Porcentagem de acerto dos participantes do experimento 1 nos testes No experimento 2, na fase de ensino, foi observado melhor desempenho dos participantes na presença da “cor verde”, que foi a ordem ensinada por primeiro, o que confirma os resultados de Lopes e Agostini [9] sobre as dificuldades apresentadas na aprendizagem de relações ordinais quando há reversão das funções dos estímulos. Nos testes de transitividade, os participantes demonstraram responder consistente com a linha de base, corroborando os resultados obtidos por [10] (Figura 3). caminhos para inclusão.indd 28 23/8/2011 11:02:11 Caminhos da INCLUSÃO | 29 Figura 3. Porcentagem de acerto dos participantes do experimento 2 nos testes. No experimento 3, tanto no ensino sob controle contextual “círculo” quanto do “triângulo”, todos os participantes atingiram o critério de acerto, embora tenham sido reexpostos em algumas tentativas. Nas tentativas com a cor vermelha, em que os estímulos deveriam ser selecionados na ordem “decrescente” diante do estímulo contextual “círculo”, a maioria dos participantes obteve mais acertos. Nos testes, apesar da variabilidade comportamental em algumas tentativas, apresentadas por alguns participantes, houve emergência de relações ordinais. Os participantes demonstraram a emergência de relações transitivas ao responderem aos pares de estímulos não adjacentes, permitindo a verificação de relações não ensinadas diretamente, corroborando os resultados obtidos por Holcomb, Stromer e Mackay [10] (Figura 4). Figura 4. Porcentagem de acerto dos participantes do experimento3 nos testes. CONSIDERAÇÕES FINAIS Nos três experimentos, a produção de novos desempenhos ordinais sem qualquer treino adicional, por sobreposição de estímulos sob caminhos para inclusão.indd 29 23/8/2011 11:02:11 30 controle discriminativo simples, condicional e contextual, foi consistente com o ensino apresentado na linha de base. Uma característica comum nos resultados dos três experimentos refere-se à emergência gradual de relações ordinais. Nos experimentos aqui relatados, houve emergência de relações entre estímulos funcionalmente equivalentes entre diferentes sequências de estímulos, sob controle condicional, inferindo-se as propriedades de transitividade e conectividade, sugerindo a formação de relações ordinais em que os estímulos ocupavam a mesma posição em diferentes sequências. Esses dados mostram o pioneirismo da pesquisa e a importância da utilização do procedimento de ensino por sobreposição de estímulos na emergência de relações ordinais com pares de estímulos não adjacentes, sob controle condicional, em crianças com surdez. REFERÊNCIAS [1] Skinner BF. Tecnologia do ensino. AZZI R. Tradutor. São Paulo: EPU; 1972. [2] Assis GJA. Comportamento de ordenação: uma análise experimental de algumas variáveis. Psic.: Teor. e Pesq. 1987; 3: 197-302. [3] Assis GJA, Costa LCA. Emergência de relações ordinais em crianças. Inter. em Psic. 2004; 8 (2): 199-216. [4] Ribeiro MPL, Assis GJA, Enumo SRF. Comportamento matemático: Relações ordinais e inferência transitiva em pré-escolares. Psic.: Teor. e Pesq. 2007; 23: 25-32. [5] Carmo JS. Comportamento conceitual numérico: um modelo de rede de relações equivalentes. [Tese de Doutorado], Educação. Universidade Federal de São Carlos, 2002. [6] Sidman M, Tailby W. 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Madeira Sanchez1, Amauri Gouveia Junior2 INTRODUÇÃO No diagnóstico de transtornos mentais e clínica psicológica diferentemente das outras áreas da medicina que se utiliza de exames laboratoriais e métodos de imagens, seu diagnóstico é clínico, no qual o pesquisador ou o clínico estabelecem os limites entre o estado de normalidade e de doença mental. Na prática diagnóstica estes profissionais se diferem, o pesquisador utiliza-se comumente de avaliações padronizadas como entrevistas estruturadas ou escalas e o clínico baseia-se na sua experiência profissional e impressão pessoal [1]. As escalas de avaliação são instrumentos padronizados de avaliação quantitativa, para fornecer medidas acuradas, reprodutivas e relevantes [1]. Elas servem para medir e caracterizar a depressão, traduzindo o fenômeno clínico em informações objetivas e quantitativas, essas informações das escalas de avaliação podem ser usadas para auxiliar o diagnóstico, documentar o estado clínico do deprimido em um determinado momento [2]. Esses instrumentos de avaliação em psiquiatria no Brasil não são válidos e padronizados para avaliação de população com necessidades educacionais especiais, dificultando o diagnóstico [3]. Esta realidade também ocorre com a surdez, na qual existe uma dificuldade para o diagnóstico dessa população devido à falta de instrumento adaptado para a avaliação. Independente da forma de classificação, um fato inerente a surdez é a impossibilidade de detecção da fala humana, total ou parcialmente, e este é o maior impacto na vida do indivíduo surdo, pois interfere na interação social e na principal forma de acesso ao conhecimento, que é a interação verbal [4]. Ao considerar a importância dos processos comunicativos nas interações sociais, no processo de avaliação é fundamental a compreensão 1 Doutoranda em Teoria e Pesquisa do Comportamento (UFPA); 2 Doutor, professor do Curso de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento (UFPA). caminhos para inclusão.indd 31 23/8/2011 11:02:11 32 do instrumento de avaliação e de comunicação. Os surdos poderão ter dificuldades de compreensão nas interações verbais e no português escrito dos instrumentos padronizados, e isto poderá acarretar barreiras em seu processo de diagnóstico e de reabilitação. Devido esta dificuldade de comunicação, os testes não verbais são incluídos na avaliação, porém não assegura o desempenho da criança, o surdo precisa compreender exatamente as instruções da tarefa para conseguir realizá-la [5]. Ao avaliar a população de surdos deve-se considerar sua forma de comunicação bilíngue, ou seja, a criança surda adquire duas línguas: a primeira é a língua de sinais, que permitirá a criança aprender a segunda língua que será a língua oficial do seu país e poderá ser na modalidade escrita ou oral [6]. Assim o Bilinguismo pode ser dividido em duas abordagens: 1) Bilinguismo: língua de sinais e língua oral; e 2) Bilinguismo: língua de sinais e língua escrita. Ambas, no entanto, consideram a importância da língua de sinais para o desenvolvimento da criança surda [7]. Na abordagem língua de sinais e língua oral, o acesso à língua de sinais ocorre naturalmente através da interação comunicativa da criança surda com o adulto surdo. A língua oral é aprendida como segunda língua junto a um adulto ouvinte [8]. Na abordagem bilinguismo - língua de sinais e língua escrita é proposto que a escola torne acessível, ao aluno surdo, as duas línguas, e os conteúdos devem ser trabalhados em língua de sinais e a língua portuguesa ensinada em momento específicos da aula [9]. Uma proposta bilíngue para surdos necessita da utilização de uma língua de sinais própria da comunidade surda. No Brasil, esta se denomina LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais), pois os sinais que designam as propriedades linguísticas variam de cultura para cultura [9]. A LIBRAS é considerada uma língua por possuir estrutura e gramática própria, considerando o conceito de língua como um conjunto de convenções necessárias adotadas por uma comunidade [10]. A diferença da língua de sinais da língua oral é que sua modalidade é espaço-visual, ou seja, o uso dessa língua se dá através da visão e da utilização dos movimentos no espaço. Os sinais são formados pela interação de movimentos das mãos com suas formas e dos pontos no espaço ou no corpo onde estes movimentos são feitos [9]. Portanto os instrumentos de avaliação para serem adaptados para caminhos para inclusão.indd 32 23/8/2011 11:02:11 Caminhos da INCLUSÃO | 33 essa população de surdos devem ser em língua de sinais oficial do país. Na década de 80, surgiram os primeiros estudos para adaptações dos instrumentos psicométricos para Língua Americana de Sinais (ASL). O Teste Stroop Color e o Teste de Palavras foram adaptados para ASL por Wolff e Radecke[11], para investigar as respostas em ASL do Stroop padrão em um grupo de surdos adultos. Os testes foram aplicados em vinte surdos e vinte e nove adultos fluentes em língua de sinais, que respondiam o teste uma vez usando sinais e outra usando a linguagem. Para os sujeitos ouvintes as respostas em sinais eram significamente mais lentas que as verbais em ambas as condições palavra e cor, mas não na condição cor-palavra. Estes resultados demonstram que as respostas do Stroop em sinais não são dadas tão rapidamente como no verbal, portanto, as normas padrão desenvolvidas para a amostra ouvinte são inapropriadas para sujeitos surdos. Não foram encontradas diferenças significativas quando comparado a média em sinais para surdos e ouvintes. O Stroop pode ser um instrumento usado com surdos adultos para respostas em ASL. Bullis e Reiman[12] realizaram um estudo para desenvolver as propriedades psicométricas do Transition Competence Battery (TCB) para adolescentes e adultos surdos. Foi desenvolvida uma versão em vídeo dos trinta itens do teste em Língua Americana de Sinais (ASL). O TCB foi o primeiro teste de bateria padronizado e desenvolvido especificamente para população de surdos. Participaram da padronização do TCB aproximadamente 230 sujeitos, com idades entre 18 e 19 anos e de diferentes estados dos Estados Unidos. A confiança dos dados era minuciosamente analisada e os itens analisados pelo programa de Statistical Package para Ciências Sociais. O TCB demonstrou satisfatória propriedade psicométrica inicial. O Minnesota Multiphasic Personality Inventory (MMPI) foi traduzido em vídeo para Língua Americana de Sinais, por Brauer[13]. O inventário é composto por trinta e oito itens, cada item era traduzido para língua de sinais e mostrado no monitor com o número no canto esquerdo, e o sujeito tinha 10 segundos para gravar sua resposta no papel. Em um vídeo, os itens eram mostrados na sequência original do MMPI traduzido para ASL. No outro vídeo os itens eram mostrados de forma aleatória. O propósito do segundo vídeo era controlar os efeitos da memória durante o estudo. O sujeito respondia um vídeo e depois de um intervalo de trinta minutos respondia o outro, a ordem era aleatória, mas todos os sujeitos caminhos para inclusão.indd 33 23/8/2011 11:02:11 34 responderam os dois vídeos. Conclui-se que os resultados demonstraram um sub-escore útil e prático para futuros estudos de testes traduzidos para língua de sinais. Para traduções futuras incluem a necessidade de um refinamento da tradução e o uso de nativos da língua de sinais com treino apropriado em Psicologia. Brauer[14] deu continuidade em seu trabalho de traduzir o MMPI, com o objetivo de determinar a equivalência linguística do inventário em Língua Americana de Sinais para o uso deste teste psicológico com população de surdos. Foi utilizada a técnica de reteste bilingual, na qual ambas as formas do instrumento eram aplicadas em vinte e oito sujeitos surdos bilíngues (ASL- inglês). Os resultados do estudo demonstraram que os itens do MMPI traduzido apresentavam equivalência ao do MMPI padrão. Pollard e Rediess[15], desenvolveram e validaram um teste de memória e aprendizado verbal (fundamentado em língua de sinais) para surdos, o Signed Associates Test (SPAT), que tem a estrutura e administração análoga ao da Escala de Memória do Wechsler. O teste foi aplicado em uma amostra de trinta e oito surdos adultos, que se denominou de amostra saudável (sem déficit cognitivo), e em uma amostra clínica de trinta e cinco surdos com suspeita de déficit cognitivo. O SPAT mostrou-se útil como um teste de aprendizagem verbal e memória para usuários da língua de sinais e evidente validade na detecção de déficit cognitivo verbal nesta população. O Youth Self-Report (YSR), foi traduzido para Língua Australiana de Sinais (Auslan) em formato de CD interativo, com objetivo de desenvolver um instrumento válido para avaliar distúrbios psiquiátricos em surdos usuários da língua de sinais. Foram avaliados com o instrumento adaptado cinquenta e três surdos com idades entre onze e dezoito anos. Para analise estatística dos dados foi usado Crobach`s e no reteste o Pearso`s r.Os resultados eram comparados com os dados publicados pela American da amostra normativa de ouvinte.Concluiu-se que a versão do YSR em língua de sinais é fidedigno, fácil de preencher por adolescentes surdos, mais adequado e mais fidedigno na avaliação de distúrbios psiquiátricos que o questionário escrito padrão [16]. Kvam, Loeb e Tambs[17], pesquisaram a situação da saúde mental entre surdos, comparando com uma amostra controle de ouvinte. Para avaliação utilizaram uma versão reduzida do Hopkins Symptom Checklist e um questionário com dados pessoais traduzido para a Língua de Sinais Norueguesa. Os resultados revelaram que as respostas dos surdos caminhos para inclusão.indd 34 23/8/2011 11:02:11 Caminhos da INCLUSÃO | 35 mostraram significamente mais sintomas de problemas de saúde mental comparado com as respostas dos ouvintes. Conclui-se que é necessário dar uma maior atenção a saúde mental de adultos e crianças surdas. Pollard, Rediess e Dematteo[18], desenvolveram o Prose Recall Test Using Storie (SPAT) que era composto de duas histórias em Língua Americana de Sinais para avaliar memória, baseadas no sub-teste de memória da Escala Wechsler. Participaram do estudo quarenta e um surdos fluentes em ASL, e nos resultados eram usados o coeficiente de correlação inter-classe como medida de confiança entre-média para o escore de memória imediata e retrógada no Train Story and Kidnap Story. Concluíram que os escores dos resultados foram fidedignos e que na amostra de surdos indicaram que o SPAT funciona de maneira similar ao sub-teste verbal do Weschsler. Munro e Rodwel[19], examinaram a validade, a confiança e a aceitabilidade da versão em Língua Australiana de Sinais (Auslan) do Outcome Rating Scale (ORS-Auslan), que é uma medida de funcionamento geral. A ORS-Auslan foi aplicada em quarenta e quatro surdos que tinham a Auslan como primeira língua e eram membros da comunidade de surdos (amostra clínica) e cinquenta e cinco surdos da comunidade geral (amostra da comunidade). Também foi aplicado em ambas as amostras a versão em Auslan da Depression Anxiety StressScale-21(DASS-21). Os resultados indicaram uma diferença significativa entre a média dos escores entre a amostra clínica e da comunidade. A aceitabilidade do ORS-Auslan era evidente comparando sua média total de 93% com a do DASS-Auslan de 63%. Concluíram que o ORS-Auslan é a única medida de avaliação em Auslan que pode ser usada amplamente na saúde mental e na clínica. Este instrumento é uma medida de funcionamento geral fidedigna e válida que pode distinguir significamente entre clínica e não clínica os membros da comunidade de surdos. No Brasil, a adaptação de instrumentos para Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) é escassa, Sanchez e Gouveia[20], adaptaram a Escala Analógica de Humor para LIBRAS e realizaram um estudo com quinze surdos, (Grupo Experimental) e quinze ouvintes (Grupo Controle). Nos surdos foi aplicada a escala adaptada e, nos ouvintes, a escala padrão, e os escores foram comparados. Não houve diferenças significativas entre os grupos, concluiu-se que a escala adaptada é equivalente à escala padrão para medir ansiedade na amostra estudada. Este trabalho demonstrou a importância da possibilidade de se adaptar escalas e teste para surdos, que muitas caminhos para inclusão.indd 35 23/8/2011 11:02:11 36 vezes têm suas avaliações e diagnósticos prejudicados pela falta de material adequado. Tabela 1: Apresenta os dados dos instrumentos adaptados para população de surdos resumidamente. Autor Evans Ano Teste Adaptação Resultados 1980 Wisc comparado com Matrizes Progressivas Não foram realizadas adaptações Wisc mostrou-se fidedigno, mas não em crianças menores Stroop Color As respostas eram em sinal, verbal ou pressionando um botão Foram encontradas diferenças nas respostas entre surdos e ouvintes dadas em sinal e verbal, mas não ao apertar o botão de resposta. Simplificação linguística das frases Apresentou fidedignidade comparada com a original Simplificação linguística dos itens Apresentou fidedignidade comparada com a original Bourg 1980 Harman e Austin 1985 Robins e Leigh Wolf, Radecke, Kammerer e Gardner 1988 Escala de auto-avaliação Tennessee Inventário de Depressão de Beck 1989 Stroop Color e o Teste de Palavras Respostas em Língua Americana de Sinais O Stroop pode ser usado com surdos adultos para respostas em sinais Bullis e Reiman 1992 Transition Competence Battery Versão em vídeo em Língua Americana de Sinais Demonstrou satisfatória propriedade psicométrica inicial. Brauer 1992 Versão em vídeo em Língua Americana de Sinais Sub-escore útil e prático para futuras pesquisas Brauer 1993 Versão em vídeo em Língua Americana de Sinais Os resultados do instrumento traduzido são equivalente ao padrão 2005 Signed Associates Test (SPAT) Desenvolveram o teste em ASL baseados no teste de memória do Wechsler Valido na detecção de déficit cognitivo em surdo 2005 Youth Self-Report (YSR) Um CD interativo em Língua Australiana de Sinais Fidedigno e de fácil preenchimento para adolescente surdo 2006 Hopkins Symptom Checklist Um a versão reduzida em Língua Norueguesa de Sinais Surdos apresentam mais sintomas de distúrbio de saúde mental Rediess e Matteo Cornes; Rohan; Napier e Rey Kvam, Loeb e Tambs caminhos para inclusão.indd 36 Minnesota Multiphasic Personality Inventory Minnesota Multiphasic Personality Inventory 23/8/2011 11:02:11 Caminhos da INCLUSÃO | Pollard, Matteo e Lentz 2007 Prose Recall Test Using Storie (SPAT) Muro e Rodwell 2009 Outcome Rating Scale (ORS-Auslan) Desenvolveram um teste de história em ASL baseado no Wechsler Língua Australiana de Sinais Sanchez e Gouveia 2007 Escala Analógica de Humor Língua Brasileira de Sinais 37 O teste mostrou fidedigno Instrumento de medida do funcionamento geral fidedigno A escala adaptada é equivalente a padrão para medir ansiedade CONCLUSÃO Pode-se observar na Tabela 1 que a preocupação com a avaliação psicológica do surdo concentra-se no século XX, inicia-se na década de 60, porém os instrumentos adaptados para língua de sinais surgiram na década de 80. As escalas de avaliação do surdo são adaptadas para vários fatores psicométricos, como para medida da depressão, ansiedade e inteligência. No entanto, tais adaptações, em geral, não são feitas para a língua de sinais. As avaliações psicológicas baseadas em instrumentos de avaliação não adaptados para língua de sinais são frequentemente inválidas quando usadas na população de surdos [21]. O uso destes testes não adaptados contribui para interpretação errada dos escores, e, em muitos casos, subestima-se o funcionamento intelectual do surdo [22]. Portanto, a importância do uso de instrumentos de avaliação e diagnóstico psicológicos é indiscutível e a necessidade de adaptação destes instrumentos é de interesse científico. A possibilidade de adaptação pode tornar as pesquisas nesta área reaplicáveis e propiciar um diagnóstico mais fidedigno no trabalho prático do psicólogo que atende surdos. REFERÊNCIA [1] Jorge MR, Custódio O. Utilidade das escalas de avaliação para clínicos e pesquisadores. Revista de Psiquiatria Clínica 26(1)Edição Especial, 1998. [2] Moreno AR, Moreno DH. Escalas de depressão de Montgomery & Asberg (MADRS) e de Hamilton (HAM-D). Revista de Psiquiatria Clínica25(5), 240-4, Edição Especial, 1998. [3] Nascimento E, Flores-Mendonça CE. WISC-III e WAIS-III na avaliação da inteligência de cegos. Psicologia em Estudo, Maringá, 12, 3. Dez/2007. caminhos para inclusão.indd 37 23/8/2011 11:02:12 38 [4]Fernandes SF. Práticas de letramento na educação bilingue para surdos. Curitiba: SEED; 2006 [5]Youniss J. Psychological Evaluation of the Deaf Child: Observations of a Researcher. The Eye, Ear, Nose and Throat Monthly, 46,458-61,1967 [6] Goldfeld M. A criança surda: linguagem e cognição numa perspectiva sócio-interacionista. São Paulo: Plexos Editora LTDA; 1997. [7] Goldfeld M. O desenvolvimento da criança surda sob o enfoque sócio-interacionista. Dissertação de mestrado, Departamento de Psicologia da PUC-RJ, 1996. [8] Ruschel MAM. Discursos atuais sobre a surdez: II Encontro a propósito de fazer, do saber e do ser na infância. Organizado por Rosi |Isabel Bergamaschi , Ricardo Vianna Martins, 15-28, La Salle, Canoas, 1999 [9] Quadros RM. Educação de Surdos. Porto Alegre: Editora Artes Médicas Sul LTDA; 1997. [10] Saussure F. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix; 1987. [11] Wolff AB, Radecke DD. Adaptation of the Stroop Color and Word Test for Use with Deaf Adults. The Clinical Neuropsychologist, 3, 369-74, 1989. [12] Bullis M, Reiman J. Development and Preliminary Psychometric Properties of the Transition Competence Battery for Deaf Adolescents and Young Adults. Exeptional Children, 59, p.12-26, 1992. [13] Brauer BA. The signer effect on MMPI performance of deaf respondents.Journal of Personality Assessment, 58, 380-88, 1992. [14] Brauer BA. Adequacy of a Translation of the MMPI into American Sing Language for Use with Deaf Individuals: Linguistic Equivalency Issues, 38, 247-59, 1993. [15]Pollard RQJR, Rediess S. Development and Validation of the Signed Paired Associates Test. Reabilitation Psychology,50,258-65,2005. [16] Cornes A, Rohan MJ, Napier J, Rey JM. Reading the signs: impact of signed versus written questionnaires on the prevalence of psychopathology among deaf adolescents. Australian and New Zealand Journal of Psychiatry, 40, 665-73, 2006. [17] Kvam MH, Loeb M, Tambs K. Mental Health in Deaf Adults: Symptoms of Anxiety and Depression among Hearing and Deaf Individuals. Journal of Deaf Studies and Deaf Education, 12, 1-7, 2006. [18] Pollard RQJR, Rediess SE, Dematteo A. Development and Validation of the Signed Paired Associates Test. Reabilitation Psychology,50, 258-65, 2005. [19] Munro L, Rodwel J. Validation of an Australian sing language instrument f outcome measurement for adults in mental health setting. Australian and New Zealand Journal of Psychiatry, 43, 332-39, 2009. [20] Sanchez CNM, Gouveia GJR. Adaptação da EAH para população de surdos falantes de LIBRAS. Revista de Terapia Comportamental e Cognitiva, X, 2, Belo Horizonte, 2008. [21]Pollard RQ. Ethical conduct in research involving deaf people. In: Gutman VA (Ed.). Ethics in mental health and deafness,162-78.Washington, DC: Gallaudet University Press; 2002. [22]Wills KE. Test Reviews. Jounal of Pediatric Psychology, 10(2), 251-55,1985. caminhos para inclusão.indd 38 23/8/2011 11:02:12 O USO DO CONTO E RECONTO DE HISTÓRIAS NA INSERÇÃO DE SÍMBOLOS GRÁFICOS: AMPLIANDO A COMUNICAÇÃO DE UM INDIVÍDUO COM PARALISIA CEREBRAL Ana Irene Alves de Oliveira1, Rafael Luiz Morais da Silva2, Sayuri Fernandes Toda³ INTRODUÇÃO A paralisia cerebral abrange uma série de transtornos de etiologia neurológica. Os diferentes casos podem apresentar diferenças importantes quanto ao tipo de alteração motora, assim como em seu grau de comprometimento. A sintomatologia é bastante variável, podendo ocorrer desde impossibilidade de caminhada autônoma e sustentação de cabeça a uma ligeira inabilidade no andar, o que pode passar despercebido por um leigo. Tal diversidade quanto ao comprometimento motor geral também pode ocorrer na linguagem, ou seja, pode haver fala adequada e fluente, ocorrer prejuízos na comunicação de uma maneira global (compreensão e expressão) ou específica (expressão) e, dessa forma, a paralisia cerebral destaca-se como uma das disfunções neurológicas que mais necessita de recursos de tecnologia assistiva [1]. Muitas vezes as sequelas da Paralisia Cerebral são agravadas pelas dificuldades que esses indivíduos apresentam em explorar o meio e em se comunicar com o mundo externo. Não raro são considerados deficientes mentais por não conseguirem se expressar e nem interagir funcionalmente, além de ficarem limitados ou impedidos de realizar suas atividades mais básicas – as Atividades de Vida Diária (AVDs) –, tais como se vestir, comer, brincar, e comunicar-se, já que são, na grande maioria dos 1 Terapeuta Ocupacional, doutora em Teoria e Pesquisa do Comportamento, docente da UEPA e coordenadora do NEDETA; 2 Terapeuta Ocupacional e Professor da Universidade do Estado do Pará, Mestre em Teoria e Pesquisa do Comportamento (UFPA); 3 Acadêmica do 7º semestre do curso de graduação em Terapia Ocupacional da UEPA e estagiária do NEDETA. caminhos para inclusão.indd 39 23/8/2011 11:02:12 40 casos, incapazes de articular a fala ou de segurar um lápis para aprender a escrever, comprometendo o processo de aprendizagem e de alfabetização. Apesar desses comprometimentos, demonstram interesse em interagir com o mundo e se comunicar com as pessoas [2]. A comunicação é uma necessidade do ser humano e uma exigência social. É através dela que os homens estabelecem as relações sociais e tornam-se capazes de expressar seus desejos, sentimentos, necessidades. A criança com dificuldade de comunicação terá problemas para desenvolver suas interações sociais desde as primeiras fases da vida, pelo fato de não conseguir produzir gestos e sons, os quais são requisitos fundamentais para as funções comunicativas socialmente usuais [3]. Para auxiliar o desenvolvimento cognitivo dessas crianças, podemos fazer uso da comunicação alternativa para compensar, temporária ou permanentemente, as dificuldades de pessoas com desordens severas de comunicação expressiva oral ou escrita. O objetivo é permitir e/ou facilitar a participação dos usuários nos mais variados contextos comunicativos (interação social; situação educacional ou de trabalho; lazer), desenvolvendo ou favorecendo sua habilidade para interagir e se comunicar, possibilitando que os usuários expressem seus desejos e necessidades, facilitando o desenvolvimento de conceitos, da linguagem oral e/ou escrita, e facilitando ainda a inclusão de crianças com deficiências na escola regular [4]. Pelosi [5] faz a seguinte descrição sobre os recursos para comunicação: A comunicação Alternativa e Suplementar é uma área da prática clínica que tem como objetivo compensar temporariamente ou permanentemente a incapacidade ou deficiência do indivíduo com desordem severa de comunicação expressiva oral ou escrita. Para o desenvolvimento de comunicação alternativa e suplementar são utilizados os sistemas de comunicação habitualmente empregados pelas pessoas sem dificuldades comunicativas, como os gestos manuais e as expressões faciais. Além disso, pode-se dispor de sistemas criados ou adaptados especialmente com finalidade educativa ou terapêutica, como a língua de sinais, as pranchas de alfabeto ou símbolos pictográficos, os comunicadores, até sistemas sofisticados de computador com voz sintetizada [6]. caminhos para inclusão.indd 40 23/8/2011 11:02:12 Caminhos da INCLUSÃO | 41 É importante levar em consideração se o recurso utilizado realmente atende as necessidades comunicativas do usuário, ou seja, se possibilita uma comunicação funcional e favorece o estabelecimento das relações sociais. Caso o recurso não esteja sendo funcional é necessário identificar se isso ocorre por dificuldade da criança ou por fatores externos (inadequação do recurso, não aceitação por parte das outras pessoas, dente outros). A funcionalidade da comunicação é o principal objetivo para a utilização dos sistemas de comunicação alternativa e/ou suplementar. Entretanto, é necessário investigar até que ponto este recurso realmente atende as necessidades comunicativas desse indivíduo [3]. Por isso, antes de introduzir um dos recursos de comunicação alternativa disponíveis, é necessário avaliar alguns aspectos quanto às características funcionais do recurso como: a aceitação do recurso pelo usuário (o usuário mostra-se familiarizado com o recurso, independente da situação de uso), aceitação do recurso pelos parceiros comunicativos (as pessoas com quem convive conseguem manter um diálogo utilizando o recurso), inteligibilidade do recurso pelo usuário (O recurso é de fácil compreensão por parte do usuário), inteligibilidade do recurso pelos parceiros comunicativos (o recurso pode ser compreendido por qualquer pessoa, mesmo que não conviva rotineiramente com o usuário), amplitude representacional (atende a capacidade comunicativa sem limitá-la; possibilita ampliar o vocabulário inserindo novos símbolos ou palavras), se os itens estão de acordo com as habilidades cognitivas do usuário (os símbolos utilizados estão de acordo com os conceitos já adquiridos pelo usuário ou de acordo com suas possibilidades de aprendizado), e se possibilita diálogos em diferentes contextos (o usuário consegue interagir com as pessoas em todos os ambientes que frequenta). Além disso, ainda avalia-se também se o recurso favorece as habilidades sociais necessárias para a utilização do recurso como: expressividade emocional (consegue expressar suas emoções através do recurso), civilidade (é capaz de atender as regras de inserção social de diferentes contextos), assertividade (consegue expressar suas vontades através do recurso), capacidade de fazer amizades (consegue iniciar e manter diálogos com outras pessoas). E aspectos como custo, material, transporte, tamanho etc. Na experiência aqui relatada o recurso escolhido foi a prancha de comunicação por melhor se encaixar nos aspectos relacionados acima, caminhos para inclusão.indd 41 23/8/2011 11:02:12 42 de acordo com várias avaliações, e por ser um material de baixo custo, de fácil fabricação, fácil transporte e flexível às necessidades e potencialidades de cada criança e aos diferentes contextos em que o indivíduo está inserido, por exemplo: prancha de comunicação que contenha informações que a criança utilizará na escola, prancha para atividade de passeio, para contar histórias e músicas infantis, etc. As pranchas são dispositivos simples que consistem em superfícies sobre as quais são disponibilizados os símbolos gráficos. Essas pranchas levam em consideração as possibilidades e as dificuldades cognitivas, visuais e motoras de cada usuário e abrangem a interpretação dos sentidos compreendidos pelo interlocutor [7]. Diante desta abrangência abre-se um leque de estratégias para a montagem das pranchas (Figura 1), conforme cada contexto. Assim, podem-se ter pranchas de comunicação de rotinas, de histórias, de atividades escolares, para passeio, entre outras. A decisão do modo como será organizada a prancha deve privilegiar a funcionalidade e a estética. A família e a escola devem ser orientadas, já que com este recurso a criança expressa suas vontades, necessidades, e torna-se questionadora, situação que modifica a rotina, pois a criança deixa de ser um mero receptor de informações para ser ativo nesse processo [7]. Entretanto, antes de introduzir qualquer recurso, é necessário realizar diversos treinos em etapas até que se alcance o objetivo final. Passando pela avaliação da criança, em que são identificados o “sim” e o “não” da criança, sua compreensão quanto às relações de causa e efeito, o que ela faz quando não é compreendida, sua rotina e interesse, sua comunicação com a família, meio social e físico em que vive, escola, expectativas, se faz uso de outros recursos, se realiza escolhas, quais as formas de comunicação, questões visuais, aspectos motores, entre outros. Só depois de passado cuidadosamente por estas etapas é que se vai escolher um recurso e verificar se este se adéqua aos aspectos relacionados acima. Com a escolha do recurso, inicia-se o processo de motivação da criança para a aceitação deste, apresentando o de forma natural, fazendo-o funcionar como linguagem e não como comportamento treinado. No caso de escolha de uma prancha de comunicação, trabalha-se primeiramente com o reconhecimento de símbolos, pessoas e atividades de seu cotidiano, e busca-se uma forma interessante de introduzi-los aos caminhos para inclusão.indd 42 23/8/2011 11:02:12 Caminhos da INCLUSÃO | 43 atendimentos de modo a torná-los lúdicos, a fim de despertar o interesse do paciente. Nesta perspectiva são então definidas algumas estratégias primordiais para um bom desempenho do processo. No caso em questão, essa estratégia foi a contação de história através dos símbolos. Deste modo foi possível exercitar também a compreensão e interpretação das histórias, viabilizando o reconte. OBJETIVO O presente trabalho tem o objetivo de relatar experiências no atendimento de um usuário com paralisia cerebral na implementação da comunicação alternativa, utilizando como estratégia a narração de histórias, adaptada por simbologia pictográfica. MÉTODO Desenvolveu-se um estudo de caso descritivo. Eram realizados dois atendimentos semanais, com duração de 1 hora, no período de maio de 2007 a junho de 2009 no Núcleo de Desenvolvimento em Tecnologia Assistiva e Acessibilidade (NEDETA). Durante as sessões, eram utilizados recursos de baixo e alto custo, tais como cartelas de comunicação, acionadores artesanais, aplicativos de Power Point, programas especiais como “Intellipics” e o software “Desenvolve”, a fim de introduzir o uso de pranchas de comunicação alternativa como recurso para o desenvolvimento da comunicação. RELATO DE CASO R.A.C.S, 25 anos, sexo masculino, tem diagnóstico de paralisia cerebral do tipo quadriparesia espástica. Nasceu por parto cesárea, a termo, apresentou icterícia. O pai relata erro médico, pois a criança não recebeu fototerapia ou nenhum outro tipo de assistência após nascer ictérico. A mãe era fumante R. A.C.S é o 3º filho, mora com os pais, dois irmãos, as respectivas cunhadas e três sobrinhos recebe assistência no NEDETA desde maio de 2007. caminhos para inclusão.indd 43 23/8/2011 11:02:12 44 No enfoque cognitivo, objetivou-se, para este paciente, construir um álbum de comunicação. Desta forma, buscou-se primeiramente estimular as discriminações e identificações das figuras, objetos e conceitos do cotidiano. Durante as sessões foram utilizados os seguintes recursos: Livro digital¹ de reconhecimento de frutas; Livro digital¹ de frutas e animais; Livro digital¹ de partes do corpo; Cartelas impressas de esquema corporal e peças do vestuário; Livro digital¹ dos números 1 a 10; Cartelas para o reconhecimento das vogais maiúsculas e minúsculas; Conversa com o paciente a fim de explicar sobre o objetivo de construir a prancha; Consoante “B” e suas junções com as vogais formando as sílabas. Com o auxílio de cartelas de comunicação e um livro digital¹ construído especialmente para este paciente, foram apresentados ao paciente alguns símbolos que poderiam compor sua prancha de comunicação, dentre eles alguns verbos: Ir para casa; Comer; Beber; Dormir; Assistir TV; Ir ao banheiro; Escovar os dentes; Vestir-se. Alguns objetos e lugares: Cartelas; Computador; NEDETA. E algumas pessoas de seu cotidiano: Eu (Rodrigo); Pai (Natalino); Mãe; Irmão 1 (Danilo); Irmão 2 (Eduardo); Cunhada 1 (Kelly); Cunhada 2 (Lucila); Sobrinho 1 (Daniel); Sobrinho 2 (Danielly); Sobrinho 3 (Carlinhos); Amanda; Larissa; Sayuri; Solange; Thalita (Estagiárias do NEDETA). Formou-se um total de 34 símbolos, divididos em categorias da seguinte forma: 9 verbos, 3 objetos ou lugares, e 15 pessoas. Em seguida, o pai introduziu mais 7 símbolos de uso no ambiente domiciliar para a comunicação com a família. Os símbolos eram: “lanche”, “atenção”, “carinho”, água”, “escovar os dentes”, “xixi”, “cocô” e “banho”. Após a introdução desses símbolos e da certeza de sua assimilação, o paciente passou para o estágio de reconte de histórias para verificar sua compreensão, interpretação, capacidade de escolha e reprodução da ideia. Foram contadas ao paciente 4 histórias, que totalizaram um total de mais 28 símbolos, divididos em categorias da seguinte forma: 5 pessoas; 2 verbos; 5 animais; 4 meios de transporte; 3 cores; 4 comidas; 5 objetos. A metodologia do reconte de histórias se dava dessa forma: inicialmente, antes de contar a história, todas as figuras eram apresentadas uma a uma a R, que se esforçava para visualizar cada uma. Ao contar a história pela primeira vez, a estagiária apresentava a figura correspondente. caminhos para inclusão.indd 44 23/8/2011 11:02:12 Caminhos da INCLUSÃO | 45 História 1: “Essa é a história de um rei (mostra a figura do rei). Este rei tinha muito dinheiro (mostra a figura do dinheiro). Um dia o rei subiu em uma torre (mostra a figura da torre). De cima da torre, o rei que tinha muito dinheiro, viu um leão (mostra a figura do leão)!” Na próxima etapa, procedia-se da seguinte forma: A estagiária perguntava: “Essa é a história de quem?” e mostrava a figura de um soldado, de um pintor e de um rei, simultaneamente, R pegou a figura do rei. Na segunda parte, a estagiária dizia: “Este rei tem muito... o que este rei tem muito, R?” e mostrava as figuras de dinheiro, de frutas e outra de óculos. R pegava a figura do dinheiro. Na terceira etapa, a estagiária dizia: “Onde o rei subiu?” e mostrava a figura da escada e da torre, R escolhia a torre. E por último perguntava o que o rei havia visto do alto da torre, sendo selecionada a figura do leão. Em seguida, R deveria lhe contar duas vezes a mesma história através das figuras. E ele contou corretamente nas duas vezes. O paciente demonstrava estar super feliz com a nova proposta e com o fato de recontar uma história. Em seguida, foi proposto ao paciente que contasse a história a mais alguém e, diante da resposta afirmativa, foi chamado outro terapeuta ocupacional a quem R contou a história corretamente. Desta forma, perceberam-se as capacidades de compreensão, interpretação, reprodução de história e expressão do paciente, oferecendo-lhe mais uma forma de comunicação e expressão de si. CONSIDERAÇÕES FINAIS O reconte de histórias é uma estratégia lúdica que desperta o interesse de indivíduos com dificuldade de expressar suas vontades e necessidades. Ao dar-se conta de que pode reproduzir ideias de forma que possa ser compreendido pelas outras pessoas, o indivíduo com limitações em sua comunicação sente-se estimulado a expressar então suas próprias ideias. Desta forma lúdica, a assimilação de símbolos torna-se muito mais fácil, pois se consegue a colaboração e motivação do cliente neste processo. Foi observada a aquisição de conceitos referentes a conteúdos de alguns símbolos como alimentos, números, animais, algumas letras do alfabeto (vogais e consoantes), cores, partes do corpo, esquema corporal, peças do vestuário, verbos e pessoas. caminhos para inclusão.indd 45 23/8/2011 11:02:12 46 R.A.C.S, após passar por este processo, com apenas 4 histórias, aumentou seu vocabulário de 34 para 69 símbolos de diferentes categorias, sendo que 7 deles foram graças à parceria da família com o terapeuta ocupacional. Antes de qualquer intervenção, é importante realizar conversas abertas com o cliente, apresentando-lhe a proposta do que se pretende trabalhar com ele, com quais objetivos e na expectativa de quais resultados, percebendo então se a proposta é de seu interesse. Outro aspectos muito importante a ser considerado é a comunicação direta com a família, que também deve ser o tempo todo informada e consultada quanto a estas estratégias de trabalho. Essa postura que permite que se estabeleça uma parceria, na qual todos têm muito a ganhar. REFERÊNCIAS [1] Sanclemente M. Problemas de linguagem na paralisia cerebral. In: Sanclemente M.; Argueles P, Almirrall C, Métayer M. A fonoaudiologia na paralisia cerebral. São Paulo: Santos Editora; 2001. [2] Alves de Oliveira AI. Pesquisa em desenvolvimento infantil. Belém: Conhecimento & Ciência; 2008. [3] Souza IS, Alves de Oliveira AI. Proposta de protocolo de observação das relações sociais de crianças usuárias de recursos de comunicação suplementar e/ou alternativa. Belém: Editora da Universidade do Estado do Pará; 2008. [4] American Speech-Language-Hearing Association. Competencies for speech-language pathologists providing services in argumentative communication. Asha31; 1989. p. 107-110. [5] Pelosi MB. Comunicação alternativa e suplementar. In: Cavalcanti A, Galvão C. Terapia Ocupacional: fundamentação e prática. Rio de janeiro: Guanabara Koogan; 2007. p. 462-486. [6] Glennen SL. Introduction to argumentative and alternative communication. In: Glennen SL & Decoste DC, organizadores. Handbook of augumentative and alternative communication. San Diego: Singular Publishing Group Inc; 1997. p. 3-20. [7] Alves de Oliveira AI; Garotti MF, Lourenço JMQ. Tecnologia Assistiva: pesquisa e prática. Belém: EDUEPA; 2008. caminhos para inclusão.indd 46 23/8/2011 11:02:13 ERA UMA VEZ...: AS NARRATIVAS INFANTIS COMO RECURSO DE ESTIMULAÇÃO COGNITIVA DE UMA CRIANÇA COM SÍNDROME DE DOWN Marcilene Alves Pinheiro1, Luana Xavier de Sena2, Ana Irene Alves de Oliveira3, Rafael Luiz Morais da Silva4 INTRODUÇÃO A Síndrome de Down (SD) é uma alteração genética, não herdada, na qual o indivíduo apresenta três cópias do cromossomo5 21 ao invés de duas, como normalmente ocorre [1]. Essa síndrome é a forma mais frequente de retardo mental [2], e apresenta uma grande variedade de sinais disgenéticos presentes na face e mãos [3]. Além do fator genético supracitado, durante os últimos 30 anos estudiosos investigam possíveis causas para essa alteração cromossômica, como: a exposição ao raio X; o uso de certas drogas; problemas hormonais ou imunológicos, espermatocidas, infecções virais específicas e a idade avançada da genitora ( a média é de quatro vezes mais chances)[4]. O erro na divisão meiótica é responsável por uma série de alterações no desenvolvimento físico, cognitivo, de linguagem e comportamental no indivíduo com SD6. Esse indivíduo também pode apresentar: cardiopatia congênita, hipotonia, problemas de audição, de visão, alterações na coluna cervical, distúrbios da tireóide, problemas neurológicos, obesidade e envelhecimento precoce [5, 4]. 