Família Nordestina E stão sentados no chão batido e seco, no casebre de um só cômodo. Raimundo Nonato e Maria das Graças, o casal, nomes santos; José, Bernadete e Fátima, os filhos, nomes santos. É a família no sertão do nada, da terra vazia, do rachado no chão, da fome. Do lado de fora, há o sol nas grimpas, as ondas de calor no chão; do lado de dentro, não há água. Há fome e sede. Longe, bem longe, outro casebre e mais uma família sofrida, e muitas moradias toscas e perdidas naquele deserto paradoxalmente próximo de tudo. Lá, porém, não há nada, nem vento, nem chuva, nem plantação; há, sim cacto e calango... Não, não há mais calango, a ave de rapina surgiu do céu, azul, sem nuvens, e levou no bico o único que Raimundo Nonato avistara e nele pensara para o almoço de cinco. Sobraram os cactos, agora cortados em pedaços e comidos ao natural, com todos sugando sua umidade. Como os cactos resistem a tudo? Sim, resistem à seca, e as famílias, teimosas como eles, resistem também. Contudo, muitos morrem, e são enterrados, e desaparecem... sem registro. Nunca existiram a não ser naquele espaço longínquo e abandonado. Somem de um mundo que nem conheceram e as famílias diminuem... O sol, implacável, não se cansa de queimar o chão. Nada há além do pó inerte, nem vento que o levante provando que ali há vida. Não, não! Não há vida! Tudo está parado, menos a energia que brota do solo seco, irradiada de um nada para outro nada. É o deserto nordestino, paradoxalmente bem perto de tudo, do progresso e da abundância, bem perto do segundo maior rebanho bovino do mundo, bem perto da segunda maior plantação de soja do mundo, bem perto do CentroOeste. O deserto nordestino está ainda próximo de outras paragens produtivas. Ah, bastava um pouquinho, só um pouquinho, e nenhum nordestino passaria fome, ou sede, nem teria morte precoce. Água é mais fácil, é só furar poços artesianos em vez de cavar o chão para esperar a chuva que não vem. Ou então canalizar a água pra lá, eis que perto da seca há o maior manancial do mundo. O que falta, então?... Falta espírito humanitário! www.emirlarangeira.com.br 2