– Foi o veneno que fez isso – comentavam.
Não havia tábuas para o caixão. O corpo de Giácomo foi envolvido num lençol
branco e acomodado no seu leito de morte.
– Descanse em paz! – disseram os homens antes de cobri-lo de terra.
Uma cruz marcou a sepultura. Para Giácomo Fardini, a vida parara ali, à sombra
daquela cruz e daquelas matas, mas a rotina de nossa vida retomou seu curso.
A trilha foi se alargando dentro da floresta e a estrada se assentando cada dia
um pouco mais. Quase um ano, entretanto, ainda decorreria até que nossos homens
alcançassem o núcleo colonial. Foram recebidos com festas pelos imigrantes que os
haviam antecedido, responsáveis pela picada primitiva, origem daquela estrada.
E assim chegou o dia de nossa mudança – a última, diziam – para o núcleo Antônio Prado.
– Sairemos domingo – informou Arthuro. – É bom arrumar logo tudo, não deixar
para a última hora.
Naquela noite, custei a pegar no sono. Olhos abertos, acompanhava a luzinha de
um vagalume que se movimentava, marcando sua presença dentro da casa. E pus-me
a pensar na mudança e na próxima caminhada. Com certeza não seria melhor do que
a última, aquela que fizéramos para vir até aqui. Mais mato? Bichos? Cobras? Saruês,
como aquele que comeu metade dos pintinhos? Por mim ficaria aqui mesmo, de uma
vez. Não é um paraíso, mas temos boa água, tão clarinha que a areia do fundo parece
lavada. Quando fico a olhar o córrego, tenho vontade de bocejar e de estirar o corpo,
imitando seu espreguiçar. É assim que ele segue até onde um corte abrupto no chão o
faz cair, a prumo, de grande altura. Sua água, tão clarinha, ao saltar para o abismo cobre
a cimeira de pedra e vai se alargando à medida que cai, sempre mais leve e espumante,
até bater lá no fundo, desfeita em tufos de borrifos brancos, dando a ilusão de um bonito
véu de noiva. E esse foi o nome que lhe demos, naquela primeira vez em que a vimos,
surgida de repente, no inesperado além da curva.
Domingo levantaremos, inda uma vez, nosso acampamento, em busca de um
novo pouso. E “Véu de Noiva” ficará aqui, neste mesmo lugar, a cantar sempre a mesma
canção, com ressonâncias diferentes ao sabor do vento que sopra.
XIX
Despertamos ao cantar do galo, naquele dia, domingo, de nossa mudança.
Enquanto os homens arreavam e carregavam os animais, nós, as mulheres, coávamos
café e preparávamos a primeira refeição e a matula para levar. Viramos a polenta sobre a
tábua e espalhamos as tigelas pela mesa. O cheirinho de café coado atraiu a turma toda.
Cada um que chegava cortava sua fatia de polenta e deitava-a numa tigela, despejando
por cima café com leite e saindo a comer, para o terreiro.
– Nada melhor que um naco de polenta quente, com leite e café, para aquecer
a gente – comentou Landa, engolindo o primeiro bocado. – Será que aonde vamos
encontraremos fubá?
– Não se preocupe. Deve haver algum polaco por lá – falei para irritá-la.
Landa detestava polacos, depois que aleijaram sua cabra de leite, na roça de
milho. A mesma cabra que ela comprara deles.
– Não fale nessa gente. Não é preciso ser polaco para ter um moinho rodando, um
quintal com galinhas e porcos no chiqueiro.
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– Foi o veneno que fez isso – comentavam. Não havia tábuas para