1 Acadêmica do 5º ano do curso de graduação em Terapia Ocupacional da UEPA e estagiária do NEDETA. 2 Acadêmica do 5º ano do curso de graduação em Terapia Ocupacional da UEPA; 3 Terapeuta ocupacional, doutora em Teoria e Pesquisa do Comportamento e coordenadora no Núcleo de Desenvolvimento em Tecnologia Assistiva e Acessibilidade; 4 Terapeuta ocupacional e Professor da Universidade do Estado do Pará, Mestre em Teoria e Pesquisa do Comportamento (UFPA); 5 Os cromossomos são minúsculas estruturas em forma de barras que portam os genes; estão contidos no núcleo de cada célula e só podem ser identificados durante uma certa fase da divisão celular(PUESCHEL, 2007, p.54). 6 Ratifica-se que embora a criança com SD tenha características físicas específicas, elas podem apresentar mais semelhanças do que diferenças com a população em geral, porém, tais características são fundamentais para o diagnóstico médico e nem sempre estarão presentes em sua totalidade, isto é, algumas crianças podem apresentar muitas dessas, enquanto outras quase não as apresentam (BEE, 2003). caminhos para inclusão.indd 47 23/8/2011 11:02:13 48 No que concerne às habilidades cognitivas, os indivíduos com SD “não são desprovidos de inteligência, mas têm apenas uma inteligência mal-estruturada” [6]. A maioria das crianças com a síndrome apresenta retardo mental na faixa entre leve a moderado, algumas tem função intelectual limítrofe ou na faixa média-baixa, e poucas apresentam deficiência mental severa [5, 4]. As crianças com SD apresentam boa memória, desenvolvem mais rapidamente a memória visual do que a auditiva; a função mental pensamento (generalização, discriminação e abstração) se encontra diminuída em diferentes níveis, contudo, a grande maioria consegue manejar a abstração de conceitos perceptivos mais simples (forma, cor, tamanho e posição) e, posteriormente, mais complexos simbólicos e gráficos (números e letras) [6]. Quanto às especificidades da função mental pensamento, nota-se dificuldades no processo de generalização em decorrência do comportamento dispersivo, muitas vezes apresentado por essas crianças; a discriminação é um processo subsequente à generalização, pois, após conseguir generalizar, conseguirá assimilar o conceito de igual e diferente; e, na abstração, inicialmente apresentará dificuldades em obter as partes de um todo, porém não impedirão a aquisição do processo de leitura e escrita quando bem estimuladas. As alterações no desenvolvimento da criança com SD provocam a organização de uma nova estrutura biopsicossocial, favorecendo a criação de um novo ser que se torna único. Assim, o desenvolvimento dessa criança não dependerá apenas daquela atividade mais global, mas ainda estará relacionada a um ambiente harmonioso [1]. Então, como qualquer outra criança, a criança a com SD estará apta a aprender ao nascer. Entretanto, segue um desenvolvimento peculiar, com ritmos e sequências próprios (desenvolver habilidades motoras grossas para em seguida desenvolver as habilidades motoras finas). Contudo, mesmo diante de suas limitações, a criança com SD passa a explorar o meio que a cerca, caminho básico para o seu desenvolvimento cognitivo [7]. O desenvolvimento da aprendizagem, a partir da construção de ações e de conhecimento, como premissa da organização e formação de “esquemas de ação ou cognitivos” constitui-se em conhecimento [8]. Assim, a ação e percepção sobre o mundo acontecerão apenas a partir da caminhos para inclusão.indd 48 23/8/2011 11:02:13 Caminhos da INCLUSÃO | 49 dimensão dos esquemas de ação que a criança já possui, que, de forma gradativa, se ampliam e se transformam [9]. Por outro lado, ao considerar o desenvolvimento como algo construído pelo ambiente social, temos a aprendizagem como resultado da ação do sujeito no meio e sua capacidade de interagir e adaptar-se ao objeto do conhecimento [10]. Desta forma, a aprendizagem será vista como condutora ao desenvolvimento, e deve ser orientada para os níveis de desenvolvimento que ainda não foram atingidos, isto é, para a zona de desenvolvimento proximal. Dentre os recursos que podem ser utilizados para promover a aprendizagem da criança com déficits cognitivos, destaca-se a narrativa infantil. O ato de contar histórias faz parte do ser humano, ultrapassa as fronteiras da literatura e atinge a vida real [12]. A literatura infantil tem como peculiaridades a transformação do ato de ler ou de ouvir uma história em um ato de aprendizagem, pois, para ele, uma mensagem sempre é transmitida entre um locutor (emissor) e um destinatário-criança (receptor) [13]. Dentre as histórias infantis, o gênero ‘conto de fadas’ ganha destaque. Este gênero se sobressai dos demais por dois motivos: primeiro, os contos de fadas adotam um enredo de estrutura binária7 típica do processo de categorização – esperança e desesperança, bem e mal, inteligência e estupidez etc – que viabiliza a aprendizagem ao facilitar a identificação, a discriminação e a classificação de objetos do mundo. E ainda apresentam as ideias dispostas conforme a sequência de início, meio e fim, e desta forma auxilia na aquisição da noção de “sequência dos eventos, o encadeamento de ações, os saberes de que a criança dispõe, assinalando o fio da história” [12]. Na compreensão da relação criança com SD e ambiente, as atividades propostas a essa criança devem estar baseadas em suas necessidades e interesses, pois, assim, estará ávida para explorar, experimentar, questionar e exibir suas habilidades [11]. Daí a importância de um ambiente com materiais que possam ser explorados ao máximo e que também sejam propulsores de novas experiências, proporcionando então o desenvolvimento integral desta criança. 7 O sistema binário, que prevalece nas narrativas, possibilita classificar um ser como voador ou não, noturno ou diurno, com descrições minuciosas, o que também se aplica às crianças, porque a mente infantil também usa tal sistema para a compreensão do mundo [12]. caminhos para inclusão.indd 49 23/8/2011 11:02:13 50 Diante disso, temos a narrativa infantil como um rico instrumento para catalisar o processo de aprendizagem da criança com SD, pois “a narrativa está presente na conversação, no contar e recontar histórias, na expressão gestual e plástica, na brincadeira e nas ações que resultam da integração das várias linguagens, dando sentido ao mundo e tornando essencial sua inclusão no cotidiano infantil” [12]. OBJETIVO Analisar as possibilidades de utilização das narrativas infantis enquanto recurso terapêutico ocupacional na estimulação cognitiva de uma criança com Síndrome de Down. Percurso metodológico Este estudo tem na abordagem qualitativa seu principal horizonte de análise. Dessa forma, foi utilizada a pesquisa do tipo estudo de caso, pois se entende que cada sujeito revela formas particulares de interação com os diversos fenômenos que lhe são apresentados. O referido estudo foi realizado no Núcleo de Desenvolvimento em Tecnologia Assistiva e Acessibilidade (NEDETA), onde foi selecionada uma criança com síndrome de Down que, por questões éticas, foi denominada de Branca de Neve. Os instrumentos de coleta de dados foram a ficha de avaliação do desenvolvimento infantil, o questionário socioeconômico, o software Desenvolve®, as narrativas infantis (Os três porquinhos, O príncipe sapo e A Branca de Neve e os sete anões) e as atividades terapêuticas, com enfoque lúdico e cognitivo. Foram realizados cerca de 12 atendimentos semanais, com duração de aproximadamente 60 minutos, no período de abril a junho de 2010, no NEDETA. As principais etapas da pesquisa de campo foram: 1) avaliação do desenvolvimento infantil e aplicação do questionário socioeconômico; 2) avaliação cognitiva com o software Desenvolve®; 3) apresentação da narrativa infantil e de atividades terapêuticas de acordo com o enredo da narrativa infantil proposta; 4)reavaliação com software Desenvolve®. caminhos para inclusão.indd 50 23/8/2011 11:02:13 Caminhos da INCLUSÃO | 51 Relato do caso Branca de Neve, 11 anos, sexo feminino, tem como diagnóstico clínico Síndrome de Down. De acordo com a avaliação do desenvolvimento infantil, sua genitora apresentou gestação normal, a termo, sem intercorrências, apesar da gravidez ter sido considerada de risco em virtude da idade da mãe (42 anos). A criança possui uma irmã mais velha que não apresenta a mesma patologia. Atualmente reside em uma casa com boas condições em companhia de sua mãe, sua irmã, suas tias e seus primos. Iniciou tratamento com os serviços de terapia ocupacional, fisioterapia e fonoaudiologia ainda no primeiro ano de vida, e apresenta como características de desempenho ocupacional: estabilidade de aspectos motores; apresenta déficit visual significativo, mas, faz uso de óculos; alterações em aspectos cognitivos; frequenta escola regular, onde apresenta bom rendimento, além de realizar atividades de lazer, como balé e natação. Em avaliação cognitiva com o software Desenvolve®, Branca de Neve apresentou um score total de 96 acertos de um universo de 127 telas, obtendo um rendimento de 75,59%. A partir deste resultado, estruturou-se o plano de tratamento terapêutico ocupacional que atendesse às suas habilidades cognitivas deficitárias apontadas pelo software (identificação de ações, noção de tempo, percepção espaço temporal, noção de sequência numérica e identificação de fatos pela sequência de ações) por meio de três narrativas infantis do gênero conto de fadas, e de atividades ludo-terápicas que seguiam o enredo das histórias. As histórias eram narradas para Branca de Neve, uma por sessão, até que ela demonstrasse ter compreendido (recontar os fatos e/ou identificar as personagens, as ações entre outras características do conto – figura 1). Para todas as histórias, foram utilizados livros infantis contendo imagens da ação e um breve texto sobre a mesma. Branca de Neve ouvia as histórias atentamente e, sempre que um conto chegava ao fim, gostava de manusear o livro e recontar a narrativa livremente, isto é, recontava as histórias identificando seus momentos (início, meio e fim) e as ações que ocorriam neles. caminhos para inclusão.indd 51 23/8/2011 11:02:13 52 Figura1. Apresentação da narrativa à criança Em seguida, eram realizadas as atividades terapêuticas consoantes às características do enredo da história do dia. Nelas, Branca de Neve associava personagens da história as suas respectivas ações, ordenar as sequências de ações em início, meio e fim, contar os objetos que a história apresentava, entre outras (figuras 2 e 3). Figura 2. Realização de atividade terapêutica caminhos para inclusão.indd 52 23/8/2011 11:02:13 Caminhos da INCLUSÃO | 53 Figura 3. Atividade terapêutica /reconto da narrativa Após a reavaliação cognitiva com o mesmo software, pode-se observar que o score total de Branca de Neve atingiu 104 acertos, o que equivale a um rendimento de 81,88%, obtendo evolução significativa nas habilidades estimuladas do quadro abaixo: Quadro1: Score do software desenvolve®, das habilidades cognitivas priorizadas no tratamento antes e depois da utilização de narrativas infantis Pontuação da Pontuação da Habilidade cognitiva deficitária avaliação reavaliação Percepção espaço temporal Noção de sequência numérica Identificação de fatos pela sequência de ações acertos 33,3% 66,6% 50% 100% 66,6% 100% DISCUSSÃO Este estudo oportunizou a aplicação de um recurso de baixo custo, mas muito rico de informações que é a narrativa infantil, pois nela estavam retidas informações não apenas sobre as personagens, mas de ele- caminhos para inclusão.indd 53 23/8/2011 11:02:14 54 mentos essenciais para a formação dos “esquemas cognitivos” e da relação do leitor/criança com o ambiente, ambos fundamentais para uma estimulação cognitiva eficaz, catalisadora do processo de aprendizagem. Tal processo é considerado complexo, principalmente para crianças com desenvolvimento atípico como os casos de SD expostos neste estudo, pois são crianças que apresentam certa lentidão para compreensão, identificação, discriminação e classificação de objetos do mundo que, por sua vez, são elementos básicos para a efetuação da aprendizagem. Entretanto, por meio das narrativas infantis, estimulou-se não apenas esses elementos, mas o ato de contar e recontar histórias, de realizar atividades ludo-terápicas semelhantes as do contexto escolar. Logo, a atividade também auxiliou na inclusão escolar das crianças estimuladas, pois o contato e manuseio direto com os livros despertaram o interesse pelo ato de estudar. Assim, percebeu-se que apresentar novas possibilidades às crianças com SD permite que estas alcancem algumas habilidades e possam desenvolver as suas potencialidades, minimizando, assim, as limitações provenientes da patologia, além de favorecer a inclusão social e a qualidade de vida. CONSIDERAÇÕES FINAIS Através deste estudo desenvolvido no NEDETA, percebeu-se o potencial que a criança com SD apresenta, desmistificando a falta de inteligência e impossibilidade de aprendizagem, mesmo considerando os déficits cognitivos que apresentam em virtude da lentidão para compreensão, aquisição e manutenção de habilidades, daí a importância de atividades graduais e repetitivas, como ocorre com as narrativas infantis. Observou-se ainda que dispomos atualmente de diversos recursos para estimulação cognitiva de crianças com SD, mas que podemos também lançar mão de objetos cotidianos como as narrativas infantis, que podem ser até mais acessíveis e prazerosos para a criança, uma vez que propõem a estimulação de maneira lúdica, gradual, repetitiva, mas não cansativa e nem desinteressante, sendo muito eficaz na promoção da aprendizagem, da inclusão social e da qualidade de vida dessas crianças. caminhos para inclusão.indd 54 23/8/2011 11:02:14 Caminhos da INCLUSÃO | 55 REFERÊNCIAS [1] Bee H. A Criança em Desenvolvimento. Tradução de Maria Adriana Veríssimo Veronese. 9ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2003. [2] Puyuelo M, RONDAL JA. Manual de desenvolvimento e alterações da linguagem na criança e no adulto. Porto Alegre: Artmed; 2007. [3] Assencio-Ferreira VJ. O que Todo Professor Precisa Saber Sobre Neurologia. Coleção Inclusão Escolar – Capacitação para o Ensino Desafiador. São José dos Campos: Pulso; 2005. [4] Pueschel S (Org.). Síndrome de Down: guia para pais e educadores. 2ª ed. São Paulo: Papirus; 2007. [5] Cooley WC, Graham JM. Down syndrome: An update and review for the primary pediatriacian. Clin Pediat 1991;30:233-53. In: MOREIRA, Lília MA; EL-HANIB, Charbel N; GUSMÃO, Fábio AF. A síndrome de Down e sua patogênese: considerações sobre o determinismo genético. Rev Bras Psiquiatr 2000;22(2):96-9. Acesso em: 29 de maio de 2010. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbp/v22n2/a11v22n2.pdf. [6] Werneck C. Muito Prazer, Eu Existo – um livro sobre as pessoas com Síndrome de Down. 3ª ed. São Paulo: WVA; 1993, p 162. [7] Zaumer E. Habilidades motoras finas e o brincar: um caminho para a aprendizagem cognitiva. In: PUESCHEL S (Org.). Síndrome de Down: guia para pais e educadores. 2ª ed. São Paulo: Papirus; 2007, p149-158. [8] Piaget J. O nascimento da inteligência na criança. 4ª ed. Rio de Janeiro: Zahar; 1982. [9] Carvalho AV; SALLES F, GUIMARÃES MB. (Orgs.). Desenvolvimento e aprendizagem. Belo Horizonte: UFMG; 2006. [10] Vigotsky, L.S. Vigotsky: aprendizado e desenvolvimento – um processo sócio-histórico. São Paulo: Artmed; 2006. [11] Ferreira, CAM et al. Psicomotricidade Clínica. São Paulo: Lovise; 2003. [12] Kishimoto TM. Narrativas infantis: um estudo de caso em uma instituição infantil. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.33, n.3, p. 427-444, set./dez. 2007. [13] Coelho NN. Literatura Infantil: teoria, análise e didática. 6ª ed. São Paulo: Ática; 1997. caminhos para inclusão.indd 55 23/8/2011 11:02:14 caminhos para inclusão.indd 56 23/8/2011 11:02:14 Caminhos da INCLUSÃO | caminhos para inclusão.indd 57 57 23/8/2011 11:02:14 caminhos para inclusão.indd 58 23/8/2011 11:02:14 O USO DE TECNOLOGIA ASSISTIVA PARA FAVORECER A APRENDIZAGEM DA PESSOA COM SURDOCEGUEIRA E DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA Dalva Rosa Watanabe, Lília Giacomini, Marcia Maurilio Souza, Sandra Regina Stanziani Higino Mesquita, Shirley Rodrigues Maia e Vula Maria Ikonomidis INTRODUÇÃO O programa de reabilitação do Centro de Recursos da Ahimsa Associação Educacional para Múltipla Deficiência e do Grupo Brasil de Apoio ao Surdocego e ao Múltiplo Deficiente Sensorial, vem recebendo desde 2004 pessoas jovens, adultos e de terceira idade com síndrome de usher1, que necessitam aprender uma nova forma de comunicação para continuar participando e recebendo informações dos familiares, dos programas educacionais e culturais, do ambiente de trabalho e da comunidade em geral aos quais pertenciam e/ou participavam. O planejamento de intervenção é organizado para cada pessoa, levando em consideração seus resíduos visuais e auditivos, suas habilidades motoras e experiências vivenciadas. O uso da tecnologia assistiva foi introduzido para ampliar os meios de comunicação das pessoas com surdocegueira. Para este relato foram selecionadas a maxi lupa, equipamento que promove ampliação de imagem em preto e branco e colorido, utilizado para leitura de textos, livros, músicas e etc; a lupa eletrônica, equipamento de ampliação de imagem que é acoplada a uma televisão em preto e branco, utilizado para leitura de textos e as placas alfabéticas, uma placa confeccionada em madeira com o alfabeto em letras maiúscula e em relevo, com sua correspondência no sistema Braille, e a outra placa alfabética em papel com o alfabeto impresso em fonte ampliada e com sua correspondência no sistema Braille. 1 Condição genética autossômica recessiva, que apresenta retinose pigmentar e perda auditiva de severa a moderada. (Grupo Brasil 2003) [01]. caminhos para inclusão.indd 59 23/8/2011 11:02:14 60 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Terminologia - Surdocegueira como condição única A visão e a audição são dois sentidos muito importantes. Ambos os sentidos são vitais para a aprendizagem, para comunicar-se adequadamente, para movimentar-se com confiança e para aproveitar a companhia de outras pessoas. Em geral, a perda de algum desses sentidos pode ser compensada, de certa forma, utilizando o outro sentido do modo mais eficaz possível. Por exemplo: as pessoas surdas podem usar a visão para comunicar-se através da leitura dos lábios ou utilizar a língua de sinais, e as pessoas cegas podem usar a audição para realizar tarefas que para a maioria das pessoas implicam o uso da visão como, por exemplo, usufruir de uma partida de futebol escutando a narração em áudio. E a pessoa com surdocegueira, por não ter a visão e a audição em condições ideais, receberá as interpretações desses dois sentidos comprometidos, muitas vezes, de forma distorcida. Os sentidos remanescentes o ajudarão a perceber e reconhecer o mundo ao seu redor, mas não lhes darão possibilidades de compensação de suas perdas sensoriais. [02] Surdocegueira adquirida Segundo a Deafblind International [03], São pessoas cegas que desenvolvem uma deficiência auditiva depois do desenvolvimento da linguagem; as pessoas que já tinham uma deficiência auditiva/ surdez e já tem a estruturação de sua linguagem por meio de Libras e que, com o tempo, sofrem uma perda da visão; e, as pessoas que podiam ver e ouvir normalmente, mas que, por alguma razão, como um acidente ou velhice, sofreram uma diminuição considerável da visão e da audição. Linguagem É afirmado por Viñas [04] que: Toda linguagem pressupõe a existência de sinais, independente de qual seja a sua modalidade perceptiva concreta (nas línguas faladas que seriam as caminhos para inclusão.indd 60 23/8/2011 11:02:14 Caminhos da INCLUSÃO | 61 palavras), a linguagem, qualquer linguagem pelo fato de estar composta por gestos/sinais/símbolos, pressupõe certa capacidade para estabelecer correlações entre significantes e significados (entre o objeto e sua representação), e não deve nunca ser entendida simplesmente como a soma dos sinais individuais que a compõem, mas sim, como a combinação sistematizada de acordo com regras compartilhadas com os interlocutores eficazes nessa linguagem. A aquisição e o desenvolvimento da linguagem ou, se preferir, a aquisição e desenvolvimento de um código ou sistema de sinais, está ligado à comunicação e a interação social, a expressão das emoções, o conhecimento da realidade, a conduta voluntária e a capacidade de representação. Sendo assim, devemos considerar que a linguagem é um sistema complexo de símbolos que atua como mediador e instrumento que favorece a interação com os nossos semelhantes nas diferentes áreas de atividade (afetiva, cognitiva, social, etc.), e que a sistematização da comunicação, para se converter em linguagem é mais eficaz quanto mais a pessoa for exposta a situações de interações sociais interessantes e na medida em que essas situações se desenvolvam enriquecidas. Esse processo já é geralmente estabelecido pelas pessoas com surdocegueira adquirida, de acordo com as experiências que passaram e pela aquisição de diferentes sistemas de comunicação. Entendemos que comunicação envolve: forma, função, conteúdo, ter um companheiro (parceiro) para comunicação e o ambiente físico. No seu processo de reabilitação para manter a linguagem, o surdocego terá que aprender um novo sistema de comunicação. Esses sistemas podem ter formas táteis, como Libras tátil, alfabeto manual tátil e outros, para se manter informado e interagindo com outras pessoas. Reyes [02] afirma: A comunicação é a chave da inserção social das pessoas com surdocegueira no ambiente social e cultural no qual vivem. Por essa razão, tudo o que estiver relacionado com a comunicação é objeto do maior interesse, tanto por parte dos profissionais, como caminhos para inclusão.indd 61 23/8/2011 11:02:15 62 das próprias pessoas surdocegas, na busca de sistemas de comunicação mais rápidos e eficazes. Tecnologia Assistiva O comitê de Ajudas Técnicas da Secretaria Nacional de Direitos das Pessoas com Deficiência [05] (SNDPD), definiu Tecnologia Assistiva [TA], como sendo: Uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação, de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social. Descreveremos a seguir as TA que foram utilizadas pelos participantes desse trabalho para conhecimento de todos: - Maxi Lupa - equipamento que promove ampliação de imagem em preto e branco e colorido, pode ser utilizado para leitura de textos em livros, jornais, cadernos etc. (Figura 1 e 2); Figura 1. Maxi Lupa, Fonte: Acervo Ahimsa, 2010 Figura 2. Maxi Lupa sendo usada por uma aluna da escola, fonte: Ahimsa, 2010 - Lupa Eletrônica - equipamento de ampliação de imagem que é acoplada a uma televisão em preto e branco, utilizado para leitura de textos em livros, jornais, cadernos, etc. (Figura 3) caminhos para inclusão.indd 62 23/8/2011 11:02:15 Caminhos da INCLUSÃO | Figura 3. Aluna usando Lupa Eletrônica, fonte: Acervo Ahimsa, 2010 63 Figura 4. Placa alfabética, Fonte: Acervo Ahimsa, 2005. - Placas alfabéticas - Placas confeccionadas com materiais diversos (madeira, papel espesso, plástico), com o alfabeto impresso ou em relevo em letras maiúsculas, e o alfabeto em Braille (Foto 4). As placas alfabéticas são utilizadas para a comunicação entre a pessoa com surdocegueira adquirida e as pessoas que com ela interagem. O PROGRAMA DE REABILITAÇÃO PARA PESSOAS COM SURDOCEGUEIRA ADQUIRIDA DA AHIMSA E GRUPO BRASIL No Programa de Reabilitação da Ahimsa e Grupo Brasil as pessoas com surdocegueira adquirida passam por uma avaliação, que é realizada durante a triagem para ingresso no programa. Nessa avaliação são observados vários pontos importantes para conhecermos essas pessoas e podermos organizar o planejamento das atividades a serem desenvolvidas em seu programa individual de reabilitação. Destacaremos dois pontos que são relevantes para o nosso trabalho, pois são os que nos apontam a comunicação e as necessidades de aquisição de uma nova forma de comunicação, assim como as adaptações e recursos necessários para a efetivação de uma comunicação eficaz: Comunicação - Qual forma de comunicação essa pessoa fazia uso antes de adquirir a surdocegueira; - Se a pessoa com surdocegueira adquirida já começou a usar uma nova forma de comunicação; caminhos para inclusão.indd 63 23/8/2011 11:02:15 64 - Se essa nova forma de comunicação está sendo eficiente para a sua comunicação efetiva com as outras pessoas e para a sua aprendizagem. Orientação e Mobilidade - Como está a autonomia da pessoa com surdocegueira adquirida em relação a sua orientação e mobilidade nos ambientes fechados (sua casa e lugares que frequenta); - Como está a sua autonomia no que concerne à orientação e mobilidade nos ambientes externos (locais públicos e transportes públicos). Após essa avaliação são planejadas oficinas de comunicação, as quais essas pessoas frequentam durante três meses, uma vez por semana, no período de 01 hora e 30 minutos. Depois dos três meses, essas pessoas passam por uma nova avaliação para observarmos como se desenvolveu a nova forma de comunicação. Com isso podemos dar inicio ao uso da tecnologia assistiva que melhor promove a aquisição de informações e que lhe dá melhores condições de uso. Algumas pessoas com surdocegueira adquirida passam a frequentar duas vezes por semana a oficina de comunicação, sendo que em um dia treina a sua nova forma de comunicação e no outro dia treina o uso da tecnologia assistiva. OBJETIVOS Objetivo Geral Reabilitar e desenvolver uma segunda forma de comunicação para favorecer a participação ativa de pessoas com surdocegueira adquirida. Objetivos Específicos Treinar uma segunda forma de comunicação. Treinar o uso de tecnologias assistivas para apoiar a aquisição de autonomia para a busca de informações. Possibilitar a autonomia nas atividades de vida autônoma. caminhos para inclusão.indd 64 23/8/2011 11:02:15 Caminhos da INCLUSÃO | 65 METODOLOGIA Os participantes Para nosso trabalho relataremos a participação no processo de triagem / avaliação, participação nas oficinas de comunicação e no treinamento de uso de tecnologia assistiva de duas (2) pessoas com surdocegueira adquirida. - O primeiro participante é D, tem 20 anos, apresenta deficiência visual e deficiência auditiva bilateral moderada, apresenta também déficit cognitivo de grau leve. A aquisição de surdocegueira se deu pela síndrome de Bardet-Biedl2, que se caracterizou por distrofia retiniana com perda progressiva de visão ainda na adolescência. Quando chegou a instituição para triagem, com 16 anos, sua comunicação expressiva se dava pela fala (era oralizado) e sua comunicação receptiva por fala ampliada. Foi avaliado e encaminhado para as oficinas de comunicação, de Braille, de panificação e de orientação e mobilidade. D tinha dificuldade de leitura e escrita, e havia abandonado a escola regular por motivo de dificuldades para acompanhar os conteúdos ensinados em sala de aula. - O segundo participante é G, tem 12 anos, apresenta deficiência visual e deficiência auditiva bilateral profunda. A aquisição da surdocegueira se deu pela síndrome de Usher tipo I, que se caracteriza por deficiência auditiva primária e a perda progressiva de visão por retinose pigmentar – no caso dele, perdeu toda a visão ainda criança, por volta dos 4 anos de idade. Quando chegou a instituição não tinha uma forma de comunicação sistematizada, somente comunicação não-verbal, sendo que antes dele ser encaminhado para o Programa de Reabilitação passou por atendimento educacional especializado na Ahimsa. Somente depois de 3 anos desse tipo de atendimento começou a frequentar uma escola municipal especial para surdos, e a frequentar a oficina de comunicação da Ahimsa e Grupo Brasil. Antes já havia desenvolvido uma forma de comunicação sistematizada que era a Libras Tátil, assim como já estava alfabetizado 2 A síndrome de Bardet-Biedl é doença de herança autossômica recessiva caracterizada por distrofia retiniana, polidactilia, obesidade, retardo mental e hipogenitalismo. Um ou mais dos achados acima que caracterizam a síndrome podem estar ausentes, mas a distrofia retiniana é achado consistente. Esta se manifesta clinicamente na infância com progressiva perda visual, causando grave dificuldade visual na adolescência. Os autores descrevem dois casos de síndrome de Bardet-Biedl, os resultados da acuidade visual, biomicroscopia, oftalmoscopia, angiografia, campo visual e eletrorretinograma. Foi realizada revisão bibliográfica com ênfase na identificação dos sinais sistêmicos, envolvimento ocular, testes eletrofisiológicos e avaliação genética [06]. caminhos para inclusão.indd 65 23/8/2011 11:02:15 66 com o sistema braille. Quando do ingresso no Programa de Reabilitação sua comunicação expressiva e receptiva era Libras Tátil. Além da oficina de comunicação, G frequenta as aulas de esportes e de educação física na Ahimsa. O processo O participante D, por ter dificuldades de leitura e escrita e estar perdendo visão, além da oficina de comunicação, também frequentava a oficina de Braille para aprender o sistema e, concomitantemente, sua alfabetização se efetivou. Apesar de estar na oficina de Braille, incentivamos o aproveitamento de seu resíduo visual nas oficinas de comunicação. Para isso foi introduzido nas oficinas o uso da maxi lupa e da lupa eletrônica, conforme figuras 5, 6 e 7. Figura 5. Maxi lupa e máquina Braille Fonte: Acervo Ahimsa, 2010. Figura 6. Maxi lupa para leitura de jornal Figura 7. Lupa eletrônica para leitura de livro D, após treinamento, utiliza a maxi lupa para enxergar detalhes de textos, fotografias e ampliar a leitura diária. A lupa eletrônica o auxilia nas atividades de leitura de livros, jornais e revistas. A utilização desses equipamentos proporcionou-lhe a oportunidade de melhoria da sua habilidade de leitura e escrita, assim como a manutenção de leitura de livros, jornais e revistas de sua preferência. Ao participante G, na oficina de comunicação, foi oferecido o atendimento educacional especializado, pois ele frequenta uma escola regular, associando o aperfeiçoamento da aprendizagem de leitura e escrita no sistema Braille; o aperfeiçoamento do uso de Libras Tátil com a introdução de conceitos novos e consequente desenvolvimento de linguagem; a oportunização de uma segunda forma de comunicação, as placas de comunicação, para que ele possa ter oportunidade de comunicar-se caminhos para inclusão.indd 66 23/8/2011 11:02:15 Caminhos da INCLUSÃO | 67 com pessoas que não dominam a língua de sinais. A professora responsável pela oficina desenvolveu um treinamento para que ele pudesse utilizar as placas alfabéticas, a princípio com a comunidade escolar da Ahimsa e, em seguida, com a comunidade da escola que ele frequenta, e, por último, com a comunidade próxima das escolas, em comércios e com as pessoas que transitam pelo bairro. RESULTADOS O que podemos observar como resultado da participação de D e G nas Oficinas de Comunicação do Programa de Reabilitação da Ahimsa e Grupo Brasil é que adquirir uma segunda forma de comunicação, expressiva e/ou receptiva, para uma pessoa com surdocegueira adquirida proporciona e amplia as oportunidades para a aquisição de informações, aprendizagem, comunicação com outras pessoas com surdocegueira ou não. Em relação à tecnologia assistiva, podemos afirmar que: As placas alfabéticas foram utilizadas para comunicação entre as pessoas com surdocegueira que sabiam e não sabiam Libras. As placas de comunicação foram utilizadas na comunicação do dia a dia e nas atividades de compras, elas também foram utilizadas durante as aulas de orientação e mobilidade como apoio de comunicação com as pessoas a quem elas podem pedir ajuda na comunidade durante seus deslocamentos nas vias públicas e nos transportes. A lupa eletrônica e a maxi lupa foram usadas efetivamente como suporte para aquisição de informações em livros, revistas, jornais; para leitura de textos de interesse individual e também para leitura de materiais para estudo, assim como serviram de suporte para a aprendizagem de leitura e escrita Braille. As pessoas com surdocegueira adquirida planejaram, junto com a professora, os textos e atividades que eram trabalhados durante as aulas. Essa Tecnologia Assistiva serviu de apoio para a autonomia na realização de atividades do dia a dia, na aquisição de uma nova forma de comunicação e para melhorar a qualidade de comunicação entre as pessoas com surdocegueira que somente dominavam a língua de sinais, com outras pessoas com surdocegueira que eram ouvintes e cegas e que não dominam a língua de sinais, mas sim o sistema braille. caminhos para inclusão.indd 67 23/8/2011 11:02:16 68 CONSIDERAÇÕES FINAIS As pessoas com surdocegueira adquirida precisam ter oportunidades de comunicação e, com o uso da tecnologia assistiva, elas conseguiram alcançar um nível mais elevado de autonomia, assim como conseguiram buscar informações de seu interesse. Quando a comunidade de pessoas com surdocegueira constata que o uso de tecnologia assistiva é realmente muito positivo para suas vidas, ela se motiva e se fortalece para buscar, junto a secretarias e órgãos competentes, recursos para ter suas próprias tecnologias. REFERÊNCIAS [01] Síndrome de Usher- Cartilha Informativa da Série Surdocegueira e Deficiência Múltipla Sensorial, editora Grupo Brasil; 2003 p. 3. [02] Reyes DA. La sordoceguera: uma discapacidad singular. Rey ER, Viñas PG. (Coord.), La sordoceguera: Un análisis multidisciplinar. Organización Nacional de Ciegos Españoles (ONCE). Madrid: Studios; 2004. p. 135-192. [03] DEAFBLIND INTERNATIONAL – Melhores Pautas no atendimento as pessoas com surdocegueira. Lisboa – Portugal, 1999 p. 1. [04] Viñas PG. Consideraciones sobre comunicación y lenguaje en la intervención con niños sordociegos. In: Tercer Sentido. Revista sobre Sordocegueira. Madrid: ONCE, 1999. p. 31 [05] Comitê de Ajudas Técnicas. Tecnologia Assistiva. Brasília: CORDE, 2009. No prelo. [06] Lavinsky J et al. Síndrome de Bardet-Biedl - Relato de dois casos. Disponível em http://www.abonet.com.br/abo/665r/rc665_03.htm. Acesso em: ago.2010. caminhos para inclusão.indd 68 23/8/2011 11:02:16 CONTRIBUIÇÕES DA ANÁLISE DO COMPORTAMENTO PARA COMPREENSÃO DE REPERTÓRIOS ACADÊMICOS E COMPORTAMENTOS CLINICAMENTE RELEVANTES Mariana Miccione1, Grauben Assis2 INTRODUÇÃO A Análise do Comportamento enquanto disciplina científica tem investigado sistematicamente as variáveis envolvidas no processo de Ensino-Aprendizagem de repertórios acadêmicos. Mais especificamente, a área de estudo que conduz pesquisas experimentais pautadas no paradigma de relações de equivalência entre estímulos tem mostrado importantes resultados sobre o desempenho de indivíduos que apresentam limitações na linguagem ou algum tipo de atraso no desenvolvimento cognitivo. O objetivo deste trabalho foi identificar e relatar um conjunto de variáveis relevantes descritas na literatura nessa área do conhecimento. O’Donnel e Saunders [1] descreveram essas contribuições por meio de um trabalho de revisão no qual destacaram que o estudo das Relações de Equivalência exibidas por esse tipo de população forneceu informações de relevância tanto prática quanto teórica. As contribuições práticas são concernentes à produção de resultados positivos em testes de equivalência. Já as teóricas, dizem respeito à discussão pautada na necessidade de haver ou não um repertório linguístico estabelecido como um pré-requisito para a constatação desses resultados. Um trabalho pioneiro de Sidman [2] demonstrou a compreensão rudimentar de leitura de 20 palavras por adultos com atraso no desen1 Psicóloga, mestre em Teoria e Pesquisa do Comportamento pela UFPA e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento (Bolsista CNPq.), [email protected] 2 Doutor em Psicologia Experimental pela USP, Professor Associado III da UFPA, bolsista de Produtividade em Pesquisa pelo CNPq. [email protected] www.lacc.ufpa.br caminhos para inclusão.indd 69 23/8/2011 11:02:16 70 volvimento cognitivo. Um procedimento inicial de verificação de repertório constatou que os participantes já apresentavam a relação palavra falada–figura correspondente, e não apresentavam as relações palavra impressa–figura correspondente e palavra falada–palavra impressa. Dessa forma, conduziu-se o ensino da relação palavra falada–palavra impressa. Após essa fase, os participantes demonstraram as relações palavra impressa–figura correspondente e vice-versa. Esses resultados indicaram que os participantes estabeleceram novas relações entre estímulos que não foram correlacionados durante a fase de ensino, ou seja, demonstraram que os participantes aprenderam mais sobre relações comportamentais que foram ensinadas diretamente. Quase 10 anos após esse trabalho, Sidman e Tailby [3] organizaram e formalizaram um conjunto de testes que possibilitou, de forma mais sistemática, verificar empiricamente as relações entre estímulos equivalentes. De acordo com esses autores, sob esse tipo de aprendizagem relacional estariam subjacentes algumas propriedades essenciais que, uma vez documentadas, traduziriam a intercambialidade entre os estímulos arbitrariamente relacionados, isto é, o paradigma de equivalência de estímulos tem sido descrito a partir da noção analítico-comportamental de classe de estímulos no qual uma classe de estímulos equivalentes pode ser formada quando dois ou mais estímulos tornam-se substituíveis no controle de um mesmo comportamento, podendo haver similaridades físicas ou não entre eles. Portanto, a equivalência seria um tipo especial de classe definida pelas propriedades matemáticas da Reflexividade, Simetria e Transitividade. A primeira propriedade prediz que um estímulo pode ser relacionado com ele mesmo e, por isso, demonstra uma relação de identidade. A simetria é demonstrada quando os estímulos-modelo e comparação são reversíveis funcionalmente entre si, ou seja, mudam de lugar. Por último, a transitividade é demonstrada quando duas relações entre estímulos compartilham um estímulo comum e, por isso, derivam numa nova relação. Segundo esse paradigma, a relação condicional que apresenta toda essa propriedade pode ser chamada de Relação de Equivalência. caminhos para inclusão.indd 70 23/8/2011 11:02:16 Caminhos da INCLUSÃO | 71 A formulação descrita por Sidman e Tailby [3] tem sido recorrentemente empregada para se descrever o tipo de relação de controle que subsiste nos comportamentos mais complexos. O diferencial dessa análise pousa na compreensão do fenômeno por meio de contingências de reforçamento [4], em oposição às explicações mentalistas [5]. A questão que se coloca é como diferentes organismos