AS NOVAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA O CURSO DE PEDAGOGIA1 Jacques Therrien, UFC-CNPq V&E - Como caracterizar a Pedagogia ao longo de sua existência e nos dias atuais? A história da pedagogia, de certa forma, se confunde com a história da educação enquanto processo intencional sistemático: educar implica tanto em instrução, ou seja, em propiciar o acesso ao domínio de conhecimentos teóricos e práticos, incluindo os simbólicos, que a humanidade já produziu (a educação bancária nos termos de Paulo Freire), bem como em formação, que é criar condições para o emergir do sujeito cidadão, social, cultural, política e profissionalmente falando. Essa segunda dimensão mais complexa do ato de educar é indissociável da primeira, mas muitas vezes esquecida pelos educadores. O ato de instruir e de formar são objetivos intencionais do professor/educador. Implicam, contudo, em elementos diversos que modelam e dão direção à sua prática, às suas intervenções interativas com outro(s) sujeito(s) aprendiz(es). É a dimensão pedagógica, sempre presente em toda prática educativa e que se situa e se manifesta na „postura‟ do educador em relação a sua intervenção. Por isso podemos dizer que a humanidade produziu muitas pedagogias, ou seja, muitos modos de compreender, conceber e dirigir os processos de ensino-aprendizagem nos mais diversos contextos da vida humana. Esse fenômeno nos leva a reconhecer que os processos educacionais são permeados por algo que chamamos de „campo pedagógico‟. Não podemos, todavia, confundir a pedagogia ou o campo pedagógico, com o pedagogo, o profissional cuja formação é voltada para esse campo. V&E - O que significa ser pedagogo(a) hoje? O pedagogo, de certo modo, é um sujeito cuja trajetória de formação é voltada para o campo pedagógico, ou seja, a compreensão, explicitação e modelagem de processos, projetos e políticas de ensino-aprendizagem de educandos nos mais diversos contextos da vida no mundo. Ser pedagogo hoje é ser profissional formado e dedicado à reflexão sistemática no campo pedagógico, atuando nos mais diversos espaços e momentos da prática educativa, em ambientes de educação formal e não formal. Denominar essa atuação de „técnica‟, como foi caracterizada já no Decreto-Lei nº 1.190/1939 e reafirmado posteriormente em outros documentos oficiais, não expressa a complexidade do trabalho desse profissional necessariamente inserido em contextos de interação humana ou de intersubjetividade. A dimensão ética de atuação de humano com humano do pedagogo, indissociável da intencionalidade desse sujeito, o situa como profissional dialógico para além de uma característica instrumental e técnica. 1 Entrevista da Revista „Vida & Educação‟ Ano 3 – nº 7, 2006 2 Gostaria, também, de apontar a dimensão de socialização necessária à postura do profissional de pedagogia. Em poucas palavras, quero afirmar que esse educador por ser um „intérprete‟ da dimensão pedagógica dos fenômenos educacionais deve ter uma postura de leitura interdisciplinar e multicultural nas suas análises críticas de situações, propostas ou intervenções educacionais. Na sua postura reflexiva deve manter-se aberto às múltiplas facetas dos elementos focalizados, cultivando nas suas ações intersubjetivas a dialogicidade que põe a emancipação do ser humano como horizonte do vir a ser. V&E - Quais os dilemas ou os pontos “críticos” da profissão, da formação e da atuação do(a) pedagogo(a)? Mapear e delimitar o campo pedagógico constitui um desafio não totalmente resolvido pelos profissionais de educação que atuam nos diversos campos de conhecimento. Um exemplo desse dilema aparece tanto nas controversas que geraram a longa demora do Conselho Nacional de Educação em definir as Diretrizes Nacionais para o Curso de Pedagogia, como nas compreensões diversas que os professores universitários têm sobre os processos de formação para a docência, no caso, as licenciaturas; tarefa ainda não plenamente resolvida, mesmo com a promulgação dessas Diretrizes. Considero, contudo, que estas fornecem importantes pistas que contribuem para definir o perfil de atuação e de formação de um profissional dedicado à reflexão critica sobre os significados, as intencionalidades e os propósitos dos mais diversos fenômenos educacionais, ou seja, sobre o campo pedagógico nos processos educacionais. Trata-se de um debate nada novo, tanto no Brasil como nos mais diversos contextos