KAROLINA NUNES DA SILVA
MICHELE OSHIRO
PATRÍCIA BUENO MERLINI
TUBERCULOSE BOVINA : UM PROBLEMA DE SAÚDE
PÚBLICA
LONDRINA – PARANÁ
2008
KAROLINA NUNES DA SILVA
MICHELE OSHIRO
PATRÍCIA BUENO MERLINI
TUBERCULOSE BOVINA: UM PROBLEMA DE SAÚDE
PÚBLICA
Trabalho apresentado para o cumprimento do curso de
Especialização Lato sensu em Higiene e Inspeção em
Produtos de Origem Animal – UCB, sob a orientação da
Prof.a Dra. Mariza Fordellone Rosa Cruz
LONDRINA – PARANÁ
2008
SUMÁRIO
RESUMO…………………………………………………...…………………………....iii
ABSTRACT…………………………………………………………………………...…iv
1.
INTRODUÇÃO…………………………………………………………….............……1
2.
REVISÃO DE LITERATURA………………………………………………...…...……3
2.1.
EPIDEMIOLOGIA...................…………………………………………………………3
2.2.
ETIOLOGIA.........………………………………………………………………….……4
2.3.
TRANSMISSÃO.....................................................................................................4
2.4.
ACHADOS CLÍNICOS..............................……………………………………………5
2.4.1. Achados Respiratórios………………………...……………………………..………...5
2.4.2. Achados Digestivos...............................................................................................6
2.4.3 Achados na Glândulas Mamárias...........................................................................6
2.4.4. Achados Oculares.................................................................................................6
3.
DIAGNÓSTICO......................................................................................................6
3.1.
Tuberculinização....................................................................................................6
3.2.
Imunodiagnóstico “In Vitro”....................................................................................7
3.3.
Anátomo – Patológico............................................................................................7
4.
TRATAMENTO......................................................................................................8
5.
CONTROLE E PROFILAXIA.................................................................................8
6.
PNCEBT..............................................................................................................10
7.
IMPORTÂNCIA ZOONÓTICA.............................................................................11
8.
A SAÚDE PÚBLICA NO CONTROLE DA TUBERCULOSE E A MAGNITUDE DO
COMÉRCIO CLANDESTINO DO LEITE E DA CARNE NO BRASIL.............................12
9.
CONSIDERAÇÕES FINAIS………………………………………………….………17
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS……………………………...………...……….18
RESUMO
A tuberculose bovina, como a humana, volta a assumir grande importância em todo o mundo. Crescente
são as perdas econômicas com baixa na produtividade do rebanho e condenação de carcaças em
matadouro. O leite e a carne bovinos contaminados podem transmitir a tuberculose bovina, que é uma
zoonose. Não se sabe em nosso meio real a importância do Mycobacterium bovis como doença de
caráter profissional ou sua transmissão à população por meio do consumo de leite e seus derivados,
dificultando a adoção de planos de ação eficazes no País. Realizou-se uma revisão de publicações.
Sendo abordados aspectos referentes á importância da tuberculose causada pelo Mycobacterium bovis
no homem e nos bovinos, o comércio clandestino de leite e carne, como um grave problema de saúde
pública no país e a ineficácia da Saúde Pública no controle da Tuberculose. Conceitos de etiologia,
transmissão, epidemiologia, achados clínicos, diagnóstico, profilaxia são revistos com a finalidade de
atualizar os conhecimentos sobre o aspecto da tuberculose bovina.
Palavras-chave: Tuberculose - Comércio Clandestino – Leite – Carne - Mycobacterium bovis - Saúde
Pública.
ABSTRACT
The bovine tuberculosis, as the human, it assumes great importance all over the world again. Crescent is
the economical losses with drop in the productivity of the flock and condemnation of carcasses in
slaughterhouse. The milk and the contaminated bovine meat can transmit the bovine tuberculosis, that is
a zoonose. It is not known in our half real the importance of Mycobacterium bovis as disease of
professional character or your transmission to the population through the consumption of milk and yours
derived, hindering the adoption of effective action plans in the Country. He/she/you took place a revision
of publications. Being approached aspects referring importance of the tuberculosis caused by the
Mycobacterium bovis in the man and in the bovine ones, the milk black market and meat, as a serious
problem of public health in the country and the inefficacy of the Public Health in the control of the
Tuberculosis.