podem responder a eventos fisicamente diferentes como se fossem iguais, principalmente aqueles que nunca foram relacionados? A presença da linguagem seria um pré-requisito na possibilidade de demonstração de relações de equivalência em organismos não humanos ou em pessoas com repertório verbal mínimo? Sobre essas questões O’Donnel e Saunders [1] afirmam que dados positivos obtidos em estudos realizados em organismos com essa caracterização, sugerem não haver uma relação funcional entre o tipo de população investigada e o potencial produtivo dos procedimentos. Dizem ainda que esses resultados trazem importantes contribuições para essa área de interesse, pois a limitação verbal do participante propicia uma interpretação mais fidedigna de seus desempenhos observados nos testes de equivalência. Portanto, a adequação dessa análise possibilita o desenvolvimento de diferentes estudos que visam investigar os efeitos de diferentes variáveis sobre a instalação desse tipo de repertório, uma vez que o conceito de equivalência é central para a compreensão de comportamentos simbólicos e sua relação com a linguagem e a cognição [6]. Alguns autores [1] realizaram um trabalho de revisão dessa área que contemplou aquelas que contaram com a participação de indivíduos atípicos, isto é, pessoas com algum nível de atraso no desenvolvimento e/ou limitações na linguagem. Os autores objetivaram: i) analisar criticamente a literatura acerca da discussão da nomeação; ii) determinar se a literatura tem ocultado os resultados dos indivíduos que falharam em demonstrar equivalência; e iii) verificar se a literatura analisou essas falhas ou se apresentou possibilidades para produzir desempenhos emergentes que definem as relações de equivalência em indivíduos que não as apresentaram. Primeiramente, compilou-se um conjunto de 20 trabalhos nos quais participaram 55 indivíduos. Em seguida, questões concernentes à: i) caracterização do participante: descrição adequada das habilida- caminhos para inclusão.indd 71 23/8/2011 11:02:16 72 des linguísticas, história pré-experimental, medida do nível de atraso no desenvolvimento a partir de instrumentos validados e uso de medicamentos; ii) natureza dos procedimentos empregados: instalação de repertórios já presentes ou não, ensino das relações exclusivamente dentro do contexto experimental e relações entre estímulos já conhecidos; iii) resultados obtidos nos testes devidamente investigados e registrados. De maneira geral, a análise das informações coletadas apontou, sobretudo, para a necessidade de um melhor registro de dados sobre a caracterização dos participantes e melhor controle das variáveis manipuladas durante as fases de ensino. Deficiência essa que, uma vez atendida, favoreceria o desenvolvimento de estudos futuros em pessoas com atraso no desenvolvimento. Adicionalmente a isso, os autores discutiram os resultados obtidos nos testes de equivalência valendo-se das possíveis implicações teóricas e práticas resultantes. Não obstante a necessidade de se conduzir estudos adicionais devido a pouca produção constatada, a acurácia superior a 90% atingida no decorrer dos testes por mais da metade dos participantes dos estudos questionaria a função da linguagem sobre esses desempenhos [7]. As questões práticas estariam na possibilidade de utilizar os testes de equivalência em ambientes aplicados por meio de testes de compreensão entre símbolos e seus referentes em sistemas de comunicação alternativa, portanto, uma importante ferramenta para o estudo do desenvolvimento da linguagem. Além do paradigma descrito por Sidman e Tailby [3], pesquisas sobre as relações entre estímulos equivalentes têm sido realizadas a partir do estudo de sequências comportamentais em uma área nomeada de Encadeamento [8, 9, 10]. Entretanto, a relação comportamental identificada em sequências apresentadas na ausência dos elos não pode ser descrita em termos de uma simples cadeia de respostas [11]. Nesse contexto, alguns estudos têm buscado observar como organismos podem responder a estímulos em sequência sem que esses estímulos tenham sido relacionados previamente. Para tanto, o paradigma caminhos para inclusão.indd 72 23/8/2011 11:02:16 Caminhos da INCLUSÃO | 73 de relações ordinais proposto e documentado por Green, Stromer, e Mackay [11] tem sido usado para analisar o efeito de um conjunto de variáveis de procedimentos de ensino sobre relações ordinais em diferentes populações. A proposta desses autores baseou-se no exame da adequação das noções de cadeia simples e discriminação condicional sobre os desempenhos engendrados a partir de contingências que estabelecem a produção de sequências. De acordo com os autores [11], as relações entre os estímulos de uma mesma sequência e entre diferentes sequências em contingências tríplice de reforçamento poderiam ser documentadas a partir da realização de testes comportamentais que efetivassem as propriedades definidoras de uma relação de ordem: irreflexividade, assimetria, transitividade e conectividade. Considera-se uma relação ordinal como irreflexiva aquela que não se mostra reflexiva, isto é, na qual um elemento não pode ser seguido por ele mesmo. Portanto, a relação A1ÆA1 não é verdadeira. A propriedade da assimetria postula que uma relação ordinal é unidirecional; logo, A2ÆA3 é uma relação verdadeira, mas o oposto A3ÆA2 não. A transitividade é observada quando dois pares de estímulos adjacentes dentro de uma série relacionam-se e derivam num terceiro par não adjacente; assim, A2ÆA3 e A3ÆA4, então A2ÆA4 é correta, na ausência do A3. Finalmente, uma relação apresenta a propriedade de conectividade se seus elementos relacionarem-se aos pares em todas as prováveis combinações; se A1ÆA2ÆA3, então A1ÆA2, A1ÆA3 e A2ÆA3. As relações investigadas têm sido conduzidas sem reforçamento diferencial e com base nas relações ensinadas, consistindo na verificação da recombinação de estímulos positivamente relacionados em contingências Tríplice de Reforçamento. O modelo comportamental para sequências é basicamente uma expansão da proposta de Sidman e Tailby [3] sobre relações entre estímulos em classes equivalentes [12, 4]. Tal modelo fornece uma estratégia para o exame da interação entre equivalência e relações ordinais quando leva à ampliação de repertórios comportamentais que ocorrem em condições apropriadas. Dessa forma, a formação de uma classe ordinal ocorre quando, pelo menos, duas sequências independentes são ensinadas caminhos para inclusão.indd 73 23/8/2011 11:02:16 74 e os estímulos de cada sequência tornam-se substituíveis em uma nova sequência. A ordem de apresentação dos estímulos torna-se o principal exercício sobre a formação das classes de primeiros, segundos, terceiros, etc. Os procedimentos de produção de sequência consistem na apresentação simultânea de dois ou mais estímulos visuais arbitrários em contingências de reforçamento que requerem respostas de ordená-los em sequência, independentemente da sua posição espacial. Em situações de controle experimental, muitos estudos sobre a produção de sequências têm sido realizados pelos pesquisadores do Laboratório de Análise do Comportamento e Cognição (LACC), da Universidade Federal do Pará (www.lacc.ufpa.br), com o objetivo de compreender como repertórios sob controle da ordem são estabelecidos e mantidos. Por exemplo, Nunes e Assis [13] investigaram a combinação de dois procedimentos sobre o ensino de classes ordinais em indivíduos com atraso no desenvolvimento cognitivo. O objetivo da pesquisa foi verificar se classes ordinais poderiam emergir após o ensino por emparelhamento arbitrário e de produção de sequência. Dessa forma, por meio do primeiro tipo de procedimento, três participantes foram expostos a estímulos visuais de formas não representacionais indicadoras de numerosidade (conjunto A), aos numerais correspondentes (conjunto B) e aos seus nomes escritos (conjunto C). Após o ensino das relações AB/AC testou-se a emergência de três classes de equivalência. Posteriormente, foi ensinado, aos mesmos participantes, o encadeamento de respostas com estímulos de um dos conjuntos (A1→A2→A3) e verificada a emergência de sequências não ensinadas (isto é, B1→B2→B3 e C1→C2→C3). Em seguida, testes de conectividade foram conduzidos com o objetivo de avaliar a formação de classes ordinais, como A1→B2→C3. Por fim, testes de generalização também foram aplicados para verificar se a resposta à numerosidade ocorreria na presença de estímulos novos, como E1→E2→E3. Os resultados produzidos demonstraram que os participantes responderam às novas sequências prontamente ou com emergência gradual, mostrando ser um procedimento igualmente eficiente na transferência de funções ordinais em pessoas com atraso no desenvolvimento. caminhos para inclusão.indd 74 23/8/2011 11:02:16 Caminhos da INCLUSÃO | 75 Outros estudos [14, 15, 16] também investigaram a produção de equivalência sequencial com base na análise experimental das relações ordinais em indivíduos com atraso no desenvolvimento cognitivo. Aplicando-se, de forma isolada ou combinada, os procedimentos de ensino por encadeamento, por pareamento com o modelo e por sobreposição de estímulos, os pesquisadores avaliaram o desempenho ordinal emergente relativo ao controle de estímulos visuais: numéricos, formas não representacionais e figuras geométricas. Um exemplo específico e prático de sequências comportamentais são as rotinas que estabelecemos no dia a dia. É comum nos engajarmos em atividades que requerem que emitamos mais de uma resposta isolada. Por exemplo, o comportamento de “pegar um ônibus” envolve, no mínimo, duas respostas: ir até o ponto de ônibus e fazer o sinal. Nessa direção, Spradlin [17] considerou que grande parte do comportamento humano é constituído por sequências comportamentais com variações de extensão e complexidade que, por regularidade, foram estabelecidas pela natureza do ambiente físico, por treinamento ou por contingências acidentais. Sugere então o termo “rotina” para se referir às sequências repetidas de estímulos e respostas topograficamente diferentes envolvidas em diversas atividades que diariamente realizamos, a fim de alcançarmos uma consequência final. Algumas rotinas, como escovar os dentes, são tão determinadas que se torna possível a previsão de ocorrência de seus componentes (abrir a bisnaga de pasta, apertá-la, colocá-la sobre as cerdas da escova e assim por diante). Esse autor admite a possibilidade de variação na ordem dos comportamentos e substituição de alguns componentes envolvidos numa sequência comportamental por outros que sejam funcionalmente equivalentes. Além disso, considera possível a ocorrência de comportamentos que oferecem continuidade à rotina caso ela seja interrompida por algum motivo. Outros exemplos práticos foram ressaltados por Assis, Baptista e Nunes [18] e Assis, Miccione e Nunes [19] em dois estudos que polarizaram algumas descrições comportamentais sobre o responder sequencial através da apresentação de alguns aspectos conceituais referentes à relação entre topografia de controle de estímulos e aprendizagem relacional. De acordo com os autores, a variável Ordem pode ser identificada caminhos para inclusão.indd 75 23/8/2011 11:02:16 76 em eventos nos quais a relação entre antecedentes e consequentes é relevante. Por exemplo: a aprendizagem da classificação dos filhos pela ordem de nascimento; da discriminação do ontem relativamente ao hoje e ao amanhã; da classificação de pessoas segundo o papel social, político ou econômico (função na hierarquia); da formação de classes sintáticas onde a disposição das palavras em uma frase segue uma determinada ordem, estabelecida pela comunidade verbal para serem compreendidas e da aprendizagem da ascendência e descendência de notas musicais. Em contextos aplicados, Sulzer-Azaroff e Mayer [20], Saunders [21] e Refheldt [22] destacaram importantes implicações dos estudos que descreveram as variáveis envolvidas no ensino de Atividades da Vida Cotidiana (AVD). Segundo esses autores, o procedimento de encadeamento de respostas configura-se como método eficaz para o ensino de tarefas que requerem a emissão de uma sucessão de respostas, principalmente, àquelas em pessoas que apresentam um atraso no desenvolvimento cognitivo e/ou motor. Tal importância está na ênfase do método às habilidades já apresentadas. De que forma? Primeiramente, por meio de observação, faz-se uma avaliação do potencial e, a partir de então, acrescenta-se gradualmente comportamentos ainda não manifestados. Dessa forma, através de reforçamento diferencial é possível fortalecer ou ampliar consideravelmente o repertório dessas pessoas. Inúmeros exemplos de comportamentos que necessitam da emissão de várias respostas podem ser conceituados como Cadeias de Respostas: resolução de problemas aritméticos, preparo de uma comida seguindo os passos da receita, atividades desportivas em geral, dirigir, comporta-se em um restaurante, fazer o nó numa gravata, vestir-se, escovar os dentes, fazer a cama, lavar louças, manusear um terminal de autoatendimento bancário, entre outros. Enfim, é vasto o campo de aplicação desse método de ensino. Para ilustrar, vejamos as possíveis respostas envolvidas no exemplo de comportar-se em um restaurante: solicita-se o atendimento, faz-se o pedido ao atendente, recebe-se a comida solicitada à mesa, come-se o alimento, solicita-se o fechamento da conta e, certamente, paga-se a conta. Vale ressaltar que cada resposta emitida estabelece a ocasião para a resposta seguinte e que, portanto, a não ocorrência de alguma delas caminhos para inclusão.indd 76 23/8/2011 11:02:17 Caminhos da INCLUSÃO | 77 poderá comprometer a execução satisfatória da tarefa. No que concerne ao tratamento de comportamentos considerados inadequados e autodestrutivos como as estereotipias, esse procedimento pode ser concebido como uma estratégia para reduzir ou eliminar esse tipo de conduta no sentido de facultar a ocorrência de comportamentos alternativos, favorecendo, assim, a melhoria na qualidade de vida. Como pôde ser avaliado, pesquisas conduzidas usando princípios comportamentais têm lançado diferentes programas e currículos de ensino eficientes e econômicos que podem ser adaptados e concretizados fora do contexto experimental, como em escolas e em instituições especializadas. Portanto, têm servido também como um modelo de rede de relações de controle de estímulos e de desempenhos que servem para a análise de pré-requisitos e para o ensino de comportamentos como leitura e escrita com compreensão e comportamento conceitual numérico [23]. Desse modo, por meio do estudo sistemático das variáveis circunscritas no processo de Ensino-Aprendizagem, a análise do comportamento, ao longo de várias décadas, tem demonstrado ser uma disciplina relevante na compreensão de comportamentos complexos, especialmente aqueles envolvidos com a leitura, a matemática e clinicamente relevantes [24]. REFERÊNCIAS [1] O’Donnel J, Saunders KJ. Equivalence relations in individuals with language limitations and Mental retardation. J Exp Anal Behav. 2003 jul; 80(1): 131-157. [2] Sidman M. Reading and auditory-visual equivalences. J Speech Lang Hear Res. 1971; 14: 5-13. [3] Sidman M, Tailby W. Conditional discrimination vs. matching to sample: An expansion of the testing paradigm.J Exp Anal Behav.1982; 37: 5-22. [4] Sidman M. Equivalence relations and the reinforcement contingency. J Exp Anal Behav. 2000 jul; 74(1): 127-146. [5]Sidman M. Functional analysis of emergent verbal classes. In: Thompson T, Zeiler MD. Analysis and integration of Behavior Units. Hillsdale (NY): Erlbaum; 1986. p. 213-245. [6] de Rose JC. Classes de estímulos: Implicações para uma análise comportamental da cognição. Psic.:Teor. ePesq.1993; 9: 283-303. [7] Horne PJ, LoweCF. On the origins of naming and other symbolic behavior. J Exp Anal Behav. 1996 jan; 65(1): 185–241. [8] Catania AC. Aprendizagem: Comportamento, linguagem e cognição (Souza D, Trad.). caminhos para inclusão.indd 77 23/8/2011 11:02:17 78 4ª ed. Porto Alegre: Ed. ArtesMédicas; 1999. [9] Kelleher RT. Chaining and conditioned reinforcement. In: Honig WK. Operant behavior: areas of research and application. New York: Ed. Appleton-Century-Crofts; 1966. p.160-212. [10] Skinner BF. Ciência e comportamentohumano (Todorov JC, Azzi R. Trad.). 11ª.ed. São Paulo: Ed. Martins Fontes; 2003. [11] GreenG, StromerR, MackayH. Relational learning in stimulus sequences. Psychol Rec. 1993; 43. p. 599-616. [12] Sidman M. Equivalence relations and behavior: A research story. Boston: Ed. Authors Cooperative; 1994. [13] Nunes AL, AssisGJ. Emergência de classes ordinais após o ensino de relações numéricas. Rev. Brasileira Análise Comport. 2006; 2 (2): 209-219. [14] Assis GJ, Sampaio ME. Efeitos de dois procedimentos de ensino para formação de classes sequenciais. Interação Psicol. 2003; 7(2): 52-63. [15] Sampaio ME, Assis GJ. Equivalência de estímulos sequenciais em portadores de necessidades educacionais especiais. Acta Comport. 2005; 13(2): 111-143. [16] Souza RD, Assis GJ. Emergência de relações numéricas em crianças surdas. Psic.: Teor. e Pesq. 2005; 21(3): 297-308. [17] Spradlin JE. Rotinas: Implicações para a vida e para o ensino. Temas psicol. 1999; 7: 223-234. [18] Assis GJ, Baptista MQ, Nunes AL. Formação de sequências: aspectos conceituais e metodológicos. Interação Psicol. 2009; 13(2): 215-227. [19] Assis GJ, Miccione M, Nunes AL. Da produção de sequências comportamentais à equivalência de estímulos sequenciais. In: Carmo JS, Prado OS (Orgs.). Relações simbólicas e aprendizagem da matemática. Santo André, SP: Ed. ESETec; 2010. p. 69-88. [20] Sulzer-Azaroff B, Mayer GR. Teaching new behavior: chaining. Behavior Analysis for Lasting Change. Orlando, Flórida: Ed. Harcount Brace College Publishers; 1991. p. 337-349. [21] Saunders RR. The possible role of suported routines in the stimulus controlof aberrant behavior: A competence modelo f treatment. In: Goyos C, Almeida MA, Souza D. (Orgs.). Temas em educação especial. São Carlos, São Paulo: Ed. UFSCar; 1996. p. 4972. [22] Refheldt R. Chaining. In: Hersen M, Sledge W. (Eds.). Encyclopedia of Psychotherapy. Nova York: Ed. Academic Press; 2002. p. 365-369. [23] Hubner MM, Marinotti M. Análise do comportamento para a educação: Contribuições recentes. Santo André: Ed. ESETec; 2004. [24] Miccione M, Assis GJ, Costa TD. Variáveis de controle sobre o responder ordinal: revisitando estudos empíricos. Rev. Perspectivas Análise Comport. 2010; 1(2): 130-148. caminhos para inclusão.indd 78 23/8/2011 11:02:17 ESTABELECENDO COMPORTAMENTO TEXTUAL EM FUNÇÃO DA ORDENAÇÃO DE LETRAS Jaci Augusta Neves de Souza1, Grauben José Alves Assis2 INTRODUÇÃO Grande parte do repertório comportamental dos organismos ocorre tipicamente em uma rápida sucessão temporal de respostas individuais, tão bem integradas entre si que o padrão resultante é avaliado, tanto pelo indivíduo que está executando quanto pelo observador, como uma unidade. Um comportamento, entretanto, não é uma unidade isolada, mas um fluxo contínuo de relações entre o organismo e o ambiente. As cadeias comportamentais têm sido um tópico explorado nos manuais de Psicologia e merecido a atenção dos pesquisadores interessados em identificar e analisar o que acontece durante a aquisição dessas sucessões de respostas [1]. Procedimentos para avaliar a natureza das relações entre estímulos que geram comportamentos sequenciais têm sido propostos [2]. A tarefa experimental proposta seria organizar formas não representacionais, introduzidas gradualmente para avaliar se os participantes seriam capazes de produzir uma sequência sem consequência diferencial. Resultados consistentes com a linha de base programada pela experimentadora sugerem o estabelecimento de uma relação de ordem entre os estímulos, coerentes com a posição que esses estímulos ocuparam no treino original. Testes avaliam então se os estímulos da mesma posição ordinal, de duas ou mais sequências distintas, são substituíveis entre si, formando novas classes com os estímulos que ocuparam a mesma posição em sequências treinadas separadamente. Esta abordagem mostra-se uma estratégia promissora nas pesquisas que ora se desenvolvem para instalar as habilidades necessárias à emergência de repertórios sequenciais, como a leitura de frases ou sentenças gramaticalmente corretas. 1 Psicóloga, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento da UFPA, docente no Centro Universitário do Norte (UNINORTE/LAUREATE). [email protected] 2 Doutor em Psicologia Experimental pela USP, professor Associado III da UFPA, bolsista de Produtividade em Pesquisa pelo CNPq. [email protected] caminhos para inclusão.indd 79 23/8/2011 11:02:17 80 Como exemplo disso, Assis e Sampaio [3] planejaram um estudo com estímulos usuais (aves e mamíferos) pertencentes ao cotidiano dos alunos, com o objetivo de explicitar a formação de repertórios de ordenação. Os participantes foram alunos regularmente matriculados na APAE Belém, com atraso no desenvolvimento cognitivo, divididos em dois grupos experimentais e expostos a duas condições experimentais enquanto sujeito único. Os resultados mostraram diferenças relevantes entre os dois grupos e a familiaridade dos estímulos foi apontada como um fator que contribuiu para esses resultados. Com objetivo de eliminar o efeito da familiaridade dos estímulos sobre relações ordinais, Souza e Assis [4] utilizaram várias formas não representacionais. Alunos com atraso no desenvolvimento cognitivo, também da APAE Belém, responderam com base em uma ordem (primeira, segunda, terceira, etc.) definida arbitrariamente pela experimentadora. Duas táticas de ensino foram programadas para avaliar o efeito dos procedimentos sobre o desempenho: ensino por encadeamento e por sobreposição de estímulos. Os resultados obtidos mostraram a superioridade do encadeamento sobre a sobreposição dos estímulos para a instalação de repertórios acadêmicos, especialmente a leitura. Procedimentos de ensino que envolvem a formação de sequências podem se constituir em uma ferramenta eficiente para ensinar comportamentos humanos complexos. Os estudos em andamento nessa linha de pesquisa pelo Laboratório de Análise do Comportamento e Cognição (www.lacc.ufpa.br) podem resultar no desenvolvimento de métodos eficazes para o ensino de frases e sentenças, podendo vir a contribuir também para o desenvolvimento de procedimentos que facilitem a instalação de comportamentos socialmente relevantes para pessoas com necessidades educacionais especiais. O objetivo deste estudo foi verificar o efeito de um procedimento de ensino por encadeamento de respostas para apresentar formas não representacionais e instalar os pré-requisitos do comportamento textual (ordenação de símbolos do alfabeto para formar palavras dissílabas) em alunos que apresentavam atraso no desenvolvimento cognitivo. caminhos para inclusão.indd 80 23/8/2011 11:02:17 Caminhos da INCLUSÃO | 81 MÉTODO Participantes Participaram do estudo 2 alunos da APAE que frequentavam a turma de alfabetização para jovens. Os alunos foram avaliados pelo PPTV-III [5], teste que revela o domínio de vocabulário. Um participante (P1) com idade cronológica de 22 anos e 5 meses apresentou conversação sofisticada, mostrando-se capaz de construir frases na formulação de questões concernentes à atividade proposta. O outro (P2), com idade cronológica de 16 anos e 8 meses, apresentou conversação simplificada, limitando-se a responder com frases curtas as questões formuladas pela pesquisadora. Ambiente experimental e equipamentos O estudo foi conduzido numa sala de uma instituição especializada (APAE) sediada em Manaus, medindo aproximadamente 6 m2, com relativo isolamento acústico e climatizada. Um microcomputador IBM PENTIUM II com um software (REL 3.0 for Windows) especialmente desenvolvido para a pesquisa foi usado. O programa foi preparado para controlar e registrar os dados comportamentais, apresentar os estímulos em tentativas randomizadas (Figura 3) e gerar relatórios das respostas apresentadas pelo participante. Figura 1. Formas não representacionais caminhos para inclusão.indd 81 23/8/2011 11:02:17 82 Palavras de Ensino BOCA MALA PATO Palavras de Generalização BOTO MATO CAMA BOLA CAPA TOCA Tabela 1. Palavras Dissílabas Estímulos Os estímulos foram formas não representacionais, organizadas em três conjuntos denominados “A”, “B” e “C”. Cada conjunto continha uma forma não representacional em quatro tamanhos diferentes (ver Figura 1). Testes avaliaram os desempenhos resultantes delineando a formação de três sequências de quatro estímulos. O desempenho previsto era que os participantes selecionassem os quatro estímulos, um de cada vez, em ordem do maior para o menor, a partir da substitutibilidade entre os estímulos das três sequências ensinadas. Na segunda etapa do estudo foram utilizadas 9 palavras: 3 durante o ensino e 6 geradas pela recombinação silábica das três originais. A tarefa era ordenar as letras formando palavras dissílabas (Figura 2). Procedimento geral Inicialmente, foi instalado o repertório de ordenação dos estímulos com os conjuntos compostos pelas formas não representacionais. Após os testes configurarem o estabelecimento das classes ordinais (Figura 4), o participante foi exposto ao conjunto de palavras para a ordenação das letras seguindo o modelo apresentado pela pesquisadora. O estímulo constituído pela palavra impressa foi apresentado para ordenação das letras nos moldes do procedimento de ensino das formas não representacionais, conforme ilustrado pela figura 3. caminhos para inclusão.indd 82 23/8/2011 11:02:17 Caminhos da INCLUSÃO | 83 Figura 3. Exemplo de uma Tentativa de Ensino Figura 4. Exemplo de uma tentativa de Teste de substitutibilidade Sessões experimentais Cada sessão continha uma ou mais tarefas a serem cumpridas pelo participante. Ao início e fim de cada bloco de sessões, foram aplicados os pré-testes e pós-testes, respectivamente, visando averiguar o desempenho do aprendiz antes e depois de um conjunto de tarefas. Tanto nos pré-testes caminhos para inclusão.indd 83 23/8/2011 11:02:17 84 quanto nos pós-testes, os participantes foram instruídos a ordenar e nomear as palavras dissílabas sem nenhum tipo de consequência diferencial. As palavras utilizadas no procedimento foram divididas em duas categorias: as Palavras de Ensino e Palavras de Generalização (Figura 2). A Linha de Base foi instalada com as três palavras de ensino. Os participantes foram ensinados a ordenar as letras seguindo o mesmo procedimento de ordenação das formas não representacionais. As palavras de generalização foram usadas para testar a emergência do comportamento textual. Este fenômeno é definido pela resposta à palavra impressa, embora não se caracterize, ainda, como leitura com compreensão. RESULTADOS Os resultados mostraram uma economia de ensino para ordenar as letras na formação das palavras dissílabas quando o aluno foi primeiro exposto ao ensino utilizando as formas não representacionais. Foi demonstrada a transferência de funções ordinais para novos estímulos, ampliando consideravelmente o potencial do procedimento de ensino através de generalizações das respostas ensinadas para novas respostas. DISCUSSÃO O presente trabalho buscou estabelecer os pré-requisitos para instalar comportamentos de leitura para alunos que apresentam necessidades educacionais especiais. Para o estudo aqui descrito, duas dimensões do estímulo foram críticas no estabelecimento dos repertórios planejados. O tamanho dos estímulos que variou em quatro níveis (do maior ao menor). Esse treino discriminativo foi a base para a formação de diferentes classes de estímulos ou formação de conceitos. E a posição que cada estímulo ocupou na sequência ensinada, cuja contingência na tarefa experimental exigiu o agrupamento dos estímulos por atributos que caracterizam conceitos de ordem (primeiro, segundo, terceiro, etc.), foi suficiente para apresentação desse desempenho pelos participantes. Portanto, classes de estímulos podem ser estabelecidas a partir de relações arbitrárias entre estímulos que não guardam semelhança entre si, pois compartilham a mesma função discriminativa. Para que isso seja evidenciado, é necessário verificar os efeitos de variáveis sobre um caminhos para inclusão.indd 84 23/8/2011 11:02:18 Caminhos da INCLUSÃO | 85 membro da classe em relação aos demais membros. Quando as funções de um membro transferem-se para qualquer outro, dizemos que eles são funcionalmente equivalentes. Nas classes ordinais, as funções que se transferem são as funções de ordem (primeiro, segundo, terceiro e assim por diante) que um estímulo ocupou, sendo exercida por outro que ocupou a mesma posição em sequências diferentes. A transferência de funções ordinais para novos estímulos foi investigada neste estudo, ampliando consideravelmente o potencial de procedimentos de ensino através de generalizações. Os testes envolvendo novos conjuntos de estímulos (letras das palavras geradas pela recombinação das sílabas) com formas diferentes daquelas que foram ensinadas mostraram que os alunos foram capazes de ordenar, inicialmente do maior para o menor (as formas não representacionais) e, em seguida, pela ordem de apresentação do estímulo (as letras). Esses resultados com indivíduos que apresentaram repertório acadêmico comprometido são promissores para subsidiar novos estudos envolvendo comportamento conceitual numérico (numerosidade) ou os pré-requisitos de leitura em ambiente não-informatizado. REFERÊNCIAS [1] Catania AC. Aprendizagem: comportamento, linguagem e cognição. Porto Alegre: ARTMED; 1999. [2] Green G, Stromer R, Mackay H. Relational learning in stimulus sequences. Psychol Rec. 1993; 43. p.599-616. [3] Assis GJ, Sampaio ME. Efeitos de dois procedimentos de ensino para formação de classes sequenciais. Interação Psicol. 2003; 7(2): 52-63. [4] Souza JA, Assis GJ. Efeito de dois procedimentos de ensino sobre o comportamento de ordenar. Psicol.estud.2005; 10(3): 527-536. [5] Dunn LM, Dunn IM. Peabody Picture Vocabulary Test. Circle Pines, MN: American Guidance Service; 1981. caminhos para inclusão.indd 85 23/8/2011 11:02:18 caminhos para inclusão.indd 86 23/8/2011 11:02:18 ACESSIBILIDADE NA EDUCAÇÃO VISUAL GD Marília Matos Gonçalves1, Sebastião Miraglia2, Vania Ribas Ulbricht3, Claudia Mara Scudelari de Macedo4, Josiane Wanderlinde Vieira5 APRESENTAÇÃO No Brasil, de acordo com informações disponíveis pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ano 2000, haviam 24,5 milhões de brasileiros portadores de necessidades especiais (14,5% da população). Estes números tendem a crescer devido a maior expectativa de vida decorrente de melhores condições de saúde da população mundial [1]. Portanto, incluir essas pessoas no processo educacional formal é dar a elas, igualdade de oportunidades. A acessibilidade da Internet caracteriza-se pela flexibilidade da informação e interação relativa ao respectivo suporte de apresentação. Essa flexibilidade deve permitir a sua utilização por pessoas com necessidades especiais, bem como a utilização em diferentes ambientes e situações, e através de vários equipamentos ou navegadores [2]. Já na década de 1990, países como o Canadá, os EUA e a Austrália criaram legislação específica para o desenvolvimento de sites acessíveis. Também com o intuito de tornar a web acessível a um maior número de pessoas, levando-a assim a atingir um grau máximo de interoperabilidade, o World Wide Web Consortioun (W3C) – comitê formado por 1 Professora do Programa de Pós-Graduação em Design e Expressão Gráfica da UFSC, marilinhamt@gmail. com 2 Graduando do curso de Design Gráfico da UFSC, [email protected] 3 Professora do Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento da UFSC, ulbricht@ floripa.com.br 4 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento da UFSC, claudia. [email protected] 5 Professora do Programa de Pós-Graduação em Design e Expressão Gráfica da UFSC, [email protected] caminhos para inclusão.indd 87 23/8/2011 11:02:18 88 grandes empresas do ramo criou o Web Accessibility Initiative (WAI), que mantém grupos de trabalho que elaboram diretrizes com o objetivo de proporcionar a acessibilidade do conteúdo web à pessoas portadoras de necessidades especiais. No Brasil, em 2004, foi elaborado um Modelo de Acessibilidade de Governo Eletrônico com o objetivo de desenvolver e adaptar conteúdos federais na internet. Esse modelo atende o Decreto 5.296/2004, que regulamenta as Leis 10.048/2000 e 10.098/2000 as quais estabelecem normas gerais e critérios de inclusão de pessoas portadoras de necessidades especiais. A utilização dos recursos informatizados, obedecendo aos parâmetros de acessibilidade, fornece aos ambientes da WEB alto grau de usabilidade. Considerar Ambientes WEB voltados à aprendizagem um projeto universal é uma necessidade, pois a escola é, por excelência, o ambiente formal de educação brasileira no qual todos os cidadãos brasileiros de 7 a 14 anos, independente de qualquer incapacidade, têm direito de receber ensino de qualidade. A pesquisa apresentada neste artigo tem o intento de adequar o conteúdo de Representação Gráfica Espacial para a WEB respeitando os requisitos de acessibilidade6 e utilizando a construção de objetos de aprendizagem considerados ainda hoje como um conceito novo. O termo objeto educacional (learning object) geralmente aplica-se a materiais educacionais projetados e construídos em pequenos conjuntos com vistas a maximizar as situações de aprendizagem onde o recurso pode ser utilizado. A idéia básica é a de que os objetos sejam como blocos com os quais será construído o contexto de aprendizagem. [3] São características dessa tecnologia a reusabilidade (possibilidade de se utilizar um mesmo objeto de aprendizagem em diferentes aplicativos); adaptabilidade (capacidade de se adaptarem a diferentes ambientes de ensino); granularidade (possibilidade de se encapsular o conteúdo em partes); acessibilidade (passível de ser acessado em diferentes plataformas); durabilidade (pode ser utilizada independente de alterações e 6 Principalmente aqueles citados pela W3C. caminhos para inclusão.indd 88 23/8/2011 11:02:18 Caminhos da INCLUSÃO | 89 atualizações tecnológicas) e interoperabilidade (atua em diferentes plataformas). A Representação Gráfica Espacial é uma área do conhecimento, imprescindível para o desenvolvimento da visualização espacial, do profissional que irá trabalhar com a relação espaço-forma. Entretanto, por não ser abordada no nível de ensino básico e muito superficialmente no ensino médio, é comum que estudantes dos cursos de Engenharias, Arquitetura, Design, Artes e outros, sintam dificuldade em entender a transposição que acontece entre as figuras do espaço (objetos em geral) e sua representação em duas dimensões. Pesquisas iniciadas por Ulbricht [4 e 5], e com prosseguimento por Gonçalves [6 e 7]; Bulhões [8], Wanderlinde [9], Vanzin [10], entre outros, revelaram que o quadro de repetência nesta área ainda é muito alto e a metodologia utilizada é, na maioria das vezes, ultrapassada. As pesquisas desenvolvidas viabilizaram uma hipermídia sobre o domínio em questão, denominado VISUAL GD (Figura 1). Entretanto, constatou-se que, mesmo que essa hipermídia tenha sido bem aceita para os estudantes em geral7 foi percebida a necessidade de que esse material se adequasse também aos estudantes com algum tipo de necessidade especial. Figura 1. Tela de conteúdo do Visual GD Assim sendo, procurando resgatar os estudos anteriores, pretendese desenvolver uma Biblioteca de Objetos de Aprendizagem voltados à 7 O Visual GD foi testado em turmas de Engenharia Civil da Universidade Federal de Santa Catarina [6]. caminhos para inclusão.indd 89 23/8/2011 11:02:18 90 Representação Gráfica Espacial com conteúdo acessível e adaptável a diferentes plataformas, permitindo a reutilização destes objetos de acordo com o nível do estudante, a especificidade do curso e metodologia do professor e que possa ser utilizada universalmente, isto é, por surdos (incluindo no ambiente tradução para LIBRAS), cegos (permitindo o uso de leitores de tela), Terceira Idade, entre outros. PROPOSTA A utilização de TICs no processo Ensino-Aprendizagem presencial e, sobretudo, nos processos de ensino a distância têm contribuído para inúmeras pesquisas na tentativa de se desenvolver ambientes virtuais de aprendizagem que permitam a estruturação de conteúdos didáticos mais organizados. A Internet permite disponibilizar conteúdos em diferentes formatos (hipertexto, vídeo, animação, etc.). Considerando que todo ambiente hipermídia de aprendizagem respeita o ritmo particular de cada aluno no processo de aquisição do conhecimento, optou-se pela escolha do VISUAL GD julgando viável sua transformação em um material que venha interferir positivamente no aprendizado da GD por alunos com algum tipo de necessidade especial. Como pesquisa que aqui se apresenta, no ensino auxiliado por computador, na tentativa de propor recursos de qualidade aos alunos, pretende-se fazer uso da tecnologia que vem se destacando na criação de material didático digital – os objetos de aprendizagem, conceituados por Wiley [11] como sendo “qualquer recurso digital que possa ser utilizado para o suporte ao ensino”. Tarouco [2] coloca ainda que o termo objeto educacional (learning object) geralmente aplica-se a materiais educacionais projetados e construídos em pequenos conjuntos com vistas a maximizar as situações de aprendizagem onde o recurso pode ser utilizado. A ideia básica é a de que os objetos sejam como blocos com os quais será construído o contexto de aprendizagem. Uma tentativa de tornar o conteúdo apresentado no visual GD acessível é o módulo destinado a estudantes que apresentam algum grau de surdez. Para tanto, a interface inicial do ambiente (apresentada na figura 1) foi alterada. A resolução da tela foi alterada de 640 x 480 pixels para 800 x 600 (resolução de tela suportada pela maioria de monitores web caminhos para inclusão.indd 90 23/8/2011 11:02:18 Caminhos da INCLUSÃO | 91 na atualidade). Essa modificação trouxe um ganho de espaço útil na área de trabalho, que permitiu a inserção do espaço para os vídeos com a versão do conteúdo em LIBRAS. As figuras 2 e 3 e 4 apresentam a interface do Visual GD adequada para LIBRAS. Figura 2. Tela do Visual GD adaptada para surdos. Figura 3. Telas do Visual GD adaptada para surdos (apresentação do conteúdo). caminhos para inclusão.indd 91 23/8/2011 11:02:18 92 Figura 4. Telas do Visual GD adaptada para surdos (módulo de atividades). A cada início de interpretação, o efeito de “FADE IN” (a imagem parte do preto total até a imagem pura) indica ao usuário que o vídeo está começando. Do mesmo modo no final da interpretação, o efeito de “FADE OUT” (a imagem parte da imagem pura até o preto total) indica o término do vídeo. Figura 5. Efeito “fade in”. Foi permitida a maximização dos elementos visuais (vídeos, animações, textos e imagens) possibilitando ao usuário uma visão melhor do conteúdo apresentado. Basta que ele clique sobre o item desejado e o conteúdo aparecerá individualmente com sua visualização maximizada na tela, sendo que o mesmo ato faz retornar a tela com as quatro áreas estabelecidas. caminhos para inclusão.indd 92 23/8/2011 11:02:19 Caminhos da INCLUSÃO | 93 CONSIDERAÇÕES FINAIS Há situações-problema que geram incômodo na vida humana e que são traduzidas como obstáculos difíceis de serem vencidos, no entanto, com a pesquisa que aqui se apresenta (em parte) é possível mostrar que estas situações agregam conhecimento para o alcance de um passo à frente. Conclui-se que, com isso, abrem-se perspectivas de apoio a presença de alunos que possuam algum tipo de deficiência em ambientes formais de ensino, fazendo com que estes se sintam inseridos de fato em um contexto educacional. Espera-se, assim, que este trabalho sirva de exemplo motivador a outros professores e pesquisadores na busca da evolução dos estudos sobre acessibilidade em prol da Educação Inclusiva. REFERÊNCIAS [1] IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [http://www.ibge.gov.br]. Acesso em: 17/09/2009. [2] Melo AM, Baranauskas MC. Avaliação de Acessibilidade na Web com a Participação do Usuário. VI Simpósio sobre Fatores Humanos em Sistema Computacionais: Anais do VI Simpósio sobre Fatores Humanos em Sistema Computacionais, 2004 Out 17-20; Curitiba, Paraná, SC, Brasil; 2004. p. 181 – 184. [3] Tarouco LMR, Fabre MCJM, Tamusiunas FR. Reusabilidade de objetos educacionais. RENOTE, 2003, v. 1, n. 1, fev 2003. [4] Ulbricht VR. Modelagem Cognitiva em vista da Concepção do Módulo Avaliação do Estudante de um Sistema de Ensino Inteligente Auxiliado por Computador para a Geometria Descritiva. [Dissertação] Florianópolis: UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina, 1992. [5] Ulbricht VR. Modelagem de um ambiente hipermídia de construção do conhecimento em Geometria Descritiva. [Tese] Florianópolis: UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina, 1997. [6] Gonçalves MM. Ambiente Hipermídia como Auxiliar na Aprendizagem de Geometria Descritiva. [Dissertação] Florianópolis: UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina, 1999. [7] Gonçalves MM. Avaliação das Contribuições da Aplicação do Visual GD em Situação O Ensino da Geometria Descritiva para Alunos Surdos Apoiado em um Ambiente Hipermídia de Aprendizagem - Visual GD.Real de Ensino. [Tese] Florianópolis: UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina, 2005. [8] Bulhões G. Ambiente Hipermídia para Aprendizagem de Geometria Descritiva: Mó- caminhos para inclusão.indd 93 23/8/2011 11:02:19 94 dulo do Estudo das Posições de Duas Retas entre Si a ser Implementado no Visual GD. Florianópolis: [Dissertação] Florianópolis: UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina, 2004. [9] Wanderlinde J. [Tese] Florianópolis: UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina, 2005. [10] Vanzin T. Modelo de Ambiente Hipermídia com Tratamento de Erros apoiado na Teoria da Cognição Situada. [Tese] Florianópolis: UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina, 2005. [11] Wiley DA. Connecting learning objects to instructional design theory: a definition, a metaphor, and a taxonomy. Utah State University, 2000. caminhos para inclusão.indd 94 23/8/2011 11:02:19 MULTIMÍDIA BIBLIOTECA VIRTUAL INCLUSIVA Hildebrando Esteves Neto1, Ana Irene A. Oliveira2, Anna Karen S. Mendes3, Márcia Hellen S. M. Santos4 Ermelinda N. de M. Melo5, Direlene Ramalho da Silva6, Herika Renally S. Pereira7 INTRODUÇÃO Com a disponibilidade oferecida pela internet, tende-se a deixar as bibliotecas um pouco de lado, pois na internet encontra-se tudo o que é necessário para pesquisas, trabalhos, modelos, relatórios, textos, ideias, resumos, biografias, imagens, fontes, dicas, obras, linha do tempo e da vida de muitas pessoas, curiosidades, fofocas e atualidades. A internet é também usada como Biblioteca Virtual e gratuita, nela tem-se o necessário para realizar tarefas. As páginas e sites proporcionam buscas, pesquisas e as mais atuais informações sobre assuntos e temas de vários campos do conhecimento. Com a expansão da internet e seu uso constante no ambiente escolar, a WEB torna-se cada vez mais popular, seja para aprender ou para se divertir. Mas sempre que há o empenho na busca por material educativo para fins de pesquisa acadêmica, enfrentam-se grandes dificuldades em 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7 Membros do Grupo Pesquisa Viver Diferente, mas não desigual, com Certificado Institucional CNPq/IFMT. 1 Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Mestre em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Professor Biólogo e Sanitarista do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso (IFMT). 