Capítulo 47: Corpo e Alma Cley olhou para a lâmina da Dark Fang e percebeu uma coisa: para usar mais ataques especiais, precisaria do sangue de Satoshi. Não era Konoe, a verdadeira mestra, quem empunhava a espada, ele entendia. E como Satoshi citara há alguns segundos em sua mente, Naomy e Namie limitaram a katana. ‒ Que assim seja... ‒ Cley se conformou, falando em voz baixa. Observava Satoshi e seus ferimentos, bolando um ataque. ‒ Se eu puder impedi-lo de usar os ataques restantes, minhas chances de vitória serão muito maiores. ‒ pensou Satoshi. ‒ Se eu usar outra esfera vinda da Naomy, poderei ampliar um dos poderes do meu Dragão Azul. ‒ concluiu mentalmente. Cley correu para cima do irmão, e durante o trajeto, ia preparando a Dark Fang para cortar de maneira violenta e letal: segurava o punho com ambas as mãos, mantendo a lâmina voltada para cima, na diagonal. Satoshi quis se antecipar, então fez o mesmo que Cley. O choque das lâminas foi poderoso, e muita energia negativa saiu das lâminas, como uma única explosão azul-escura e roxa. Os dois saltaram para trás ao simultaneamente, olhando-se nos olhos. Satoshi percebeu que Cley estava se tornando obcecado em vencê-lo, e por isso pensou numa nova estratégia: olhando para a sua direita, viu o penhasco após o término do piso deste Templo do Céu. Correu nessa direção e saltou sem hesitar. Cley não tentou entender, apenas foi atrás. Saltou do mesmo lugar do irmão e ficou em queda livre por quase trinta metros, mantendo os pés embaixo. Quando caiu em outra parte deste templo, olhou ao seu redor, só que a neblina atrapalhava, pois era densa. ‒ Satoshi! ‒ gritou, impaciente. ‒ Apareça, covarde! Nenhuma resposta. Tentou sentir a presença de Satoshi, fechando os olhos e se focando em toda a energia ao seu redor. Era muito bom nisso, matou vários inimigos quando estes tentavam se esconder. Mas Satoshi podia ser diferente de todos os outros, ele sabia. Ainda de olhos fechados, deu passos adiante. No sexto passo, abriu os olhos e se deparou com uma porta de pedra. Estranhou, porque não estava de pé, e sim tombada, com a marca de uma lâmina em seu centro, como se tivesse sido bruscamente perfurada. Era uma marca muito recente, de poucos segundos, portanto... ‒ Ele quer se esconder deixando rastros? ‒ pensou o demônio. ‒ Está muito óbvio. Não muito longe de Cley, Satoshi se perguntava quando a dor começaria. Apoiado a uma parede, numa sala escura, segurava a sua Demon Soul na mão direita, abaixada. A mão esquerda ficava na direção do coração, e uma luz azul-escura ia justamente deste órgão para ela. Sentiu uma pontada no interior do tórax por estar fazendo isso, mas pôde suportar sem dificuldades. ‒ Se eu desperdiçar este recurso, estarei com a luta perdida. ‒ pensou. ‒ É melhor que Cley apareça logo. Inesperadamente, quando voltou seus olhos para a esquerda, Satoshi viu Cley correndo. O irmão mais novo passou atrás de uma parede parcialmente destruída, onde só foi visível da cintura para cima. Conhecendo bem este Templo do Céu, Satoshi correu para frente, pegando um atalho. ‒ Onde ele está? ‒ Cley se perguntava o tempo todo, em sua mente. Chegou a uma parte toda exposta do templo, deparando-se com o Sol se ausentando quase que por completo. Já era mais noite do que dia, e muitas estrelas estavam visíveis no céu limpo, embora Cley não tenha dado a menor atenção para isso. Virou-se para a sua direita, e correu para uma sala com o teto quase todo destruído. Sabia que estava em desvantagem agora, porque percebeu que Satoshi conseguia disfarçar totalmente sua presença. Sem possuir este recurso, só lhe restava se arriscar. Adentrou a sala, onde se virou para a direita outra vez. Outra porta tombada estava ali, e Cley imediatamente percebeu que ela tombou junto com o resto do templo. Ali atrás, apoiado a uma parede, sabendo que seu irmão só poderia passar por este lugar caso permanecesse nas partes cobertas da construção esquecida, Satoshi aguardava. Mantinha a energia fluindo do coração para a palma da mão canhota, e a Demon Soul firmemente segurada pela mão destra. Sentiu a presença negativa de Cley a poucos passos de distância, e no momento certo, quando o irmão ia passar bem à sua esquerda, avançou contra ele num poderoso ataque surpresa. Cley teve seu osso externo transpassado pela lâmina da Demon Soul, e Satoshi segurava suas costas com a outra mão, fazendo força para machucá-lo e matá-lo. Puxou toda a espada para fora do corpo de Cley, empurrando-o com o peito contra o chão enquanto fazia isso. O corpo do demônio mais jovem estava inerte, sangrando, e a espada de Konoe caída ao seu lado. Desde o momento de sua ação