Word-key: Tuberculosis - Black market –Milk – Meat - Mycobacterium bovis - Public Health.
1. INTRODUÇÃO
A tuberculose, doença infecto-contagiosa que afeta mamíferos e aves, constitui um sério
problema de saúde humana e animal. Apesar do agente causador da doença ter sido descoberto no final
século XIX, o quadro geral da tuberculose humana e bovina tem-se agravado, particularmente nos
países subdesenvolvidos e está em ascensão em algumas nações industrializadas, em grande parte
devido aos efeitos imunossupressivos da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA) (BAPTISTA,
2004).
Historicamente, mesmo antes da ocupação humana de regiões que, atualmente,
correspondem à Europa, o agente desta enfermidade já provocava a doença em animais. No entanto,
somente após o processo de domesticação dos bovídeos, ocorrido entre 8000 – 4000 a.C. é que
surgiram evidências arqueológicas de infecção humana pelo microorganismo (REICHMAN e TANNE,
2003).
Na África, algumas múmias dos Faraós da dinastia Ramsés, que reinaram três mil anos
antes da era cristã no Egito antigo, apresentaram sinais compatíveis com a tuberculose óssea. Na
sociedade antiga, Hipócrates definiu a tuberculose como uma doença natural denominado-a de tísica, do
grego Phlysis, ou seja, que traz consumpção devido ao esgotamento físico, freqüentemente apresentado
pelos indivíduos afetados. Posteriormente, Aristóteles também mencionou a ocorrência da doença na
população grega, três séculos antes da era cristã. Na França e na Inglaterra, por volta do século XVI,
pacientes com tuberculose ganglionar eram contemplados com o “toque real” pelos reis desses países, o
que, muitas vezes eram seguidos de melhora dos sintomas, atribuindo-se tal efeito à assepsia do
ambiente onde os doentes permaneciam aguardando o referido ritual (CORRÊA e CORRÊA, 1992).
São numerosas as referências feitas anteriormente à era bacteriana, ao perigo que
representa para o homem o consumo de carne de animais sofrendo de caquexia e é muito provável que
nesta designação estivesse incluída a tuberculose bovina. No Talmud, codificado em fins do século II, os
rabinos proibiam o povo hebreu utilizar-se de carne de bovinos em cujos pulmões fossem encontradas
lesões ulcerativas. Em Munique, por volta de 1307, foi promulgada uma lei semelhante a do Talmud e
em Leipzg, 1788, a morte de 12 estudantes foi atribuída a ingestão de carne de animal tuberculoso
(FELDMAN, 1955).
A tuberculose foi reconhecida primeiramente como doença causada por um agente
infeccioso em animais e, historicamente, a transmissibilidade da doença a partir de material humano aos
animais, descrita pela primeira vez por Villemin em 1865. Mas foi Robert Koch que em 1882 descobriu o
agente infeccioso, corando-o pela fucsina-anilina e isolando-o em meio de cultura em 1884 (ROXO,
1997). Em 1889, Theobald Swit isola o Mycobacterium bovis e em 1902, Ravenel obteve a primeira
prova definitiva da transmissão da tuberculose bovina ao homem, decorrente da ingestão de alimentos,
isolando em uma cultura para os bacilos presentes em gânglios mesentéricos de uma criança falecida de
meningite tuberculosa, no Hospital Infantil da Filadélfia. Tais bacilos foram inoculados em três bovinos,
que em menos de 30 dias vieram a óbito. Os resultados da necropsia destes animais não deixaram
dúvidas de que a causa morte foi tuberculose. Em 1908, Mantoux instituiu o teste alérgico para
diagnóstico e em 1931, Kuhnau verificou que a carne poderia transmitir a doença somente quando o
animal era afetado por uma tuberculose generalizada e neste caso, seria condenado durante a inspeção
realizada nos matadouros. Entretanto, fabricantes gananciosos utilizavam as partes tuberculosas para o
preparo de salsichas que, quando consumidas sem tratamento térmico prévio, ofereciam grande risco às
pessoas (SOUZA et al, 1994).
