A INICIAÇÃO CIENTÍFICA COMO PARTE DA
FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Ana Lúcia Manrique
Barbara Lutaif Bianchini
PUC/SP1
Introdução
Um dos grandes desafios dos formadores é provocar alterações na prática pedagógica de
professores. As ações planejadas não podem se limitar exclusivamente a ela e nem ser o principal
fundamento da formação. Surgiu, assim, a questão de como seria possível utilizar-se de estudos
teóricos para fundamentar a prática escolar. Nossa experiência como professoras de cursos de
licenciatura em Matemática, aliada à participação em cursos de educação continuada nos
proporcionaram subsídios para tentarmos usar alguns dos conceitos básicos da Educação
Matemática para desencadear processos reflexivos que poderiam modificar a prática de professores.
Um grupo de quatro alunos do curso de licenciatura em Matemática da PUC-SP veio nos
propor uma Iniciação Científica que visava o estudo das funções trigonométricas, um conteúdo do
ensino médio. Isso, porque eles atuam como professores na rede estadual de ensino e apresentam
algumas dificuldades no ensino desse conteúdo e detectaram problemas na aprendizagem de seus
alunos.2 A grande preocupação desses alunos-professores estava ligada ao modo de ensinar o
conteúdo mencionado.
O objetivo dessa Iniciação Científica, para esses alunos-professores, foi, então, o de permitir
uma reflexão sobre seus conhecimentos do conteúdo matemático e como eles o ensinavam, além de
conhecer teorias da Educação Matemática que pudessem auxiliá-los na preparação e aplicação de
seus planos de aula. Nós tínhamos outros objetivos subjacentes aos colocados pelos alunosprofessores. Queríamos verificar se a Iniciação Científica permitiria apresentar alguns tópicos das
teorias da Educação Matemática e realizar uma conexão entre essas e a prática, de forma coletiva e
explícita. Dessa maneira, não desejávamos que o aluno-professor fizesse ligações entre teoria e
prática isoladamente e também não acreditasse que essas fossem simples e se realizassem de forma
implícita. Como muitas pesquisas apontam que a formação inicial quase sempre não prepara
suficientemente o docente para enfrentar o dia-a-dia da sala de aula, essa Iniciação Científica
pretendeu colocar os professores frente aos seus saberes e a procura de fundamentação teórica que
os ajudassem em suas dificuldades pedagógicas. A seqüência de ensino elaborada na Iniciação
Científica teve esse propósito e foi experimentada nas aulas de um desses alunos-professores com o
intuito de fornecer outros olhares sobre a problemática do processo de ensino-aprendizagem de
conteúdos matemáticos. Isso possibilitaria uma visão mais ampla e crítica das situações enfrentadas
pelos alunos-professores.
As discussões que ocorreram nos encontros semanais tinham o propósito de promover a
leitura e o estudo sistemático de tópicos da Educação Matemática, bem como, estimular a
argumentação e trazer para análise outros aspectos que poderiam estar influenciando nas situações e
que não estariam sendo considerados. Esse último procedimento, talvez, se deva ao fato de que os
professores tenham suas crenças cristalizadas pela sua história de vida escolar e, assim sendo, são
difíceis de se notar.
Essa hipótese é corroborada por alguns pesquisadores da área de Educação, entre eles,
Tardif (2000) que afirma que "na América do Norte, percebe-se que a maioria dos dispositivos de
formação inicial dos professores não consegue mudá-los, nem abalá-los. Os alunos passam através
1
Email: [email protected] e [email protected]
Chamaremos os alunos da Iniciação Científica de alunos-professores, seus alunos de estudantes e os professores
orientadores de pesquisadores.
2
da formação inicial para o magistério sem modificar substancialmente suas crenças anteriores sobre
o ensino" (p.217).
O fato das crenças3 dos professores estarem influenciando em suas ações de sala de aula, nos
fez refletir se o enfrentamento de situações escolares em diversos ambientes poderiam ajudar na
explicitação e conscientização de algumas crenças desses alunos-professores. Esses ambientes
seriam: em suas salas de aula, são eles os professores; na universidade são alunos e na Iniciação
Científica, têm um papel de questionadores de sua própria prática.
