ROMULO FRÓES
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CURUMIN_
Release "Japan Pop Show" (YB Music, 2008)
JapanPopShow, programa de TV exibido nas manhãs de domingo nos anos de 1980, era um
karaokê produzido e protagonizado por imigrantes japoneses e seus descendentes no Brasil.
Curumin, neto de japoneses e nesta época ainda criança, se encantava com as performances
um tanto cômicas dos anônimos candidatos à cantores de sucesso. Já a atração seguinte ao
programa de calouros da comunidade japonesa não despertava o mesmo interesse, se
entediava com o culto eletrônico do americano Jimmi Sueger. Talvez já chamasse mais sua
atenção a musicalidade dos pregadores negros, que as preces sem swing do branco pastor
Jimmy.
JapanPopShow é o nome do segundo disco de Curumin e se o título faz referência à sua
descendência, o som do disco traz no seu DNA, o que já conhecíamos de Achados e
Perdidos, primeiro álbum de Curumin, uma profusão de ritmos e influências, com matriz
fundamentalmente na música negra. Mas há muito mais caldo nesse mocotó.
O disco se abre num Salto com joelhada no vácuo. Somos recebidos com o clássico golpe de
Sawamur, herói do animé japonês, que nomeia a vinheta instrumental. A caixa de música de
Curumin é acionada, nos revelando parte de seu vasto universo sonoro: uma melodia
delicada de timbre oriental, um trompete jazzy e um coro gospel, aliados ao groove de beats
graves e enérgicos. Uma mistura de festa e contemplação nos conduz a faixa seguinte,
Dançando no escuro, canção de elaborada melodia, interpretada magistralmente pelo mestre
do Sambasoul Marku Ribas, que adiciona mais tempero ao caldeirão de Curumin, com seu
baixo, bateria e percussões de inspiração no afrobeat. Em Compacto(que tem a participação
de RV Salters, tecladista do Honeycut, banda pertecente ao casting da Quannum, gravadora
de Curumin nos Estados Unidos) a fusão sonora característica de seu trabalho, toma
contornos mais claros. Canção levada por um violão percussivo e teclados de sotaque soul,
Compacto une suas influências brasileiraa e americanas. Jorge Ben encontra Stevie Wonder.
Na sequência, em Magrela fever, entramos num travelling, embalados por um rock com sabor
de jovem guarda e pelas guitarras de Fernando Catatau da banda Cidadão Instigado que
parecem tiradas de uma trilha sonora de Enio Morricone para um filme de Sergio Leone.
Curumin nos leva na garupa de sua magrela, através de seus pensamentos, com o vento
batendo na cara, guidão torto, roda amassada/vou de qualquer maneira/e eu assumo o risco
e despisto com meu riso/na maciota, na boa/não vou ficar marcando tôca/que a maldade
corre solta. O rock aparece em outro dois momentos no disco, mais ao modo de Curumin,
transformado, misturado à suas influências. Em Malstar Card, com seu riff setentista e groove
funky e em Saída Bangu, uma construção/desconstrução da grande canção de Jards Macalé
e Waly Salomão, Revendo Amigos. O Rock torto de Macalé e a bateria descontrolada de Tuty
Moreno, são organizados num beat poderoso que mantém da letra original da canção apenas
o verso volto pra curtir. Curumin traz o gênio de Macalé pra sua festa e o apresenta as suas
próprias armas na reinvenção da música popular brasileira.
Em Kyoto, nos damos conta do caminho percorrido por Curumin desde seu primeiro disco até
agora. Ele nos mostra sua profunda intimidade com um lado da música americana atual. Sua
sucessão de versos em tom de improviso parece tirada de uma sessão de freestyle, talvez
este o motivo de Kyoto ser creditada a tantos autores -além de Curumin e Anelis Assumpção,
estão entre seus compositores, Chief XCel e Gift of Gab do Blackalicious e Lateef, MC do Dj
Shadow, todos estes, artistas e sócios da Quannum. No momento em que aparentemente
deixa para trás suas influências brasileiras, Curumin se lança na difícil tarefa de mandar um
hip-hop ao lado dos “pais da matéria”, correndo o risco de não passar de um pobre arremedo.
Pois corre o risco e se dá muito bem! Sem diminuir a importante participação de seus
companheiros de gravadora, muito menos a mixagem pilotada pelo cultuado produtor Scotty
Hard, mas ainda que sob a inspiração do modelo de Lateef e seus pares, Curumin adiciona a
este, uma ginga estranha, um sotaque, um modo de pronunciar as rimas que o traz de volta
ao Brasil. Também na sua construção poética, Kyoto se destaca de seu modelo americano.
Seja, por exemplo no cruzamento inventivo do verso ligue Jah, em que o célebre bordão do
charlatão Walter Mercado é usado pra evocar a figura de Jah, seja quando recorre às figuras
do Pajé e do Paxá, onde talvez mais importante que justapor autoridades de povos muito
diferentes, como o indígena e o árabe, na causa pela salvação do planeta terra (tema da
canção), seja a similaridade que as duas palavras contém. Ou ainda, quando Curumin explora
no canto, a proximidade fonética da palavra-título da canção, Kyoto, repetindo apenas sua
primeira sílaba, com o início do verso qué que você tem a ver com isso cabloco. Todas,
imagens talvez difíceis de se explicar a um estrangeiro e por isso mesmo muito originais.