É uma zoonose de distribuição mundial, com alta prevalência nos países em
desenvolvimento e baixa nos desenvolvidos, devido a programas de controle e erradicação, inspeção de
carnes e pasteurização do leite (ABRAHÃO, 1998).
De acordo com Sousa et al (2003) a Tuberculose especificamente humana é causada pelo
Mycobacterium tuberculosis (bacilo de Koch). Especificamente em bovinos, é causada pela variedade
Mycobacterium bovis.
Há séculos a relação entre a tuberculose dos animais e a do homem constitui motivo de
preocupação para as autoridades sanitárias (SOUZA et al., 1994).
No quadro global de combate à tuberculose e proteção da saúde humana é indispensável,
também, a erradicação da tuberculose bovina. A susceptibilidade do homem ao Mycobacterium bovis é
uma das principais razões da importância dessa zoonose nos bovinos (BAPTISTA, 2003).
De acordo com Baptista et al (2004), Koch, ao apresentar em 1882 a sua comunicação
sobre a identificação do agente causal da tuberculose, aponta o escarro do doente tuberculoso como a
principal origem do material infectante e acrescenta: "Uma outra fonte de infecção da tuberculose
constitui, indubitavelmente, a tuberculose dos animais domésticos, estando em 1o lugar a tuberculose
bovina. Com isto, fica também indicada a posição que a Saúde Pública tem que assumir no futuro, em
relação ao problema do perigo do leite e da carne de animais tuberculosos. A tuberculose bovina é
idêntica à tuberculose do homem e, portanto, uma doença transmissível a este, devendo ser tratada
como as outras doenças infecciosas transmissíveis do animal para o homem. Possa o perigo, que
resulta do uso do leite e da carne tuberculosa, ser grande ou pequeno, ele existe e deve por isto ser
evitado”.
De 1988 a 1992, observou-se um aumento dos casos de tuberculose humana notificados no
Brasil, alcançando o patamar de 85.955 casos, sendo que a espécie de Mycobacterium envolvida não foi
identificada pela metodologia de diagnóstico empregada. A falta de dados tem dificultado a adoção de
planos de ação eficazes no País, que deveriam ser adotados pelo Ministério da Saúde (SOUZA et al,
1994).
2. REVISÃO DE LITERATURA
2.1. EPIDEMIOLOGIA
A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a tuberculose com “emergência global”, mais
de 30 milhões de mortes em humanos por tuberculose na última década, quase 10 milhões de pessoas
com AIDS e tuberculose (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE BUIATRIA, 2004).
A tuberculose ressurge hoje como a doença infecciosa humana que mais mata em todo o
mundo, causando aproximadamente três milhões de mortes a cada ano. São diagnosticados dez
milhões de casos novos a cada ano, principalmente nos países do terceiro mundo. O advento da
Síndrome da Imunodeficiência Adquirida – AIDS em muito colaborou para o aumento no número de
casos de tuberculose nos grandes centros urbanos (ROXO, 1997).
Sabe-se que cerca de 95% dos casos de Tuberculose ocorrem no terceiro mundo, e, aí
ocorreram 98% dos óbitos. Em 22 países concentram-se 80% dos casos estimados para o mundo, entre
os quais encontra-se o Brasil ocupando o 10˚ lugar (em 1997). No Brasil, a estimativa da OMS de
incidência de novos casos por ano é de 129.000 (PIGNATTI, 2004).
Em 1991, nove milhões de casos de tuberculose foram relatados em nível mundial e estima-se
que um terço da população seja portadora da infecção. A disseminação do vírus da imunodeficiência
humana (HIV), aliada à crescente pobreza, fez com que a doença ressurgisse em várias partes do
mundo (PIGNATTI, 2004).