Essa socialização de saberes, em um pequeno grupo de professores, nos diversos ambientes
é que acreditávamos ser um dos aspectos necessários para a construção da identidade de professor,
sendo esse mais crítico em relação ao seu papel de educador. Essa posição defende que "esses
‘saberes’ (esquemas, regras, hábitos, procedimentos, tipos, categorias etc.) não são inatos, mas
produzidos pela socialização, isto é, através do processo de imersão dos indivíduos nos diversos
mundos socializados (famílias, grupos, amigos, escolas etc.), nos quais eles constroem, em
interação com os outros, sua identidade pessoal e social" (Tardif, 2000, p.218).4
Parece-nos claro que somente essa socialização não prepara o aluno para ser um professor
bem sucedido, ela é importante, mas o emprego que se faz dessa socialização faz a diferença. Ou
seja, as discussões a respeito das situações enfrentadas em sala de aula como aluno, como professor
e como pesquisador irão propiciar momentos para repensar suas atitudes, seus conhecimentos e suas
crenças permitindo alterar sua prática de ensino. Essas discussões ainda permitirão colocar em
evidência um saber que advém das reflexões que os diversos papéis assumidos possibilitam
elaborar. Nesse sentido, concordamos com Nóvoa (1992): “a formação não se constrói por
acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de técnicas), mas sim através de um trabalho de
reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente de uma identidade pessoal.
Por isso é tão importante investir a pessoa e dar um estatuto ao saber da experiência”5 (p.25).
Alguns estudos que versam sobre o bom professor apontam três fatores comuns: “domínio
de conteúdo e metodologia, envolvimento e apropriação da realidade dos alunos em sala de aula e
caráter reflexivo do trabalho docente” (Dias-da-Silva, 1994, p.40). São esses três aspectos que
gostaríamos que tivessem um desenvolvimento até o final da Iniciação Científica.
A Iniciação Científica
Engajar alunos de graduação em pesquisas é um dos objetivos de qualquer Iniciação
Científica, bem como fornecer instrumentos teóricos e metodológicos para a formação de uma nova
mentalidade no aluno. Para nossa intenção de alterar crenças e práticas dos professores
participantes, o caminho escolhido foi o de apresentar subsídios teóricos, permitir discussões sobre
a prática, explicar algumas situações da prática escolar com as teorias da Educação Matemática,
elaborar e aplicar situações didáticas tentando incorporar esses novos aspectos.
Não esperávamos que essas modificações ocorressem nos primeiros meses da Iniciação
Científica, pois cada um dos participantes possui uma identidade própria e o tempo de
aprendizagem é diferente para cada um. Tardif (2000) afirma que “o tempo não é, definitivamente,
somente um meio – no sentido de um ‘meio marinho’ ou ‘aéreo’ – no qual estão imersos o trabalho,
o trabalhador e seus saberes; também não é unicamente um dado objetivo caracterizado, por
exemplo, pela duração administrativa das horas ou dos anos de trabalho. É também um dado
subjetivo, no sentido de que contribui poderosamente para modelar a identidade do trabalhador. É
apenas ao cabo de um certo tempo – tempo de vida profissional, tempo de carreira – que o eu
pessoal, em contato com o universo do trabalho, vai pouco a pouco se transformando e torna-se um
3
Utilizaremos o termo crença com um significado contrário ao termo conhecimento. Podendo ter vários níveis de
convicção, não necessitando de consenso e independendo de veracidade ou validade.
4
Grifo do autor.
5
Grifo do autor.
eu profissional” (p.239).6 Ao final da Iniciação Científica, algumas modificações nas crenças em
relação ao conteúdo, à forma de ensinar e à maneira de considerar os conhecimentos dos alunosprofessores puderam ser percebidas nos relatórios individuais finais apresentados pelos
participantes.