2 Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento (UFPA), Terapeuta Ocupacional da Secretaria de Estado de Saúde Pública do Pará e Professora Assistente III, da Universidade do Estado do Pará. 3 Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento (UFPA), Psicóloga do Núcleo de Atendimento Educacional Especializado aos Transtornos Globais – NATEE, da Secretaria de Estado de Educação do Pará. 4 Especialista em Análise de Sistemas (UFPA), Professora da Universidade do Estado do Pará (UEPA) 5 Professora do Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA - Campus Belém), Assessora de Projetos de Inclusão – APRIN – (IFPA) 6 Técnica Administrativa do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso (IFMT). Campus Cuiabá. 7 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Agrícola (UFRRJ); Técnica em Assuntos Educacionais – Coordenadora do Núcleo de Apoio às Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais – NAPNE. IFMT - Campus Cáceres. caminhos para inclusão.indd 95 23/8/2011 11:02:19 96 localizar o material necessário, pois a internet, em toda a sua grandeza estrutural globalizada, dispõe desse material de forma não centralizada e não indexada, e geralmente em formato não acessível, principalmente às pessoas com deficiência. Portanto, a criação de uma biblioteca virtual que seja acessível às pessoas com deficiência poderá contribuir, com agilidade e eficiência, na busca de materiais, apresentados através de variadas mídias com áudio e/ou video, digitalização, catalogação, indexação e centralização, disponíveis no servidor de dados do IFMT-Campus Cuiabá. De acordo com o pronunciamento do Presidente da Índia, Avul Pakir Jainulabdeen Abdul Kalam, “Uma biblioteca digital é onde o passado encontra o presente e cria o futuro” [1]. E esse material pode e deve estar acessível a pessoas com deficiência e/ou necessidades específicas [2]. OBJETIVOS Pretende-se criar uma biblioteca virtual inclusiva acessível, vinculada aos Núcleos de Atendimento as Pessoas com Necessidades Específicas (NAPNEs), com obras relevantes e materiais de interesse didático-pedagógico, disponibilizadas ao público em formato digital e que atenda aos estudantes com necessidades educacionais específicas matriculados nos Institutos Federais e redes parceiras – Universidade do Estado do Pará (UEPA) e Coordenadoria de Educação Especial do Estado do Pará (COEES). A partir da viabilidade deste projeto, busca-se possibilitar às bibliotecas dos campi do IFMT a consulta desse material, dando preferência às pessoas com deficiência e que possam acessar conteúdos em áudio, digitalizados e vídeos educativos legendados ou com audiodescrição. Buscase, também, conscientizar e estimular a atuação/participação de servidores (professores e técnicos administrativos) na execução do projeto. Proporcionar à pessoa com necessidades educacionais específicas uma maior independência, qualidade de vida e inclusão social, através da ampliação da comunicação em meio digital, mobilidade, controle do seu ambiente, habilidades de seu aprendizado, é a primazia deste projeto. REVISÃO DE LITERATURA A implementação de políticas inclusivas que pretendam ser efetivas e duradouras deve incidir sobre a rede de relações que se materiali- caminhos para inclusão.indd 96 23/8/2011 11:02:19 Caminhos da INCLUSÃO | 97 zam por meio das instituições, já que as práticas discriminatórias que elas produzem extrapolam em muito os muros e regulamentos dos territórios organizacionais que as evidenciam [3]. A agitação mundial pela inclusão, como uma ação política, cultural, social e pedagógica, trouxe a tona à defesa do direito de todos os alunos pertencerem a uma mesma escola, aprendendo e participando juntos sem nenhum tipo de discriminação. De acordo com Mantoan [4], a sociedade inclusiva é aquela que tem por objetivo o de oferecer oportunidades iguais para que cada pessoa seja autônoma e autodeterminada. Uma sociedade aberta a todos, que estimula a participação de cada um, aprecia as diferentes experiências humanas e reconhece o potencial de todo cidadão. As Instituições buscam a formatação de um ensino que venha atender os anseios da sociedade em geral, e é sua obrigação procurar conhecer a sociedade local para entender esses anseios. Faz-se necessário então ouvir e compreender as pessoas e atender ao apelo dos deficientes quando dizem: “Nada sobre nós sem nós” [5]. Sob essa perspectiva, observa-se que existe a necessidade de preencher essa lacuna. O MEC/SETEC, por meio da Diretoria de Políticas e Articulação Institucional, desenvolve o Programa TECNEP (Programa Educação, Tecnologia e Profissionalização para Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais), e busca intervir de forma efetiva nessa realidade instrumentalizando a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica para garantir o acesso, permanência e conclusão dessa clientela em cursos oferecidos pela Rede. Saliente-se o papel de destaque das Instituições Federais como um espaço promissor na viabilização de políticas públicas de inclusão de alunos com necessidades educacionais específicas. De acordo com o Censo Escolar do INEP [6], 46,3% dos alunos com necessidades educacionais especiais estão matriculados no ensino regular (Estudantes com necessidades educacionais especiais são aqueles citados na lei educacional brasileira para se referir às pessoas com alguma deficiência, mas também incluindo os superdotados – pessoas com altas habilidades e os Transtornos Globais do Desenvolvimento). Perini [7] nos diz que a inclusão não é uma questão de solidariedade, mas um Direito. Aprender é uma ação humana que pode ser rea- caminhos para inclusão.indd 97 23/8/2011 11:02:19 98 lizada por todos, cabe à escola fazer sua parte para que a sociedade não continue promovendo a exclusão em suas formas mais sutis e cruéis. Assim, a criação da Biblioteca Virtual Inclusiva ora proposta, além de identificar as representações sociais envolvidas, surge para contribuir também no fomento às tecnologias para a efetivação da inclusão educacional. Tendo como pano de fundo os Núcleos de Atendimento às Pessoas com Necessidades Educacionais Especificas (NAPNE) dos Institutos Federais, possibilitará, na área da Educação Inclusiva, a ampliação do Programa TECNEP. Portanto, é uma ação oportuna para que as instituições de ensino sejam beneficiadas com o atendimento especializado na educação inclusiva. O “Portal Biblioteca Virtual Inclusiva”, a ser lançado em outubro de 2010 (com um acervo inicial de 200 obras), propõe o compartilhamento de conhecimentos de forma equânime, colocando à disposição de todos os usuários deficientes dos institutos uma biblioteca virtual que deverá se constituir em referência para professores, alunos, pesquisadores, para a população deficiente e para as pessoas que lidam com ela. Esse portal se constituirá em um ambiente virtual que permitirá a coleta, integração, preservação e o compartilhamento de conhecimentos, sendo seu principal objetivo promover o amplo acesso às obras literárias, artísticas e científicas (na forma de textos, sons, imagens e vídeos), já em domínio público ou que tenham a sua divulgação devidamente autorizada ou permitida de acordo com a lei de direitos autorais, que constituem o patrimônio cultural brasileiro e universal. Desta forma, também pretende contribuir para o desenvolvimento da educação e da cultura, assim como poderá aprimorar a construção da consciência social, da cidadania e da democracia no Brasil. Segundo Fernando Haddad [8], “ao disponibilizar informações e conhecimentos de forma livre e gratuita, busca incentivar o aprendizado, a inovação e a cooperação entre os geradores de conteúdo e seus usuários, ao mesmo tempo em que também pretende induzir uma ampla discussão sobre as legislações relacionadas aos direitos autorais – de modo que a ‘preservação de certos direitos incentive outros usos’ –, e haja uma adequação aos novos paradigmas de mudança tecnológica, da produção e do uso de conhecimentos.” caminhos para inclusão.indd 98 23/8/2011 11:02:19 Caminhos da INCLUSÃO | 99 PASSOS METODOLÓGICOS Os participantes deste projeto são os estudantes do IFMT, demais Institutos e redes parceiras. O projeto será desenvolvido em duas dimensões estruturantes, assim compreendidas. Primeiramente o desenvolvimento de estratégias tecno-pedagógicas que envolvem as orientação sobre a pesquisa para usuários PNE’s, para torná-los co-participes desta ação, cujo efeito favorece a dimensão seguinte, que é a busca pela cidadania ativa de pessoas com necessidades específicas [9]. Adotar-se-á os princípios metodológicos do sócio-construtivismo [10], cuja ação favorecerá aos usuários condições de desenvolver os conhecimentos necessários para o seu projeto de vida a partir da vivência de valores, reflexões, trabalhos em grupo, atividades de raciocínio lógico, tomadas de decisões, análise crítica da realidade, da convivência social; bem como através de orientações e aprofundamentos específicos para pesquisa por meio de equipamentos e sistema computadorizado adaptados ao sistema para a acessibilidade. O projeto apresenta em seu design a acessibilidade ao computador, que engloba programas (software) e aplicativos de acesso, incluindo tipos de ajudas técnicas e pedagógicas para uso genérico de acesso aos computadores e periféricos; a acessibilidade ao Navegador, os quais podem ser genéricos como o Internet Explorer e o Firefox. Contudo, existem navegadores específicos que oferecem facilidade de acesso a diferentes usuários como o navegador só de texto LYNX para cegos e a acessibilidade ao planejamento de páginas WEB, que envolve várias dimensões como conteúdo, estrutura e formato. RESULTADOS ESPERADOS Propiciar aos estudantes com diferentes graus de comprometimento motor, sensorial e/ou de comunicação e linguagem o acesso a uma biblioteca multimídia, com a finalidade de possibilitar a interação e pesquisa por meio do computador/internet. Espera-se a adesão e a participação de pelo menos 30% dos NAPNE’s, cerca de 30 núcleos, uma clientela inicial de 100 alunos, 50 professores e 30 administrativos. Ao final do ano de 2011, espera-se ter disponibilizado no site da Biblioteca Virtual Inclusiva cerca de 500 obras em formatos acessíveis e um cadastro de pelo menos 500 usuários. caminhos para inclusão.indd 99 23/8/2011 11:02:20 100 REFERÊNCIAS [1] Portal da Ufpa/Fabib [site na Internet]. Faculdade de Biblioteconomia. Citações, http://www.ufpa.br/biblio/02/index.php?option=com_content&view=article&id=71. Acesso: 9/10/2010 [2] Brasil, Lei 9610/98- Direitos Autorais, Capítulo IV, Art.46. [3] Paulon SM. Documento subsidiário à política de inclusão. Brasília: Ministério da Educação – MEC, Secretaria de Educação Especial – SEESP; 2005. [4] Mantoan MTE, Prieto RG. Inclusão escolar: pontos e contrapontos. São Paulo: Sumus; 2006. [5] ONU, United National Enable [site na Internet]. Nothing About Us Without Us (Nada Sobre Nós Sem Nós). http://www.un.org/disabilities/ Acesso em 10 out. 2010 [6] MEC. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP, 2006. [7] Perini CMB. Inclusão social e educacional. Todos somos diferentes, e porque não aceitar a diversidade humana? Rede Saci Internet Res. 2008;4(2):e8. http://saci.org.br/ index.php?modulo=akemi¶metro=14105. Acesso em 17 nov. 2009. [8] Brasil. Portal Domínio Público [site na Internet]. Biblioteca Digital. Missão. http:// www.dominiopublico.gov.br/Missao/Missao.jsp. Acesso em: 11 set. 2010 [9] Haddad S. Educação de Jovens e Adultos, a promoção da Cidadania Ativa e o desenvolvimento de uma consciência e uma cultura de paz e direitos humanos. In: Agenda for the future six years later – ICAE Report. International Council for Adults Education – ICAE. Montevideo. 2003. [10] Teberosky A, Coll C, Bolivar A. O Construtivismo na Prática 9 - Col. Inovação Pedagógica. Porto Alegre: Artmed; 2007. caminhos para inclusão.indd 100 23/8/2011 11:02:20 SOFTWARE EDUCATIVO: O QUE É? PARA QUE? E POR QUÊ? Aline Mary Vasconcelos de Albuquerque1, Danielle Alves Zaparoli2, Ana Irene Alves de Oliveira3 INTRODUÇÃO Atualmente, com o desenvolvimento da tecnologia, uma ampla variedade de meios de comunicação passou a estar presente nos mais diversos lugares e classes sociais. A Escola deixou de ser a única responsável pela oferta de conhecimento. Assim, faz-se necessário uma revisão dos paradigmas e das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), e suas dimensões dentro da Escola [1]. A introdução dos computadores nas escolas requer uma ação fundamental, necessária e imprescindível, que é a formação e capacitação continuada dos educadores para a utilização das ferramentas computacionais em sua prática de ensino. A incorporação dos recursos da informática no contexto educacional vai além da disponibilidade dos produtos nas escolas, mas implica essencialmente em mudanças educacionais que possam romper com os paradigmas de educação meramente instrucionais. A leitura de uma pequena amostra da obra de diversos autores[2, 3, 4, 5, 6] proporcionou o estudo acerca das TIC – mais especificamente os softwares educativos –, sendo constatada a eficácia desse instrumento para a transformação da educação. Este trajeto consiste de desafios concretos, força de vontade e romper de fato com o modelo fabril e, principalmente, muito investimento científico para não se alienar num novo modelo. Como ressalta Toffler [7], a mudança não é algo fácil. Para haver essa 1 Terapeuta Ocupacional, especialista em Saúde Pública pela UVA, mestranda em Educação pela UMA, [email protected] 2 Terapeuta Ocupacional, [email protected] 3 Terapeuta Ocupacional, doutora em Teoria e Análise Comportamental pela UFPA, docente da UEPA e coordenadora do NEDETA, [email protected] caminhos para inclusão.indd 101 23/8/2011 11:02:20 102 quebra, o radicalismo nas práticas deverá ser adotado, portanto, as inovações nas práticas pedagógicas serão a opção viável para a mudança e favorecimento do ponto forte desta reflexão, que é a aprendizagem do aluno. Portanto, refletir sobre as mudanças na educação é analisar e avaliar as TIC e seus impactos na Escola. Nesse caso, para que nela aconteçam transformações, é preciso que o foco da aprendizagem esteja voltado para o aluno, daí então a necessidade de perceber suas nuances e contextualizá-los. O SOFTWARE EDUCATIVO Software Educativo (SE), conforme conceituado por Giraffa [8], como “todo programa que utiliza uma metodologia que o contextualize no processo ensino e aprendizagem, pode ser considerado educacional”. Existem inúmeros conceitos de software educativo, porém todos nos remetem a um programa de informática [9]. Segundo Valente [10], existem vários tipos de softwares educativos e eles são classificados em: tutoriais, que são softwares onde a informação apresenta uma sequência pedagógica escolhida pelo estudante; os de exercício de pergunta-resposta dando o reforço; os aplicativos são as planilhas; os de multimídia e internet que fazem um mix entre imagens, textos e músicas; existem também os de simulação, os quais simulam a realidade como o simulador de vôo; e, por fim, os jogos com intuito lúdico. Entretanto, nem todos favorecem a aprendizagem, os tutoriais e os de exercícios, por exemplo, corroboram com a prática tradicional ou a escola fabril. Teixeira afirma que os SE de jogos e de simulação podem ser descritos como construtivista, pois neles os alunos constroem o seu conhecimento, são livres e próximos da realidade, do cotidiano dos alunos. Um aspecto relevante a ser lembrado é que os softwares educativos não se reduzem ao computador, há uma variedade de SE como o telefone móvel (celular), pois eles apresentam softwares sofisticadíssimos com opções de internet com site de busca, bate papo, jogos, filmadoras, rádio, etc. [9] Contudo, Gomes e Zardini alertam quanto a um ponto relevante a ser refletido sobre os SE: os critérios de avaliação e sua periodicidade. Esses SE precisam ser avaliados paulatinamente e existem pontos a serem observados, como fatores motivacionais, facilidade do uso, interatividade social, fundamentação pedagógica [13], programação e conteúdo [14]. caminhos para inclusão.indd 102 23/8/2011 11:02:20 Caminhos da INCLUSÃO | 103 Porém, essa avaliação não deve ser meramente tecnológica, devendo levar-se em conta os fatores motivacionais, interatividade social e fundamentação pedagógica [14]. Fino [5] destaca que os SE e seus critérios de utilização devem atender ao embasamento do Construcionismo, porque assim o aluno constrói o seu processo de interação e contextualização com o Software Educativo. E então os SE favorecerão a aprendizagem e autonomia do aluno. SOFTWARE EDUCATIVO E A INOVAÇÃO PEDAGÓGICA: UM DIÁLOGO INTERESSANTE Podem ser percebidos [6, 7, 15, 16, 17 18, 19, 20] alguns aspectos importantes como critérios de avaliação e utilização das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC). Destaca-se também a influência da tecnologia na vida do aluno e da sociedade, e, consequentemente, sua influência na Escola. E deve-se notar que, para que ocorra a mudança de paradigma e a inserção contextualizada das TIC, não é condição necessária que os SE precisem ser novos para serem inovadores. Essa tão almejada inovação pedagógica não tem molde, no entanto, ela visa uma aprendizagem significativa, centrada no sujeito e suas necessidades e interesses [4]. Portanto, se faz necessário a quebra de paradigma, romper com as amarras tradicionais convertendo-se para o construcionismo, contextualizando os SE de forma heterogênea e singularizada para uma comunidade, bairro, cidade, região, etc. Então, os educadores devem se preocupar com a metodologia aplicada. A forma em rede pela qual serão inseridas as TIC irá dizer se há inovação ou não. Culmina-se esta reflexão mostrando que não se pode definir um modelo igual para todas as escolas. Morus [21] fala sobre isso ao dizer que “quem conhece uma cidade, conhece todas, porque são exatamente semelhantes”. Tal comparação provoca um impulso, tal qual um vulcão em erupção, capaz de mudar a Escola. Deste modo, cada professor, cada Escola deverá analisar seu público-alvo e averiguar as necessidades de cada um, sendo necessário um projeto individualizado por aluno e por Escola. Assim, a Escola estará mais próxima daquela que se deseja, onde os alunos poderão opinar e construir a metodologia aplicada, tendo o poder para gerir e direcionar sua construção do conhecimento. Então, a Escola estará focada na relação caminhos para inclusão.indd 103 23/8/2011 11:02:20 104 aluno-mundo e seu cotidiano e a aprendizagem como construção diária do sujeito imersos na cultura e tecnologia, isso quer dizer alunos-mundo inseridos numa comunidade e na sociedade. Portanto, alunos-aprendizes de vida e conhecimento, isto é uma via de mão dupla, construtores de ensino-aprendizagem. O USO DO SOFTWARE EDUCATIVO PARA ESTIMULAR A APRENDIZAGEM O desenvolvimento infantil acontece, de forma complexa, estando associado às influências das vivências motoras, afetivas, cognitivas e sociais. Portanto, a criança precisa ser compreendida de forma holística, e não fragmentada, considerando a qualidade e a quantidade dos estímulos, bem como as influências que recebe do ambiente, no qual são levados em conta os fatores familiares, econômicos, culturais, sociais e o espaço físico em que ela vive. Desta forma, entende-se que os softwares educativos têm um papel importante na estimulação de crianças, sobretudo daquelas com dificuldade de aprendizagem. Para Vygotsky, o desenvolvimento se processa através da interação do indivíduo com o meio (ambiente e suas relações). Vygotsky destaca a linguagem e as relações com o ambiente como fator necessário para que ocorra o desenvolvimento. Para Piaget [22] “o interesse verdadeiro surge quando o eu se identifica com uma ideia ou um objeto, quando encontra nela um meio de expressão e eles se tornam um alimento necessário à sua atividade”. Então se acredita que a construção do conhecimento deva ser contextualizada para que o indivíduo esteja em relação constante com o objeto. Para isso o software será uma ótima alternativa, pois sua inserção será realizada mediante uma contextualização que provocará interesse necessário para a aprendizagem do aluno. Esta será favorecida através das trocas entre o sujeito e o objeto (software educativo), de forma que “o primeiro possa incorporar a si o segundo levando em conta suas particularidades” [23]. Diante disso, a aprendizagem está ligada à constante construção da relação entre o sujeito e o objeto. Assim, constata-se que Piaget desejava entender a construção do conhecimento. Portanto, os softwares têm seu papel nesse processo de aprendizagem, pois dinamizarão o processo de estimulação e de Ensino-Apren- caminhos para inclusão.indd 104 23/8/2011 11:02:20 Caminhos da INCLUSÃO | 105 dizagem, porque atuam sobre ponto mais relevante nesse processo que é o interesse da criança. Essa aprendizagem deve acontecer de forma prazerosa e espontânea, com a criança se fazendo viva e atuante no seu processo de aprendizagem. As limitações do indivíduo com deficiência tendem a tornar-se uma barreira ao aprendizado. Desenvolver recursos de acessibilidade seria uma maneira concreta de neutralizar as barreiras causadas pela deficiência e inserir esse indivíduo nos ambientes ricos para a aprendizagem, proporcionados pela cultura. Os softwares educativos de abordagens pedagógicas trazem diversas atividades como: colorir, pintar, jogo da memória, quebra-cabeça, histórias, sequências, além de conteúdos específicos da área de Português e Matemática. São possíveis de serem utilizados com crianças com diversas dificuldades, podendo estimular habilidades e comportamentos que favoreçam a aprendizagem. É importante que o educador propicie ao aluno condições e oportunidades de explorar seu potencial intelectual nas diferentes áreas do conhecimento e realizar sucessivas ações e reflexões. O uso do computador em ambientes de aprendizagem deve enfatizar a construção do conhecimento. CONSIDERAÇÕES FINAIS A reflexão desta temática elucidou pontos plausíveis sobre a inserção das TIC, especificamente os softwares educativos nas Escolas, corroborando com o Construtivismo. Tornou-se evidente que, para utilização das TIC, deve haver uma preocupação com a metodologia aplicada e a avaliação dos softwares educativos utilizados, para que não seja reproduzido o modelo fabril. Conclui-se esta revisão com uma citação de Toffler [24] ao falar que não se pode mais retroceder, mas seguir em frente: O mundo que está emergindo rapidamente do choque de novos valores e tecnologias, novas relações geopolíticas, novos estilos de vida e novos modos de comunicação, exige ideias e analogias novas, novas classificações e novos conceitos. [14] Então, esses novos conceitos precisam ser utilizados adequadamente, como o construcionismo e a inovação pedagógica. caminhos para inclusão.indd 105 23/8/2011 11:02:20 106 REFERÊNCIAS [1] Fino CN. Escola da Pena: o emergir de uma cultura ‘nova’. Lisboa: Universidade de Lisboa; 2001.p.4 [2] Fino CN. O Lugar das tecnologias na formação inicial de professores: o caso da Universidade da Madeira. Funchal: [s.d.] A, p.4. [3] Fino CN. O futuro da escola do passado. Funchal: Universidade da Madeira; 1998. p.9 [4] Fino CN. Novas Tecnologias, Cognição e Cultura: um estudo no primeiro ciclo do Ensino Básico. [Tese] Lisboa: Universidade de Lisboa, 2000. [5] Fino CN, Sousa JM. As TIC redesenhando as fronteiras do currículo. Revista GalegoPortuguesa, Lisboa, v.10, n.8, p.2051 -2063, ano 7, 2003. [6] Papert SM. A Máquina das Crianças. Porto Alegre: Artmed; 2008 [7] Toffler AO. Choque do Futuro. [Tradução de Eduardo Francisco Alves] 7ª Ed. Rio de Janeiro: Record; 2001. [8] Giraffa LMM. Uma arquitetura de tutor utilizando estados mentais. [Tese] Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1999. [9] Lyra AR et al. Ambiente virtual para análise de software educativo. In: IX Workshop de Informática na Escola. Pernambuco: WIE, 2001. p.236-247. [10] Valente JA. Diferentes usos do computador na educação. Brasília: Em Aberto, ano 12, n.57, jan/mar,1993. p.3-16 [11] Teixeira JF. Uma discussão sobre a classificação de software educacional. Revista Infotec: Campinas, s.d.A. [12] Gomes AS. Referência Teórico Construtivista para avaliação de Software Educativo. Revista Brasileira de Informática na Educação. v.16, n.2, p.9-21, mai/ago, 2008. [13] Zardini AS, Lamounier F. Critérios de avaliação de software educativo. [Dissertacão] Minas Gerais: Cefet, 2001. [14] Lyra ARL, Leitão DA, Amorim GBC; Gomes AS. Ambiente Virtual para Análise de Software Educativo.” In: Anais do Workshop Brasileiro de Informática Educativa (WIE 2003), Campinas: SBC. [15] Piaget J. A linguagem e o Pensamento da Criança. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura; 1956. [16] Piaget J. O nascimento da inteligência na criança. 2ª ed. Rio de Janeiro: ZAHAR; 1975. [17] Piaget J. Para onde vai a educação? Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora; 1973. [18] Piaget Jean. Psicologia e Pedagogia. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 2008. [19] Vygotski LS. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes; 2000. [20] Vygotsky LS. A Formação Social da Mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes; 2008. [21] Morus T. Utopia. s.d.A, p. 24 [22] Piaget Jean. Psicologia e Pedagogia. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 2008.p.162 [23] Piaget, Jean. Psicologia e Pedagogia. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 2008.p.157 [24] Toffler A. O Choque do Futuro. Tradução de Eduardo Francisco Alves - 7ª edição Rio de Janeiro: Record; 2001.p. 16 caminhos para inclusão.indd 106 23/8/2011 11:02:20 USO DA COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA COM CRIANÇAS AUTISTAS: UMA CONTRIBUIÇÃO DA TERAPIA OCUPACIONAL Jorgeane Pedrosa Pantoja1; Ana Irene Oliveira2; Rafael Luiz Morais da Silva3; Deyse Modesto Pinheiro4; Elson Ferreira Costa4; Luísa Sousa Monteiro4 INTRODUÇÃO Terapia Ocupacional é a arte e ciência de conduzir a participação de indivíduos em tarefas selecionadas, para restituir, reforçar e aumentar a performance, facilitar o aprendizado de habilidades e funções essenciais para a adaptação e a produtividade, com o propósito de diminuir e corrigir as disfunções e preservar a saúde [1] Entre as áreas de atuação, destaca-se a Tecnologia Assistiva, que possibilita ao Terapeuta Ocupacional estimular a função e reduzir a interferência das limitações na realização de atividades funcionais de maneira independente [1]. A comunicação alternativa, como recurso do terapeuta ocupacional, é fundamental para aquisição de habilidades e funcionalidade da criança autista, além do que, favorece a esta criança a realização de uma das maiores necessidades do homem, a linguagem, contribuindo assim para a melhora da sua função pessoal, familiar, educacional e, sobretudo, social. O presente estudo se deterá em abordar os déficits de linguagem, embora considere importante todas as características clínicas do autismo infantil. AUTISMO O autismo foi identificado por Leo Kanner em 1943, que usou o substantivo “autismo” para descrever um grupo de crianças que tinham 1 Estagiária do NEDETA e acadêmica do 4° ano de Terapia Ocupacional da UEPA. E-mail: jorgeanepantoja@ gmail.com; 2 coordenadora do NEDETA. Terapeuta Ocupacional e Professor da Universidade do Estado do Pará, Mestre em Teoria e Pesquisa do Comportamento (UFPA) 3 Terapeuta Ocupacional do NEDETA; 4 Acadêmicos do 5° ano de Terapia Ocupacional da UEPA. caminhos para inclusão.indd 107 23/8/2011 11:02:21 108 características comuns: autismo extremo, obsessividade, estereotipias e ecolalia. Esse conjunto de sinais foi por ele visualizado como uma doença específica relacionada com fenômenos da linha esquizofrênica, portanto como psicose [3]. O autismo é considerado hoje uma síndrome comportamental (e não um tipo de deficiência) com causas múltiplas. Trata-se de um transtorno definido por alterações presentes antes dos três anos de idade [2]. É um distúrbio de desenvolvimento caracterizado pela dificuldade de interação social, expresso pela inabilidade em relacionar-se com o outro e usualmente combinado com dificuldades de linguagem e de comportamento [3]. Encontram-se déficits de comportamento no autismo infantil, uma preocupação circunscrita a um interesse especial, dependência compulsiva de rotinas, estereotipias motoras e preocupação com partes de objetos [3]. Segundo o DSM-IV, o transtorno autista consiste na presença de um desenvolvimento comprometido ou acentuadamente anormal da interação social e da comunicação e um repertorio muito restrito de atividades e interesses. As manifestações do transtorno variam e dependem do nível de desenvolvimento e da idade cronológica do indivíduo. O CID10 classifica o autismo como um transtorno global do desenvolvimento caracterizado por: a) um desenvolvimento anormal ou alterado, manifestado antes da idade de três anos, b) apresentando uma perturbação característica do funcionamento em cada um dos três domínios seguintes: interações sociais, comunicação, comportamento focalizado e repetitivo Além disso, o transtorno é comumente acompanhado de numerosas outras manifestações inespecíficas, como: fobias, perturbações de sono ou da alimentação, crises de birra ou agressividade (auto-agressividade). Segundo a ASA (Autism Society of American), indivíduos com autismo usualmente exibem pelo menos metade das características listadas a seguir: caminhos para inclusão.indd 108 23/8/2011 11:02:21 Caminhos da INCLUSÃO | 109 1. Dificuldade de relacionamento com outras crianças; 2. Riso inapropriado; 3. Pouco ou nenhum contato visual; 4. Aparente insensibilidade à dor; 5. Preferência pela solidão; modos arredios; 6. Rotação de objetos; 7. Inapropriada fixação em objetos; 8. Perceptível hiperatividade ou extrema inatividade; 9. Ausência de resposta aos métodos normais de ensino; 10. Insistência em repetição, resistência à mudança de rotina; 11. Não tem real medo do perigo (consciência de situações que envolvam perigo); 12. Procedimento com poses bizarras (fixar objeto ficando de cócoras; colocar-se de pé numa perna só; impedir a passagem por uma porta, somente liberando-a após tocar de uma determina maneira os alisares); 13. Ecolalia (repete palavras ou frases em lugar da linguagem normal); 14. Recusa colo ou afagos; 15. Age como se estivesse surdo; 16. Dificuldade em expressar necessidades - usa gesticular e apontar no lugar de palavras; 17. Acessos de raiva demonstra extrema afliçãoem razão aparente; 18. Irregular habilidade motora - pode não querer chutar uma bola, mas pode arrumar blocos. COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA Comunicação alternativa e/ ou suplementar vem sendo utilizada para designar um conjunto de procedimentos técnicos e metodológicos direcionados às pessoas acometidas por alguma doença, deficiência, ou alguma outra situação momentânea que impede a comunicação com as demais pessoas por meio dos recursos usualmente utilizados, mais especificamente a fala [4]. Sua utilização destina-se a compensar os déficits e proporcionar capacidades equivalentes aos da maioria das pessoas, envolvendo o uso dos gestos manuais, expressões faciais e corporais e símbolos gráficos, como fotografias, gravuras, desenhos, objetos, além de pranchas com símbolos pictográficos, pranchas de alfabeto, comunicadores de voz, gravada ou sintetizada, até sistemas sofisticados de computador. A comunicação alternativa dispõe de sistemas criados ou adaptados especialmente com finalidade educativa ou terapêutica [5]. A comunicação alternativa e ampliada, portanto, é definida como uma maneira alternativa à comunicação oral e escrita [6]. Os recursos caminhos para inclusão.indd 109 23/8/2011 11:02:21 110 de comunicação alternativa devem ser iniciados o mais precocemente possível, a fim de se evitar a diferença entre a linguagem receptiva e expressiva, bem como suas consequências no desenvolvimento global da pessoa com dificuldade de expressão, tanto no aprendizado, como no nível de autonomia e integração social [7]. Os objetivos são variados e complexos, mas o principal é o de capacitar o indivíduo a se comunicar com eficiência, de forma que ele possa tomar parte ou retornar à sociedade como um indivíduo participativo e produtivo, apto à interação interpessoal e social [8]. Diante disso, funciona como uma ponte que conduz ou amplia o acesso à comunicação, permitindo ao individuo a maior independência possível em sua vida cotidiana. A comunicação alternativa funciona como uma vertente da Tecnologia Assistiva, que, por sua vez, tem como objetivo principal promover a autonomia e independência dos indivíduos [9] A LINGUAGEM DO AUTISTA A ideia inicial que se tem de conceito de comunicação é que nos comunicamos por palavras, pela fala. Por meio da fala, haveria troca de informações, sensações, sentimentos. Porém, numa interação face a face, o ser humano exibe uma infinidade de recursos verbais e não-verbais que se misturam e se completam [10]. O homem apresenta uma necessidade de compreender o mundo, logo, busca diferentes formas de se comunicar, desde gestos até palavras e escrita. Percorrendo este caminho, interage com o meio físico e social. A comunicação serve de vinculo para a linguagem, ou seja, constitui um instrumento social usado em interações visando à comunicação [11]. A criança com autismo apresenta distúrbios de comunicação verbal e não verbal, já que é caracterizada por uma ecolalia imediata e retardada ou pela repetição de frases estereotipadas, uma inversão pronominal (utilização do “Tu” quando o significado é “Eu”), uma afasia nominal [12]. Segundo Schirmer [12], é possível ainda verificar a ausência, incapacidade, ou mesmo limitação de simbolização, como a não utilização de termos abstratos. No que se refere à comunicação verbal, esta também é limitada, senão ausente [3]. Os déficits de linguagem trazem consigo não somente as limitações caminhos para inclusão.indd 110 23/8/2011 11:02:21 Caminhos da INCLUSÃO | 111 para o desenvolvimento cognitivo da criança, mas também para o seu desenvolvimento social e de personalidade. A comunicação, seja ela verbal ou não, é um instrumento primordial para o processo de integração social e é adquirida desde o nascimento por bebes com desenvolvimento típico ou normal [9]. COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA E AMPLIADA ATUAÇÃO DO TERAPEUTA OCUPACIONAL Na prática do Terapeuta Ocupacional, pode-se utilizar a Comunicação Alternativa como estratégia para auxiliar o sujeito a utilizar outro meio para se comunicar no lugar da linguagem falada. Tal recurso favorece a possibilidade da aquisição da percepção e comunicação, potencializando a autoestima da criança ao se perceber capaz de realizar ações outrora impossíveis. Na comunicação alternativa o terapeuta ocupacional considera os aspectos motores, cognitivos, sensoriais, emocionais e sociais envolvidos na utilização de um determinado símbolo, recurso, estratégia ou técnica para determinar o sistema mais adequado ao usuário. Em cada um dos aspectos que compreendem o sistema de comunicação, o papel do terapeuta ocupacional é fundamental [13]. O terapeuta ocupacional, na fase inicial da intervenção, por meio da comunicação alternativa, observa os comportamentos naturais da criança, percebendo suas necessidades, interesses, motivação, e, principalmente, sua organização para atingir um objetivo. É importante que o terapeuta ocupacional proporcione à criança a capacidade de tornar-se ativa, e que por sua vontade e uma ação realizada ela crie outras ações que irão estimulá-la a experimentar, acomodar e elaborar os processos de pensamento no intuito de interagir cada vez mais com o ambiente. As cartelas e comunicação alternativa, como recurso do terapeuta ocupacional, podem se constituir como a oportunidade da criança autista avançar em sua escala de desenvolvimento, de modo a suprir suas necessidades físicas e sociais. A intenção aqui não é apenas promover um meio para expressar suas necessidades e pedidos, mas também permitir a interação com a informação, contribuindo para uma maior evolução em termos sociais [14]. caminhos para inclusão.indd 111 23/8/2011 11:02:21 112 CONSIDERAÇÕES FINAIS A comunicação é essencial ao sujeito, facilitando sua integração social; quando se fala em linguagem não se remete apenas à fala, mas sim a esta associada ao gesto, expressão facial, e corporal, caracterizando a condição humana. No autismo as crianças são privadas inicialmente daquela habilidade humana, de modo que as tornam crianças atípicas, sem expressão e com comportamento estranho, bizarro, o que gera uma estigmatização perante a sociedade, que os vê como incapazes ou deficientes, e deles são retirados qualquer chance de conviver em sociedade. A terapia ocupacional, sendo uma ciência da saúde na qual uma de suas aptidões é por meio das atividades humanas, planejar e organizar o cotidiano, possibilitando melhor qualidade de vida ao indivíduo, pode fazer uso da comunicação alternativa que, neste contexto, foi apresentada como uma vertente da Tecnologia Assistiva. Esta, por sua vez, tem por objetivo compensar temporária ou permanentemente a dificuldade do indivíduo em se comunicar, auxiliando as pessoas que não utilizam a comunicação verbal para se expressarem. Na prática do Terapeuta Ocupacional pode-se utilizar a Comunicação Alternativa como estratégia para auxiliar o sujeito a utilizar outro meio para se comunicar no lugar da linguagem falada. Contribui para o aumento da possibilidade de aquisição da percepção e comunicação, afetando positivamente a autoestima a autoestima da criança, ao se perceber capaz de realizar atividades outrora pensadas impossíveis. Tendo em vista todas as dificuldades de comunicação apresentadas pelos autistas, percebe-se nesse tipo de intervenção, uma gama de possibilidades para promover o desenvolvimento da criança no que se refere à linguagem e as suas interações sociais. Favorece o processo de inclusão e autonomia destas crianças, que passam a ser entendidas e atendidas conforme sua necessidade, respeitando suas especificidades e singularidade. caminhos para inclusão.indd 112 23/8/2011 11:02:21 Caminhos da INCLUSÃO | 113 REFERÊNCIAS [1] Associação Americana de Terapia Ocupacional (AOTA ), 1972 In : Cavalcanti A, Galvão C. Terapia Ocupacional: Fundamentação e prática. RJ: Guanabara Koogan; 2007 [2] Cavalcanti A, Galvão C. Terapia Ocupacional: Fundamentação e prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2007. [3] Gauderer EC. Autismo e outros atrasos do desenvolvimento: guia prático para pais e profissionais. Rio de Janeiro: Revinter; 1997 [4] Leboyer M. Autismo Infantil: fatos e modelos. 