Dados sobre Mycobacterium bovis em humanos na América Latina e Caribe hoje são muitos
escassos, especialmente em crianças. Este fato ocorre principalmente devido ao método de eleição para
diagnóstico da tuberculose em humanos representado pela baciloscopia do escarro, carecendo do
isolamento e identificação do agente na maioria dos laboratórios da rede de saúde. Por ser o quadro
patológico e o tratamento convencional praticamente o mesmo na tuberculose causada tanto pelo bacilo
humano, quanto pelo bacilo bovino, pouca importância se dá à identificação do agente para fins
epidemiológicos (ROXO, 1997).
Na Argentina, que dispõe de uma alta taxa de diagnóstico bacteriológico para a tuberculose
humana com isolamento e identificação do agente, a doença por Mycobacterium bovis assume um
caráter basicamente profissional, com transmissão principal por aerossóis. No período de 1984 a 1989,
entre 2,4% - 6,2% dos casos humanos eram causados pelo bacilo bovino, sendo que 64% deles eram
magarefes e tratadores de animais (ROXO, 1997).
A tuberculose bovina possui distribuição mundial, concentrando-se principalmente em países em
desenvolvimento e em criações intensivas, como em bovinos leiteiros. A tuberculose bovina concentrase principalmente na América do Sul, que também detém a maior população bovina. O Brasil tem
atualmente uma população bovina maior que 140 milhões de cabeças, e dados de 1986 mostram que o
nível de infecção estava entre 0,9% e 2,9% com 6,2% a 26,3% dos rebanhos possuindo animais
infectados, sem que essas taxas mostrassem tendência de diminuição. A taxa de lesões encontradas em
matadouro era de 0,14% dos animais abatidos (ROXO, 1997).
No Brasil, a tuberculose bovina está disseminada por todo o território nacional, porém a sua
prevalência e distribuição regional, não estão bem caracterizadas (MAPA, 2001). Estima-se que a
doença afete cerca de 10% das vacas leiteiras e 20% das propriedades de rebanho leiteiro
(LILENBAUM, 2000).
No período de 1989 a 1998, a prevalência média nacional de animais infectados era,
oficialmente, de 1,3%. Entretanto, estudos independentes, realizados principalmente na região sudeste
do Brasil, apontaram para uma prevalência de 6,8% a 32,0% (LILENBAUM, 2000).
2.2. ETIOLOGIA
A tuberculose bovina é uma zoonose de evolução crônica e efeito debilitante, causada pelo
Mycobacterium bovis, que é também um bacilo álcool-ácido resistente (BAAR) (PINTO, 2003).
Bacilo delgado de tamanho variável, imóvel, não esporulado, aeróbio e oxidativo, pertencente a
ordem Actinomycetales, família Mycobacteriaceae e gênero Mycobacterium. São consideradas
fracamente Gram-positivas, não produzem toxinas e não possuem cápsula (QUINN et al, 1994;
TRABULSI e ALTERTUHM, 2005).
Esta enfermidade é caracterizada pela formação de lesão do tipo granulomatoso, de aspecto
nodular, denominada “tubérculo”, cujo hospedeiro primário é o bovino. Diversas espécies mamíferos,
incluindo o homem, são também susceptíveis ao Mycobacterium bovis que possui uma das mais amplas
cadeias de hospedeiros entre todos os patógenos conhecidos. O homem pode, portanto, contrair a
doença de diferentes animais e igualmente transmitir-lhes a infecção (PINTO, 2003).
Mycobacterium bovis é moderamente resistente ao calor, e pode permanecer viável em
estábulos, pastos, estercos e em locais onde se enterrem cadáveres, por períodos de seis meses a
quatro anos (CORRÊA e CORRÊA, 1992). Porém, essa bactéria morre pela pasteurização do leite, ou
ação da luz solar direta em ambiente seco. Resiste muitas horas ou dias aos desinfetantes comuns, só
alguns fenóis orgânicos conseguem matá-la em meia hora, se forem usados a 3% (CORRÊA e
CORRÊA, 1992).
