10 - Especial 185 anos
Sábado, 5 DE Dezembro DE 2015
Haoc: 82 anos de determinação, amor e fé
Entre as duas colinas, o lema da “caridade da alma, a contemplar a caridade do corpo”
ADRIANA BRUMER LOURENCINI
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O Hospital Augusto de Oliveira Camargo (Haoc) completou, em junho, 82 anos. A instituição surgiu em um tempo
onde os enfermos mais pobres
recorriam à Igreja Matriz para
buscar o alívio da alma atormentada pelas enfermidades
do corpo. Apenas os mais abastados conseguiam se tratar em
Campinas, Itu ou São Paulo.
Leonor de Barros Camargo, uma das principais
personalidades
beneméritas indaiatubanas, vivia em
São Paulo no início do século
XX, porém, vinha frequentemente para Itu, sua cidade
natal, com o marido Augusto
de Oliveira Camargo, onde o
casal possuía propriedades.
Muito religiosa e sem filhos,
Leonor procurou o padre da
Matriz Nossa Senhora Candelária para saber aonde eram
tratados os doentes carentes
da cidade. Ao tomar conhecimento de que não existia
qualquer assistência aos mais
necessitados, que muitas vezes morriam na igreja e até no
largo, ela tomou uma decisão.
“O senhor vê aquele local bem
na frente da porta de sua igreja? Pois será ali que os doentes serão acolhidos, pois ali
serão tratados”, disse Leonor
segundo trecho da crônica da
historiadora Eliana Belo para
a Revista Digital Haoc, O Padre e a Benemérita.
O casal Oliveira Camargo
já estava habituado à prática
da caridade, tendo doado boa
parte da fortuna que herdaram. Nessa época, eles partilhavam o desejo de construir
um hospital na região e o sonho foi fortalecido depois que
ambos tiveram a certeza de
que não teriam herdeiros.
Entretanto, em 1921, Augusto teve um AVC que o
deixou sem andar ou falar,
completamente imobilizado,
embora continuasse lúcido.
Mesmo diante da adversidade, Leonor não desistiu e arranjou uma forma de se comunicar com o marido, que
respondia às suas questões
por meio de movimentos com
a cabeça, com respostas negativas ou positivas.
A construção do hospital
começou no final de 1928 e,
no dia 1º de junho de 1929 foi
Eduardo Turati
Hospital mantém sua estrutura com arquitetura original, mas, por dentro, passa por modernização constantemente
lançada a pedra fundamental.
Em uma carinhosa homenagem ao marido, Leonor escolheu o dia 27 de junho de 1933
Arquivo Eliana Belo
para a inauguração do hospital,
que também levou o nome dele.
Nascia o Hospital Augusto de
Oliveira Camargo, o Haoc.
Futuro antecipado
Nos anos 1930, Indaiatuba era um vilarejo com cinco mil habitantes, que possuía, entre suas construções
mais grandiosas, a estação
ferroviária e a Igreja Matriz
Nossa Senhora Candelária;
e uma obra do porte do Haoc
representava aos munícipes
não só uma maravilha arquitetônica, mas também um
hospital com estrutura como
muitos nunca haviam visto.
A inauguração foi um acontecimento a parte, e trouxe convidados vestidos de gala que
vieram em um trem fretado.
No grande dia houve missa e
coquetel, porém, o que tornou
a festa inesquecível foi o momento em que todas as luzes do
hospital foram acesas. “Todas
elas juntas gastavam três vezes
mais energia do que toda a cidade de Indaiatuba”, diz também a Revista Digital Haoc.
Logo depois da inauguração, as atividades de Leonor
se intensificaram, já que ela
necessitava de condições pa-
ra manter a instituição. Ela
começou criando a Fundação Leonor Barros de Camargo, para a qual doou diversos
bens do casal, e que é a mantenedora do Haoc até hoje.
Nas primeiras décadas, os recursos para o hospital eram
levantados pela benemérita
por meio de chás beneficentes que ela organizava junto às
mulheres da sociedade. Mais
tarde, Leonor e Augusto adquiriram uma vila (a Itororó),
com 50 imóveis alugados, para assim, ampliar o subsídio
aos necessitados que procuravam o hospital.