Os procedimentos metodológicos utilizados consistiram em encontros semanais com todos
os quatro alunos de licenciatura em Matemática e as duas professoras orientadoras. Nos seis
primeiros meses – de março a agosto de 2000 –, os alunos da Iniciação Científica fizeram leituras
de tópicos do livro Educação Matemática: uma introdução. Cada capítulo do livro foi lido por eles
durante a semana para a discussão no encontro. Nesse encontro, as dúvidas e os comentários eram
colocados para que todos os membros pudessem dar suas opiniões e sugestões. Ainda era solicitado
– pelas orientadoras – que os alunos-professores procurassem situações que exemplificassem os
conceitos teóricos estudados. Por exemplo, no tema Contrato Didático, os alunos-professores
elencaram regras implícitas e explícitas de contratos didáticos vigentes que eles vivenciavam em
suas aulas como alunos e como professores. Já no assunto Registro de Representação, eles notaram
que alguns livros didáticos não apresentam muitas das trocas possíveis e desejáveis para a
compreensão dos conceitos que queriam estudar. Após essas discussões e reflexões sobre um tema
do livro que ocorriam em mais de um encontro, era solicitado aos alunos da Iniciação Científica que
elaborassem um breve resumo individual, de uma página, sobre suas considerações mais
importantes.
Ainda nessas discussões, algumas situações de vivência escolar surgiram com a leitura dos
tópicos do livro e foram colocadas pelos alunos-professores para análise. Um deles colocava as
atitudes tomadas na situação para que o grupo pudesse apresentar outros olhares para a mesma,
mudando o papel do tomador de decisão, ora como aluno, ora como professor.
Com essas leituras, algumas dúvidas surgiram em como os livros didáticos abordam o tema
funções trigonométricas. Nesse sentido, os alunos da Iniciação Científica foram analisar alguns
livros didáticos para verificar como estão sendo tratadas a transposição didática e a mudança de
registros de representação. Esse trabalho já estava previsto no cronograma e foi realizado
individualmente nos meses de julho e agosto de 2000.
Nesse momento, os alunos-professores já se sentiam preparados e motivados para
elaborarem as atividades da seqüência didática. Durante os meses de setembro e outubro, foram
tomadas decisões pelos mesmos referentes à abordagem que seria empregada para introduzir o tema
funções trigonométricas no primeiro ano do ensino médio. A preparação do material a ser utilizado
em sala de aula e a aplicação da seqüência didática foram realizadas nos meses de novembro e
dezembro. Ainda no mês de dezembro, os alunos-professores trouxeram para os encontros semanais
os protocolos das atividades aplicadas aos estudantes para uma análise e discussão da aplicação. A
redação do relatório final da Iniciação Científica ocorreu nos meses de janeiro e fevereiro de 2001.
Algumas bases teóricas da Educação Matemática
Como esses alunos são de Iniciação Científica e não tinham conhecimentos profundos de
tópicos da didática da matemática, decidimos usar o livro Educação Matemática: uma introdução
por abordar de maneira elementar os principais conceitos que gostaríamos de utilizar. A seguir,
apresentamos fragmentos dos resumos elaborados pelos alunos-professores de alguns desses
tópicos.
O tema transposição didática foi estudado para que os alunos da Iniciação Científica
pudessem notar que a forma de apresentar um conteúdo é determinante para a aprendizagem do
mesmo pelos estudantes. Pois “abrange a forma de como o conhecimento vai chegar até o aluno,
como o professor vai desenvolver a sua aula e fazer com que o aluno consiga entender aquele objeto
de estudo. Abrange aspectos sobre as transformações que o conhecimento passa. (...) Há o saber
6
Grifo do autor.
científico, mais voltado para as universidades; o saber a ensinar, o saber a ser apresentado ao aluno
e que foi transformado por colaboradores; o saber ensinado, transformado pelo professor, e existe
ainda mais um nível, o saber do próprio aluno”.
Como as relações existentes em sala de aula entre professor e aluno são, normalmente,
implícitas, gostaríamos que algumas delas fossem explicitadas para uma conscientização das
mesmas e uma ruptura pudesse ser provocada. Dentre as regras de relações que pretendíamos que
fossem alteradas, uma delas era de o professor não se preocupar se seus alunos possuem
conhecimentos e dificuldades e esses não serem levados em conta durante o processo de ensino. O
contrato didático “é o conjunto das condições que estabelecem as bases das relações que os
professores e os alunos mantêm com o saber. A escola é vista como instituição social responsável
por essa transmissão. Este contrato didático existe e funciona como se fossem cláusulas, que podem
ser explícitas ou implícitas”.