2.3. TRANSMISSÃO
O Mycobacterium bovis possui uma das maiores cadeias de hospedeiros entre todos os
patógenos existentes, com um complexo padrão epidemiológico, que envolve interações da infecção
entre seres humanos, animais domésticos e animais silvestres. O bovino elimina o bacilo da tuberculose
no leite, expectoração, corrimento nasal, fezes, urina, secreções vaginais e uterinas, e pelo sêmen
(ABRAHÃO, 1999).
O Mycobacterium bovis infecta os animais independentemente da estação do ano, clima, sexo e
região, mas possui uma relação com a quantidade de anos vividos pelo animal, assim, quanto mais
velho o bovino, maior a probabilidade de contágio (CORRÊA e CORRÊA, 1992).
As principais vias de infecção por Mycobacterium bovis são a respiratória e a alimentar,
entretanto, existem outras portas de entrada disponíveis para o bacilo (RODOSTITS et al, 1994). A
infecção pode ocorrer também por vias menos comuns, como a via genital; a congênita, por meio dos
vasos umbilicais e através de lesões cutâneas (NEILL et al, 1994).
As fontes de infecção mais comuns são o ar, alimentos, água, comedouros, bebedouros e
fômites contaminados (CORREA, 1983).
As principais fontes de infecção por Tuberculose de origem animal para o homem urbano são,
indiscutivelmente o leite e laticínios feitos sem pasteurizar ou ferver o leite. Mas, em casos especiais
(Veterinários, magarefes, ordenhadores), além do leite, muitas situações de Tuberculose cutânea e
pulmonar são causadas pelo contato com órgãos e vísceras infectadas e por respirar poeira
contaminada de estábulos e piquetes de reunião de gado. Na Tuberculose pulmonar ou entérica, o bacilo
pode ser excretado não só pela respiração e tosse como pelas fezes. E, uma vez no chão, a poeira
passa a ser contaminante (CORREA, 1983).
À carne bovina não pode, a rigor, ser imputada como via de transmissão da tuberculose, pelo
menos em países onde ela é consumida após cocção e, além do mais é muito raro o encontro do bacilo
na musculatura. A inspeção sanitária em matadouros-frigoríficos, por prudência, faz a condenação
parcial ou total de carcaças de animais portadoras de lesões presuntivas de tuberculose, constituindo-se
um excelente instrumento de vigilância da doença, amparado legalmente (CORRÊA e CORRÊA, 1992;
ABRAHÃO, 1999).
2.4. ACHADOS CLÍNICOS
Apesar de os sinais relacionados à localização em um determinado órgão normalmente nos
chamarem a atenção sobre a ocorrência de tuberculose, alguns sinais sistêmicos também são evidentes.
Algumas vacas com extensas lesões tuberculosas do tipo miliar são clinicamente normais, mas, em
muitos casos, quando ocorre um emagrecimento progressivo não-associado a outros sinais, somos
levados a suspeitar de tuberculose. Um apetite caprichoso e temperatura oscilante também são
comumente associados à enfermidade. A pelagem pode-se mostrar áspera ou macia. Os animais
acometidos tendem a se tornar mais submissos e apáticos, porém os olhos permanecem brilhantes e
alerta. Esses sinais gerais freqüentemente se tornam mais evidentes após o parto (BLOOD, 2002).
2.4.1. Achados Respiratórios
O envolvimento pulmonar é caracterizado pela presença de tosse crônica, suave e úmida, sendo
facilmente estimulada pela compressão na região da faringe ou por exercícios. Pode ocorrer corrimento
nasal seroso ou purulento, dispnéia, taquipnéia e hiperpnéia. Raramente podem ser auscultadas áreas
de vazio pulmonar, correspondente a maciez percussória e às vezes ruídos de roce pleural, creptações e
sibilos. Em casos avançados de tuberculose pulmonar pode ocorrer hemoptise e a respiração pode ficar
profunda (SMITH, 1993).