ofensiva, Satoshi sentia uma dor muito forte no coração. Cambaleou contra a parede, bateu sua coluna contra ela e escorregou para o piso em mal estado, soltando a sua katana. Levou as duas mãos para o peito ensanguentado por causa dos ataques de Cley. Parecia que todo o seu tórax ia explodir... Como que vindo do nada, o espírito de Konoe apareceu, agachando-se ao lado de Cley. Satoshi parou de respirar ao ver a garota, sentindo medo de ela reagir contra ele. Entretanto, Konoe não se deu ao trabalho de sequer desviar seus olhos dourados para ele, pois dispensava toda a sua atenção para Cley. ‒ Entendo... ‒ pensou Satoshi. ‒ Ela quer salvá-lo, deve considerar-me perda de tempo. Konoe ergueu o corpo de Cley, apoiando-o ao seu. Deu alguma atenção para Satoshi ao encará-lo: ‒ Eu vou torná-lo duas vezes mais poderoso do que você! Prepare-se, servente das Deusas! Um flash de luz tomou conta do corpo da garota e do demônio que ela ajudava. Satoshi foi brevemente ofuscado. Quando a visão retornou, nenhum sinal de Cley, Konoe ou da Dark Fang, embora esta espada estivesse no chão, sem ter contato físico com sua mestra. Satoshi se levantou, apanhando a sua Demon Soul. Caminhou para a parte exposta do Templo do Céu. Não tinha luz do Sol, era noite, e o vento soprava suavemente. ‒ A ameaça da Konoe... Acho que não preciso me preocupar, já que tenho a Naomy e a Namie ao meu lado. ‒ pensou. Quase cinco minutos depois... Naomy chegou ao Templo do Céu. Diante de um Satoshi inconsciente, ensanguentado, e sentado com as costas apoiadas numa parede destruída, olhava para os olhos fechados dele. Antes que a garota o chamasse de uma maneira muito agradável e cordial, ele acordou. Surpreso ao vê-la da cintura para baixo, olhou para cima, até seus olhos se encontrarem. Naomy sorriu simpaticamente, e sem dizer nada, estendeu a mão direita para Satoshi, pedindo em silêncio para que ele a pegasse. O rapaz entendeu tudo numa fração de segundo: Naomy estaria sempre com ele, era uma amiga fiel, seria uma esposa fiel e uma Deusa com quem ele podia contar o tempo todo, em qualquer situação. E ainda era uma Guardiã Sagrada assim como ele, uma valiosa companheira de luta. Esticou sua mão e pegou a dela. Naomy o puxou com cuidado, colocando-o de pé, apenas sorrindo para ele. ‒ Obrigado. ‒ Satoshi agradeceu. ‒ Você confiou em mim e me deixou lutar. E agora está aqui. ‒ Você também teria confiado em mim, e apareceria depois. ‒ ela continuava sorrindo. Começou a massagear a mão dele usando as suas. ‒ Eu estive ao seu lado durante a luta, você sabe disso. Deixei que lutasse, mas estive presente. Nossas almas estão ligadas, pode ter certeza disso. ‒ Eu sei. ‒ Vamos tratar desses ferimentos, a Namie se ofereceu para fazê-lo. ‒ E depois iremos terminar todas essas lutas, não é? ‒ Sim, eu entendo o que preciso fazer. Konoe estava sentada com as pernas cruzadas, olhando para Cley à frente dela, ainda muito ferido. O rapaz encontrava-se recostado a uma árvore, e muitas outras existiam ao redor. O som de um rio podia ser ouvido... Era dia neste lugar. ‒ Melhor? ‒ a garota perguntou a ele. ‒ Não. ‒ ele respondeu. ‒ Estou morrendo. Parece que você não pode me salvar. ‒ Vejo que você mesmo não quer se salvar. Perdeu a vontade de viver? ‒ ela não tinha uma expressão muito definida quando fez a pergunta. ‒ Eu não sei... ‒ Cley abaixou a cabeça, exausto. ‒ Meu plano não é simplesmente morrer. Aceite o meu corpo, ele vai lhe devolver a vida que lhe tiraram. ‒ Era o que eu temia, você está desistindo. Quanta tolice... Satoshi acertou sua cabeça também? Cley tossiu, incapaz de dizer algo. Konoe ficava cada vez mais preocupada, não queria que ele morresse. Logo que o rapaz se recompôs da tosse, a garota quis tirar sua dúvida: ‒ Por que faz tanta questão que eu lute no seu lugar, usando o seu corpo? ‒ Você é uma guerreira superior a mim, é a mais forte que já conheci. ‒ ele esboçou um sorriso, sendo honesto. Então terminou de se expressar para ela e para si próprio: ‒ É estranho... Agora percebo que cansei de acreditar só em mim mesmo. ‒ Sabia que você é um tolo? ‒ Konoe ergueu uma sobrancelha. ‒ Sim, sabia. ‒ Cley sorriu largamente, divertindo-se. Quase se esqueceu de suas dores físicas. Considerando muito importante convencer Konoe, prosseguiu, ficando sério: ‒ Não devemos desperdiçar um só segundo agora. Se eu morrer, não poderei ceder a minha carne e o meu sangue a você. Decida-se logo! Konoe ficou de pé, sem tirar seus olhos dos de Cley. Esticou a mão direita para ele, dizendo: ‒ Tudo bem, vá em frente. Espero que nunca se arrependa. ‒ Obrigado. ‒ ele voltou a sorrir. ‒ Eu estarei ao seu lado, de corpo e alma.