6ª ed. Papirus; 2007. [5] Menzini EJ. Portal de ajuda técnicas para educação: Equipamentos e material pedagógico especial para a educação, capacitação e recreação de pessoas com deficiência física: Recuros de Comunicação Alternativa. 2ª ed. Brasília: MEC, SESP; 2006. [6] Nunes LROP, Pelosi MB, Gomes MR (Orgs). Um retrato da comunicação alternativa no Brasil: relatos de pesquisas e experiências. Vol. 1, Rio de Janeiro: Quatro Pontos/ FINEP, 2007. [7] Glenner A. Caderno de Terapia Ocupacional da UFSCar, v 13, n° 1, Jan/ Jun. 2005. [8] Fernandes AS. A comunicação alternativa na escola especial. Temas sobre desenvolvimento, v. 10, n° 58-9, p. 85-88, 2001. [9] Guanella. Obra Dom...E se falta à palavra, qual comunicação, qual linguagem? Discursos sobre comunicação alternativa. MENNON, São Paulo: 1999. [10] Manzini EJ. Conceitos básicos em comunicação alternativa e suplementar. In: K Carrara (Org). Educação, Universidade e Pesquisa. Marília: Unesp-Marília-Publicações, São Paulo: Fapesp; 2001. p. 161-178 [11] Souza IS, Oliveira AIA. Proposta de protocolo de observação das relações sociais de crianças usuárias de recursos de comunicação suplementar e/ ou alternativa. In: Oliveira AIA, Lourenço JMQ, Garroti MF. Tecnologia Assistiva: pesquisa e prática 2008. [12] Schirmer CR, Fontoura DR, Nunes ML. Distúrbios da aquisição da linguagem e da aprendizagem. Jornal de Pediatria - Vol. 80, Nº2(Supl.), 2004. [13] Schuwarizan JS. Autismo Infatil. São Paulo: Memnon; 1995. [14] Pelosi MB. Comunicação alternativa e Suplementar. In: Cavalcanti A, Galvão C. Terapia Ocupacional: fundamentação e prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2007. [15] Tavares APS, Silva MM, Pavezzi MF, Campaner NB, Antonelli RT. A terapia ocupacional utilizando-se da comunicação alternativa e ampliada, como mediadora em uma escola de educação especial visando favorecer as habilidades de comunicação e interação de uma criança com paralisia Cerebral. Unisalesiano de Lins, 2007. [16] ITS (Instituto de Tecnologia Social). Tecnologia Assistiva nas escolas: Recurso básicos de Acessibilidade Sócio-Digital para pessoas com deficiência, 2008. caminhos para inclusão.indd 113 23/8/2011 11:02:21 caminhos para inclusão.indd 114 23/8/2011 11:02:21 Caminhos da INCLUSÃO | caminhos para inclusão.indd 115 115 23/8/2011 11:02:21 caminhos para inclusão.indd 116 23/8/2011 11:02:22 ACESSIBILIDADE NO CONTEXTO ESCOLAR Alessandra Cavalcanti A. Souza1,3, Daniel Marinho Cezar da Cruz1,4, Giordana Chaves Calado 1,5, Victor Ruan Carvalho Soares 1,6, Alberto Luiz Aramaki1,6, Gismeire de F. Portes Ribeiro2,7 ACESSIBILIDADE NO TERRITÓRIO BRASILEIRO A adoção de ações e estratégias pela União para concretizar a acessibilidade (acesso universal), aos diversos espaços que constituem uma cidade, vem sendo realizada e implementada com afinco pelos gestores públicos há 20 anos. A acessibilidade é o desafio imposto a todos os municípios brasileiros como parte de uma política de mobilidade urbana que aspira a inclusão social, a equiparação de oportunidades e a efetivação da cidadania tanto das pessoas com deficiência, quanto das pessoas com mobilidade reduzida como, por exemplo, um idoso ou uma gestante. Desde 1989, com a publicação daquela que seria a disposição inicial sobre as responsabilidades do poder público na área de acesso às edificações: a Lei n. 7.853/1989 regulamentada pelo Decreto n. 3.298/1999, aos dias atuais, inúmeras normatizações foram postas em vigor impulsionando atitudes e aperfeiçoando decisões de dirigentes sobre o pleno acesso de todos aos diferentes contextos físicos que compreendem edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos [1] [2]. A este cenário somaram-se a Lei n. 10.048/2000 e a Lei n. 10.098/2000, regulamentadas pelo Decreto n. 5.296/2004. Com a implementação deste, a partir do ano de 2004 dá-se, com maior ênfase, início às apreciações e proposições sobre os direitos de ir e vir e sobre a cidadania [1]. 1 Laboratório Integrado de Tecnologia Assistiva da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (LITA/UFTM), [email protected] 2 Departamento de Inclusão Educacional e Diversidade da Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Uberaba. 3 Profa. Assistente do curso de Terapia Ocupacional da UFTM, pesquisadora do LITA/UFTM. 4 Prof. Assistente do Departamento de Terapia Ocupacional da UFSCar. 5 Arquiteta, Pesquisadora do LITA/UFTM. 6 Acadêmico do curso de Terapia Ocupacional da UFTM. 7 Assessora Pedagógica, Prefeitura Municipal de Uberaba. caminhos para inclusão.indd 117 23/8/2011 11:02:22 118 Ações de conscientização congregam valores relacionados à dignidade, diversidade e direitos e passam a ser motivadas em todo o território nacional através de veiculação de campanhas na mídia como também na imprensa. A palavra Acessibilidade alcança reconhecimento entre os pares e passa a compor o diálogo entre a sociedade civil e os dirigentes, nas ações e intenções de mobilização em respeito às diferenças e aos direitos fundamentais garantidos constitucionalmente. Como ferramenta norteadora das diretrizes impostas pelo Decreto n. 5.296/2004, que proporciona referência sobre acessibilidade, temse a Norma Brasileira NBR 9050, elaborada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Criada em 1985, tendo passado até o presente momento por duas revisões, uma em 1994 e a última em 2004. A NBR 9050 constitui o rol de apontamentos que auxilia no processo de estruturação da acessibilidade para profissionais, entidades governamentais ou não governamentais e usuários [3]. A literatura disponibilizada pela União amplia as considerações embasadas nas diretrizes apresentadas. Elas fundamentam o que a Acessibilidade é, representa e destina-se, ou seja, condição para utilização, com segurança e autonomia, total ou assistida, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos serviços de transporte e dos dispositivos, sistemas e meios de comunicação e informação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida [1]. Recentemente, com o desdobramento das ações advindas à definição de acessibilidade, incluíram-se as ações para a promoção e garantia do acesso universal, em especial, no ambiente escolar. O Decreto n. 6.571/2008 (que regulamenta o parágrafo único do art. 60 da Lei n. 9.394/1996) que, ao dispor sobre o atendimento educacional especializado na rede pública de ensino regular, objetiva, entre outras, a “adequação arquitetônica de prédios escolares para acessibilidade” [4]. O acesso a prédios escolares, por eliminação das barreiras ou pela adequação dos espaços físicos das escolas, contempla as questões vinculadas às facilitações de chegar à instituição (com implementação de rotas acessíveis), permanecer neste ambiente com conforto, utilizar dos mobiliários e produtos nele implementados (com autonomia) e encerram as discussões sobre a limitação de atividades e a restrição de participação, ligadas à inadequação dos espaços, usados na prática por todos, seja com limitações ou não. caminhos para inclusão.indd 118 23/8/2011 11:02:22 Caminhos da INCLUSÃO | 119 O AMBIENTE ESCOLAR A educação é uma das áreas de ocupação humana que ilustra algumas das atividades cotidianas como ler e escrever, nas quais as crianças se envolvem. Crianças com deficiência (física, sensorial, intelectual ou múltipla), bem como aquelas com transtornos globais do desenvolvimento e com altas habilidades, têm direito à educação e são o público-alvo da Educação Especial que, enquanto um sistema de ensino, recebe apoio para a manutenção e o desenvolvimento de sistemas inclusivos [4 e 5]. A Educação Inclusiva abarca também a adequação de prédios escolares para a acessibilidade e, na atualidade, possui um cenário promissor, cheio de informações que favorecem o desempenho, primariamente o escolar, daqueles que possuem deficiência e nele estão inseridos. As questões ligadas à mobilidade na comunidade e à utilização do transporte público e privado centralizam discursos, atuações e fomentam o campo de aprimoramento para estas ações diretamente vinculadas à prática de Tecnologia Assistiva; prática que é focada nas questões de acessibilidade e de adaptação (promoção de acesso e utilização do ambiente) [4]. Assim, o ambiente escolar encerra, como outros meios urbanos e edificados, espaços caracterizados por áreas de (i) circulação externa; (ii) circulação interna; (iii) mobiliário urbano; (iv) rampas e escadas; (v) estacionamento [6]. Distinta de outros espaços, na sua totalidade, os critérios para a promoção de acesso e utilização do ambiente escolar perpassam e tem como particularidades [7]: • • • • caminhos para inclusão.indd 119 O espaço urbano, destinado à circulação de pessoas e veículos, sejam eles de transporte individual de carga ou passeio, caracterizado pelas vias públicas – compreende passeio, pista, acostamento e canteiro. As rotas de acesso conectando os ambientes, incorporando corredores, pisos, rampas, elevadores, escadas com os sistemas de sinalização. Os ambientes: salas de aula, sala de informática, laboratórios, biblioteca, banheiros e vestiários, hortas, cozinha e refeitório, espaços de recreação e lazer (como um pátio, quadra ou um parque), cantina ou refeitório e os espaços para funcionamento da administração e direção. O mobiliário e equipamentos, ou seja, telefone público, 23/8/2011 11:02:22 120 • bebedouros e as carteiras escolares. O material didático e outras ajudas técnicas necessárias ao processo de Ensino-Aprendizagem. De acordo com o Decreto n. 5.296/2004, os estabelecimentos de ensino devem proporcionar condições de acesso e utilização de todos os seus ambientes para pessoas com deficiência e/ou com mobilidade reduzida, incluindo espaços como salas de aula, bibliotecas, auditórios, ginásios e instalações desportivas, laboratórios, áreas de lazer e sanitários [8]. A NBR 9050/2004 complementa que deve existir pelo menos uma rota acessível interligando o acesso de alunos às áreas administrativas, assim como acesso às áreas de prática esportiva, de recreação, de alimentação, salas de aula, laboratórios, bibliotecas, centros de leitura e demais ambientes pedagógicos [3]. Desta forma, as determinações são voltadas para a promoção de acesso e de condições para uma educação de qualidade especial que, na prática, é construída na efetividade de ações pautadas na acessibilidade. Então, no contexto escolar, a acessibilidade é focada nos materiais didáticos, nos espaços e equipamentos, nos sistemas de comunicação e informação e no conjunto das atividades escolares. Sob essa perspectiva tem-se o Programa Escola Acessível, que busca adequar o espaço das escolas estaduais e municipais, a fim de promover acessibilidade nas redes públicas de ensino. As ações podem ser de adequação arquitetônica ou estrutural do espaço físico reservado às salas de recursos multifuncionais (sala de aula que possuem material de Tecnologia Assistiva para o processo de Ensino-Aprendizagem), de adequação de sanitários, alargamento de portas e via de acesso, construção de rampas, instalação de corrimãos e colocação de sinalização tátil e visual, de aquisição de mobiliário acessível, cadeira de rodas, material desportivo acessível e outros recursos de Tecnologia Assistiva [4]. ESCOLA ACESSÍVEL A fim de promover acessibilidade nas redes públicas de ensino, foi implementada atividade de extensão através do Laboratório Integrado de Tecnologia Assistiva, em parceria com ações públicas, visando acompa- caminhos para inclusão.indd 120 23/8/2011 11:02:22 Caminhos da INCLUSÃO | 121 nhamento especializado na área de Tecnologia Assistiva às escolas da rede municipal de ensino que realizam atendimento educacional especializado. Uma equipe foi composta por profissionais das áreas de Terapia Ocupacional, Pedagogia, Arquitetura e Engenharia Civil e, em um empenho contíguo, procedeu-se a avaliação da acessibilidade das escolas municipais contempladas pelo programa de implantação de salas de recursos multifuncionais MEC/SEESP nos anos de 2005 a 2008. Realizouse a avaliação da acessibilidade com respeito aos princípios de desenho universal e às normas técnicas brasileiras para edificação e urbanização de 11 escolas, no intuito de favorecer a promoção da acessibilidade e da inclusão escolar. A inadequação do ambiente às condições de acessibilidade foi percebida praticamente em todos os espaços e mobiliários/equipamentos constantes nas escolas visitadas. Os principais apontamentos foram em relação à: • • • • • • • caminhos para inclusão.indd 121 Calçada (circulação externa): passeio com desníveis e falta de rebaixamento da calçada para travessia de pedestres. Rota de acesso interna (circulação interna): piso com grelhas e juntas de dilatação, no fluxo principal de circulação, com vão de dimensão superior a 15 mm e em má conservação. Sinalização visual e tátil (vertical): ausência de sinalização visual e tátil (em relevo e em Braille) nas entradas (Figura 1), nas áreas e vagas de estacionamento de veículos; áreas acessíveis de embarque/desembarque e sanitários com informação do ambiente. Banheiros: os sanitários e vestiários apresentados como acessíveis não obedecem aos parâmetros da NBR 9050/2004 ou a escola não possui banheiro acessível (Figura 2). Salas de aula: porta de acesso sem vão livre mínimo para passagem de uma pessoa em cadeira de rodas. Cantina/Refeitório: balcão de atendimento e mobiliário (mesa) não possui altura adequada para utilização do aluno em cadeira de rodas (Figura 3). Mobiliário: ausência de mobiliário escolar (mesa e cadeira) acessível para pessoas com deficiência; bebedouros não permitem aproximação frontal da pessoa em cadeira de rodas e seus comandos não atendem a altura (0,90 m) estabelecida na NBR 9050:04 (Figura 4) e telefone público sem sinalização de alerta. 23/8/2011 11:02:22 122 Figura 1. Escola pública sem identificação na entrada. Fonte: LITA/UFTM Figura 2. Banheiros de escola pública fora das determinações da NBR9050/2004. Fonte: LITA/UFTM Figura 3. Área destinada à cantina/refeitório sem oferta de local para usuários de cadeira de rodas. Fonte: LITA/UFTM. caminhos para inclusão.indd 122 23/8/2011 11:02:22 Caminhos da INCLUSÃO | 123 Figura 4. Bebedouros (mobiliário) em escola pública em desacordo com a NBR 9050:04. Fonte: LITA/UFTM CONSIDERAÇÕES FINAIS Os critérios para a promoção de acesso e utilização do ambiente escolar perpassam pelo entorno urbano (ruas, meio de transporte e identificação da escola), pela edificação escolar (acessos e circulação; orientação e sinalização), pelos diversos ambientes (salas de aula, salas de informática, laboratórios, biblioteca, banheiros e vestiários, hortas, cozinha e refeitório e parque); pelo mobiliário e equipamentos (telefone público, bebedouro e carteira escolar, pelo material didático e pelas ajudas técnicas necessárias ao processo de Ensino-Aprendizagem. As adequações que se fazem necessárias devem ser pautadas não somente nos princípios de Desenho Universal, mas também devem estar de acordo com a NBR 9040/2004, que pontua as regulamentações brasileiras referentes à acessibilidade arquitetônica e urbanística. Para a efetivação de estratégias, práticas e serviços que objetivam a inclusão educacional, tendo como referência o emprego da Tecnologia Assistiva, a adequação dos contextos escolares amplia as condições de acessibilidade ao meio físico, promovendo autonomia, atividade e participação das crianças com deficiência. Sugere-se iniciar a acessibilidade de escolas modificando o acesso às salas de aula com alargamento de porta, construção de rampa no desnível da porta e colocação de sinalização visual e tátil; implantação de rotas acessíveis a todos os ambientes com piso antiderrapante, regular e estável e adequação das grelhas de acordo com os parâmetros da Norma de Acessibilidade; implantação de guias rebaixadas e aquisição de mobiliário acessível com dimensões de acordo com a NBR 9050/2004. caminhos para inclusão.indd 123 23/8/2011 11:02:22 124 REFERÊNCIAS [1] Brasil. Coordenadoria Nacional da Pessoa Portadora de Deficiência. Acessibilidade. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos; 2005. [2] Brasil. Ministério das Cidades. Brasil Acessível – Programa Brasileiro de Acessibilidade Urbana. Caderno 1. Brasília: Secretaria Nacional de Transporte e da Mobilidade Urbana; 2004. [3] ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 9050/2004 – Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos, 2 ed. Rio de Janeiro: ABNT; 2004 [4] Presidência da República. Brasil. Decreto n° 6.571, de 17 de setembro de 2008. Brasília: Diário Oficial da União; 18/09/2008. [5] AOTA – American Occupational Therapy Association. Occupational Therapy Practice Framework: Domain and Process. (2ed). American Journal of Occupational Therapy, v. 62, n. 6, p. 625-683, nov/dez; 2008. [6] Torres FPT. Guia de Acessibilidade Urbana. Belo Horizonte: CREA/MG, Prefeitura Municipal de Belo Horizonte; 2006. [7] Calado GC. Acessibilidade no Ambiente Escolar: reflexões com base no estudo de duas escolas municipais de Natal-RN. [Dissertação] Centro de Tecnologia Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal; 2006. [8] Lima, N.M. Pessoa Portadora de Deficiência - Legislação Federal Básica. Brasília: SEDH, Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência; 2007. caminhos para inclusão.indd 124 23/8/2011 11:02:23 CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL DA INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA CAPSI DE OURO PRETO, MG: ATIVIDADES INTERSETORIAIS E INTERDISCIPLINARES, SAÚDE MENTAL, EDUCAÇÃO E FAMÍLIA Christine Vianna Algarves Magalhães1 Ramon Alfenas Panades2 INTRODUÇÃO Este artigo apresenta a história de um Centro de Atenção Psicossocial da Infância e da Adolescência (CAPSi) em Ouro Preto, MG, a partir da reforma psiquiátrica, e conta uma trajetória envolvendo as ações para a construção de uma Política Pública em Saúde Mental, no município de Ouro Preto, para a Infância e a Adolescência É iniciativa do grupo de profissionais da Saúde Mental, intervir nas ações e acompanhar o processo de inclusão educacional e social de crianças e adolescentes em tratamento no Centro de Atenção Psicossocial da Infância e Adolescência de Ouro Preto MG (CAPSi) , de acordo com as diretrizes da Educação Nacional [1]. Quando surge o lema “Por uma sociedade sem manicômios” com a participação de profissionais da Saúde Mental, o modelo de assistência aos usuários se modifica e possibilita novas intervenções. O projeto de lei de autoria do deputado Paulo Delgado, de 1987, sugeriu mudanças na legislação psiquiátrica e tornou-se catalisador dos debates acerca da questão antimanicomial, mas somente foi aprovado em abril de 2001, consolidando o novo modelo assistencial dos CAPS. A Lei n. 10.216/2001, da Reforma Psiquiátrica, a Portaria MS n. 336/2002 e a Portaria MS n. 189/2002 incorporam os avanços ocorridos na condução dos equipamentos substitutivos. O Ministério da Saúde (2004) define que os ser1 Coordenadora do Centro de Atenção Psicossocial da Infância e da Adolescência (CAPSi.) de Ouro Preto, MG. Presidente da Comissão Técnica Nacional de Acompanhamento de Alunos com Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) e Deficiências Múltiplas (DMU) da ação TECNEP/SETEC/MEC, christinevianna9@ gmail.com 2 Psicólogo do Centro de Atenção Psicossocial da Infância e da Adolescência de Ouro Preto, MG, [email protected] caminhos para inclusão.indd 125 23/8/2011 11:02:23 126 viços substitutivos tipo CAPS devem, necessariamente, oferecer oficinas terapêuticas, uma das principais formas de tratamento encontradas nesses estabelecimentos [4][5]. A Reforma Psiquiátrica tem possibilitado que se desvelem processos de inclusão. São processos difíceis, mas que, muitas vezes, possibilitam mudanças, pequenos acontecimentos que potencializam a luta por sua qualidade de vida. A partir de 2008, teve início o atendimento do serviço de Saúde Mental do município para a Infância e a Adolescência, com o trabalho interdisciplinar dos profissionais em atividades individuais e em grupo no CAPSi de Ouro Preto. O serviço inicia as suas atividades em parcerias com as Secretarias de Educação e Assistência Social e os Conselhos Tutelar e Municipal da Criança e do Adolescente (CMDCA). Sendo assim, possibilitou-se a ampliação com o trabalho em grupo e diversificado. Em consonância com as diretrizes do Ministério da Saúde, o município vem desenvolvendo uma política de consolidação do CAPS e de implantação do CAPSi, o que permite concluir que o município, nesse novo modelo de gestão, acompanha a evolução que vem ocorrendo na Clínica e na Política para lidar com o sofrimento psíquico, constituindose em uma experiência inédita na história dos CAPS, conforme pode-se verificar nos resultados obtidos no serviço, com as atividades oferecidas aos usuários, a forma de tratar e lidar. Esta proposta é inovadora, com atendimento multidisciplinar e interdisciplinar entre os profissionais dentro e fora dos serviços em outros espaços da comunidade, na sede e nos distritos. Entre eles, as escolas, o Posto da Saúde da Família (PSF), a Secretaria de Assistência Social e a Secretaria de Educação com diversos dispositivos. A Reforma Psiquiátrica aparece como movimento constantemente em construção. Inclusive nos novos serviços substitutivos, onde as relações de poder ainda dão espaço para a dominação de uma disciplina sobre as outras e de todas as disciplinas envolvidas (Psiquiatria, Psicologia, Terapia Ocupacional, Serviço Social, Enfermagem, artesão, artistas, entre outras). Como lidar com as diferenças e a loucura? O saber de cada profissional? As interpretações dos usuários, da família e da escola? caminhos para inclusão.indd 126 23/8/2011 11:02:23 Caminhos da INCLUSÃO | 127 A Saúde Mental brasileira, nas duas últimas décadas, passou por transformações através de avanços que constituíram e constituem o processo contemporâneo de atendimento. Programam-se e criam-se dispositivos com novas estratégias nos serviços de Saúde Mental. Na perspectiva de ampliação do objeto de intervenção proposto pela Reforma Psiquiátrica, o trabalho ganha novos contornos como, por exemplo, a necessidade de que a esse objeto redesenhado, reconstruído, correspondam novos instrumentos e mecanismos. Nesse sentido, que aconteçam algumas modificações nas práticas terapêuticas. OBJETIVOS • • • • • • • • • Possibilitar o atendimento integral à infância e adolescência na Saúde Mental. Acompanhar os usuários do serviço de Saúde Mental na educação e na família. Desenvolver atividades nos diversos espaços da comunidade em parceria com os outros setores. Ampliar as atividades em grupo. Criar estratégias para o atendimento interdisciplinar. Realizar acolhimento em grupo. Introduzir conceitos da Análise Institucional que possam colaborar nas práticas educacionais, objetivando um saber e um fazer que venham de encontro às dificuldades que a Educação Inclusiva se depara constantemente. Deflagrar processos de autoanálise e autogestão nos coletivos educacionais. Proporcionar um melhor entendimento nos processos de interação humana e no funcionamento social. DESENVOLVIMENTO As atividades no serviço de Saúde Mental, no CAPSi em Ouro Preto, vêm sendo realizadas pelos profissionais da área de Saúde e Educação. Hoje, a equipe é formada por 2 Psicólogos, 1 Psiquiatra, 1 Fonoaudiólogo, caminhos para inclusão.indd 127 23/8/2011 11:02:23 128 1 Pedagogo, 1 Terapeuta Ocupacional, 1 Coordenador, 3 Administrativos, 2 estagiários do programa Jovens de Ouro e 3 estagiários do curso de Medicina, 1 estagiário de Terapia Ocupacional e 1 Enfermeiro. Desenvolve-se o projeto Saúde Mental na Educação com visitas periódicas nas escolas da sede e dos distritos e com a participação nas atividades de grupo dos professores e gestores. É elaborado um estudo de caso para discussão de, por exemplo, como abordar a família; como intervir nas situações de agressividade do aluno na escola; como proceder com o aluno que apresenta dificuldades de aprendizado; como encaminhar o aluno com transtorno de conduta de comportamento, etc. para o serviço especializado. Com esse objetivo, no presente trabalho, os profissionais, buscam sumariar algumas das dicas que podem auxiliar os professores do Ensino Básico no ensino de alunos com necessidades educacionais especiais, principalmente, com transtornos. Todavia, é aqui que residem as maiores dificuldades do professor, ao lidar com alunos com transtornos: os professores não possuem o conhecimento específico, muitas vezes, desconhecem a legislação da Educação Inclusiva e precisam saber como eles aprendem. Os professores aprenderam a reproduzir o conhecimento de uma só maneira, desejando que ele nos seja regurgitado de uma mesma forma, igual ao que oferecem aos alunos; e mais, que esse conhecimento, supostamente ensinado, nos retorne, ao mesmo tempo e com a mesma velocidade, nas provas e testes escolares. É comum que os professores tornem-se ansiosos em relação ao aprendizado do aluno. Cada aluno aprende ao seu modo e manifesta o conhecimento à sua maneira, ao seu tempo e de acordo com sua vontade e prazer. Reconhecer isso requer grande esforço, visto que contraria o modo condicionado de pensar a educação. Historicamente, aprende-se que é o professor o detentor do conhecimento, e destituí-lo desse poder implica numa aparente perda de status. No entanto, essa perda é apenas aparente, visto que o professor aprende muito com o aluno, inclusive como ensiná-lo. Destarte, cumpre-se com a verdadeira função do professor, que vai muito além de ensinar as primeiras letras, as primeiras contas, os primeiros desenhos e o primeiro significado da palavra amor. Entender isso, que esses alunos podem de fato ensinar ao professor é, portanto, romper barreiras atitudinais – historicamente produzidas caminhos para inclusão.indd 128 23/8/2011 11:02:23 Caminhos da INCLUSÃO | 129 – que limitam e mesmo impedem esses alunos de alcançarem os níveis mais superiores da educação e sua completude como cidadãos plenos e humanos na sociedade. Mais que oferecer um conjunto de orientações de como ensinar ao aluno com necessidades educacionais especiais, o projeto objetivou trazer princípios com os quais o profissional pode fortalecer-se no ensino para todos, assim como lidar com as particularidades apresentadas por eles. Esses princípios norteadores da escola para todos devem ser vividos, mais do que aprendidos. A metodologia utilizada neste processo de intervenção intersetorial na educação visa primeiramente identificar as dificuldades em duas fases distintas: uma cognitiva e outra relativa à subjetividade do aluno. Com esta contribuição e as especificidades dos problemas, uma leitura com abordagens da teoria com a prática faz surgir as particularidades do sujeito para além das demandas identificatórias propostas pelos especialistas da educação. Nos espaços do CAPSi também são realizadas atividades semanais de grupo com as famílias e de psicomotricidade com as crianças e com os adolescentes, como as oficinas de artes, grupo de leitura, grupo de atividades sensoriais, entre outras. As atividades em grupo, sempre com mais de um profissional e de especialidades diferentes, podem intervir com seus saberes e favorecer o atendimento adequado, atendendo as necessidades de cada um. A escuta é um dos recursos muito utilizados na Saúde Mental pelos profissionais e de grande importância. Foi interessante nas atividades com os profissionais da educação e nos outros grupos com a atenção primária, nos PSF, aprender a escutar o que a próprio aluno, ou o usuário (paciente) ou a família, tem a dizer sobre a sua dificuldade. Isso é o que possibilita não apenas a elucidação de elementos de subjetividade ou de sentido inconsciente, acrescendo o mínimo de significação que deve ter, como também a invenção de um método de intervenção [2]. Sendo assim, introduziu-se um instrumento de investigação dos processos pedagógicos com as especialidades clínicas, na construção de um equipamento terapêutico e de intervenção. É fundamental a construção dos laços afetivos para a efetivação das intervenções, seja individual ou em grupo. Com o trabalho de reinserção, a criança e o adolescente passam a caminhos para inclusão.indd 129 23/8/2011 11:02:23 130 fazer parte deste processo educacional e social da clínica de Saúde Mental. Uma das técnicas utilizadas neste projeto de Saúde Mental na Educação foi o Esquizodrama como instrumento de discussão e expressão. Uma estratégia educacional a partir da análise institucional no serviço. A Esquizoanálise que, para Guattari, tem como principal característica a liberdade de inventar, criar, sentir, sempre irrepetível, numa dinâmica singular que tem influenciado diversas áreas do saber desde então. O Esquizodrama, segundo Baremblitt, em suma, esquizodramatizar consiste em desmontar o que não funciona (para a vida de todos) e intensificar o que funciona com essa finalidade [2]. Este projeto procura atender às especificidades da clínica com a parceria da educação. Busca-se uma compreensão dessas duas modalidades para o entendimento de ambos no processo de Ensino-Aprendizagem destes alunos que apresentam necessidades educacionais especiais. Segundo a Declaração de Salamanca, de 1994 [3]: - Toda pessoa tem direito fundamental à educação, e deve ser dada à oportunidade de atingir e manter o nível adequado de aprendizagem; - Toda pessoa possui características, interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem que são únicas; - Os sistemas educacionais devem ser designados e programas educacionais devem ser implementados no sentido de se levar em conta a vasta diversidade de tais características e necessidades; - Aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola regular, que deve acomodá-lo dentro de uma pedagogia centrada no aluno, capaz de satisfazer a tais necessidades; - Escolas regulares que possuam tal orientação inclusiva constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias criando-se comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e alcançando educação para todos; além disso, tais escolas provêem uma educação efetiva à maioria das pessoas e aprimoramento à eficiência e, em última instância, o custo da eficácia de todo o sistema educacional. caminhos para inclusão.indd 130 23/8/2011 11:02:23 Caminhos da INCLUSÃO | Figura 1. Grupo interdisciplinar. 131 Figura 2. Grupo de Família. CONSIDERAÇÕES FINAIS Para que uma Política de Saúde seja coesa e alcance resultado positivo, diversos fatores compõem a atenção integral ao usuário de Saúde Mental como a intersetorialidade, a atenção integral, a prevenção e a promoção. Sabe-se que todas as pessoas são merecedoras de tratamentos especiais na sociedade, ou seja, nelas há de se identificar uma relação direta entre a sua individualidade e suas necessidades específicas. Todo esse processo tem como finalidade aproximar o educador de recursos de extrema relevância e pertinência se utilizados com a perspicácia necessária, transformando as ações do Ensino-Aprendizagem mais favoráveis no desenvolvimento dos alunos que necessitam de um acompanhamento especializado. É importante que não haja discriminações. Na interdisciplinaridade, o que está em questão é um novo saber gerado pelo trabalho conjunto, coletivo, participativo das diversas especificidades em cada intervenção. Assim, torna-se possível uma ética comum, constituindo um olhar transdisciplinar do Saber. Durante o desenvolvimento do projeto, os professores e gestores e os profissionais da saúde, participaram das atividades propostas nos grupos e conseguiram identificar o problema com um novo olhar. Criaram diferentes maneiras para representar e solucionar os problemas emergentes de sala de aula, de forma que seja garantido o aprendizado do aluno e a implantação da Educação Inclusiva. Com este trabalho, reduz-se a demanda no serviço de Saúde Mental, no CAPSi, relacionada às dificuldades de aprendizado e, em alguns casos, passam a ser uma consequência dos transtornos já identificado. Sabe-se que o trabalho em grupo necessita de um tempo para a cons- caminhos para inclusão.indd 131 23/8/2011 11:02:23 132 trução das relações pessoais e para que obtenha os resultados esperados. Esta iniciativa dos profissionais da Saúde Mental em desenvolver ações na educação é muito positiva e pode obter bons resultados com a interdisciplinaridade e intersetoriedade, ou seja, com os diferentes saberes. Esta perspectiva, ao mesmo tempo em que amplia suas possibilidades de ação, desafia-o a se relacionar com as outras áreas, com o usuário e a família, não apenas restrita aos problemas específicos de uma única instituição educacional ou de uma especialidade. Saber trabalhar em equipe torna-se essencial na construção de soluções e práticas coletivas. A ação do profissional contribuiu para a conscientização de papéis, funções e responsabilidades dos participantes das complexas redes interativas que permeiam o contexto escolar e institucional, da saúde e da educação. A intervenção é a ação transformadora praticada segundo uma ética e uma política e formalizada em uma teoria aplicada segundo certas regras metodológicas e uma série de recursos técnicos [2]. Todo este procedimento parte de uma avaliação logística de disponibilidades e é planificado segundo uma estratégia que se decompõe em táticas. Seu objetivo central é propiciar nos coletivos intervindos a ação do instituinte. A construção de uma política pública voltada para a população de crianças e adolescentes continua sendo um dos maiores desafios para o campo da Saúde Mental. Desenvolver um trabalho em rede é uma das necessidades estratégicas para a consolidação de uma política pública para este segmento no município. REFERÊNCIAS [1] Brasil. Lei n. 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, dez. 1996. [2] Baremblit G. Compêndio de Análise Institucional e outras correntes. 5ª ed. Belo Horizonte - MG: Instituto Felix Guattari; 2002. [3] Conferencia Mundial da educação especial. Declaração de Salamanca. Salamanca, Espanha, 1994. [4] Ribeiro RCF. Oficinas e redes sociais na reabilitação psicossocial. In: C. M. Costa & A. C. Figueiredo (Orgs.). Oficinas terapêuticas em saúde mental: Sujeito, produção e cidadania. Rio de Janeiro; 2004. 105p [5] Ministério da saúde. Caminhos para uma Política de Saúde Mental Infanto-juvenil. Brasília/DF: Editora MS; 2005. caminhos para inclusão.indd 132 23/8/2011 11:02:23 HANSENÍASE: UM OLHAR PSICOSSOCIAL Nonato Márcio Custódio Maia Sá1, Adriana Valery de Oliveira Sá2 INTRODUÇÃO A hanseníase é uma doença sistêmica dermatoneurológica infecciosa, transmitida de pessoa para pessoa através do convívio com doentes das formas contagiantes (virchowiana ou dimorfa) sem tratamento. Apresenta sinais e sintomas clínico-neurológicos específicos característicos de cada uma das formas clínicas em que pode se apresentar esta enfermidade [1,2,3]. Ressalta-se que a Moléstia de Hansen (MH) é uma doença de evolução lenta. Caracteriza-se por manifestações dermatológicas e neurológicas. Acomete os nervos periféricos dos membros e da face, promovendo, após longa evolução, perdas de funções sensitivas e motoras. Pode causar deformidades permanentes nos mais variados graus, mutilações, limitações físicas, psicossociais e incapacidade grave, principalmente, nos casos de diagnóstico tardio e tratamento inadequado [3]. A doença pode atingir praticamente todos os órgãos e sistemas onde haja macrófagos, exceto o sistema nervoso central. Evolui de forma crônica, podendo apresentar períodos de agudização denominados reações. É potencialmente incapacitante e, embora curável, seu diagnóstico causa grande impacto psicossocial, pelos preconceitos e estigmas que a envolvem [4]. O Bacilo de Hansen tem um tropismo especial pelos nervos periféricos, atingindo desde as terminações da derme aos troncos nervosos, podendo gerar, nas mãos, garra ulnar e medial e punho caído e, nos pés, garra nos dedos e pé caído. Estas manifestações podem ser acompanhadas de dor intensa, hipersensibilidade do nervo, edema, déficit motor e sensitivo, acarretando, após longo período de evolução, deformidades, incapacidades e mutilações [5]. 