2.4.2. Achados Digestivos
As úlceras tuberculosas do intestino delgado raramente causam diarréia. O aumento do
linfonodo retrofaríngeo provoca disfagia e respiração ruidosa devido à obstrução da faringe. A palpação
ou a endoscopia da faringe revelam um grande aumento de volume arredondado e firme situado no
dorso dela. O aumento crônico e indolor dos linfonodos sub-maxilar, pré-escapular, pré-cural e
supramamário é relativamente raro (BLOOD, 2002).
2.4.3. Achados na Glândula Mamária
Sua característica principal é uma acentuada induração e hipertrofia, que normalmente se
desenvolvem na parte superior do úbere, particularmente nos quartos posteriores. A palpação dos
linfonodos supramamários é essencial em todos os casos em que há suspeitas de mastite tuberculosa.
Um aumento dos nódulos, acompanhado da fibrose dos quartos, não indica necessariamente
tuberculose, mas um aumento sem endurecimento do úbere pode sugerir tanto tuberculose como
linfomatose. Nos estágios iniciais, o leite não apresenta anormalidades macroscópicas, porém
posteriormente aparecem flóculos muito finos que se depositam, quando o leite está em repouso,
deixando-o com aspecto claro e de coloração âmbar. Em estágios mais avançados ainda, o leite pode
apresentar-se somente como um líquido de coloração âmbar (BLOOD, 2002).
2.4.4. Achados Oculares
No olho dos bovinos podem aparecer algumas lesões granulomatosas. No exame clínico
observa-se uveíte, ceratite, descolamento de retina e coriorretinite. Raramente são acometidos os dois
olhos, sendo que a infecção intraocular unilateral é provocada quase sempre por difusão hematógena a
partir de lesões primárias em qualquer parte do corpo (SMITH, 1993).
3. DIAGNÓSTICO
3.1. TUBERCULINIZAÇÃO
Estes testes têm sido utilizados para diagnóstico de tuberculose em bovinos, por mais de um
século. Tais testes avaliam respostas de hipersensibilidade retardada, 72 horas após uma injeção intradérmica de tuberculina (PPD – derivado protéico purificado de Mycobacterium). Atualmente, duas
modalidades de testes são utilizadas: o teste intradérmico simples, que utiliza apenas tuberculina bovina
e o teste intradérmico comparado, que utiliza tuberculina bovina e aviária. A tuberculinização comparada
permite minimizar diagnósticos falso positivos por reações desencadeadas por agentes do complexo
MAIS (Mycobacterium avium, M. intracelulareae, M. scrofulaceum), que não são patogênicos para
bovinos, porém são capazes de desencadear reações positivas. Resultados falso-negativos podem ser
observados em várias situações como: em infecções recentes (30 a 50 dias da infecção), nos casos de
alergia decorrente do acometimento generalizado (tuberculose miliar); no período de 42-60 dias entre
testes; durante o período de 4 a 6 semanas pós parto, onde se observa uma imunossupressão
transitória, e recentemente, tem-se investigado o uso de dexametazona por pessoas inescrupulosas, a
fim de forjar resultados falso-negativos. Apesar da grande variação da sensibilidade do teste da
tuberculinização (68 a 95%, podendo ser menor em condições de campo), o mesmo vem sendo utilizado
como principal método de diagnóstico em programas de controle e erradicação da tuberculose bovina
em muitos países (SOUZA et al, 1999).
3.2. IMUNODIAGNÓSTICO “In Vitro”
A sensibilização “in vitro” para o diagnóstico da tuberculose bovina foi introduzida recentemente
por pesquisadores australianos. Tal técnica visa a avaliação de respostas celulares “in vitro”, 3 dias
depois de realizada a prova de tuberculinização simples. Amostras de sangue heparinizadas são
coletadas e incubadas por 24 horas com PPD bovino, utilizado como antígeno para que ocorra a
estimulação antigênica de linfócitos T circulantes presentes na amostra. Os linfócitos T, na presença de
células apresentadoras de antígenos, são capazes de secretar gama-interferon, que pode ser titulado
através de uma prova de ELIZA (Enzyme Linked Immnosorbent Assay) de captura ou Eliza sanduíche.