As atividades preparadas pelos alunos-professores contemplavam algumas situações
didáticas que tinham por objetivo contextualizar o conteúdo matemático. “O que se deseja é que, a
partir de problemas, o aluno consiga elaborar novos saberes matemáticos, fazendo com que esse
possa superar suas próprias limitações. ... O que se propõe com o estudo das situações didáticas é
algo natural, em que a metodologia é identificada com o método de elaboração lógico-dedutiva do
conhecimento matemático”.
Como os alunos-professores perceberam que alguns livros didáticos não fazem muitas das
conversões de registros de representação e que essas são muito importantes na compreensão do
objeto matemático, decidiram trabalhar com essa abordagem no tema funções trigonométricas. “O
que se observa é uma confusão entre a representação do objeto matemático com o objeto em estudo,
pois os alunos têm dificuldade em passar de uma forma de representação para outra.”
Esses trechos retirados do relatório final da Iniciação Científica permitem perceber que os
alunos-professores fizeram uma interpretação coerente com as leituras realizadas.
Como os livros didáticos abordam o tema funções trigonométricas
Os livros didáticos foram analisados porque são largamente usados por professores, sendo
assim, poderiam nos fornecer informações sobre como são trabalhados os conteúdos matemáticos
em sala de aula. Sabemos que um professor transforma o conteúdo apresentado no livro didático
para um saber ensinado e decidimos ter uma idéia do saber a ensinar.
Cada aluno-professor ficou com a tarefa de avaliar um livro didático de matemática do
ensino médio. Foram escolhidos dois livros de volume único e dois livros de coleções de três
volumes. Os livros didáticos de volume único apresentavam os conteúdos de forma superficial,
com poucos exercícios e apenas algumas conversões de registros de representação. Já os outros dois
livros trabalhavam os conteúdos de uma forma mais abrangente, apresentando uma maior variedade
de exercícios que contemplando diversos registros de representação que o objeto matemático possui
e as possíveis conversões desses registros.
No início da análise dos livros didáticos consultados, os alunos da Iniciação Científica
colocaram que os livros de volume único continham todos os conteúdos matemáticos e eram
vantajosos para o professor e para os alunos por poder ser utilizado durante os três anos do ensino
médio. Ao final da análise, perceberam que o ensino do conteúdo ficava comprometido pela falta de
teoria, exemplos e exercícios uma vez que existe uma limitação, por parte das editoras, em relação
ao número de páginas.
A seqüência didática
Após os alunos-professores terem observado como o tema funções trigonométricas é tratado
em alguns livros didáticos do ensino médio, propomos que elaborassem um plano de aula para esse
conteúdo. As atividades foram preparadas de forma a contemplar os diversos registros de
representação e algumas das conversões possíveis. Foram necessários onze encontros de 50 minutos
de duração para a aplicação de toda as atividades da seqüência. Uma das alunas da Iniciação
Científica ministrou as aulas para um grupo de 29 alunos do ensino médio da rede estadual de
ensino, que participaram de forma voluntária, fora do seu horário escolar. O grupo terminou com 27
alunos e os alunos-professores relataram que ficaram surpresos, pois os estudantes já haviam sido
dispensados das aulas e iam até a escola só para participar do experimento. Antes de iniciar o
experimento, foi aplicado, no primeiro encontro, um pré-teste para verificar os conhecimentos
prévios dos alunos participantes referentes ao tema funções trigonométricas e os alunos-professores
detectaram que os estudantes não tinham conhecimentos desse tema.
Em nove encontros foram trabalhados os temas: triângulo retângulo e as funções
trigonométricas – seno, cosseno, tangente e cotangente –, realizando uma alternância do tipo de
abordagem para cada função. Os alunos-professores começaram com o estudo da função seno no
ciclo trigonométrico e depois foi feito um estudo gráfico. Para a função cosseno, iniciaram com o
seu gráfico e translações; para a tangente, com o ciclo trigonométrico e, finalmente, para a função
cotangente partiram do seu gráfico. As translações horizontais e verticais dos gráficos das funções
trigonométricas foram trabalhadas por seus estudantes com o auxílio de um pedaço de barbante
engomado que tinha o aspecto da curva estudada e com ele eram realizadas as diversas
movimentações do gráfico.