Outra apropriação, se é que aqui cabe o termo, de um estilo que talvez não seja natural a
Curumin, se dá em Caixa Preta, um funk carioca pesadão em que é acompanhado pelos
vocais furiosos de Bnegão, um dos compositores da faixa, ao lado de Curumin, Lucas
Santana e Tejo. Também aqui dá a volta. Com um apuro na produção, estranho ao som
propositadamente tosco do funk carioca, Curumin se aproxima antes do miami bass, principal
influência do estilo. Em Caixa Preta também, acontece algo que se repete ao longo do disco,
que é uma estranha e interessante junção de engajamento e diversão. Em canções
dançantes, impossível de serem ouvidas sem se mexer, Curumin manda textos contundentes,
encharcados de indignação, sobre temas que acredita que precisam ser discutidos. Sob
camadas de grooves arrasadores, a agressão ao meio ambiente, a ganância humana, a má
distribuição de renda, a corrupção, tudo o que lhe perturba é dito nestas canções. Ainda que o
som poderoso de Curumin nos quer balançando as cadeiras, não quer que nossas cabeças
parem de funcionar.
Mas todo mundo quer amor e paz na terra, diz a letra de Esperança, canção de Lucas Martins
e Deon(da banda sergipana Lacertae) e o disco também tem seus momentos de pura
contemplação como em Fumanchu, tema instrumental hipnotizante com a presença de Daniel
Ganjaman nos teclados. Românticos também, como não. Mistério Stereo, uma balada de
linda melodia e ótimos versos é levada por um violão incrivelmente simples, de
acampamento. Curumin declara seu amor: eu fiz um par de brincos pra brincar todo dia / pra
vibrar cada canto dominante no seu coração, rodeando, balançando, enfeitando seu ouvido,
seu pescoço, seu corpo, sua casa, seus jardins, contrapondo seu ritmo, seu som, tornando
sua alma dissonante enfim.
JapanPopshow, a faixa título do disco é uma espécie de reencontro de Curumin com seu
passado, como se finalmente subisse ao palco do programa de TV de sua infância para
cantar, com algum filme fazendo parte do cenário de sua apresentação, como acontece nos
Karaokês. O filme? Um velho e embriagado samurai que nos convida à tomar o chá da
sabedoria, sentados em nossa própria sombra debaixo de alguma árvore em uma paisagem
ao cair tarde no Japão. A canção? Poderia ser Sambito, sua parceria com Flu, cantada em
japonês e o mais próximo que podemos chamar de um samba japonês, com o ritmo
construído através de samplers. Sai o batuque, entra teclados e a guitarra de seu parceiro
Tommy Guerrero, músico americano autor de aclamados álbuns e uma lenda do skate nos
anos de 1980, que retribui a participação de Curumin em seu disco mais recente.
Na biografia de Tim Maia escrita por Nelson Mota, lançada em 2007, é relatado sua angústia
com os métodos de gravação no início dos anos de 1970 no Brasil. Recém-chegado dos
Estados Unidos, Tim não compreendia como os técnicos não conseguiam tirar o som de
baixo e bateria que ele ouvia ali no estúdio, no momento da gravação e nos discos
americanos que tanto o influenciavam. Chegou até a importar equipamentos, acreditando ser
este o problema. Curumin faz parte de uma geração com total acesso às tecnologias de
gravação e tem mesmo, apreço pelo ofício. Pesquisa modos de captação, estilos de
produção, equipamentos, instrumentos, novos e antigos. Junto a seus grandes parceiros,
Gustavo Lenza e Lucas Martins, é responsável pelo fenomenal som do disco, um dos
melhores já produzidos na música brasileira e que certamente virará referência de produção
daqui pra frente.
JapanPopShow é lançado no ano em que se comemora cem anos da imigração japonesa no
Brasil, uma feliz coincidência que nos leva a pensar sobre quanta riqueza provocou nossa
miscigenacão, e no caso de nossa música, o quanto essa característica a tornou numa das
mais reconhecidas no mundo. No disco de Curumin, essa miscigenação é levada a outro
patamar. O brasileiro, nascido na cosmopolita e globalizada São Paulo, o baterista
profundamente influenciado por nossas raízes africanas, reencontra seus antepassados
vindos do oriente, de uma cultura tão diferente da nossa e de uma música diametralmente
oposta, se relaciona com tudo isto à sua maneira, antenado com o modo de produção atual,
com a tecnologia existente nestes primeiros anos do século XXI e cria uma nova coisa, a sua
música. É curioso, que mesmo depois de todas estas transformações, podemos ainda
chamá-la: Música Brasileira. Se a vaga de síndico do condomínio Brasil ainda está vaga,
Curumin, eis aqui um forte candidato. Tenho certeza que mestre Tim Maia aprovaria a
indicação.
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Romulo Fróes_Curumin_JapanPopShow