Audiência Pública de Belo Monte em Belém...Uma Aula de Cidadania? Syglea Lopes Prof. de Direito Ambiental, em Belém [email protected] Esta carta é uma forma de manifestar minha frustração quanto a participação na Audiência Pública referente a Belo Monte. Agendei com meus alunos do curso de Ciências Ambientais do CESUPA como atividade. O objetivo era incentivá-los a uma participação cidadã nesse processo. Cheguei ao local por volta das 16h30min (o início estava programado para as 18h) quando na entrada já senti um impacto: fui orientada a me dirigir a uma mesa onde prestei as seguintes informações: nome, local de trabalho, telefone, carteira de identidade. Em seguida, retornei à porta de acesso onde o segurança se dirigiu a mim e perguntou o que a moça tinha dito, respondi que me orientou a entrar, ele não escondeu sua dúvida, mas segui em frente. No local havia poucas pessoas, possivelmente os organizadores, a equipe que elaborou O EIA/RIMA, servidores do IBAMA. Passado algum tempo surgiram guardas da Força Nacional vindos do palco, TODOS enfileirados, e alguns visivelmente “a paisana”. Foram dispostos no local e o clima já se apresentava tenso. Verifiquei que estavam isolando uma parte do auditório, questionei para quem seriam aqueles lugares e fui informada que seriam para os povos indígenas. Porém, este local logo foi tomado por outras pessoas (homens brancos) possivelmente representantes da empresa e da equipe que elaborou o EIA/RIMA. Mais tarde um grande grupo ocupou uma parte do auditório com faixas e bandeiras que expressavam o apoio a hidroelétrica. Meus alunos que deveriam vivenciar uma aula de democracia, ao chegarem, logo me informaram que tinham pessoas sendo barradas na entrada. Um dos nossos alunos foi até revistado. Em seguida, um senhor do FAOR entrou no auditório gritando que estavam impedindo os indígenas de entrarem. E logo, houve manifestação de parte do auditório pela entrada de todos. E outra parte vaiou. Nesse momento, verifiquei que destinaram lugares aos povos indígenas mais atrás. E, não entendíamos porque eles não podiam entrar. Depois, soube que o Ministério Público estava lá na frente buscando uma alternativa. Em seguida, um guarda entrou no auditório e correndo dirigiu-se a parte atrás do palco e logo veio com mais soldados correndo em direção a entrada, ou seja, o clima estava quente, pois os movimentos sociais desejavam entrar e não podiam. Depois de aproximadamente uma hora alguns dos integrantes dos movimentos conseguiram entrar, e novamente uma parte do auditório aplaudiu e outra se manteve hostil. O clima ficou novamente quente e a guarda nacional começou a descer para ficar na frente do palco. Quando olhei novamente para trás vi que as duas portas de acesso ao teatro tornaram-se pequenas, as pessoas estavam espalhadas pelo chão, outras em pé. E questionava-me porque aquele local fora o escolhido. Como estava responsável pelos alunos e temi que a situação pudesse ficar ainda mais difícil e com sentimento de que não havia espaço adequado para realização da audiência, resolvi retirar os alunos com segurança daquele local. Na saída, uma pessoa dizia que o local da audiência havia sido modificado e outras pessoas vinham nos informar que poderíamos assistir via telão com participação, essa informação só veio após decidirmos que iríamos embora, até então essa informação não havia chegado aos participantes. Todas as pessoas esclarecidas sabem o que representa uma audiência pública (...), o Poder Público perdeu a chance de encerrar mais uma delas. Para isso, bastava que tivesse disponibilizado um local adequado que poderia ser inclusive no CENTUR, mas em outro espaço que comportaria a participação de todos os presentes. Mas certamente por uma questão “estratégica” optou em dividir os movimentos, priorizando a entrada daqueles que eram favoráveis, estes puderam levar suas faixas, bandeiras. Mas dificultaram para alguns, para outros os impediram mesmo, a desculpa era que o espaço não comportaria e ainda o de que os povos indígenas estavam armados. Meus alunos levaram a imagem de uma Audiência Pública onde havia um número exacerbado de policiais e autoridades, e do cerceamento da participação popular nesse processo. Sabemos o quanto é difícil barganhar direitos líquidos e certos diante desses grandes projetos, o desejo era tentar garantir um mínimo, mas o mínimo não pode ser discutido, afinal de contas os movimentos foram estrategicamente divididos. Considero que não houve audiência pública, pois os princípios da informação e da participação foram violados. Como pode num país como Brasil tão rico e ao mesmo tempo com uma disparidade de distribuição de riqueza, retirar a possibilidade de garantir uma melhor distribuição dessa riqueza? Deixou de ouvir o que as pessoas tinham a dizer sobre o EIA/RIMA. Esses instrumentos (EIA/RIMA, garantia de acesso a informação, participação ...) estariam sendo usados como mera peça de enfeite para uma política ambiental de faz conta do país das maravilhas? Ou estamos de fato permitindo a implementação dessa política? Penso que vale a primeira, pois instrumentos sem vida, sem aplicação não são instrumentos, são enfeites, faz de conta. E com certeza não será cerceando a participação da sociedade nesse processo que iremos avançar. Espero que o Poder Judiciário possa fazer valer nosso direito de participar, garantindo o que está no caput do artigo 225 da CF de 88 “[...] impondo-se ao Poder Público e a coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” Espero que o Ministério Público, considerado o braço direito da sociedade e que tem a sua disposição todo um aparato, possa fazer valer o direito a participação da sociedade no sentido de que esta possa vir a garantir aquele piso mínimo de que falamos.