Este teste possui alta sensibilidade quando comparado aos testes de tuberculinização (95,2 versus
65,6%). Problemas de reações falso-positivas, decorrentes de reações cruzadas podem ser minimizadas
pelo uso de ensaios comparativos, dos quais os títulos de gama-interferon da amostra de PPD bovino
são comparados aos títulos de uma resposta ao PPD aviário (SOUZA et al, 1999).
3.3. ANÁTOMO-PATOLÓGICO
O diagnóstico anátomo-patológico, ou post mortem, da tuberculose bovina, durante a realização
de necropsias ou de inspeção sanitária de carcaças em matadouros-frigoríficos, apresenta considerável
dificuldade, uma vez que, as lesões granulomatosas típicas da tuberculose podem ser confundidas
morfologicamente com muitos processos inflamatórios que também induzem à formação de granulomas,
isto é, lesões nodulares com 1 mm a 2 cm de diâmetro, confluentes ou não, de cor amarelada, envolvida
por cápsula fibrosa e contendo exsudato com aspecto purulento ou caseoso no seu interior (ANDRADE
et al, 1991; LAGE et al, 1998; GIL, 2000).
Dados de literatura demonstram que cerca de 70 a 90% das lesões presuntivas de tuberculose,
encontradas durante o exame post mortem de carcaças em abatedouros-frigoríficos, ocorrem nos
linfonodos da cabeça e da cavidade torácica e, dentre as carcaças com tais alterações, 66% delas
evidenciam uma única lesão. Um estudo conduzido na Austrália concluiu ser conveniente acrescentar ao
exame post mortem convencional, a inspeção também dos pulmões e dos linfonodos mediastínicos,
retrofaríngeos e bronquiais. De acordo com este estudo, tal procedimento possibilitou a identificação de
86% das carcaças com apenas uma lesão presuntiva de tuberculose. Ainda com o propósito de melhorar
a eficiência do exame post mortem, este mesmo estudo conseguiu identificar 95% das carcaças com
única lesão presuntiva da doença, acrescentando ao procedimento anterior o exame, também dos
linfonodos mesentéricos e mais três pares, correspondentes aos parotídeos, cervicais caudais e
inguinais superficiais (CORNER, 1994).
4. TRATAMENTO
Os tratamentos de bovinos tuberculosos, utilizando principalmente a isoniazida têm sido proibido
em países que têm programas de controle, pois não se obtém por meio de tratamento a eliminação de
todos os animais portadores do bacilo, mantendo desta forma a fonte de infecção e a doença no rebanho
(ROXO, 1997).
A vacinação de animais contra a tuberculose ainda não foi preconizada em nenhum programa
de controle, face à problemática de indistinção de animais infectados e vacinados frente aos exames de
rotina empregados. Porém, pesquisas fomentadas por entidades internacionais continuam buscando
uma forma de desenvolver um antígeno capaz de promover imunidade e não interferir nos testes
diagnósticos (COSIVE et al, 1998).
Em humanos o tratamento é padronizado no Brasil. As medicações são distribuídas pelo sistema
de saúde, através de seus postos municipais de atendimento. O tratamento inicial (preferencial), chamase RHZ e inclui três medicações: rifampicina (R), isoniazida (H) e pirazinamida (Z). É muito eficaz. A cura
usando o esquema RHZ por 6 meses, que é preconizado pelo sistema público de saúde, aproxima-se de
100% quando a medicação é utilizada de forma regular, ou seja, todos os dias. Geralmente, o tratamento
dura seis meses, mas, em casos especiais, pode ser mais longo. Nos primeiros dois meses, são
utilizados as três medicações juntas. Já nos últimos quatro meses, são utilizadas a rifampicina associada
a isoniazida. O motivo da utilização de mais de uma medicação contra o mesmo germe é que a taxa de
resistência do microorganismo a este esquema tríplice é baixa. Além do esquema de tratamento RHZ,
existem outros esquemas (com outras combinações de medicamentos) que podem ser utilizados em
situações especiais ou nos casos de falência com o tratamento da primeira linha (preferencial). (ABC DA
SAÚDE E PREVENÇÃO, 2005).