No último encontro, aplicaram um pós-teste, cujo objetivo pretendido e explicitado no plano
de aula pelos alunos da Iniciação Científica foi: “investigar até que ponto a seqüência de ensino que
elaboramos foi frutífera para o aluno se apropriar do conceito das funções seno, cosseno, tangente e
cotangente”. Nessa atividade propunham-se a verificar se seus estudantes conseguiriam realizar a
conversão do registro algébrico para o gráfico e, também, do registro gráfico para o algébrico. Além
disso, solicitaram que os mesmos explicitassem o domínio, o conjunto imagem e o período para
cada uma das funções trigonométricas trabalhadas.
Os alunos da Iniciação Científica, em suas considerações finais, relataram que um aspecto
importante foi a presença dos estudantes participantes nos encontros propostos de forma voluntária.
Um resultado positivo foi a ruptura do contrato didático antigo obtido pela dinâmica diferenciada na
qual os estudantes trabalharam em grupo, fazendo o uso de instrumentos tais como régua,
compasso, transferidor, cartazes com os gráficos das funções trigonométricas e pedaços de
barbante. Essas atividades resolvidas em grupo mostraram-se produtivas e fundamentais para atingir
os objetivos pré-determinados, pois impulsionou os participantes a discutir e elaborar respostas para
os diferentes problemas. Outro fator considerado que chamou a atenção foi a participação dos
mesmos sem atribuição de uma nota pelo trabalho realizado e também aqueles que, normalmente,
não participam das aulas se sentiram motivados a darem suas colaborações.
As conversões de registros de representação propostos nas atividades tiveram um papel
relevante na aquisição dos conceitos estudados. Os estudantes ficaram surpresos em descobrir que a
partir do gráfico de uma função trigonométrica é possível determinar a respectiva expressão
algébrica, aspecto pouco explorado na maioria dos livros didáticos. Como a seqüência didática
previa resoluções dos exercícios em grupos, foi imprescindível uma discussão com todos os
estudantes ao término de cada aula, na qual se realizava a institucionalização dos conhecimentos
pela aluna-professora.
Os alunos da Iniciação Científica relataram o significativo desenvolvimento cognitivo desses
estudantes, evidenciado pelo envolvimento em todo o experimento e pelo número de respostas
corretas na atividade final. Esse desenvolvimento cognitivo ficou evidente quando se compara o
pré-teste com a atividade final. Entretanto, os participantes apresentaram ainda muitas dificuldades,
dentre elas podemos destacar às ligadas à linguagem natural e matemática. Quanto à linguagem
natural, os estudantes conseguiam construir e executar as tarefas solicitadas, mas apresentavam
problemas na redação dos procedimentos empregados em suas soluções. Isso se deve em parte pela
falta de hábito em escrever em linguagem natural como se processou a resolução do problema.
Quanto à linguagem matemática, o uso de símbolos faz-se necessário para a comunicação, porém,
uma parte dos estudantes não possuem domínio e não sabem fazer uso desses símbolos. Isso os
impedem de se fazer entender em seus protocolos apresentados.
Comentários finais
A Iniciação Científica realizada no período de março de 2000 à fevereiro de 2001 teve como
objetivo inicial, por parte dos alunos-professores, o estudo das funções trigonométricas, conteúdo
da matemática do ensino médio. Acreditamos que esse objetivo foi atingido na medida em que os
estudantes que participaram da seqüência de ensino obtiveram bons resultados no que diz respeito
às funções trigonométricas.
A dimensão relacional foi a que procuramos dar maior ênfase nessa formação e tentamos
contemplar três aspectos: com o saber, com o outro e consigo. Por considerarmos essa dimensão um
dos fatores essenciais para o professor de matemática, essas três abordagens estiveram presentes nas
ações pois tínhamos a pretensão de alterar a prática escolar. Charlot (2000), em seu texto, coloca
uma frase que caracteriza bem a relação do aluno com o conhecimento matemático: “compreender
um teorema matemático é apropriar-se de um saber (relação com o mundo), sentir-se inteligente
(relação consigo), mas, também, compreender algo que nem todo o mundo compreende, ter acesso a
um mundo que é partilhado com alguns, mas, não, com todos, participar de uma comunidade das
inteligências (relação com o outro)” (p.72).