1 Terapeuta Ocupacional, doutorando em Doenças Tropicais (UFPA/UEPA), professor Assistente II do Departamento de Terapia Ocupacional da UEPA. 2 Terapeuta Ocupacional da Secretaria de Estado de Assistência e Desenvolvimento Social (SEDES), especialista em Saúde Pública. caminhos para inclusão.indd 133 23/8/2011 11:02:24 134 É uma doença que pode afetar pessoas de todas as idades e ambos os sexos, no entanto, raramente ocorre em crianças. Há uma incidência maior da doença nos homens do que nas mulheres, na maioria das regiões do mundo. [5] Além das condições individuais, outros fatores relacionados aos níveis de endemia e às condições socioeconômicas desfavoráveis – assim como condições precárias de vida e de saúde e o elevado número de pessoas convivendo em um mesmo ambiente – influem no risco de adoecer. [6] ASPECTOS HISTÓRICOS A hanseníase é conhecida como uma doença cuja história remete as leis prescritas por Deus na Bíblia Sagrada. Esses registros podem ser observados no livro de Levítico, capítulos 13 e 14, respectivamente, os quais tratam das leis acerca da lepra e do leproso depois de sarado [7]. Mais amplamente conhecida pela designação de lepra, parece ser uma das mais antigas doenças que acomete o homem e acredita-se que seja originária da Ásia [8]. De acordo com Opromolla [9], “é difícil afirmar, com certeza, a época do aparecimento de uma doença baseada em textos antigos, a não ser que haja uma descrição razoável da mesma com citações dos aspectos que lhe são mais característicos. Se não for assim, confiar apenas em dados fragmentários e em suposições dos tradutores desses textos, o assunto se torna confuso e gera uma série de falsas interpretações”. Ressalta-se a dificuldade de encontrar, nos textos antigos, uma descrição clara e precisa dos aspectos clínicos da doença, possibilitando algumas confusões a respeito de sua história e evolução ao longo do tempo em diferentes regiões do mundo. Em que pese às conjecturas textuais antigas, autores avançam em discussões sobre a regiao onde se originou a moléstia da lepra [10]. Nesse sentido, a África é considerada como berço desta doença. Porém, ainda hoje se discute se a hanseníase é de origem asiática ou africana. Embora conhecida há muitos anos na Índia, China e Japão, no Egito já existiam registros de 4.300 anos a.C. [11]. Há, também, evidências objetivas da doença em esqueletos desco- caminhos para inclusão.indd 134 23/8/2011 11:02:24 Caminhos da INCLUSÃO | 135 bertos no Egito, datando do segundo século antes de Cristo [10]. Skinsnes [12] ressalta que uma das mais autênticas descrições da hanseníase é encontrada no manuscrito chinês intitulado “Remédios secretos completos”, escrito por volta de 190 a.C., no qual se encontra a descrição de uma doença que provocava a perda de sensibilidade e o aparecimento de manchas vermelhas que inchavam e depois se ulceravam, ocorrendo em seguida queda de sobrancelhas, cegueira, deformidade nos lábios, rouquidão, ulceração das plantas dos pés, desabamento de nariz e deslocamento de articulações. Segundo Opromolla [13], admite-se que a hanseníase era desconhecida na Europa na época de Hipócrates (467 a.C). Acredita-se que o exército de Alexandre o Grande, ao retornar da Europa após conquistar o mundo então desconhecido, possa ter trazido indivíduos contaminados da Índia (300 a.C.). Aretaeus e Galeno, por volta do ano 150 d.C, fizeram referências a doença, embora fosse bastante conhecida na Grécia. Segundo Jopling e McDougall [8], da Grécia a doença de Hansen foi gradativamente alcançando a Europa por intermédio de soldados infectados, comerciantes e colonizadores, tornando-se mais prevalente entre os séculos X e XV. O primeiro trabalho sobre a doença, intitulado “Terapêutica de Afecções Crônicas”, designa a hanseníase como elephas ou elefantíase. Esta obra fala sobre a semelhança da pele doente à pele do elefante, que é espessada. Nesta mesma obra foi introduzido o termo facies leonina para designar o aspecto da face do paciente, infiltrada pela patologia. Nesta obra, nota-se um conhecimento avançado a respeito da hanseníase virchowiana, sem, contudo, fazer referências a distúrbios de sensibilidade [13]. O termo lepra absorveu, então, outras designações da doença como elefantíase. Daniellsen e Boeck [14] comentam que a palavra lepra era usada para designar diferentes patologias cutâneas, uma vez que os médicos antigos não tinham conhecimentos mais precisos sobre as doenças dermatológicas. Para se ter uma ideia doenças como o líquen, a psoríase, a escabiose, o impetigo e a hanseníase eram agrupadas na mesma categoria. Registros da Idade Média apontam que [10] a hanseníase teve alta incidência na Europa e Oriente médio. De acordo com Pinto [15], “os médicos medievais consideravam a lepra simultaneamente uma doença caminhos para inclusão.indd 135 23/8/2011 11:02:24 136 contagiosa e hereditária, ou oriunda de uma relação sexual consumada durante a menstruação”. Para Opromolla [13], há referências de que a hanseníase existia em muitos outros lugares da Terra durante a antiguidade. Porém, o fato é que esses registros mais antigos revelaram traduções errôneas de termos designando diferentes moléstias. Há, também, registros históricos da chegada da hanseníase em terras brasileiras. Eidt [16] sugere que a hanseníase entrou no Brasil por vários pontos do litoral, trazida pelos primeiros colonizadores portugueses, ou açorianos, os quais colaboraram para sua disseminação. Ressalta-se ainda que outros povos europeus também contribuíram para o avanço da doença no território brasileiro. No Brasil, os primeiros casos da doença foram notificados no ano de 1600, na cidade do Rio de Janeiro, onde, anos mais tarde, seria criado o primeiro lazareto, local destinado a abrigar os doentes de Lázaro, lazarentos ou leprosos [10]. De acordo com Maurano [18], após a introdução da moléstia por diversos pontos da costa brasileira, a infecção teria acompanhado a marcha da colonização. De Pernambuco, um dos mais antigos centros da agricultura usineira, teria a hanseníase se estendido à Paraíba e a Alagoas devido ao desenvolvimento agrícola dessas regiões. E ao Ceará, Maranhão, Pará e Amazonas por ocasião da ocupação desses Estados. Esses são alguns registros da trajetória histórica da hanseníase. A trajetória da doença não para por aqui. Outros fatos e acontecimentos são verificados no mundo e nas diferentes regiões do Brasil. Este cenário contribuiu para a evolução de avanços na administração, manejo e controle da doença, mas, distante de alcançar a tão esperada erradicação. O OLHAR PSICOSSOCIAL A hanseníase, ao longo de sua história, mostrou-se uma temática polêmica, pois esteve, em vários momentos, permeada por valores socioculturais controversos. Entende-se que muitos desses valores constituíram uma expectativa de como deveriam viver os hansenianos ou, até então, leprosos. A segregação, o isolamento, o estigma, ou até mesmo o medo, fizeram parte dessa trajetória histórica [6]. caminhos para inclusão.indd 136 23/8/2011 11:02:24 Caminhos da INCLUSÃO | 137 Nesse contexto, pode-se dizer que um inimigo poderoso da pessoa com hanseníase, além da própria doença, é o preconceito. A doença carrega consigo a marca do preconceito, discriminação e exclusão social desde o seu surgimento. Sabe-se que durante um longo tempo os indivíduos foram rejeitados pela sociedade, família e amigos e condenados a viver em total situação de privação, perdendo o contato com o mundo externo para evitar a contaminação [6]. Atualmente, as pessoas acometidas pela doença não necessitam mais de internação. No passado, em consequência da inexistência de medicamentos eficazes, era imprescindível a internação da pessoa com hanseníase. No momento em que eram diagnosticadas como “leprosas”, as autoridades de saúde providenciavam o encaminhamento para instituições afastadas das cidades, onde praticamente perdiam o contato com a sociedade, denominadas de “leprosários” [19]. No Brasil, até 1969, o tratamento para a hanseníase ou Lepra consistia no isolamento de doentes em colônias de leprosos. Em 1986, as colônias foram “reestruturadas”. Porém, após anos de confinamento, sem estrutura familiar, financeira ou orgânica, a maioria dos pacientes permaneceu nesses lugares [20]. Embora atualmente a hanseníase tenha tratamento e cura, o estigma e o preconceito permanecem enraizados em nossa cultura. Essa realidade cria obstáculos para o indivíduo no enfrentamento da doença, remetendo essas pessoas ao tabu da morte, mutilação e incapacidade. Em consequência, acarreta sérias repercussões na vida pessoal e profissional da pessoa com hanseníase: medo, preconceito, sentimento de exclusão, baixa autoestima, comprometimento do auto-conceito e autoimagem [5,6]. A hanseníase é uma patologia que ultrapassa a necessidade de um olhar apenas biológico ou médico. As consequências sociais e psicológicas revelam à necessidade urgente de se promover uma atenção voltada para um olhar holístico, integral e não dicotomizado ou unilateral [6]. Entender a hanseníase apenas como um bacilo significa reduzir a capacidade de pensar crítica e reflexivamente aspectos de elevada importância para o tratamento da pessoa acometida pela doença. Sabese que os conhecimentos da microbiologia são de extrema importância. Porém, faz-se necessário a compreensão do ser humano como um todo. caminhos para inclusão.indd 137 23/8/2011 11:02:24 138 Como se faz necessário, também, imprimir um olhar capaz de enxergar as múltiplas dimensões que envolvem o problema da hanseníase. Um olhar sensível para as questões psicossociais da hanseníase. Um olhar que autentica e redimensiona uma perspectiva inclusiva, descaracterizando, definitivamente, o caráter de exclusão que, durante séculos, foi atrelado à doença [19, 20, 21]. Sobre a questão do preconceito que permeia o contexto das pessoas acometidas pela hanseníase, Borenstein [19] comenta que ele surge devido à falta de esclarecimento no âmbito geral da população. De um modo geral, levando-se em consideração as diferenças biopsicossociais, pode-se esperar dois tipos de reações do indivíduo acometido pela doença: a ausência de esclarecimento do que é a hanseníase; e a associação imediata que se faz com a lepra e com todo seu contexto sociocultural. Não se deve esquecer que a história da pessoa com hanseníase foi marcada pela exclusão, preconceito e medo [22]. E, em muitos casos, pela perda gradativa da participação social, principalmente marcada pela discriminação. As consequências nos aspectos sociais e psicológicos que envolvem a hanseníase demandam uma atenção global, cuja assistência deve ultrapassar a visão reducionista, primando por uma visão biopsicossocial do indivíduo [22]. Nesse cenário, outro aspecto relevante diz respeito ao que Cunha [22] comenta: a falta de esclarecimento sobre o modo de transmissão, controle e cura da Hanseníase, bem como o medo da exclusão social, contribui significativamente para que a doença continue sendo temida ao longo dos tempos, e marcada por uma série de dificuldades em lidar com o estigma imposto a essa enfermidade. Segundo Baialardi [6], o estigma revela-se como sendo um fenômeno real, que pode acometer o indivíduo nos aspectos físicos, psicológicos, sociais e econômicos, além de representar o conjunto de fatores como crenças, medos, preconceitos, sentimento de exclusão que atinge as pessoas acometidas pela hanseníase. Para Eidt [16], o estigma e o preconceito estão relacionados à visão histórica de ameaça e de morte da hanseníase que permanecem no imaginário da sociedade, sujeitando os indivíduos ao medo da morte e mutilação. Essa compreensão pode provocar sofrimento psíquico às pes- caminhos para inclusão.indd 138 23/8/2011 11:02:24 Caminhos da INCLUSÃO | 139 soas acometidas pela doença, além de sérias repercussões na vida social e profissional. Com relação ao auto-estigma, Garcia [22] revela que o seu surgimento se dá a partir de situações semelhantes ao estigma. O autor assevera que o próprio sujeito hanseniano passa a não se aceitar, rejeitandose e negando-se. Como consequência, enfrenta seu problema afastandose do convívio social ou, em outras situações, aproximando-se de pessoas acometidas pela doença na tentativa de compartilhar seu processo de adoecimento, trocando experiências. No âmbito do estigma e preconceito, cabe direcionar o olhar psicossocial para uma concepção baseada nos princípios da inclusão. O olhar inclusivo sobre a pessoa com hanseníase é um olhar que demonstra uma justa preocupação com o ser deficiente, mas, sobretudo, o ser cidadão, o ser humano. Esse olhar sensibiliza-se com as diferenças, acolhe o medo, a angústia, a frustração, na perspectiva de transformar a realidade preconceituosa imposta a essa parcela da sociedade. Inclusão é uma palavra rica, que envolve compreensão, um novo olhar para o outro e, sobretudo, um novo olhar para nós mesmos. A inclusão social defende simultaneamente a igualdade e as diferenças. Porém, com o entendimento de que a igualdade se refere à dignidade e aos direitos, e de que as diferenças se referem à singularidade de cada ser humano. Todas as pessoas são iguais em dignidade humana e direitos. Cada ser humano é único em termos psicológicos, emocionais, físicos, intelectuais, sociais, culturais etc. Esta singularidade implica que a sociedade tradicional, para ser justa igualitária e inclusiva, deve ser modificada para acolher e contemplar as diferenças individuais [24]. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) afirma, nos seus dois primeiros artigos, os grandes princípios que sustentam até hoje a ideia de direitos humanos: liberdade, igualdade, fraternidade e diversidade [24]. Teoricamente, as pessoas com hanseníase usufruem os mesmos direitos que os demais cidadãos. Mas a discriminação por elas enfrentada, resultado de longo processo, histórico, de exclusão, faz desse grupo da população um dos mais vulneráveis da sociedade atual. A inclusão da pessoa com hanseníase deve constituir um dos mais árduos desafios da sociedade hodierna. Deve partir de práticas inclusivas em todas as áreas de direitos. caminhos para inclusão.indd 139 23/8/2011 11:02:24 140 No entanto, o processo de construção dos direitos humanos das pessoas com hanseníase, assim como o de outros grupos discriminados da população, não começa com a legalidade de textos, mas com a legitimidade de ações de pessoas e grupos organizados que, por meio da pressão social, reivindicam direitos humanos e impulsionam a mudança, adequação e implementação da legislação. Essa é a essência da nova cidadania reivindicada, vivenciada, exercida e praticada por pessoas e movimentos sociais em todo o mundo. CONSIDERAÇÕES FINAIS O estigma na hanseníase se efetivou a partir do isolamento social que envolveu a doença. Nos dias atuais é evidenciado através do claro preconceito que acomete as pessoas com hanseníase, que preferem manter-se caladas a respeito do diagnóstico e ocultar seu corpo, na tentativa de esconder a doença, para evitar a rejeição e o abandono. As incapacidades e as deformidades físicas também fazem parte do cotidiano, e contribuem para que os indivíduos com a doença se sintam envergonhados frente à sociedade. Essa mesma sociedade, por sua vez, pode entender suas sequelas como fonte de contágio e rejeição [19]. A hanseníase foi acompanhada por um forte estigma desde os mais remotos tempos, e deixou marcas sociais e culturais até os dias atuais. Por isso, é importante lembrar que, associado ao preconceito social das pessoas com deficiência, a pessoa curada da hanseníase, mas que permanece com a sequela da doença, fica duplamente estigmatizada. “Bacurau”, um dos fundadores do MORHAN, declarou em um congresso internacional de hanseníase em Orlando, EUA, em 1993, o seguinte: “(...) perder um dedo da mão numa guerra, por exemplo, pode trazer orgulho; mas se for por causa da hanseníase, marginaliza. Apertar a mão que perdeu um dedo na guerra é uma coisa; apertar a mão que perdeu um dedo por causa de uma doença contagiosa é outra. A mão de um “guerreiro” é diferente da mão de um “leproso”, mesmo que o trauma físico seja igual (...) [25].” Sob a perspectiva histórica da hanseníase, percebe-se a necessidade de imprimir uma leitura crítica, reflexiva e contextualizada das múltiplas dimensões e visões que envolvem homem, mundo e sociedade. caminhos para inclusão.indd 140 23/8/2011 11:02:24 Caminhos da INCLUSÃO | 141 Essa perspectiva possibilita desenvolver um imaginário que traduz uma diversidade de interpretações acerca da doença. O olhar histórico contribui para revelar as demandas, as carências e as necessidades da pessoa acometida pela hanseníase, tornando-se útil na construção de uma concepção que resgata o passado, compreende o presente e projeta-se para o futuro. A perspectiva histórica potencializa o olhar da doença e sobre a doença, à medida que repousa sobre o imaginário humano uma multiplicidade de conceitos e preconceitos em torno da hanseníase. Desse modo, o olhar psicossocial sobre a enfermidade vai além do imaginário, perpassando pelo olhar histórico-concreto, real e tangível, ou seja, o estigma, o pré-conceito, a segregação, a mutilação do “eu”. Nesse sentido, o olhar psicossocial possibilita o desenvolvimento da impressão e interpretação de marcas indeléveis deixadas nas pessoas acometidas pela hanseníase, suscitando mudanças e transformações que envolvem o ser biopsicossocial e espiritual. Isto é, um olhar biopsicossocial contribui inexoravelmente para o exercício de práticas terapêuticas mais humanizadas. REFERÊNCIAS [1] Talhari S, Neves RG. Hanseníase. 3ª ed. Manaus: Gráfica Tropical; 1997. [2] World Health Organization [WHO]. Leprosy: global situation. Wkly Epidemiol Rec 2000, 75 : 226 - 31. [3] Sampaio SAP, Rivitti EA. Dermatologia. 3ª ed. São Paulo: Artes médicas; 2007. [4] Azulay RD. Micobacterioses. In: ______. Dermatologia. 5ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. p. 322-343. [5] Bergmo MA, Toldrá RC et al. Hanseníase: experiência de grupos terapêuticos. VIII Encontro Latino Americano de Iniciação Cientifica e IV Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba. 2008 [6] Baialardi KS. O estigma da hanseníase: relato de experiência em grupo com pessoas portadoras. Hansen Int. 2007; 32(1): 27-36. [7] Almeida. A Bíblia Sagrada. Revista e atualizada no Brasil. Barueri, São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil; 1999. [8] Jopling WH, McDougall AC. Manual de hanseníase. 4ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Atheneu Editora; 1991. caminhos para inclusão.indd 141 23/8/2011 11:02:24 142 [9] Opromolla DVA. Noções de hansenologia. Bauru: Centro de Estudos Dr. Reynaldo Quagliato; 2000. [10] Brasil. Lei nº 7.853 de 24 de outubro de 1989. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, 25 de dez. 1989. [11] Serviço Nacional de Lepra. Manual de leprologia. Rio de Janeiro: Departamento Nacional de Saúde; 1960. [12] Skinsnes O. 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Hanseníase, experiência de sofrimento e vida cotidiana num ex-leprosário. Dissertação de Mestrado em Antropologia social. Universidade de Brasilia. Brasilia; 2009. [21] Gazabim ML, Carvalho FB. Considerações acerca da reabilitação psicossocial: aspectos históricos, perspectivas e experiências. In Cavalcanti A, Galvão C. Terapia Ocupacional: fundamentação e prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2007. [22] Garcia JRL et al. Considerações Psicossociais sobre a Pessoa Portadora de Hanseníase. In: Opromolla DVA, Baccarelli R. Prevenção de Incapacidades e Reabilitação em Hanseníase. Bauru: Instituto Lauro de Souza Lima; 2003. p. 25-30. [23] Cunha AZS. Hanseníase: aspectos da evolução do diagnóstico, tratamento e controle. Ciência & Saúde Coletiva, São Paulo, v. 7, n. 2, p. 235-42, 2002. [24] Sassaki RK. Inclusão: Construindo uma sociedade para todos. 7ª ed. Rio de Janeiro: WVA; 2006. [25] Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, 2006, Brasília. Subsídios para o conferencista. Caderno de Textos. Brasília, 2006. caminhos para inclusão.indd 142 23/8/2011 11:02:25 AVALIAÇÃO DE ALUNOS NA SALA DE RECURSO MULTIFUNCIONAL: DISCUSSÕES EM TORNO DA DIS NORMALIDADE José Anchieta de Oliveira Bentes1, Rita de Nazareth Souza-Bentes2 INTRODUÇÃO A concepção teórica que orienta este trabalho são os Estudos Socioculturais da Deficiência. Esses estudos fazem parte dos Estudos Culturais e questionam os padrões de normalidades divulgados a respeito dos corpos e, por conseguinte, formulam proposições contra o discurso homogeneizador de ser humano [1]. O fato de ser contra o discurso homogeneizador implica o combate a qualquer modelo de corpo perfeito, que acaba por rejeitar as pessoas deficientes. É com base nesse discurso que se pode entender o porquê das pessoas deficientes serem avaliadas negativamente nas escolas e na sociedade em geral. Explicando melhor: é como se esse discurso configurasse uma linha comparativa, estabelecendo padrões médios valorizados e dados desviantes, os quais, por estarem nas extremidades, comporiam os excluídos na sociedade em função da normalidade. Alguns exemplos: a) No início do século XX, os padrões valorizados eram os do Quociente de Inteligência. As pessoas normais estavam entre 90 a 110 de QI. Os que estivessem abaixo eram caracterizados de idiotas, os que estivessem acima desses valores eram caracterizados como brilhantes [2]. b) Na atualidade, conforme as informações das medidas dos principais modelos divulgados pela mídia, as medidas de altura das mulheres estão entre 1,73 a 1,79 m. Nos homens, a medida é quase igual: entre 1,72 a 1,80 m. A massa, nas mulheres, deve estar entre 48 a 59 kg; nos homens, deve estar entre 72 a 77 kg. O busto, nas mulheres, deve estar entre 82 a 89 cm; nos homens, entre 85 a 90 cm. 1 Doutor em Educação Especial, mestre em Linguística, docente da UEPA, [email protected] 2 Mestre em Educação, docente da UEPA e da SEDUC- PA, [email protected] caminhos para inclusão.indd 143 23/8/2011 11:02:25 144 A cintura, nas mulheres, entre 62 a 70 cm; nos homens, entre 60 a 77 cm. O quadril bastante valorizado, além do busto, nas mulheres, deve estar entre 88 a 90 cm. Desta forma, quem está acima ou abaixo da massa, da altura, do tamanho dos bustos, da cintura ou do quadril está em situação inferiorizada em relação aos padrões de beleza valorizados. d) Na atualidade pós-moderna, diversos grupos são discriminados: • • • • • • mulheres – por conta da ideologia machista, que prega a superioridade do homem; negros, os índios e as demais pessoas consideradas como minorias – que lutam contra a xenofobia e o racismo; homossexuais – por conta das ideologias sexistas; pessoas que não falam o padrão ‘culto’ – que é a língua instituída como ideal, ‘perfeita’, pura; pessoas que professam religiões minoritárias e não oficiais e ainda aqueles que não professam nenhuma religião; pessoas deficientes – que podem ser excluídas pelos discursos capacitistas que as consideram inaptas para qualquer tipo de trabalho, que as discriminam pelo seu jeito de ser, falar, aparência ou, geralmente, são invisibilizados – ficam invisíveis aos olhos dos defensores das ideologias homogeneizadoras. Também podem ocorrer discriminação e exclusão em função do modelo de produção capitalista. A própria sociedade brasileira é caracterizada por exclusões abissais de natureza econômica. Do ponto de vista econômico, isto acontece, em parte, devido à ocorrência da “hegemonia do mercado da globalização do pensamento único – o grande poder hegemônico do capitalismo neoliberal avassalador, que é o grande ‘deus’ contemporâneo e juiz de todas as verdades – liderado pelos países centrais e suas agências” [3]. Os excluídos são os explorados no trabalho, no processo produtivo, constituindo o ‘exército’ de desempregados à espera de um emprego e os excluídos da cidadania são os “sem vez” e os “sem voz” na sociedade, resultante do apartheid social: as pessoas que passam fome ou se alimentam muito mal, as pessoas que não tem moradia e/ou vivem precariamente em áreas inundáveis sem infraestrutura, os adultos que vivem de esmola, as crianças que vivem pedindo dinheiro ou trabalhando para ter que sustentar a família, as mulheres que são obrigadas a se prostituir para poder sobreviver. caminhos para inclusão.indd 144 23/8/2011 11:02:25 Caminhos da INCLUSÃO | 145 Em oposição às realidades expostas e ratificadas por discursos que estabelecem a segregação como, por exemplo, das pessoas deficientes, tem-se os estudos socioculturais da deficiência. Estes relacionam diversas áreas como a Sociologia, a Linguística, a Pedagogia, a Antropologia e outras, com a ressignificação da concepção de corpo como o lugar da normalidade, criticando quaisquer formas de preconceitos capacitistas. O capacitismo é um discurso generalizador que estabelece um ideal de pessoa, ao afirmar que é melhor andar com duas pernas do que sobre uma cadeira de rodas, oralizar fluentemente do que usar qualquer outro sistema de simbolização como a língua de sinais ou símbolos alternativos, escrever ortograficamente do que usar símbolos do Braille, enfim, ser uma pessoa conforme um padrão de beleza e um padrão de inteligência estabelecido [4]. Para reverter esse discurso capacitista é preciso travar um debate transdisciplinar, discutindo o tema Identidade e Diferença nas escolas para que um novo discurso contra a discriminação e o preconceito possa emergir e prosperar. Depois, é preciso centrar-se nas relações (de grupo) que legitimam a desigualdade e nas relações dos que se opõem, por meio de textos e falas a serem trabalhadas em sala de aula, a fim de se descobrir o que está implícito nos discursos. Centrar-se nas estratégias de manipulação, legitimação, criação de consensos e outros mecanismos discursivos que influenciam a reflexão e as ações que promovem essas divisões e exclusões das pessoas com diferenças físicas, sensoriais e mentais. Para isso, a escola deve tratar das relações sociais de classe, gênero, língua, raça e diferença sensorial no seu currículo cotidianamente. Neste quadro teórico, a avaliação do aluno é um instrumento fundamental na prática docente. Esse instrumento tem que servir para reconhecer as capacidades atuais do aluno e também para desenvolver novas potencialidades, é o que se pretende discutir a seguir. PROPOSTA DE AVALIAÇÃO COM BASE NO DISCURSO DISNORMALIZADOR A proposta ora apresentada não pretende ser um instrumento normalizador, no sentido de estabelecer comparações entre um suposto aluno que tenha dicção, visão, audição, movimentos corporais e escrita ideais, e um aluno deficiente, que é o aluno real. Se fosse essa a intenção, o tipo de avaliação seria para medir a quantidade de acertos e erros, a partir de questões ou informações solicitadas. Não se tem aqui essa intenção. caminhos para inclusão.indd 145 23/8/2011 11:02:25 146 Pretende-se fazer constatações, que são discursos flexíveis, que buscam a cientificidade uma vez que se baseiam em evidências e fatos concretos e comprovados e não no senso comum. Algumas informações obtidas com os familiares podem ainda refletir generalizações ou comparações com outras crianças. Neste caso, cabe ao professor discutir formas de romper com essas representações normalizadoras e avançar em novas concepções: as Concepções Disnormalizadoras. A avaliação será feita em um quadro que permite identificar: a) as características do aluno, os gostos e não gostos, os desejos e sonhos dos familiares para com esse aluno com deficiência; b) os modos como o aluno se expressa e recepciona as informações em uma interação com o professor – observam-se características em relação à visão, à audição e ao movimento desse aluno; c) as sugestões que o avaliador pode fazer para desenvolver potencialidades e o que deve evitar nos ambientes escolares e familiares. A seguir, a proposta de avaliação: Quadro 1. Instrumento de avaliação do aluno na sala de recurso multifuncional FATORES OBSERVADO SUGESTÕES DE ATIVIDADES Necessidades e preferências do aluno e da família Uso da fala Uso da visão Uso da audição Uso do tato Uso da escrita Habilidade de movimentos Habilidade cognitiva Comportamentos de hiperatividade Fonte: Adaptado de Cormedi e Silva [5]. A primeira parte, o item ‘a’ é feito com os familiares, por meio de um mapa de comunicação. Para Cormedi [5], “o mapa de comunicação mostra quais são os interesses dos (as) alunos (as), o que gosta e o que caminhos para inclusão.indd 146 23/8/2011 11:02:25 Caminhos da INCLUSÃO | 147 não gosta [...], mostra também o desejo da família”. O enfoque não é somente no professor, naquilo que sabe planejar, mas “passa a ser no aluno, naquilo que ele precisa aprender e no que a família quer”. A seguir, a avaliação de duas alunas, a primeira é Ana, de 10 anos, que possui diagnóstico de Síndrome de Down. É estudante de uma escola municipal e participa no “atendimento” na Sala de Recursos Multifuncionais, às quartas-feiras. A avaliação ocorreu com Ana e com a sua irmã, no dia 18 de agosto de 2010. Quadro 2. Avaliação da aluna Ana FATORES Necessidades e Preferências do Aluno / Família Uso da Fala Uso da Visão Uso da Audição Uso do Tato Uso da Escrita Habilidade de Movimentos Habilidade Cognitiva OBSERVADO Tem medo de cachorro, gato e macaco. Gosta de laranja, banana e maçã. Chama nome para a tia. Sai de sala. Não gosta de ficar na cama. Gosta de bombom Oraliza poucas palavras. Dificuldade de se expressar. Não tem problemas visuais. Não tem problemas auditivos. Usa o apontar. Identifica e classifica imagens do corpo, de lugares, etc. Não escreve alfabeticamente. Consegue identificar figuras. Não tem dificuldade de andar. Gosta de correr. Corre pela escola. SUGESTÕES DE ATIVIDADES Trabalhar frutas e animais. Trabalhar situações de respeito. Incentivar a alimentação saudável. Usar pranchas comunicativas. Conversar com a aluna, dar instruções. A expressão da aluna será principalmente pelo apontar e pelo uso de gravuras. Trabalhar com a pintura, utilizando tinta a base d’água. Trabalhar com atividades de tempo curto, que seja envolvente. Ter várias atividades. Pouca concentração. É extrovertida. Muito agitada. Em alguns momentos, agressiva. Inquieta. Dispersa com facilidade (uns 30 segundos). Fonte: Esquema idealizado pelo autor. Comportamentos de Hiperatividade A aluna Ana, do Ciclo I, do 2o ano, tem muita dificuldade de se expressar: sua forma de comunicação é por meio de identificação de figuras. caminhos para inclusão.indd 147 23/8/2011 11:02:25 148 Algumas vezes, a aluna é muito dispersa, inquieta e agressiva, em outras vezes, aceita alguns comandos discursivos propostos pela professora. Sua tolerância é limitada com relação ao tempo didático. Por exemplo, em atividades de leitura, o professor de Sala de Recurso solicitou que ela escolhesse um texto para ser lido. A aluna escolheu e entregou-o ao professor, que começa a ler. Dentro de trinta segundos, aproximadamente, Ana puxa o livro da mão do professor e escolhe outro livro para ser lido, ou pega um brinquedo e se levanta, indicando que tem pouca tolerância em escutar histórias. Em um outro exemplo, na escola, a aluna corre pelas dependências e entra, por exemplo, na Secretaria ou fica no portão, meio aborrecida, aguardando a chegada do pai para buscá-la. Segundo o relato da professora, depois do recreio, a aluna não aceita voltar para a sala. Ainda segundo a sua professora, a aluna não tem autonomia nas atividades de pintura, colagem e de “amassar bolinhas” em sala de aula. A única coisa que faz sozinha é riscar as folhas do caderno. Se deixá-la sozinha, começa a fazer o que a professora chamou de “tolices” pela escola: correr, entrar na sala e na Secretaria para mexer em papéis e nas coisas que vê pela frente. As sugestões de atividades, postas no quadro 2, favoreceram a expressividade e a receptividade da aluna, permitindo maior concentração e checagem sobre os seus saberes, comportamentos e desejos. Tais atividades foram realizadas na sala de recurso multifuncional, principalmente, com o uso dos recursos Pranchas de Comunicação Alternativa e Pintura utilizando tinta a base de água. A segunda participante, Lia, tem 19 anos, e apesar da idade, está no Ciclo I, 3o ano. A justificativa da idade avançada para o primeiro ciclo é que começou a estudar muito tarde, há três anos, porque não tinha cadeira de rodas para vir à escola. Este fato de não ter cadeira de roda é a razão do seu irmão não estudar ainda. Lia mora com o pai e o irmão em uma humilde casa, próximo da escola. O pai afirma que não tem condições de trazer os dois filhos cadeirantes, por isso, ainda não o matriculou na escola. A avaliação de Lia é a seguinte: caminhos para inclusão.indd 148 23/8/2011 11:02:25 Caminhos da INCLUSÃO | 149 Quadro 3. Avaliação da aluna Lia FATORES OBSERVADO Necessidades e Preferências do Aluno / Família Sorri com facilidade. Realiza as atividades com interesse. Uso da Visão Oraliza de forma incompreensível fazendo com que o interlocutor não a compreenda. Não consegue pronunciar completamente as palavras. Vê bem. Uso da Audição Compreende a fala. Ouve bem. Uso da Fala Uso do Tato Uso da Escrita Habilidade de Movimentos Tem coordenação motora fina com a mão esquerda. Copia com autonomia. Conhece as letras do alfabeto. Fica muito próxima do papel, fica curvada sobre a mesa. É cadeirante. Movimenta o lado esquerdo. Não movimenta a cadeira de rodas. SUGESTÕES DE ATIVIDADES Usar o alfabeto manual. Oralizar para a aluna. Ela compreende. Utilizar o teclado adaptado no computador. Fixar o papel na mesa para evitar que se movimente. Carteira adaptada. Realizar atividades de aprendizagem que movimente a cadeira de rodas. Habilidade Não tem nenhum Cognitiva comprometimento cognitivo. Comportamentos Não apresenta. de Isolamento Comportamentos Não apresenta. de Hiperatividade Fonte: Esquema idealizado pelo autor. A aluna Lia desenvolve atividades com muito interesse, porque ela não tem comprometimento cognitivo, compreende bem os discursos, embora não oralize compreensivamente para o interlocutor: as pronúncias das palavras não são entendidas. Por isso, usar o alfabeto digital e o teclado adaptado é uma proposta imprescindível para facilitar a sua aprendizagem. Aqui se percebe a importância desses instrumentos que não só ajudam na aprendizagem como também facilitam os afazeres do cotidiano caminhos para inclusão.indd 149 23/8/2011 11:02:25 150 com mais autonomia. O problema da aluna não são suas peculiaridades no processo de apropriar-se do conhecimento, mas é o da necessidade de propor tecnologias que, efetivamente, a ajudem a acelerar sua aprendizagem para que seja compatível com sua idade e seja considerada no processo de avaliação escolar. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com efeito, os critérios de observação, sugestões de atividades são instrumentos discursivos e materiais importantíssimos que revelam ao professor o modo como os alunos se manifestam nas suas formas singulares de linguagem. Esse quadro de avaliação permite ao professor, por meio desses critérios de caráter disnormalizador, elaborar um perfil inicial de cada aluno e do entorno familiar no qual está inserido; além do que, as atividades propostas são refutadas ou aceitas, permitindo ao professor elencar um conjunto de atividades de natureza diversa, adaptáveis às condições dos alunos e mais propícias ao processo de Ensino-Aprendizagem. Tais atividades garantem, além das aprendizagens, o envolvimento dos professores e demais participantes do processo com concepções diferentes e com novas expectativas de vida, bem mais dignas e respeitáveis às pessoas nas suas condições específicas de ser e de se expressar. REFERÊNCIAS [1] Bentes JAO. Formas do trabalho docente na educação de surdos: estudos históricos e de representações sociais. [Tese] São Carlos: Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos, 2010. [2] Herrnstein R, Murray C. The bell curve. New York: Free Press; 1994. [3] Moita Lopes LP. Linguística aplicada e vida contemporânea: problematização dos construtos que têm orientado a pesquisa. In: Moita Lopes LP (Org.) Por uma linguística aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola Editorial; 2006, p. 85-108. [4] Gabel SL. Introduction: Disability study in education. In: Gabel SL, editor. Disability studies in education: Readings in theory and method. New York: Peter Lang; 2005. p. 1-20. [5] Cormedi MA, Silva MS. Capacitação de profissionais nas áreas da surdo-cegueira e da deficiência múltipla na Educação Inclusiva: Módulo II. Belém: PA, 10 a 13 de agosto de 2000 (Texto Impresso). caminhos para inclusão.indd 150 23/8/2011 11:02:25 ORIENTAÇÕES PEDAGÓGICAS NA EDUCAÇÃO DE ALUNOS COM TRANSTORNOS GLOBAIS DO DESENVOLVIMENTO NA REDE FEDERAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA Christine Vianna Algarves Magalhães1, Franclin Costa do Nascimento2, Anna Karen Soutello Mendes3 INTRODUÇÃO Historicamente, a educação para a diversidade se concretiza na Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica com a criação do Programa Educação, Tecnologia e Profissionalização para Pessoas com Necessidades Especiais – TECNEP. Criada como instrumento de política voltado para as “classes desprovidas”, a Rede Federal se configura na atualidade como importante estrutura para que os cidadãos tenham efetivo acesso às conquistas científicas e tecnológicas. A rede teve sua origem em 1909 quando o então presidente da República, Nilo Peçanha, criou 19 Escolas de Aprendizes e Artífices que, mais tarde, dariam origem às Escolas Técnicas Federais, Escolas Agrotécnicas Federais e aos Centros Federais de Educação Profissional e Tecnológica (CEFETs). A partir da década de 80 um diferente cenário econômico e produtivo se estabeleceu, com o desenvolvimento e emprego de tecnologias complexas, agregadas à produção e à prestação de serviços, as empre1 Coordenadora do Centro de Atenção Psicossocial da infância e da adolescência (CAPSi.) de ouro Preto, MG. Presidente da Comissão Técnica Nacional de Acompanhamento de Alunos com Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) da ação TECNEP/SETEC/MEC. 2 Coordenador de Educação Profissional Tecnológica Inclusiva. Gestor Central da Ação Ministério da Educação – MEC/Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica - SETEC/Tecnologia, Educação, Cidadania e Profissionalização para Pessoas com Necessidades Especiais – TECNEP - TECNEP/SETEC/MEC. 3 Psicóloga da COEES/Núcleo de Atendimento Educacional Especializado aos Transtornos Globais – NATEE. Membro da Comissão Técnica Nacional de Acompanhamento de Alunos com Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) da ação TECNEP/SETEC/MEC. caminhos para inclusão.indd 151 23/8/2011 11:02:26 152 sas passam a exigir trabalhadores com níveis de educação e qualificação cada vez mais elevados. [1] Em 2008, a Rede Federal de Educação Tecnológica passa por um processo de ressignificação dando origem aos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, que são instituições de educação superior, básica e profissional, pluricurriculares e multicampi, especializados na oferta de educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino, com base na conjugação de conhecimentos técnicos e tecnológicos às suas práticas pedagógicas. Os Institutos Federais compõem, na atualidade, a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica. Em 2009, a partir da identificação de casos de alunos com Transtornos Globais do Desenvolvimento e deficiências Múltiplas pelo TECNEP, alunos estes matriculados nos Institutos Federais, cria-se a Comissão Técnica Nacional de Acompanhamento de Alunos com Transtornos Globais de Desenvolvimento – mais uma ação do TECNEP/SETEC/MEC que busca criar, nos Institutos Federais, a cultura da “educação para a convivência”, aceitação da diversidade e, principalmente, buscar a quebra das barreiras arquitetônicas, educacionais e atitudinais. [2] Abordar os aspectos referentes à educação de alunos com TGD é promover a reflexão sobre os conceitos de inclusão, transtornos globais do desenvolvimento e práticas educacionais mais flexíveis. Sobre inclusão, compreende-se como o processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais e, simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis na sociedade. A inclusão constitui-se então num processo bilateral, no qual as pessoas ainda excluídas e a sociedade buscam, por meio de parcerias, equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação de oportunidades para todos [3]. Em 2008, a Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação – SEESP/MEC [4] passa a adotar o conceito de Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD), para se referir aos alunos que apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Neste grupo estão os alunos com autismo, síndrome do espectro do autismo e psicose infantil. caminhos para inclusão.indd 152 23/8/2011 11:02:26 Caminhos da INCLUSÃO | 153 A análise e reflexão dos conceitos acima mencionados estão dentre os pontos principais das ações da Comissão TGD. A partir deles é possível favorecer a permanência com êxito destes alunos em seus cursos. Consequentemente, os profissionais da educação envolvidos têm como desafio constante a contextualização de atividades e a construção de novas e adequadas metodologias educacionais, que incluam os alunos em todas as instâncias de aprendizado. [5] Estas ações do TECNEP, por meio da Comissão TGD, estão sendo desenvolvidas junto aos Institutos Federais por um grupo constituído de profissionais pertencentes aos Institutos e Rede parceiras, que auxiliam na problematização das discussões e nas possíveis soluções de cunho teórico-práticas que valorizam a criação, a descoberta, a construção do conhecimento pelos alunos com Necessidades Educacionais Especiais, cuja ação fortifica o trabalho desenvolvido pelos Núcleos de Atendimento às Pessoas com Necessidades Específicas (NAPNEs) [6]. Oferecer subsídios para compreensão do processo da Educação Inclusiva e as articulações entre os variados aspectos que a constituem – o aluno, a escola e a família – são as demandas mais presentes no interior dos Institutos. Por meio de conteúdos teóricos e práticos, contribui-se para a formação continuada dos profissionais da Rede com o aprimoramento e a melhoria no processo ensino-aprendizagem e a consequente melhora no desempenho escolar dos alunos com necessidades educacionais específicas. A compreensão dos processos de construção do conhecimento e de aprendizagem, da relação entre ambos e dos fatores que neles podem intervir são também abordados no decorrer desta ação de formação. Os constantes avanços da ciência e da tecnologia, e de como estes vêm modificando as formas das relações sociais até então conhecidas, nos levam a reforçar a o papel da escola e do fazer pedagógico que se vê comprometido com a formação