internacionais. Contudo, o „novo‟ reside a meu ver no enfoque dado ao conceito de trabalho docente nas suas dimensões pedagógicas. Digo trabalho porque o educador/professor nas suas interações de instrução e de formação é um „produtor de saberes‟ em relação ao sujeito aprendiz, num processo carregado de intencionalidade que implica em uma prática reflexiva, em „práxis‟. Quando os cientistas das mais diversas áreas da educação dirigiram seus olhares e preocupações para a formação do professor/educador, ficou evidente que além da primazia a ser dada ao domínio dos conteúdos de ensino havia algo fundamental que deveria necessariamente compor os processos de formação do profissional de ensino. Ficava manifesto que o professor/educador não é apenas um bacharel que deve adquirir algumas técnicas e noções de ensino. Ele deveria passar por uma trajetória de formação pedagógica integrada ao seu campo de conhecimento específico; não apenas como requisito a ser acrescentado ao final do seu processo de formação para obter o diploma de licenciatura. A dimensão pedagógica, no meu entender, foi se destacando sob o enfoque do trabalho pedagógico, base conceitual da práxis docente/educativa. É ensinando que se aprende a ensinar, é educando que se aprende a educar, desde que o professor domine os conteúdos de sua área de trabalho. Isto significa que a experiência deve ser referência de reflexão, ou seja, a prática enquanto práxis constitui-se em momento (espaço) carregado de saberes (pedagógicos) que a reflexão crítica deve desvelar e analisar: é a epistemologia da prática como princípio de formação do professor. 3 V&E - O que muda com as diretrizes para os cursos de Pedagogia? Qual a relação dessas diretrizes com as demais diretrizes curriculares, notadamente com aquelas destinadas à formação de professores para a Educação Básica? O campo pedagógico, objeto de formação e de práxis do profissional de pedagogia, reside nesta dimensão e, por isso, requer desse sujeito uma formação ampla que aguça seu olhar para perceber e compreender as múltiplas facetas do ato humano situado, com suas implicações psicológicas, sociológicas, filosóficas, históricas, políticas e éticas, entre outras componentes de uma leitura interdisciplinar. Neste patamar, utilizo sempre uma expressão que a meu ver define em parte o campo pedagógico e o espaço privilegiado de atuação desse profissional: a gestão dos processos pedagógicos. As Diretrizes Curriculares da Pedagogia, definidas pelo CNE, explicitam essa expressão. Quando delimita o campo de atuação do licenciado em Pedagogia, o legislador aponta, além da docência, “a gestão educacional, entendida numa perspectiva democrática, que integre as diversas atuações e funções do trabalho pedagógico e de processos educativos escolares e não escolares”, assim como “a produção e difusão do conhecimento científico e tecnológico do campo educacional” (Parecer CNE/CP Nº 5/2005). Infelizmente, nossa tradição cultural confunde ainda pedagogia com formação para a docência na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental. As novas Diretrizes Nacionais para o Curso de Pedagogia, promulgadas pelo CNE, continuam associando a pedagogia a essas áreas de ensino, destacando, contudo, a gestão educacional/pedagógica e a pesquisa como elementos integrados à formação desse profissional. Estas são áreas de trabalho e de reflexão pedagógica situada, como outras áreas de ensino, mas não podemos confundi-las e restringi-las com o que constitui o campo pedagógico. Educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental constituem espaços onde se vivencia o ato pedagógico nas suas múltiplas dimensões. A formação do profissional de pedagogia requer, por isso, um contexto de práxis pedagógica, como o estágio de docência, por exemplo, que propicia a reflexão crítica sobre o fazer pedagógico. A competência pedagógica é uma construção que resulta do exercício crítico da profissão: tem seu princípio na formação inicial e prossegue em contexto de práxis profissional. Por isso, a formação do pedagogo requer um contexto de trabalho pedagógico em processos de educação formal ou não formal. Para ilustrar tal fato, podemos dizer que a competência do docente, do educador ou do pedagogo, se constrói na práxis da intervenção educacional, seja formal ou não formal, o que no nosso caso, denominamos de práxis de gestão de processos pedagógicos e de produção de conhecimento pedagógico.