Hospital foi inaugurado com 150 leitos
Antigo pátio, pensado como um prédio extremamente acima dos padrões da época
Arquivo Eliana Belo
Imagem aérea mostra a grandiosidade do Haoc, que levou quatro anos para ficar pronto
Arquivo Eliana Belo
Unidade foi inaugurada em 1933 com 150 leitos e, no primeiro dia, havia só um paciente
O Haoc foi inaugurado com
150 leitos e, no primeiro dia
havia um paciente internado.
O projeto foi desenvolvido em uma área de 20 mil alqueires, com 4,5 mil metros
construídos. Para a concretização do hospital, os fundadores convidaram o arquiteto Ramos de Azevedo (que
projetou o Teatro Municipal
de São Paulo) e o construtor
arquiteto Arnaldo Maia Lello. Eles contaram ainda com
a ajuda do irmão de Leonor,
Francisco de Paula Leite, que
trouxe dos Estados Unidos
equipamentos e tecnologia
hospitalar de primeira linha.
Atuando como consultor técnico do projeto, Paula Leite
também fazia constantes viagens à Europa a fim de trazer
o que havia de melhor em
materiais, como os sanitários
da Inglaterra, e cimento e canos da Alemanha.
O edifício possuía seu
próprio sistema de captação de água, com reserva
de 80 mil litros. Havia ainda uma rede independente
de telefonia e um complexo
sistema de energia elétrica,
além da rede de aquecimento movida à gasolina, utilizada para aquecer a água
usada nas enfermarias.
No térreo, o hospital abrigava a portaria, farmácia, laboratório, salas de consulta e
com equipamentos médicos.
Do lado esquerdo, havia os
apartamentos destinados a
quem podia pagar, e do direito, os quartos mais simples
(os quatro últimos eram exclusivos para indigentes).Ao
centro, com a porta alinhada
à entrada da Igreja Matriz, localizava-se o centro cirúrgico, e dois acessos levavam ao
andar superior, onde ficava o
apartamento do casal Oliveira
Camargo quando ali se hospedavam. Hoje, esses quartos
se transformaram nas salas
da diretoria do Haoc.
Mantendo o alinhamento com a porta da Matriz, a
construção inclui uma capela, com capacidade para cem
pessoas. A decoração foi cuidadosamente escolhida por
Leonor e Augusto, que encomendaram obras de arte
de diversas partes do mundo.
Completando a estrutura arquitetônica, o Haoc foi ornamentado por extenso jardim,
contendo variadas espécies
de árvores.
Na entrada, foram inseridas as estátuas de Santo
Agostinho, protetor da família Oliveira Camargo e de
São Francisco de Paula, santo de devoção da família Leite de Barros. Há ainda uma
réplica da imagem do Cristo
Redentor, doada ao hospital
pelo genro de D. Pedro II.
Nas partes laterais e
dos fundos foi também reservado um espaço para os
pomares e hortas, que por
muito tempo abasteceram
a despensa do hospital,
mostrando a visão futurista
dos seus idealizadores bem
antes de se falar em sustentabilidade.
Pioneiros
O primeiro enfermeiro a
atuar no hospital se chama-
va Sebastião Pereira da Silva
(mais conhecido como Tiãozinho). “Ele morava aqui e
trabalhava praticamente em
período integral”, lembra o
diretor do Haoc, o doutor Edmir Deberaldini.
Tiãozinho começou a
carreira bem jovem, com 16
anos e aprendeu a profissão
com o Doutor Jácomo Nazário, citado como médico
interno do Haoc, atuando
como clínico geral especializado em partos e moléstias infantis. Além dele, há
registros que apontam Lourival dos Santos e José Cardoso da Silva como médicos
pioneiros.
“No começo, os pavilhões eram imensos e atendiam doentes terminais e
enfermidades mentais”, comenta Deberaldini. “A função de enfermagem era desenvolvida pelas madres. O
Haoc só foi adquirir a configuração de hospital na década de 1950 e, assim mesmo, os primeiros clínicos
chegaram somente no final
dos anos 1960 e início dos
70, contando com equipe
de cinco pessoas”, completa o diretor.
Entre os profissionais
que registraram seu nome
no Haoc, Deberaldini cita
os doutores Mário Paulo
(obstetra), Pedro Maschietto (clínico geral), Renato
Riggio (clínico geral), Roberto Sfeir (o primeiro ginecologista), Barras Lázaro
(ortopedista), Paulo Kloide
e Jalma Jurado (anestesista
e clínico geral).
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