humana. Nesta perspectiva, a escola se constitui em um espaço privilegiado para encontrar pessoas, para estabelecer relações de interação, para desvelar a realidade e construir novos conhecimentos. A educação, na abordagem histórico-cultural tem a função de contribuir para a integração social através da apropriação da cultura e a função de construção da própria identidade do sujeito [7]. A discussão sobre a educação inclusiva de alunos com deficiências ou com necessidades educacionais especiais tem se intensificado nestas caminhos para inclusão.indd 153 23/8/2011 11:02:26 154 duas últimas décadas no Brasil e no mundo, levando a uma reflexão sobre como a deficiência é encarada e vivenciada no contexto escolar. Esta incursão exploratória no mundo da “escola que procura ser inclusiva” tem sido inspirada pela necessidade de uma nova avaliação do ensino, sob a influência de transformações paradigmáticas que defendem a educação de qualidade para todos. A inclusão é um processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais e, simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis na sociedade. OBJETIVOS A Comissão apresenta como princípios orientadores da educação inclusiva aos Institutos Federais o fortalecimento das relações humanas em respeito à diversidade e às diferenças entre as pessoas, possibilitando a inclusão e o conhecimento com a criação de estratégias para o ensino. Propõe oportunizar aos alunos com necessidades educacionais específicas um atendimento adequado, apoiando-os de forma a garantir sua permanência na instituição, promovendo uma educação de qualidade e encaminhando-os ao mercado de trabalho. Compete a Comissão: a) orientar as instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica quanto aos procedimentos de acolhimento de alunos com Transtornos Globais do Desenvolvimento – TGD na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica; b) acompanhar, discutir e avaliar, com os setores envolvidos, os procedimentos didático-pedagógicos que possibilitem a permanência e conclusão de alunos com TGD em cursos desenvolvidos na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica; c) subsidiar os Núcleos de Atendimento às Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais – NAPNEs para a lida diária com alunos identificados com TGD. caminhos para inclusão.indd 154 23/8/2011 11:02:26 Caminhos da INCLUSÃO | 155 DESENVOLVIMENTO O trabalho da Comissão Técnica Nacional de Acompanhamento de Alunos com Transtornos Globais de Desenvolvimento é de orientar e facilitar aos profissionais uma abordagem abrangendo toda a diversidade, de acordo com a necessidade de cada aluno com TGD e a demanda do Instituto Federal, para a construção de metas e soluções no dia a dia. O processo de ensino aprendizagem deve possibilitar o desenvolvimento das capacidades do aluno. É determinante entender as habilidades em primeiro lugar e não as dificuldades. O aluno deve ter a oportunidade de desenvolver-se de acordo com seu ritmo. Com respaldo nos dados e nas informações sobre as dificuldades vivenciadas pelos profissionais dos Institutos é que são propostas as atividades, a fim de favorecermos o acesso à permanência dos alunos com TGD. Criar estratégias e valorizar as habilidades por meio das atividades propostas no ensino aprendizagem é construir o respeito com o fazer da diferença, de acordo com a individualidade e a história de vida de cada um. Referencia-se a construção da subjetividade, direcionado ao desenvolvimento do aluno e não ao diagnóstico. Em relação ao acesso a educação, Cury [8] afirma que este é um meio do indivíduo se autoconstruir, de se reconhecer em relação às suas próprias capacidades e adquirir estima e críticas em relação a si. Neste sentido, todos os alunos devem ter acesso à escola sem que haja barreiras para o processo ensino-aprendizagem, preservando, desse modo, sua dignidade. A realidade atual exige do educador novas posturas, entre elas, o retomar constante de sua prática pedagógica e um novo olhar. Segundo Sassaki [3], “a educação inclusiva se destina às pessoas com necessidades especiais no campo da aprendizagem, originadas quer de deficiência física, sensorial, mental ou múltipla, quer de características como altas habilidades, superdotação ou talentos”. O trabalho da Comissão é desenvolvido por meio de um conjunto de ações inclusivas e planejado no intuito de dar respostas a uma demanda pela facilitação do processo do ensino aprendizagem dos alunos com TGD na Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica. A efetiva inclusão escolar destes alunos requer várias mudanças, tanto nas questões caminhos para inclusão.indd 155 23/8/2011 11:02:26 156 das adaptações, das adequações metodológicas e nas políticas públicas da educação, quanto no que se refere ao conhecimento e as possibilidades de criar estratégias. Por iniciativa dos professores e dos gestores que colaboraram com o trabalho da comissão, novas ações foram incorporadas nas instituições onde se viam “fixadas” práticas excludentes. Buscou-se, a partir daí, construir conceitos fundamentais sobre a educação inclusiva e a elaboração de um “Documento Orientador”, fruto das visitas técnicas aos institutos. O Documento Orientador aborda, de modo específico e individualizado, após a visita técnica no Instituto, as mudanças de atitudes e as adequações metodológicas necessárias para o ensino-aprendizagem dos alunos com transtornos globais de desenvolvimento. (Figuras 1 e 2 - Foto do Aluno F. do Curso Técnico em Zootecnia) CONCLUSÃO Nos diversos Institutos, nos dispositivos e nas práticas com os quais a Comissão manteve contato direto e indireto, detectamos, participamos e protagonizamos uma série de tentativas de exercício de concepções e realizações, experiências e vivências francamente inspiradas e impulsionadas por um intuito inovador, renovador e, às vezes, quase revolucionário. Tais tentativas vieram acompanhadas por seus respectivos sucessos e demandas. Mesmo tentando centrar-nos nessas novidades, não poderíamos fazê-lo sem enfatizar também as peculiaridades produtivas que exigiram nossa intervenção nos processos metodológicos. Nessa experiência foi possível perceber e possibilitar aos profissionais da educação o conhecimento específico e vários estudos de caso de alunos com Necessidades Educacionais Específicas – NEE. As condições históricas e o conhecimento que permitiram as abordagens metodológicas que problematizam a relação entre os profissionais e ato de pesquisar propõem uma comparação entre as finalidades da pesquisa-ação e da pesquisa-intervenção, uma proposta de efetivar a teoria e a prática da inclusão escolar. Depoimento do aluno F com NEE, acompanhado pela Comissão Técnica Nacional TGD. “Se não fosse o “Instituto” eu não teria chegado caminhos para inclusão.indd 156 23/8/2011 11:02:26 Caminhos da INCLUSÃO | 157 onde eu queria que é a minha formatura no curso técnico. Eu gosto muito de lidar com o gado, aprendi a lidar com os animais ajudando o meu avô. Meu sonho é ser Zootecnista.” A atividade docente no contexto da inclusão escolar implica o uso de metodologia e avaliação que reconheçam às especificidades de cada aluno, o seu tempo e o seu ritmo. Os profissionais da educação e as práticas sociais têm como desafio constante a contextualização de atividades, para as intervenções e a construção de novas e adequadas metodologias educacionais, que incluam os professores e gestores e os alunos nos conteúdos da educação inclusiva. A relevância deste trabalho é, principalmente, mostrar as possibilidades da inclusão escolar na Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, criando estratégias com adaptações curriculares e a aplicação de uma política de inclusão Para que todos tenham condições de enfrentar este desafio, os professores e gestores da instituição precisam contar com ajuda e apoio de outros profissionais, mediante atividades de formação e assessoramento. O projeto político-pedagógico é um instrumento técnico e político que orienta as atividades da escola, delineando a proposta educacional e a especificação da organização e os recursos a serem disponibilizados para sua implementação. As adaptações curriculares, propriamente ditas, são modificações do planejamento, objetivos, atividades e formas de avaliação, no currículo como um todo, ou em aspectos dele, para atender os alunos com necessidades educacionais especiais na perspectiva da inclusão escolar. A realização de adaptações curriculares deve atender as necessidades específicas de aprendizagem dos alunos. No entanto, identificar essas “necessidades” requer que os sistemas educacionais modifiquem não apenas as suas atitudes e expectativas em relação a esses alunos, mas que se organizem para construir uma real escola para todos, que dê conta dessas especificidades. Uma escola que se propõe inclusiva necessita ter uma definição operacional do processo de avaliação escolar do aluno com necessidades especiais e das adaptações de acesso ao currículo, ou seja, eliminação de barreiras arquitetônicas e metodológicas. caminhos para inclusão.indd 157 23/8/2011 11:02:26 158 REFERÊNCIAS [1] CNE/CEB. Parecer nº 02/97. Dispõe sobre os programas especiais de formação pedagógica de docentes para as disciplinas do currículo do ensino fundamental, do ensino médio e da educação profissional em nível médio. [2] Ação TECNEP, documento base, seção 4 ano, 2010. [3] Sassaki RK. Inclusão: Construindo uma sociedade para todos. 7ª ed. Rio de Janeiro: WVA; 2006. [4] Brasil MEC/SEESP, Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v. 4, n. 1, p. 1-61, jan./jun. 2008. [5] Brasil. Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, p.5-72 dez. 1996. [6] Lei nº. 11.892, de 29 de dezembro de 2008. [7]Teberosky A, Coli C, Bolívar A. O Construtivismo na Prática 9 - Col. Inovação Pedagógica. Porto Alegre: Artmed; 2007. [8] Cury A. Organização e métodos: uma visão holística. 8ª ed. São Paulo: Atlas; 2005. caminhos para inclusão.indd 158 23/8/2011 11:02:26 FORMAÇÃO DE PROFESSORES E O USO DE TECNOLOGIAS DE APOIO A COMUNICAÇÃO: EXPERIÊNCIAS EM ESCOLAS DA REGIÃO METROPOLITANA DE BELÉM Ana Irene Alves de Oliveira1; Rafael Luiz Morais da Silva2; Amanda de Aquino Peixoto3; Sayuri Fernandes Toda3; Thalita Mesquita Melo4; Marcilene Alves Pinheiro5 INTRODUÇÃO A educação é um direito garantido pela Constituição Federal do Brasil, a qual estabelece a permanência de toda criança na escola, respeitando suas diferenças, sejam estas sociais, culturais, físicas, étnicas ou econômicas. A escola proporciona à criança a possibilidade de desenvolver-se cognitiva e sócio-culturalmente, oportunizando experiências únicas. Além disso, é nesse ambiente que são estabelecidas as primeiras relações sociais fora do contexto familiar, as quais se desenvolvem durante toda a vida. No caso das crianças que apresentam déficits cognitivos, motores ou sensoriais, esse direito tem sido conquistado ao longo do processo histórico da educação e dos direitos humanos voltado para a inclusão social. Atualmente defende-se que, independente da dificuldade que apre1 Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento (UFPA), Terapeuta Ocupacional da Secretaria de Estado de Saúde Pública do Pará e Professora Assistente III, da Universidade do Estado do Pará (UEPA) e coordenadora do Núcleo de Desenvolvimento em Tecnologia Assistiva e Acessibilidade (NEDETA) 2 Terapeuta Ocupacional e Professor da Universidade do Estado do Pará, Mestre em Teoria e Pesquisa do Comportamento (UFPA); 3 Acadêmica do 4ºano do curso de graduação em Terapia Ocupacional na UEPA, estagiária do NEDETA e bolsista do projeto “Capacitação de professores do ensino regular para o uso da Comunicação Alternativa e/ou Suplementar no processo de inclusão”. 4 Acadêmica do 4ºano do curso de graduação em Terapia Ocupacional na UEPA, estagiária do NEDETA e voluntária do projeto “Capacitação de professores do ensino regular para o uso da Comunicação Alternativa e/ ou Suplementar no processo de inclusão”. 5 Terapeuta Ocupacional e voluntária do projeto “Capacitação de professores do ensino regular para o uso da Comunicação Alternativa e/ou Suplementar no processo de inclusão”. caminhos para inclusão.indd 159 23/8/2011 11:02:26 160 sente, o aluno tem necessidades acadêmicas, sociais e adaptativas como qualquer outra criança. Para Silveira e Neves [1], o desenvolvimento da criança com algum tipo de deficiência se dá de forma particularmente criativa. Apesar de seus limites em relação às trocas sociais, os mesmos encontram uma forma compensatória, ou seja, alternativa para processar suas experiências. Percebe-se então que a presença desse aluno na escola e a convivência com outras crianças, além de promover as trocas sociais, podem favorecer a aprendizagem. O que irá diferir será a forma como esse aluno recebe ou expressa o conteúdo acadêmico. Para tanto, basta que sejam respeitadas suas potencialidades e limitações, e que se tenha a consciência de que nem todos conseguirão absorver por completo o currículo escolar, porém a interação professor-aluno e aluno-aluno é fundamental para o desenvolvimento de habilidades necessárias para o convívio e o desenvolvimento humano, o que já é um ganho para qualquer indivíduo. Discute-se então algo muito mais abrangente que apenas a inclusão escolar, pensa-se em inclusão social. Acerca deste tema, Travassos e Souza [2] fazem a seguinte consideração: A inclusão social representa o reconhecimento dos direitos de todas as pessoas à cidadania independente das diferenças e das necessidades individuais, seja de que ordem for, como estabelece a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a Constituição Federativa do Brasil (1988), o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), Declaração de Salamanca (1994), dentre outros documentos de âmbito federal, estadual e municipal. O Estatuto da Pessoa com Deficiência é um projeto de lei tramitando no Congresso Nacional. Dentre esses avanços legislativos, cabe destaque a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) n. 9.394/96. Ela garante a educação e o atendimento especializado, preferencialmente, na rede regular de ensino com o apoio necessário. O aluno com deficiência já tem assegurado, conforme a Lei n. 7.853/89, a matrícula compulsória em estabelecimentos públicos e privados de ensino, sendo considerado crime recusar, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar, sem justa causa, a inscrição de aluno em estabelecimento caminhos para inclusão.indd 160 23/8/2011 11:02:27 Caminhos da INCLUSÃO | 161 de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, por motivos derivados da sua deficiência. Já se percebe mudanças em relação à permanência de alunos com deficiências na sala de aula de ensino regular. Este processo vem amadurecendo de forma gradual, entretanto ainda existem inúmeros obstáculos a serem transpostos. A perspectiva atual é que a escola seja um ambiente acolhedor e que proporcione um ensino de qualidade para todos os alunos, considerando suas necessidades e potencialidades. Entretanto, é necessário ressaltar que não basta que este aluno esteja presente na sala de aula, é imprescindível primeiramente que a escola tenha se preparado para receber essas crianças. Caso contrário, não haverá inclusão e sim a simples integração da criança ao sistema educacional. E integração não é um sinônimo de inclusão, como muitos acreditam e mesmo algumas bibliografias referem. Mittler [3] assim define tais termos: Na Integração o aluno deve adaptar-se a escola, e não há necessariamente uma perspectiva de que a escola mudará para acomodar uma diversidade cada vez maior de alunos [...] A inclusão implica em um reforma radical nas escolas em termos de currículo, avaliação, pedagogia e formas de agrupamento dos alunos nas atividades de sala de aula. Desta forma, verifica-se que a integração está muito aquém do que se espera para um sistema educacional adequado para receber crianças com alguma deficiência, pois deposita neste aluno a total responsabilidade em adequar-se ao ambiente escolar, eximindo a função da escola em viabilizar esse processo. Já a inclusão envolve um sistema bem mais complexo que o anterior, pois permeia mudanças em toda estrutura educacional, na qual a escola se adequa para receber este aluno, confirmando a ideia de que é o meio que deve se adaptar ao aluno e não vice-versa. A escola passa por uma redefinição de seu papel social, o que a transforma não apenas em uma instituição responsável por transmitir conteúdos didáticos aos alunos, mas também capacitada para atender de forma integral o seu público e preparada para conviver com as diversidades físicas, sociais, educacionais, econômicas e culturais. caminhos para inclusão.indd 161 23/8/2011 11:02:27 162 A chamada Escola Inclusiva deve proporcionar a qualquer aluno a inserção em classes regulares de ensino. E a instituição deverá dar-lhe todas as condições (ambientais, estruturais, recursos humanos, dentre outros) para sua participação nesse contexto. Dentro desta perspectiva, Travassos e Souza [2] expõem: A escola inclusiva é aquela que valoriza as diferenças individuais e a diversidade humana, como elemento enriquecedor do processo educativo, favorecendo a aprendizagem e o desenvolvimento pessoal e social não só dos educandos e educadores, mas de toda comunidade escolar. A inclusão do aluno com deficiência é uma realidade ainda muito discreta no Brasil e muito se tem discutido sobre este tema. O objetivo principal da inclusão é assegurar que todas as crianças possam se beneficiar das oportunidades educacionais e sociais oferecidas pela escola, o que inclui currículo corrente, avaliação, registros, relatórios, esporte, lazer, recreação, dentre outros [3]. A implementação de uma escola para todos é uma atitude complexa e deve ser viabilizada de forma global. Ao se utilizar este termo refere-se, inicialmente, a eliminação de todas as barreiras para o ensinoaprendizagem, as quais incluem qualquer condição que interfira, direta ou indiretamente, no contexto educacional, quais sejam: dificuldade de acessibilidade; mobiliário inadequado; falta de recursos humanos, materiais e financeiros; currículo inadequado, dentre outros. Os recursos tecnológicos podem oferecer possibilidades lúdicas, e serem instrumentos mediadores entre a criança e o mundo real. Entendendo por mediação “o processo de intervenção de um elemento intermediário numa relação” [4]. Estes recursos tecnológicos apresentam a possibilidade da comunicação alternativa, podendo levar a uma interação mais satisfatória com o mundo, favorecendo expressões significativas de pensamento que, por comprometimentos motores a sua linguagem oral (fala) e linguagem gráfica (escrita), podem estar prejudicadas, mas a sua linguagem interna, isto é os seus pensamentos, ideias, sentimentos e desejos encontram-se em processo de construção. caminhos para inclusão.indd 162 23/8/2011 11:02:27 Caminhos da INCLUSÃO | 163 A comunicação oral é uma exigência social. A cultura existente é de que o indivíduo de qualquer idade e lugar do mundo necessita da capacidade da linguagem oral e escrita para sua interação nos mais variados contextos (familiar, escolar, profissional, recreativo e comunicativo). Entretanto, muitos ainda não percebem que, embora algumas pessoas tenham a expressão oral prejudicada ou inexistente, como no caso de crianças com Disfunção motora, a sua interação é possível, desde que haja uma compreensão das diferenças individuais e que lhes sejam proporcionados recursos adequados. Tais recursos auxiliam a comunicação e têm por objetivo substituir ou ampliar a linguagem oral, garantindo o maior grau de funcionalidade, comunicação e interação social. Os recursos ou sistemas para promover a comunicação se enquadram em um ramo de conhecimento específico, denominado de Tecnologia Assistiva. Swenson[5] assim a define: Tecnologia Assistiva pode ser definida como qualquer item, peça de equipamento ou sistema de produtos, quer adquirido comercialmente de um estoque de fabricação em série, quer modificado, quer feito sob medida, que é usado para aumentar, manter ou melhorar capacidades funcionais de indivíduos com incapacidades. A área da Tecnologia Assistiva tem merecido papel de destaque entre as mais recentes pesquisas envolvendo habilitação e reabilitação físico-funcional. Dentre o vasto leque de possibilidades de utilização desta tecnologia, as ajudas técnicas têm aparecido como um eficiente recurso para a (re) habilitação das capacidades funcionais de portadores de disfunções neuromotoras. Esclarecendo que, quando se fala em capacidades funcionais, refere-se a recursos que promovam comunicação, mobilidade, controle ambiental, aprendizagem, trabalho e integração social. A oportunidade de comunicação e promoção de recursos que facilitem tal capacidade são direitos garantidos pela Legislação Nacional. Entre os quais podem ser citados: O decreto nº 5.296 que regulamenta as Leis nº 10.048, de 8 de maio de 2000, e 10.098 de 19 de dezembro de 2000, que estabelecem normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida [5]. caminhos para inclusão.indd 163 23/8/2011 11:02:27 164 Desta forma, os recursos para comunicação vêm a ser uma forma de promover a inserção social do indivíduo que, por diversos motivos, apresenta algum tipo de dificuldade na sua comunicação, garantindo a acessibilidade a várias situações do cotidiano. Esses recursos podem ser utilizados em qualquer ambiente, no entanto, enfatiza-se neste estudo a sua utilização no ambiente escolar, como uma forma de promover melhor interação do aluno com Disfunção motora junto ao professor e colegas de classe, favorecendo a aprendizagem acadêmica e a sociabilidade. Os sistemas e sinais de ajudas técnicas para a comunicação classificam-se em sistemas sem auxílio e com auxílio, conforme a necessidade ou não de um auxílio físico. Além dessa classificação, consideram-se também os sistemas que envolvem tecnologia avançada e baixa tecnologia, ao serem analisados os tipos de materiais utilizados [6]. Uma alternativa encontrada por professores e terapeutas é o uso de recursos de fácil acesso e que se encontram dentro das possibilidades do usuário, bem como dentro das limitações das escolas, as quais, no geral, carecem tanto pela falta de uma infraestrutura inadequada como a não especialização técnica necessária, são os recursos denominados de baixa tecnologia. Para a Secretaria de Educação Especial – SEESP [7], baixa tecnologia compreende recursos que podem ser confeccionados a partir de materiais que fazem parte do cotidiano escolar como tabuleiro de comunicação que contenha símbolos gráficos como figuras, letras, números, dentre outros sistemas; de modo que o usuário se faça entender no ambiente escolar. Percebe-se um vasto número de possibilidades que podem proporcionar, ao indivíduo que necessita de uma comunicação alternativa, uma forma mais fácil de interagir com os outros e se desenvolver, tanto em relação às habilidades cognitivas, avançando no conteúdo escolar, como no aspecto da interação social. Uma escola que não possui um recurso como um computador poderá ter sucesso no uso dos recursos de baixa tecnologia. No entanto, ressalta-se a necessidade de um profissional capaz de avaliar e compreender as potencialidades e as necessidades daqueles que irão fazer uso de tais recursos. OBJETIVO Capacitar e assessorar professores das escolas do ensino regular para a utilização de recursos de Comunicação Alternativa e/ou Suplementar caminhos para inclusão.indd 164 23/8/2011 11:02:27 Caminhos da INCLUSÃO | 165 com crianças com disfunção motora, além de favorecer ao professor bases conceituais sobre a epistemologia da inclusão e sua importância para o desenvolvimento da criança com disfunção motora, instrumentalizando-o com bases teóricas sobre a importância da tecnologia assistiva para o favorecimento da inclusão escolar. Demonstrar aos professores os recursos das técnicas em Comunicação Alternativa e /ou Suplementar, de baixo e alto custo, mais utilizados com alunos com disfunção motora e treiná-los para a confecção e uso dos recursos de Comunicação Alternativa e/ou Suplementar de baixo custo (pranchas de comunicação, cartelas, etc.). METODOLOGIA As capacitações foram realizadas no Campus II da Universidade do Estado do Pará, Bloco D, sala 10, nas dependências da Unidade Ambulatorial de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (UEAFTO); e em escolas previamente selecionadas, somando uma carga horária total de 12h, com 8h teóricas e 4h práticas nas quais os professores tiveram a oportunidade de confeccionar e treinar o recurso que poderá ser utilizado no ambiente escolar. A programação dos cursos tem os seguintes conteúdos: Tabela 1. Demonstração da programação dos cursos. TEMA OBJETIVO 1) Conhecendo o aluno com disfunção motora e a Educação Inclusiva. 2) Introdução ao Campo da Tecnologia Assistiva e bases conceituais em CSA. Conhecer noções básicas sobre os aspectos clínicos da disfunção motora e os princípios epistemológicos da educação inclusiva. Conhecer as modalidades da tecnologia assistiva e a aplicação teórico-prática da Comunicação Alternativa e/ou Suplementar. 3) Confecção de recursos de baixo Oportunizar vivências na confecção de recursos custo em CSA. de CSA de baixo custo. 4) Socialização de experiências e Favorecer a reflexão dos assuntos abordados e a discussão de casos clínicos. relação teoria-prática. caminhos para inclusão.indd 165 23/8/2011 11:02:27 166 RESULTADOS Desde maio de 2010, o NEDETA desenvolveu 7 ações com os professores para uso da tecnologia assistiva, sendo 2 na Unidade de Ensino e Assistência de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (UEAFTO), onde funciona o NEDETA, e 5 em escolas de crianças atendidas pelo NEDETA, chegando a um total de aproximadamente 180 professores capacitados. Observouse que os cursos têm atingido seu objetivo no sentido de sensibilizar os professores para a importância do uso da CSA além de viabilizar o uso do recurso no processo de inclusão do aluno com disfunção motora. Figura 1. Curso de capacitação de professores para o uso da CSA no processo de inclusão. O referido estudo tem oportunizado compreender um dos motivos pelos quais a inclusão escolar ainda não é eficaz, pois durante as vivências os professores queixavam-se da maneira abrupta como a educação inclusiva fora proposta a eles. Tal situação é reflexo das leis tardias e, na maioria das vezes, mal elaboradas que buscam contemplar problemas superficiais, que, por sua vez, desconsideram as condições estruturais do ambiente escolar proposto à criança com deficiência, além da falta de capacitação adequada dos professores e demais profissionais para lidar com essa demanda, pois não conhecem a patologia de seus alunos e, consequentemente, não sabem como auxiliá-lo – especialmente no que se refere à compreensão da comunicação, que na maioria das vezes não é oral, verbalizada, e em como se fazer compreender por eles. Durante as práticas propostas, os participantes relatavam também as dificuldades de algumas famílias em compreender o progresso lento de suas crianças. Além disso, as famílias dos outros alunos, caminhos para inclusão.indd 166 23/8/2011 11:02:27 Caminhos da INCLUSÃO | 167 na maioria das vezes, não aceitam que o professor volte sua atenção àquela criança com deficiência e nem a relação de seus filhos com essa criança. Diante disso, o estudo vem oportunizando a socialização dessas dificuldades, vivências por meio das quais os profissionais experimentaram, por alguns momentos, as dificuldades que seus alunos enfrentam para efetivar seu processo de aprendizagem. E, ainda, esclarecimentos a respeito da patologia, de recursos viáveis e de baixo custo que podem confeccionar para auxiliar na otimização da relação professor-aluno, da aprendizagem desses alunos, e, consequentemente, para tentativa de catalisar a inclusão escolar. CONSIDERAÇÕES FINAIS O uso de recursos de fácil acesso, denominados de baixa tecnologia, e que se encontram dentro das possibilidades do usuário, é a melhor alternativa encontrada, dentro das limitações da escola – as quais, no geral, possuem uma infraestrutura inadequada, bem como não dispõem de profissionais com a especialização técnica necessária. Percebe-se um vasto número de possibilidades para que seja proporcionado ao indivíduo que necessite de um sistema de comunicação alternativa uma forma de interagir mais facilmente com os outros e desenvolver-se potencialmente tanto em relação às habilidades cognitivas, avançando no conteúdo escolar, como em nível de interação social. Desta forma, os recursos para comunicação vêm a ser uma forma de promover a inserção social do indivíduo que, por diversos motivos, apresenta algum tipo de dificuldade na sua comunicação, garantindo a acessibilidade a várias situações de cotidiano. Podem ser implementados em qualquer ambiente, no entanto enfatiza-se neste estudo sua utilização no ambiente escolar, como uma forma de promover melhor interação do aluno com disfunção motora junto ao professor e colegas de classe, favorecendo a aprendizagem acadêmica e a sociabilidade. caminhos para inclusão.indd 167 23/8/2011 11:02:27 168 REFERÊNCIAS [1] Silveira FF, Neves MMBJ. Inclusão escolar de crianças com deficiência múltipla: concepções de pais e professores. Psicologia: teoria e pesquisa. Brasília. Jan-abr 2006, vol. 22 n. 1, pp. 079-088.http://www.scielo.br/scielo.php?pid=s0102 772200600010 0010&script=sci_arttext. Acesso em: 25 ago. 2006. [2] Travassos VLG, SOUZA NJS. Inclusão social. In: Teixeira E, Fernandes M, Santos MR, organizadores. Travessias inclusivas de saberes: a educação cabana em Belém (19972004). Prefeitura municipal de Belém. Secretaria Municipal de Educação e Cultura, Coordenadoria de Educação Especial, Coordenadoria de esporte, arte e lazer. Belém; 2004, p. 49-59. [3] Mittler P. A educação inclusiva: contextos sociais. Porto Alegre: ARTMED; 2003. p. 264. [4] Kohl MO. Vygotsky – aprendizado e desenvolvimento um processo sócio – histórico. São Paulo: Scipione; 1999. p. 111. [5] Damasceno & Galvão Filho, Alves T. Educação especial e novas tecnologias: o aluno construindo sua autonomia. In: http://infoesp.vila.bol.com.br. Acesso em: 04 jun. 2002. [6] Pelosi MB. A comunicação alternativa ampliada nas escolas do rio de janeiro: formação dos professores e caracterização dos alunos com necessidades educacionais especiais. Rio de Janeiro: Pós-graduação em educação - universidade estadual do rio de janeiro; 2000. [7] Santos MR (Org.). Travessias inclusivas de saberes: a educação cabana em Belém (1997-2004). Prefeitura municipal de Belém. Secretaria municipal de educação e cultura, coordenadoria de educação especial, coordenadoria de esporte, arte e lazer. Belém; 2004. p. 49-59. caminhos para inclusão.indd 168 23/8/2011 11:02:27 INCLUSÃO X EXCLUSÃO: A PRÁXIS EM UMA BRINQUEDOTECA PÚBLICA DE BELÉM Adriane Giugni da Silva1, Karina Nayara Rego Portal2, Lilian Cristina Santos Araújo3 INTRODUÇÃO O presente artigo é resultado de uma pesquisa em processo de realização, a qual tem como objetivo examinar uma brinquedoteca pública de Belém, com a finalidade de investigar o processo dialético inclusão/ exclusão, mediado pela práxis educativa realizada com crianças na faixa etária de 4 a 6 anos de idade. Para proceder este estudo, busca-se responder a seguinte questão fundante: a brinquedoteca pública examinada promove inclusão por meio da práxis? Esta problematização surgiu a partir da necessidade de utilizar a brinquedoteca pública como um espaço inclusivo direcionado a essas crianças, ambiente este capaz de promover a atividade livre, criadora e autocriadora, e, dessa forma, poder incluir os indivíduos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem, dependendo da maneira como são realizadas as atividades didático-pedagógicas e lúdicas nesse local. O estudo da brinquedoteca como espaço inclusivo por meio da práxis é relevante por proporcionar uma análise diferenciada no tocante à prática dos profissionais atuantes no espaço da brinquedoteca, assim 1 Doutora em Educação na área de Ensino, Avaliação e Formação de Professores – UNICAMP/SP. Líder/Coordenadora do Grupo de Políticas Públicas, Educação e Inclusão Social – GPPEIS; Pesquisadora do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Diversidade – LEPED/UNICAMP; Pesquisadora do Grupo de Educação Popular – UEPA; Professora da Universidade do Estado do Pará – UEPA; Orientadora da Pesquisa – PIBIC/CNPq/UEPA. 2 Graduanda do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia da Universidade do Estado do Pará – UEPA; Discente Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Políticas Públicas, Educação e Inclusão Social, Graduanda do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia da Universidade do Estado do Pará – UEPA; Discente Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Políticas Públicas, Educação e Inclusão Social – GPPEIS; Bolsista do PIBIC – CNPq/UEPA GPPEIS; Bolsista do PIBIC – CNPq/UEPA. 3 Graduanda do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia da Universidade do Estado do Pará – UEPA; Discente Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Políticas Públicas, Educação e Inclusão Social – GPPEIS; Bolsista do PIBIC – CNPq/UEPA. caminhos para inclusão.indd 169 23/8/2011 11:02:28 170 como no que se refere à formação intelectual das crianças envolvidas no processo ensino-aprendizagem. Espera-se com esta investigação fornecer novos pareceres sobre a questão da inclusão norteada pela práxis lúdica, vivenciada em uma brinquedoteca pública, expandindo a reflexão sobre o assunto e ao mesmo tempo sobre a relevância desse espaço lúdico-pedagógico nos ambientes escolares e não escolares. Nessa perspectiva, a brinquedoteca, mediante seu caráter lúdico, criativo, coletivo e cooperativo, possibilita a promoção da inclusão. O brincar não se reduz a jogos individuais, passivos, alienantes e exclusivos, pelo contrário, eles podem estimular a criança a pensar de forma ativa, crítica e criativa de modo a promover, por meio da ação coletiva, a inclusão advinda de atividades lúdicas e cooperativas, realizadas na brinquedoteca. Nesse contexto, pode-se afirmar que a práxis social de brincar, vivenciada na brinquedoteca, produz seres ativos, críticos-criativos, seres pensantes que, segundo Dias[1], sejam capaz de fazer frente à educação reprodutiva e opressora, presente na maioria das escolas. Partindo-se da convicção de que a consciência estética das pessoas é construída ao longo de suas vivências, Dias[1] assinala que [...] Um dos caminhos para fazer frente à realidade congelada e opressiva de muitas escolas e trazer a vida à tona é a busca de uma educação políticoestética, que tenha como cerne a visão do homem como ser simbólico, que se constrói coletivamente e cuja capacidade de pensar está ligada à capacidade de sonhar, imaginar, jogar com a realidade. Percebe-se, nessa perspectiva, a relevância da atividade lúdico-criativa no processo de formação social das crianças e, assim, oferecer esta “capacidade de sonhar, imaginar, jogar com a realidade” conforme diz a autora, abandonando o caráter individual, exclusivo e reprodutor dos interesses dominantes. Dessa forma, a brinquedoteca assume a real função proposta pela práxis social de brincar, que, como afirma Bottomore[2], se constitui na “[...] atividade livre, universal, criativa e auto-criativa, por meio da qual o homem cria, (recria) e transforma seu mundo humano, histórico e a si mesmo”. caminhos para inclusão.indd 170 23/8/2011 11:02:28 Caminhos da INCLUSÃO | 171 REFERENCIAL TEÓRICO O referencial teórico foi construído a partir das concepções de autores que norteiam a discussão deste estudo e propiciam uma reflexão crítica, além de favorecer o trabalho que se desenvolverá durante o processo de pesquisa a respeito da brinquedoteca pública selecionada. Kishimoto [3], ao se referir ao jogo na educação infantil, menciona que este “transporta para o campo do ensino-aprendizagem condições para maximizar a construção do conhecimento, introduzindo as propriedades do lúdico, do prazer, da capacidade de iniciação e ação ativa e motivadora”, assinalando assim a relevância de atividades lúdicas no processo ensino-aprendizagem e na formação global das crianças, como elemento capaz de construir a intelectualidade infantil por meio da práxis inclusiva e transformadora. Nessa perspectiva, o lúdico atua como uma ação social e coletiva que pode servir como um mecanismo favorecedor na formação da criança, fomentando a inclusão e a responsabilidade social, uma vez que, de maneira alegre, reúne interesses e satisfações coletivas. Wajashop [4] complementa a ideia expressa por Kishimoto [3] quando discute o brincar por meio da práxis, entendendo-a como “a brincadeira na perspectiva sócio-histórica e antropológica [...] considerando que se trata de uma atividade social humana que supõe contextos sociais e culturais, a partir dos quais a criança recria a realidade através da utilização de sistemas simbólicos próprios”. É partir dessa atividade humana que se constitui a expressividade infantil, que pode ser observada durante as brincadeiras, e a forma de as crianças se organizarem entre elas, demonstrando o quanto é imprescindível à existência de um espaço como a brinquedoteca para formação global e inclusiva destes sujeitos sociais. A aquisição da cultura por meio do lúdico como retrata Wajashop [4] é uma das consequências dessa formação crítico-criativa que sensibiliza e auxilia na aproximação da criança ao mundo. A respeito do lúdico na construção da cultura e do conhecimento, Snyders [5] considera que o acesso à cultura permite a formação do sujeito social crítico-criativo. A esse respeito afirma que: caminhos para inclusão.indd 171 23/8/2011 11:02:28 172 [...] uma cultura que abre o mundo diante de nós, que nos abre para o mundo, que deixa ver e entender o mundo: presença do mundo e por isso presença no mundo; nossa sensibilidade pode ampliar-se ao destino do mundo, nossa consciência pode tornar-se consciência mundial. Aprender mil formas de vida e não só o que os olhos vêem, o que os vizinhos dizem; vale à pena perceber o que se passa em outros lugares. O mundo está próximo de nós, penetra-nos, entra em nós. Essa aproximação do sujeito ao mundo, que penetra e entra no ser, estabelece a perspectiva crítica necessária ao educando, conforme expressa Freire [6]: Os educandos necessitam descobrir o que há por trás de muitas de suas atitudes em face da realidade cultural para assim enfrentá-la de forma diferente. A admiração de sua anterior admiração da realidade é necessária para que isto se faça. A capacidade que têm os educandos de conhecer em termos críticos - de ir além da mera opinião - se vai estimulando no processo de desvelamento de suas relações com o mundo histórico-cultural. Mundo de que os seres humanos são os criadores. Nesse sentido, a inclusão concebida neste estudo pode ser objetivo das atividades lúdicas realizadas na brinquedoteca examinada, tendo em vista que, por meio da práxis, o homem promove o desvelamento do mundo histórico cultural e vai além da mera opinião, tornando-se, assim, ator, produtor e (re) criador de sua realidade social. METODOLOGIA Este estudo fundamenta-se em uma abordagem qualitativa que, segundo Severino [7], consiste em “um conjunto de metodologias, envolvendo, eventualmente, diversas referências epistemológicas”. Para completar este conjunto de metodologias procedeu-se a pesquisa bibliográfica a partir da leitura de autores renomados como: Dias [1], Bottomo- caminhos para inclusão.indd 172 23/8/2011 11:02:28 Caminhos da INCLUSÃO | 173 re [2], Kishimoto [3], Wajashop [4], Snyders [5], Freire [6], entre outros; além do levantamento de informações contidas em monografias e livros, que contribuirão para aprofundamento destas pesquisadoras no estudo referente a esta temática. A investigação é do tipo descritiva, pois, durante seu desenvolvimento, serão apresentadas análises e resultados parciais referentes ao andamento do estudo de caso, em que se examinará uma realidade particular em meio a várias outras. Como instrumento para coleta de dados serão utilizadas técnicas como questionários e entrevistas, além da observação participante que tem por finalidade examinar a práxis realizada pelos brinquedistas nas atividades desenvolvidas no espaço investigado; assim como verificar se a brinquedoteca proporciona a formação global das crianças como sujeitos sociais e também identificar se o processo de aprendizagem destas corresponde à formação esperada na perspectiva da práxis. As entrevistas e os questionários serão realizados com as brinquedista no intuito de analisar se há, no espaço em questão, a implementação de ações teórico-práticas inclusivas das crianças por meio da práxis. Concomitantemente será examinado o material didático-pedagógico utilizado na brinquedoteca, o espaço físico, assim como o planejamento das brinquedista para realização das atividades lúdicas implementadas no processo. O registro fotográfico será utilizado para ilustrar a realidade em exame, tendo em vista a necessidade de se obter, a partir das imagens, informações e dados concretos utilizados na brinquedoteca em questão. Posteriormente à coleta de dados, estes serão transcritos e cruzados, a fim de relatá-los e divulgá-los de forma fidedigna, e, ao final do processo de pesquisa, socializá-los entre estudiosos, pesquisadores e demais interessados no assunto. RESULTADOS ESPERADOS De acordo com a temática abordada, espera-se realizar um exame crítico relacionado com a práxis e o processo de inclusão vivenciado na brinquedoteca pública em Belém. Para efetivação da pesquisa, serão manipulados e classificados os dados coletados no decorrer da investigação, caminhos para inclusão.indd 173 23/8/2011 11:02:28 174 os quais serão utilizados para realizar análises e descrições deste estudo, com base nos autores selecionados para discutir a temática em questão. Nessa etapa da pesquisa serão relatadas as observações pertinentes à abordagem adotada, a fim de observar a atuação dos profissionais inseridos nesse espaço, assim como as atividades desenvolvidas pelas crianças envolvidas no processo. Dessa forma, serão apresentados os resultados obtidos a partir do cruzamento das informações coletadas, que resultarão na produção de um relatório final de pesquisa, em diversos trabalhos e na publicação de artigos. Com esta pesquisa espera-se promover, por meio da práxis, uma reflexão crítica a respeito da atuação das brinquedista no ambiente estudado, no intuito de contribuir com a formação global de cada indivíduo, tornando-o sujeito social, ator e transformador de sua vida real, além de verificar se há de fato inclusão desses sujeitos no espaço investigado. Espera-se, também, expandir o conhecimento destas pesquisadoras ao longo da investigação, a partir das discussões favorecidas pela participação em eventos de caráter local, nacional e internacional, assim como pela publicação de artigos e construção dos relatórios parcial e final sobre a pesquisa. Nesse contexto, pretende-se, ao final do estudo, contribuir para reflexão a respeito da referida brinquedoteca pública nesta cidade, em especial com os brinquedistas atuantes, no intuito de favorecer a formação global e a responsabilidade social destas crianças que vivem coletivamente. CONSIDERAÇÕES FINAIS Reconhecer a escola e a brinquedoteca como formadores de sujeitos sociais é desafiante, mas é imprescindível, pois, sendo a escola o espaço (hipoteticamente) em que a criança passa a maior parte do seu tempo, o brincar, por meio do lúdico vivenciado na escola, pode incitar nas crianças um conhecimento inovador capaz de possibilitar a criação e produção de uma nova realidade mediante a reflexão. Para superar a individualidade, o egoísmo e as diferenças sociais que marcam a sociedade capitalista, penetram à educação das crianças e deformam o ser, perpetuando os interesses de classes, é necessário va- caminhos para inclusão.indd 174 23/8/2011 11:02:28 Caminhos da INCLUSÃO | 175 lorizar e saber utilizar a ludicidade como ferramenta para modificar essa realidade social. Refletindo-se sobre as relações na fase infantil, percebe-se que as crianças, se estimuladas ao convívio em grupo, conseguem se desenvolver, adquirindo hábitos de respeito e convívio social, fundamentados na cooperação e na solidariedade com os outros. Nesse intento, defende-se que a cultura, associada ao trabalho lúdico e à conscientização social é capaz de demolir, recusar, arruinar e renegar a realidade social excludente, pois é a partir do saber constituído que se pode conseguir superá-la e transformá-la em uma realidade social inclusiva, tornando os indivíduos melhores e responsáveis por sua participação na vida coletiva. REFERÊNCIAS [1] Dias MCM. Metáfora e Pensamento: considerações sobre a importância do jogo na aquisição do conhecimento e implicações para educação pré-escolar. In: Kishimoto TM. Jogo, Brinquedoteca, Brincadeira e a Educação. São Paulo: Cortez; 2007. [2] Bottomore T. Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Zahar; 1988. [3] Kishimoto TM. Jogo, Brinquedoteca, Brincadeira e a Educação. São Paulo: Cortez; 2007. [4] Wajskop G. Brincar na pré-escola. 7ª ed. São Paulo: Cortez; 2007. [5] Snyders G. A alegria na escola. São Paulo: Manole; 1988. [6] Freire P. Ação Cultural para a Liberdade e outros escritos. 5ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1981. [7] Severino AJ. Metodologia do Trabalho Científico. 23ª ed. São Paulo: Cortez; 2007. caminhos para inclusão.indd 175 23/8/2011 11:02:28 caminhos para inclusão.indd 176 23/8/2011 11:02:28 A COMPREENSÃO DA INCLUSÃO DO DEFICIENTE VISUAL NA REDE REGULAR DE ENSINO: UM ESTUDO SOB O OLHAR DE QUEM A VIVENCIA1 Aline Damasceno Monteiro2, Gisely Gabrieli Avelar de Souza3, Ana Irene Alves de Oliveira4 e Rafael Luiz Morais da Silva5 INTRODUÇÃO A deficiência visual é explicada por duas categorias: a Baixa Visão, também denominada Visão Subnormal, e a Cegueira. A Baixa Visão ou Visão Subnormal consiste em uma condição de diminuição funcional da capacidade visual, que pode ocorrer por uma significativa diminuição da acuidade visual, redução do campo da visão, alterações visuais das cores e/ou da sensibilidade a contrastes que dificultam ou limitam o desempenho da visão[1]. A cegueira ocorre – de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) – quando a pessoa possui acuidade visual desde 3/60 (0,05), no melhor olho e melhor correção ótica possível, indo até a ausência de percepção de luz ou a perda de campo visual no melhor olho com a melhor correção possível [2]. Durante muito tempo, o deficiente visual que buscava o serviço educacional deparava-se com uma realidade em que suas oportunidades estavam voltadas para um sistema de educação especializado. Nesse sistema, esses indivíduos eram alfabetizados em classes que agregavam pessoas com alguma deficiência, fosse ela visual ou não. Os deficientes visuais [3], desde 1950, já recebiam apoio pedagógico dos professores especializados ou habilitados em Educação Especial 1 Artigo extraído da pesquisa desenvolvida na disciplina Trabalho de Conclusão Anual (TCA), da grade curricular do curso de Terapia Ocupacional, da UEPA. 2 Terapeuta Ocupacional, graduada pela UEPA. 3 Terapeuta Ocupacional, graduada pela UEPA, ex-bolsista do NEDETA. 4 Terapeuta Ocupacional, doutora em Teoria e Pesquisa do Comportamento (UFPA), docente da UEPA, coordenadora do NEDETA. 5 Terapeuta Ocupacional e Professor da Universidade do Estado do Pará, Mestre em Teoria e Pesquisa do Comportamento (UFPA); caminhos para inclusão.indd 177 23/8/2011 11:02:28 178 nessa área. Na época, esses profissionais da educação atuavam em duas modalidades de ensino: Classe Braille, que mais tarde recebeu a denominação de Sala de Recursos e Ensino Itinerante, cujo objetivo era integrar esses alunos nas classes regulares de ensino. No entanto, a Constituição Federal do Brasil de 1988 assegurou o atendimento educacional especializado às pessoas com deficiência inseridas, preferencialmente, na rede regular de ensino [4]. E a Conferência Mundial de Educação para Todos na Tailândia, na década de 1990, deu início às ações de nível internacional na Educação Inclusiva, pois propiciou a continuidade de debates e transformações nessa área [5]. Mas foi a partir da declaração de Salamanca, em 1994, que o Brasil criou as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica [6]. Em 1996, criou a Lei 9.394, que determinou que a Educação Inclusiva não excluísse a Especial, mas sim que cada uma delas passasse a adquirir funções específicas na atenção às pessoas deficientes; a Lei 10.845, de março de 2004, garantiu atendimento especializado aos alunos que não possuíam habilidades para a inclusão na rede regular de ensino, no entanto, fortaleceu sua progressiva inclusão no ensino comum [7]. Acredita-se que a inclusão, por ser um acontecimento relativamente novo no cenário brasileiro, tem encontrado barreiras para ser concretizada de maneira satisfatória no ensino regular. E entre os sujeitos envolvidos, encontram-se os alunos com deficiência visual, que provavelmente não estão fora desse contexto de dificuldades. Nesse sentido, questiona-se como tem sido a inclusão de pessoas com deficiência visual na rede regular de ensino? Como essas pessoas percebem esse processo? CAMINHO METODOLÓGICO Trata-se de um estudo de caso do tipo observacional-descritivo, sendo um recorte do projeto intitulado O processo inclusivo do deficiente visual na rede regular de ensino: um estudo de caso sob o olhar terapêutico ocupacional, aprovado pelo Comitê de Ética da Fundação Hospital de Clínicas Gaspar Vianna (FHCGV). A pesquisa foi realizada no período de agosto a novembro de 2008, desenvolvendo-se um estudo com uma jovem – que doravante será chamada de T.R.M – de 14 anos, apresentando cegueira em decorrência de Retino- caminhos para inclusão.indd 178 23/8/2011 11:02:28 Caminhos da INCLUSÃO | 179 patia da Prematuridade, estudante da 7ª série da Escola Municipal de Ensino Fundamental Antônio Teixeira Gueiros, da cidade de Ananindeua, Pará. Utilizou-se como instrumento para a coleta de dados o roteiro de observação das condições de acessibilidade da instituição, baseado no Manual de Normas Técnicas de Acessibilidade (NBR 9050), sendo também realizada uma entrevista semiestruturada com o sujeito da pesquisa. A ficha de entrevista continha dados de identificação, história da doença atual e 8 perguntas direcionadas à T.R.M., objetivando conhecer suas reais necessidades, bem como analisar a percepção quanto a sua inclusão no ensino regular. Primeiramente, fez-se a análise situacional das condições de acessibilidade da escola que atendessem principalmente às necessidades do deficiente visual. Em seguida, realizou-se a entrevista com T.R.M., tendo duração de aproximadamente 30 minutos, na qual foi utilizado aparelho audiodigital. Ao final, fez-se a transcrição integral das respostas obtidas. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS Nos dados coletados por meio da entrevista com T.R.M., ressalta-se a colocação referente à acessibilidade, ela afirmou não possuir dificuldades de locomoção no espaço escolar relacionadas às questões arquitetônicas (acessos com placa de identificação em Braille, espaços de circulação interna com piso tátil ou linha guia, escadas adaptadas). As dificuldades de T.R.M. relacionavam-se aos instrumentos utilizados no processo de Ensino-Aprendizagem (computador com alto relevo e sonorizador de voz), que também compreendem recursos de acessibilidade para pessoas com deficiência visual. Ela afirmou que o único problema na locomoção está relacionado ao momento do intervalo, e tratou sobre os deficitários recursos de informática que a escola dispõe: Não tenho dificuldade nenhuma. A única ‘mais’ dificuldade é na hora do intervalo que as pessoas passam correndo, mas é normal [...] já conheço o espaço. [...] a aula de informática, porque não tem o vocalizador de voz [...] aí eu fico tremendo no teclado porque eu não sei o que ‘tô’ escrevendo, eu conheço as letras, mas eu não sei o que eu ‘tô’ apertando. caminhos para inclusão.indd 179 23/8/2011 11:02:29 180 Ressalta-se que T.R.M. faz acompanhamento desde os 3 anos de idade na Unidade Técnica José Álvares de Azevedo, em Belém, que oferece atendimento especializado a deficientes visuais. Considera-se que este fato, somado ao tempo que ela estuda nesta escola (2 anos), tenham contribuído para a criação de mecanismos adaptativos ao ambiente escolar, espaço este que, de acordo com as normas da NBR 9050, encontra-se inadequado, pois não existem placas de identificação em Braille nas portas da escola. No que diz respeito à circulação interna, os corredores não apresentam nem piso tátil e nem linha-guia; a instituição possuía 1 escada que não apresentava corrimão e nem borda no degrau; no que refere-se ao computador, enquanto instrumento de EnsinoAprendizagem, constatou-se que ele não possuía teclas em relevo e nem sonorizador de voz. Quando questionada sobre como avalia seu relacionamento interpessoal na escola, disse ser esta sua maior dificuldade nesse contexto: A minha maior dificuldade é com os alunos... com a maioria! Porque sempre são algumas pessoas que me ajudam, outras não entendem, passam direto, não se,o me conhecem como eu sou [...] já tentei... conversei normal, mas só foi uma vez, eles não chegam pra conversar comigo normal, sempre são as mesmas pessoas [...]. Diante do exposto, foi indagado se T.R.M. tentava ou mesmo possuía iniciativa para interagir com os outros educandos. Ela afirmou que dificilmente tentava. Ainda sobre esta temática, questionou-se como ocorriam os trabalhos escolares em grupo, ela relatou que: [...] a professora pede pra eles me colocarem na equipe aí eu vou pra equipe, faço trabalho com eles [...] Teve um trabalho que a professora pediu pra ‘mim’ fazer só, que era pra ler um livro, era em equipe mas ela pediu pra ‘mim’ fazer só, ela me deu um pequeno, porque fica mais fácil pra ‘mim’ passar em braille. Ano passado teve uma vez que eu perdi ponto porque não me colocaram em equipe nenhuma. Diante de sua colação, buscou-se conhecer como T.R.M. percebia tais situações: caminhos para inclusão.indd 180 23/8/2011 11:02:29 Caminhos da INCLUSÃO | 181 Me sinto um pouco ruim... porque as pessoas não entendem. E ano passado, aí ela [professora] falou várias vezes com o pessoal da sala,..., agora que eles ‘tão’ entendendo mais. Mudou os alunos, entrou alunos de outra turma... isso ajudou muito! [...] Ano passado eu tava até conversando com as pessoas e dizendo que eu me dava melhor com as pessoas das outras turmas do que da minha mesmo, com as pessoas do meu convívio. [...] as pessoas deveriam me colocar numa equipe porque tem prazer não porque são obrigadas! No tocante à relação com os professores, apontou algumas dificuldades: Como o professor de Arte, ele não me dita aí ele diz que depois vai me dar o assunto, às vezes ele me dá, às vezes ele não me dá..., aí a Êda [professora de Matemática], falou pro pessoal me emprestar o caderno, mas ninguém queria me emprestar [...] Os outros professores me ajudam muito. Todos eles! [...]. A professora Eliana [Língua Portuguesa] falou pra perguntar se eu tinha alguma dificuldade, pra eles se colocarem no meu lugar [...]. No que se refere ao processo de Ensino-Aprendizagem, fez importantes considerações, expondo que: Eles [professores] ‘dão’ aula como ‘dão’ pros outros alunos, normal![...] eu não gosto de ser... eu me sinto ruim, assim me sentindo melhor que eles. Porque, na verdade, eu não sou melhor que eles, todos nós somos iguais [...] Sinto dificuldade só porque a prova nunca ‘tá’ pronta no mesmo dia..., aí eu levo as coisas e fico escutando no cd, aí eu demoro às vezes pra responder algumas perguntas. [...] aí quando eu consigo falar antes com eles [professores] pra saber qual o capítulo que eles vão falar na próxima aula, isso me ajuda a estudar. Quando relata o descontentamento em sentir-se melhor que os outros alunos, T.R.M. trata de situações em que, possivelmente, necessitaria de maior auxílio e/ou atenção por parte dos docentes. Portanto, considera proveitoso o fato de seu processo de Ensino-Aprendizagem caminhos para inclusão.indd 181 23/8/2011 11:02:29 182 não ser diferenciado dos outros alunos como, por exemplo, nas aulas que são ditadas e nas leituras de texto. Vale ressaltar que T.R.M. vai à Fundação Cultural Tancredo Neves (CENTUR), em Belém, para gravar os livros escolares em CDs, pois os que vieram em Braille para a escola não são os mesmos utilizados pelos professores em sua turma, o que, segundo ela, dificulta seu rendimento escolar. Outro questionamento abordado na entrevista foi quanto a sua satisfação em estar no ensino regular, T.R.M. disse: Me sinto bem com certeza, porque as pessoas tem que aprender... como é que é a nossa vida, como é que a gente se comunica, como é a nossa relação... porque a gente tem uma relação normal como as outras pessoas. Já chegou gente que me perguntou se era difícil ser adulto sem enxergar [...] aí eu disse que eu não sabia por que eu nunca enxerguei! [...] Aí isso é bom pros alunos, e os professores ‘têm’ a aprender com a gente [...] Ensinar e aprender. [...] É ‘bom’ a escola especial, mas é ruim também, porque é preciso que tenha alguém que enxergue na turma. A partir dos dados coletados, foi possível perceber que, mesmo a escola não possuindo estrutura arquitetônica adequada para alunos com DV, T.R.M. não apresentou dificuldades relacionadas a esse aspecto. Enquanto que, no processo de Ensino-Aprendizagem, foi possível constatar problemas de acessibilidade (o computador, por exemplo, pela ausência do vocalizador digital e do teclado em alto- relevo), como na metodologia de alguns professores que utilizavam a lousa para ministrar suas aulas, ao invés de fazer leitura ou ainda o ditado como instrumentos que facilitassem a aprendizagem de T.R.M.; a escassez de recursos adaptados também foi um ponto importante: os livros em Braille que vieram errados, a esporádica visita do professor itinerante que a auxiliava nos assuntos dados em sala de aula; T.R.M. necessitava ir constantemente ao CENTUR para gravar em CD os livros utilizados em sua classe; as provas em Braille, que comumente não estavam prontas nos dias de avaliação, entre outros relatos que demonstraram os problemas enfrentados diariamente por T.R.M. no ambiente escolar. A capacidade funcional não está atrelada somente aos fatores visuais, porém, deve ser considerada a reação da pessoa à perda visual, assim como os fatores ambientais que dificultam seu desempenho [4]. caminhos para inclusão.indd 182 23/8/2011 11:02:29 Caminhos da INCLUSÃO | 183 Dessa forma, destacam-se como maiores obstáculos, segundo T.R.M., o fator relacionamento interpessoal com outros educandos da turma. Identificou-se que o círculo de amizade, ou ainda o grupo de T.R.M., era composto principalmente por 3 alunas que a auxiliavam nos trabalhos grupais, cediam seus materiais quando necessário e questionavam-na se precisava de ajuda; estavam com ela nas aulas de Informática e no intervalo. No entanto, eram as únicas pessoas que se dispunham a ajudar. O restante da turma não mantinha contato e hesitava em fazer atividades com T.R.M., fazendo-as somente nos casos em que os professores solicitavam. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo permitiu compreender que, no caso de T.R.M., as questões arquitetônicas, para ela, não eram barreiras como o eram as relações sociais nesse ambiente, principalmente com as outras pessoas da classe. A idealização que se faz para a escola da atualidade é de um espaço acolhedor que permita uma educação de qualidade a todos os usuários, levando em conta suas necessidades e potencialidades. Contudo, vale ressaltar que o fato do aluno estar na sala de aula não é o suficiente. É de suma importância que, em primeiro lugar, a Escola tenha se preparado para receber esse aluno. Se isso não ocorrer, a inclusão não acontecerá, e sim apenas a integração da criança à rede regular de ensino, o que não é o objetivo da nova proposta de educação [6]. Neste sentido, acredita-se que não é suficiente apenas colocar o aluno portão adentro na escola, proporcionando-lhe somente um espaço físico dentro de uma sala de aula. É necessário muito mais que isso. A Escola, como instituição, deve viabilizar formas de atendimento a essa pessoa por meio das quais ela tenha não somente o direito à educação, mas, também, o direito às oportunidades educacionais que implicam atender a extensa gama de diferenças individuais existentes entre os educandos. Por meio destes aspectos, o Terapeuta Ocupacional busca intervir junto à Escola como facilitador e colaborador da acessibilidade, pensando tanto nas condições físicas, materiais e de comunicação necessárias para que o aluno com deficiência visual possa receber educação satisfatória, como no Ambiente Escolar, para que ele possa participar com caminhos para inclusão.indd 183 23/8/2011 11:02:29 184 autonomia. Isso tudo implica na eliminação de barreiras arquitetônicas e atitudinais, referentes à equipe que assiste esses alunos, como no auxílio à socialização entre esse educando, os outros alunos e a equipe escolar. Mesmo não sendo, ao longo da história, parte da Educação Regular, a realidade vivenciada atualmente tem impulsionado o profissional da Terapia Ocupacional a aprofundar a relação e integração entre o campo da saúde e o educacional, buscando um consenso entre a clínica e a educação. Assim, o Terapeuta Ocupacional pode adaptar as demandas do desempenho de tarefas, tornar o ambiente mais adequado e ensinar um novo repertório de habilidades, ou ajudar o indivíduo a readquirir habilidades perdidas [5]. Portanto, a inclusão dos alunos com deficiência em escolas regulares é relevante e, no tocante ao deficiente visual, a possibilidade de acesso à escolarização traz ganhos inquestionáveis, pois, favorece a relação e a integração social, a exploração ambiental, o que a auxilia na construção do seu processo de Ensino-Aprendizagem. REFERÊNCIAS [1] Bruno MMG. A inclusão da criança com baixa visão e múltipla deficiência na educação infantil. In: Alves de Oliveira AI, Lourenço JMQ, Lourenço MGF (Orgs.). Perspectivas da Tecnologia Assitiva no Brasil: teoria e prática. Belém: EDUEPA, 2008. [2] Montilha RCL, Temporini ER, Nobre MIRS. Utilization of optical devices and equipments by students with visual impairment. Arq. Bras. Oftalmol., Mar./Abr. 2006, vol.69, n.2, p.207-211. http://www.scielo.br/scielo.php? script=sci_arttext&pid= S000427492006000200014&lng en&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 27 ago. 2008. [3] De Masi I. A Educação Inclusiva e os Diferentes Olhares. http://www.mj.gov.br/sedh/ ct/conade/palestras_ sub.asp. Acesso em: 10 maio 2008. [4] Ribeiro LB. Disfunção Visual. In: Cavalcanti A, Galvão C (Orgs.). Terapia Ocupacional: fundamentação e Prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2007. [5] Alves de Oliveira AI, Garotti MF, Najjar EA.O processo de Inclusão Escolar e a Tecnologia Assistiva. In: Alves de Oliveira AI (Org.). Pesquisas em Desenvolvimento Infantil. v. 9 Belém: Conhecimento e Ciência, 2008. [6] Brasil. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Especial. Números da Educação Especial no Brasil. 2001. http: // www.mec.gov.br /seesp. Acesso em: 20 abr. 2009. [7] Munguba MC. Inclusão Escolar. In: Cavalcanti A, Galvão C (Orgs.). Terapia Ocupacional: Fundamentação e Prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2007. caminhos para inclusão.indd 184 23/8/2011 11:02:29 RELAÇÃO TERAPEUTA PACIENTE: O PRINCIPAL OBJETIVO DO TERAPEUTA OCUPACIONAL RELATO DE UM CASO Solange Rezende Rabelo de Souza1; Ana Irene Alves de Oliveira2; Rafael Luiz Morais da Silva3; Marcilene Alves Pinheiro4 INTRODUÇÃO A Síndrome de Down (SD) se caracteriza, em sua etiologia, por ser uma alteração na divisão cromossômica usual, resultando na triplicação – ao invés da duplicação – do material genético referente ao cromossomo 21. A causa dessa alteração ainda não é conhecida, mas sabe-se que ela pode ocorrer de três modos diferentes. Em 96% dos casos, essa trissomia se apresenta por uma não-disjunção cromossômica total: conforme o feto se desenvolve, todas as células acabam por assumir um cromossomo 21 extra. Em cerca de 4% dos casos, entretanto, ou os portadores não têm todas as células afetadas pela trissomia, sendo denominados como casos “mosaico” (entre 0,5 e 1%), ou desenvolvem a síndrome de Down por translocação gênica (entre 3,0 – 3,5%), caso em que parte ou todo o cromossomo 21 extra se encontra ligado a um outro cromossomo, geralmente o cromossomo 14. A síndrome de Down frequentemente acarreta complicações clínicas que acabam por interferir no desenvolvimento global da criança portadora, sendo que as mais comumente encontradas são alterações cardíacas, hipotonia, complicações respiratórias e alterações sensoriais, principalmente relacionadas à visão e à audição [1]. Pesquisas recentes comprovam que crianças com Síndrome de 1 Acadêmica do 3º ano do Curso de graduação em Terapia Ocupacional da UEPA, estagiária do NEDETA – [email protected]. 2 Terapeuta Ocupacional, doutora em Teoria e Análise Comportamental pela UFPA, docente da UEPA. 3 Terapeuta Ocupacional e Professor da Universidade do Estado do Pará, mestre em Teoria e Pesquisa do Comportamento (UFPA); 4 Acadêmica do 5º ano do curso de graduação em Terapia Ocupacional da UEPA, estagiária do NEDETA. caminhos para inclusão.indd 185 23/8/2011 11:02:29 186 Down podem alcançar estágios avançados do desenvolvimento psicomotor, de linguagem e cognitivo. Portanto, o acompanhamento de algumas especialidades como a Fonoaudiologia, a Fisioterapia, a Terapia Ocupacional, a Psicologia, entre outras, é essencial para a orientação dos pais sobre o melhor estímulo a ser dado aos seus filhos e, através de técnicas especializadas, desenvolver suas potencialidades [2]. A Terapia Ocupacional utiliza da atividade como um instrumento terapêutico para avaliar e tratar pessoas que tenham algum tipo de dificuldade, tanto no aspecto físico, mental ou social, que esteja interferindo no seu cotidiano. Os objetivos gerais da Terapia Ocupacional são proporcionar funcionalidade e o máximo de independência possível no ambiente escolar, familiar, social, de trabalho, de lazer, entre outros. E para que o tratamento seja satisfatório é essencial que a relação terapeuta-paciente seja bem estabelecida [2]. O vínculo com alguém é imprescindível para o acontecer humano, este se estabelece por meio de um sistema de poderosas conexões – superfícies corporais, linguagem, olhares, sentimentos, constância, intensidades, sensações, realizações, continuidade são formas de sua manifestação. O trabalho terapêutico ocupacional oferece uma oportunidade ímpar para que esse processo ocorra [3]. Pretende-se demonstrar com este estudo a importância da relação terapeuta-paciente na evolução do tratamento, a partir do relato da experiência com uma criança com Síndrome de Down assistida no NEDETA. REFERENCIAL TEÓRICO A SD é uma alteração genética que ocorre na formação do feto, mais especificamente no período de divisão celular. A maioria dos casos de portadores da trissomia do cromossomo 21 é causada pela não-disjunção, resultando em um cromossomo extra. Em outros casos, pacientes possuem anormalidades cromossômicas, as quais apresentam um número normal de cromossomo, porém, a alteração é do tipo translocação e mosaicismo. No entanto, este último tipo é raro com ocorrência aproximada de 1 a 2% [4]. A SD é uma alteração genética, não herdada, na qual o indivíduo apresenta três cópias do cromossomo 21 ao invés de duas, como normal- caminhos para inclusão.indd 186 23/8/2011 11:02:29 Caminhos da INCLUSÃO | 187 mente ocorre. A trissomia do cromossomo 215 é resultante da falta ou excesso de cromossomos no embrião devido um processo de meiose imperfeita do espermatozoide ou do óvulo [5]. Embora a maior incidência de nascimento de bebês com a SD ocorra a partir da idade materna de 35 anos, qualquer casal pode gerar um filho com esta patologia, independente de raça ou condição social [6]. Em geral, os indivíduos apresentam características que lhe são peculiares, como: hipotonia muscular; os olhos apresentam-se com pálpebras estreitas e levemente oblíquas, com presença de prega epicântica; a íris, frequentemente, apresenta-se pigmentada (manchas de Brushfield); achatamento occipital (a moleira pode ser um pouco maior, demorando mais para se fechar); protrusão de língua; orelhas, geralmente, pequenas e de implantação baixa (o conduto auditivo é estreito) [7]. Os atributos como amabilidade, docilidade, obediência e sensibilidade são considerados inerentes aos portadores da SD. Tais características são vistas como normas existentes para o convívio social e, por essa razão, são apreciadas e valorizadas pelas mães e pela sociedade. Entretanto, as pessoas com SD podem apresentar variações em sua personalidade e temperamento. Nesse sentido, pode-se afirmar que as pessoas com SD são distintas entre si em todos os aspectos, assim como é próprio ao desenvolvimento de qualquer ser humano [8]. Conforme Chevallier [9], o comportamento social da pessoa com SD é influenciado pelo ambiente, onde os resultados dessa interação podem limitar ou ampliar as oportunidades do seu desenvolvimento e de suas possibilidades de integração social. Os problemas de comportamento apresentados por alguns indivíduos portadores podem ser amenizados a partir da atuação conjunta entre os profissionais e a família, em uma perspectiva de processo de estimulação. A sequência de desenvolvimento da criança com SD geralmente pode ser bastante semelhante à de crianças consideradas “normais”, e as etapas e os grandes marcos poderão ser atingidos, embora em um ritmo mais lento. Durante muito tempo, elas foram privadas de experiências fundamentais para o seu desenvolvimento porque não se acreditava que eram capazes. Todavia, atualmente já é comprovado que crianças e jovens com SD podem alcançar estágios muito mais avançados de raciocínio e de desenvolvimento [10]. 5 O cromossomo 21, apesar de ser o menor de todos os cromossomos, contém cerca de 40 milhões de partes de códigos – aproximadamente 329 genes (1% do genoma humano total) (CUNNINGHAM, 2008). caminhos para inclusão.indd 187 23/8/2011 11:02:29 188 E para que estas crianças alcancem significativos progressos em seu desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial é necessário que haja um acompanhamento com profissionais qualificados, que trabalhem junto aos pacientes considerando não só suas necessidades, como também as habilidades pré-existente valorizando-as durante o processo; vale ressaltar, ainda, a importância do envolvimento dos familiares no tratamento dessa criança, pois com eles é estabelecido o primeiro vínculo afetivo e de comunicação social, de importância incontestável na vida de qualquer indivíduo [5]. Nos primeiros momentos do encontro paciente-terapeuta, atenção e acolhimento são atos inaugurais que guiam e orientam o processo. Nesse momento, as singularidades que rodeiam a vida do paciente estarão presentes: características biológicas, potencialidades psíquicas, sua história, suas marcas, experiências anteriores e sua cultura. Estarão envolvidos, também, aspectos relacionados à pessoa do terapeuta: corporeidade, os sentidos, as percepções, as formas de expressão, a organização da escuta, os cuidados com os tempos e os espaços, as observações, as proposições teóricas e práticas, as experiências culturais, sua história de vida conferem qualidade à relação terapeuta-paciente [11]. O vínculo se constrói na experiência interpessoal do relacionamento que vai se estabelecendo e, portanto, paciente e terapeuta viverão uma experiência compartilhada que favorece uma aproximação. A ação do terapeuta no campo vincular é intuitiva. Ele trabalha manejando a intensidade dos estímulos, acertando o pulso na possibilidade do paciente, ajustando o próprio comportamento e suas atitudes. Ele age em constante feedback facilitando os investimentos do paciente no mundo, sem forçá-los. Nesse processo, o terapeuta inevitavelmente cometerá erros, necessários e potencialmente de grande valor, pois ajudam o paciente no desenvolvimento de seus próprios modos de lidar com uma variedade de experiências [11]. É possível pensar que, em todo ato ou atividade, faz-se imprescindível a presença da intenção, da vontade e da liberdade, para que se possa estabelecer um grau de reciprocidade entre os elementos envolvidos nesse “encontro”. O terapeuta se ocupa em habilitar, capacitar e realçar questões, mas nunca pode impor ou exigir soluções. Para tanto emprega uma exclusiva combinação de vivência profissional, conhecimento científico, habilidades e sistemas de crenças ou valores para formar sua prática profissional [12]. Não se pode pensar na relação terapeuta-paciente sem envolver a análise de atividade e a atividade terapêutica. Chamone considera a Terapia Ocupacional, um método de intervenção que permite a constru- caminhos para inclusão.indd 188 23/8/2011 11:02:30 Caminhos da INCLUSÃO | 189 ção de vínculos por meio das atividades ou ‘ocupações livres e criativas’ condicionadas aos elementos materiais, ferramentas, objetos concretos, como ‘problemas em si’ [12]. Uma das características mais importantes da Terapia Ocupacional, segundo Ruy Chamone, está na condição de permitir ao cliente a chance de decidir, de escolher, de intervir na realidade externa segundo sua intenção, vontade e com liberdade [13]. OBJETIVOS Pretende-se, através deste estudo, demonstrar a importância da relação terapeuta-paciente na evolução do tratamento, a partir do relato de experiência com uma criança com SD assistida no NEDETA. METODOLOGIA O presente estudo é descritivo, do tipo relato de caso, tendo como referência a realização de 10 (dez) atendimentos, sendo dois semanais, com duração de 40 minutos, no período de setembro a dezembro de 2009. Além disso, realizou-se revisão bibliográfica em consulta a livros e artigos científicos; e pesquisa documental, através de coleta de dados clínicos da paciente (anamnese e avaliação), planejamento e discussão dos dados. Os atendimentos foram realizados no Núcleo de Desenvolvimento em Tecnologia Assistiva e Acessibilidade, situado na UEPA. No decorrer das intervenções foram utilizados recursos de Tecnologia Assistiva de baixo a alto custo, como acionadores artesanais, aplicativos de Power Point e jogos lúdicos e educativos. RELATO DO CASO Z.S.F.D.M., 6 anos, sexo feminino, procedente do município de Belém. Ingressou no NEDETA em setembro de 2008, com diagnóstico clínico de Síndrome de Down, apresentando também um quadro de atraso em seu desenvolvimento cognitivo, fato pelo qual foi encaminhada ao Núcleo. É importante ressaltar que, desde o início dos atendimentos da criança no Núcleo, já havia sido atendida por diversos estagiários, fato este que provavelmente tenha se tornado fator desencadeante para que a mesma não estabelecesse facilmente um vínculo terapêutico satisfatório para evolução de seu quadro nos atendimentos. Com a estagiária atual, a criança foi atendida no período de setem- caminhos para inclusão.indd 189 23/8/2011 11:02:30 190 bro de 2009 a dezembro de 2009. Através da observação das habilidades apresentadas na avaliação inicial e análise das evoluções dos atendimentos anteriores, foi realizado um plano de atividades que desenvolvesse os aspectos cognitivos da criança, como atenção, concentração e memória e ainda favorecer percepção de formas geométricas, além é claro de estabelecimento satisfatório da relação paciente e estagiária. Durante as intervenções, percebeu-se que a criança demonstravase pouco acessível às condutas propostas a ela. E, portanto, optou-se pela utilização de recursos (como jogos educativos e lúdicos que pudessem ser realizados em pares) que mantivessem sempre o contato direto entre estagiário e paciente, de modo que pudessem interagir e, ao mesmo tempo, alcançar os objetivos traçados no plano terapêutico. RESULTADOS E DISCUSSÃO Sabe-se que é no vínculo terapeuta-paciente que estas possibilidades se (re) atualizam e amadurecem. Afinar e refinar a existência, possibilitar o amadurecimento vincular, criar distinções/aprofundar, favorecer experiências de aproximação e intimidade, ampliar os espaços de liberdade; fundamentalmente proporcionar relações consigo mesmo, com o outro, e com o ambiente onde se vive, são aspectos que constituirão e definirão o trabalho de criar vínculo entre pacientes e terapeutas no campo da Terapia Ocupacional. Portanto, os atendimentos iniciais foram destinados ao estabelecimento do vínculo entre a criança e a estagiária responsável, já que a paciente apresentava histórico de resistência ao início de atividades com estagiários diferentes. O que pode ser explicado pelo fato de que, desde sua entrada no Núcleo, a paciente passara por vários estagiários, dificultando, assim, o estabelecimento concreto de um vínculo terapêutico. Isto era percebido através da resistência da mesma ao início de qualquer atividade proposta que envolvesse recurso com o qual pudesse interagir sozinha. Durante a terapêutica, foram utilizados também CD ROM contendo aplicativos educativos, jogos variados (objetos de encaixe, quebra-cabeça, de memória, de colorir, desenhar, dominó, entre outros), especialmente os que representassem um estímulo ao uso da memória, concentração e raciocínio; tesoura sem ponta, papéis, cartolina, cola, canetinha, lápis de cera, papel crepom de várias cores, vídeos animados e brinquedos em geral. Inicialmente, foram propostas atividades que usassem o meio com o qual a criança interagia melhor. Portanto, foram escolhidos aplicativos caminhos para inclusão.indd 190 23/8/2011 11:02:30 Caminhos da INCLUSÃO | 191 em Power Point com conteúdo de cores, animais e esquema corporal, nos quais a criança reconhecia as figuras presentes nos aplicativos e, posteriormente, as mesmas eram relacionadas com o cotidiano da criança, favorecendo maior entendimento e memorização por parte desta. Foram utilizadas, também, sequências lógicas de figuras para que fosse feita a associação e criação de história. Neste momento, a criança respondeu de forma satisfatória à habilidade de memorização e associação de situações. Tendo em vista a dificuldade da criança na percepção de formas, foram destinados três atendimentos para o desenvolvimento desta habilidade. Neles foram propostas atividades com quebra-cabeças, com diferentes desenhos, tamanhos e números de peças. Em um primeiro momento, a criança apresentou grandes dificuldades em terminar o desenho, apesar da ajuda da estagiária. Posteriormente, ainda com a ajuda da estagiária, a criança já conseguia associar as formas de maneira mais satisfatória e sem pedir que a responsável montasse o jogo no seu lugar. Vale ressaltar que, em todos os atendimentos, foram analisadas propostas de intervenção que a criança pudesse realizar com independência e autonomia, mas que ao mesmo tempo esta estivesse em contato direto constante com a estagiária responsável, para que os objetivos traçados no plano terapêutico pudessem ser alcançados da melhor forma possível. CONSIDERAÇÕES FINAIS As atividades desenvolvidas no NEDETA visam, principalmente, proporcionar aos usuários a aquisição e aprimoramento de habilidades que possam lhes dar qualidade de vida em suas atividades cotidianas, sejam estas escolares ou não. Durante os atendimentos realizados, foi possível perceber que a criança apresentou evoluções nos aspectos de memorização, percepção de formas e associação das mesmas, atenção e ansiedade. Apresentou, ainda, avanços no estabelecimento do vínculo terapêutico, apesar da presente resistência em algumas atividades, foi possível perceber que a mesma, com o decorrer dos atendimentos, se mostrou mais acessível às propostas de atividade. Destaca-se, ainda, que é através do vínculo estabelecido, não somente com o paciente, mas também com a família, é que se obtêm resultados satisfatórios, pois, no caso demonstrado, foi a partir da mãe (em caminhos para inclusão.indd 191 23/8/2011 11:02:30 192 específico) que se adquiriu os dados necessários para que uma intervenção adequada fosse proposta e se alcançasse os resultados esperados. REFERÊNCIAS [1] Bazon FM, Campanelli E, Blascovi-Assis SM. A importância da humanização profissional no diagnóstico das deficiências. Revista Psicologia – Teoria e Prática [periódico online]. 2004; 6(2): 89-99. Disponível: www3.mackenzie.com.br/editora/index.php/ptp/ article/view/1167/0. Acesso em: 14 fev. 2010. [2] Bissoto M. 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