Alguns aspectos considerados relevantes nessa formação e que procuramos desenvolver nos
quatro alunos da Iniciação Científica foram apontados nos relatórios individuais finais. O primeiro
deles, a relação com o mundo, ficou explicitado pelas frases por abranger o domínio do conteúdo e
a metodologia empregada:
“Para o grupo de Iniciação Científica foi uma oportunidade de se desenvolver e estudar
profundamente o assunto.”
“Concluímos ao final dessa Iniciação Científica que se for revista a metodologia de ensino
desse assunto, os educadores poderão obter resultados mais satisfatórios no ensino das funções
trigonométricas.”
A relação com o outro era o segundo aspecto e pode ser percebido pelo envolvimento e a
apropriação da realidade dos estudantes relatadas pelas sentenças:
“Percebeu-se que as tarefas preparadas estimularam os estudantes que reagiram
positivamente frente às descobertas.”
“O trabalho realizado em grupo foi de grande influência nos procedimentos e ações dos
alunos que participaram do experimento.”
“Na análise das atividades constatou-se que os alunos apresentaram muitas dificuldades na
utilização da linguagem matemática. Destacou-se o grande interesse despertado nos alunos durante
a aplicação das atividades.”
A relação consigo, último aspecto, que está intimamente ligada com o caráter reflexivo do
trabalho docente foi notada nos seguintes depoimentos:
“A pesquisa causou um enorme crescimento e valorização do papel de educador em cada
participante da Iniciação Científica.”
“As discussões foram proveitosas pois os participantes da Iniciação Científica atuam na
rede estadual de ensino e traziam algumas situações do seu dia-a-dia.”
Muitas contribuições essa Iniciação Científica trouxe para a formação pedagógica e
científica dos alunos-professores. Entre elas:
ƒ a necessidade de uma pesquisa nos livros didáticos sobre o tema a ser ensinado porque estes
apresentam o mesmo conteúdo de formas variadas;
ƒ a análise crítica de livros didáticos de forma a contemplar as necessidades dos alunos e a
abordagem pretendida pelo professor;
ƒ a observação do comportamento dos alunos, dos seus conhecimentos prévios e das suas
dificuldades durante a aplicação da seqüência de ensino;
ƒ
a preocupação de se utilizar recursos didáticos diferenciados com o objetivo de estar motivando
os alunos a obter diversas representações do conteúdo a ser estudado;
ƒ a tentativa de incorporação da teoria estudada e discutida da Educação Matemática (registro de
representação, contrato didático, transposição didática e situações didáticas) na elaboração dos
exercícios da seqüência de ensino e na dinâmica de sala de aula;
ƒ a discussão e reflexão sobre a epistemologia do professor que repercute na prática pedagógica
dos alunos envolvidos nessa Iniciação Científica.
Sentimos que o grupo de alunos-professores teve uma participação efetiva e interesse em
ampliar seus conhecimentos tanto na parte teórica dos conceitos de educação matemática quanto no
conteúdo específico das funções trigonométricas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHARLOT, B. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artes Médicas
Sul, 2000.
DIAS-DA-SILVA, M.H.G.F. Sabedoria docente: repensando a prática pedagógica. In: Cadernos de
Pesquisa. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, n.89, p.39-47, maio 1994.
MACHADO, S.D.A. et alii. Educação Matemática: uma introdução. São Paulo: EDUC, 1999.
NÓVOA, A. Formação de professores e profissão docente. In: Nóvoa, A. (org.) Os professores e
sua formação. Lisboa: Porto Editora, p.13-33, 1992.
TARDIF, M. & Raymond, D. Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no magistério. In:
Educação & Sociedade: revista quadrimestral de Ciência da Educação. Campinas: CEDES,
ano XXI, n.73, p. 209-44, dezembro 2000.
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a iniciação científica como parte da formação de professores