O super-homem O super-homem meteu-se no elevador e subiu até ao segundo andar. Foi até à varanda e levantou voo. Tentou ser discreto: já uma vez se ia metendo em sarilhos a voar por aí sem o fato. Mas hoje era um dia especial. Hoje ele tinha finalmente decidido! Poisou no telhado do seu esconderijo secreto. Olhou em volta e viu os rapazes do costume a jogarem à bola no velho terraço. Quando ele chegou olharam de relance para depois prosseguirem, entretidos. Já estavam habituados. A diferença era que hoje ele finalmente decidira-se. Daí o super-homem deslocou-se até ao roupeiro. Abriu as portas de madeira, muito rangentes, e olhou lá para dentro. Despiu as roupas de jornalista e vestiu o pijama azul com o S grande que lhe tinha dado a fama. Depois vestiu por cima as cuecas vermelhas e pôs o cinto amarelo. Tirou carinhosamente a capa vermelha, suave e fofa, ainda a mesma ao fim destes anos todos. E foi então que olhou para as botas vermelhas. Pareciam olha-lo de volta, com um ar ameaçador; pareciam querer devorá-lo, pisá-lo e esmagá-lo. Eram as botas que usava todos os dias, e odiava-se por isso. Quase cedeu. Aproximou as mãos trémulas e hesitantes do monstro vermelho, para logo tirar o braço, como se tivesse posto a mão no lume. Mas hoje não ia ceder. Respirou fundo. Olhou para o outro lado do armário, para a caixa branca. Puxou-a para si com reverência e abriu-a com os olhos brilhantes, quase em lágrimas. Tirou-as. Tirou as lindas sapatilhas brancas que tinha uma vez comprado, furtivamente, numa loja de artigos de dança em segunda mão. Tinha sido difícil encontrar umas que lhe coubessem. Pôs a primeira sapatilha. Apertou com delícia os longos atacadores de um fio-quase-prata: delicados e resistentes ao mesmo tempo. Depois de pôr a outra sapatilha os meninos que até então se entretinham a jogar à bola no seu terraço vieram ter com ele, todos com um sorriso na cara. “Finalmente arranjaste coragem!” disse o mais simpático dos rapazes. O super-homem corou e sorriu com um ar um bocado estúpido. “Vá, vai lá acabar com uns criminosos!” exclamaram, com carinho. O super-homem fez um sorriso ainda maior, corou ainda mais, e voou dali para fora, para acabar com uns criminosos.