5. CONTROLE E PROFILAXIA
Esperava-se que até o final do século XX esta zoonose estaria erradicada dos países
desenvolvidos, entretanto não foi o que aconteceu, inclusive reemergindo em muitas regiões onde já era
considerada como controlada (REICHMAN e TANNE, 2003).
O controle da tuberculose bovina baseia-se, principalmente, na realização da prova da
tuberculina e abate dos animais que reagirem positivamente. Dessa forma, em áreas de produção de
leite recomenda-se a tuberculinização anual (BRASIL, 2006). Já em áreas de produção de gado de corte
pode-se identificar os estabelecimentos infectados através do estudo das lesões observadas nos
estabelecimentos de abate (CORRÊA e CORRÊA, 1992).
Nos países desenvolvidos, os programas de controle e erradicação da tuberculose bovina
basearam-se no emprego de vários métodos tais como, o sacrifício de animais diagnosticados como
positivos, a investigação epidemiológica retrospectiva a partir do monitoramento de carcaças de animais
com lesões presuntivas de tuberculose em matadouros-frigoríficos, associados à implantação de um
eficiente processo de pasteurização do leite. Tais medidas reduziram drasticamente a incidência da
doença causada por Mycobacterium bovis em bovídeos e humanos, nos quais em torno de 5 a 10% dos
casos de tuberculose são decorrentes da infecção por Mycobacterium bovis (WEDLOCK et al, 2002).
Dentre trinta e quatro nações da América Latina e Caribe, apenas doze detêm cerca de 76% do
rebanho bovino desta área, e aplicam medidas de controle como o teste-sacrifício e notificam a
tuberculose bovina. O Brasil configura-se entre elas. Em vinte e dois países, a doença é parcialmente
controlada ou não tem controle algum. A prevalência da infecção por países é muito flutuante, com taxas
muito baixas em Cuba, Uruguai e Venezuela, moderadas na Argentina, Paraguai, Brasil e Chile, e
elevada na Bolívia (COSIVE et al, 1998).
No Brasil está sendo realizada a certificação de estabelecimento de criação livre de tuberculose.
Este certificado é emitido pela Delegacia Federal da Agricultura, e consta do Programa Nacional de
Controle e Erradicação da Brucelose e Tuberculose (PNCEBT), do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento, condicionado à obtenção de três testes de rebanho negativos consecutivos, realizados
num intervalo de 90 a 120 dias entre o primeiro e o segundo testes, e de 180 a 240 dias entre o segundo
e o terceiro testes. O certificado de estabelecimento de criação livre de tuberculose tem validade de 12
meses (BRASIL, 2006).
Ocorre também a certificação de estabelecimentos de criação monitorados para tuberculose,
restrito a criação especializada em pecuária de corte. Neste caso os animais são escolhidos por um
método aleatório. Os testes de diagnóstico para tuberculose devem ser realizados num intervalo de 10 a
12 meses, até obterem-se dois resultados negativos consecutivos em todos os animais testados,
passando então a serem realizados num intervalo de 18 a 24 meses (BRASIL, 2006).
Medidas gerais de higiene, como limpeza e desinfecção das instalações, cuidado na introdução
de novos animais no rebanho (com testes negativos, provenientes de rebanhos livres, quarentenários e
isolamento de animais suspeitos) também são importantes para evitar que a doença se instale na
propriedade ( ROXO, 1996).
O impacto da tuberculose como zoonose, pondo em risco a saúde humana, constitui-se em um
fator determinante para que se estabelecessem programas para seu controle e erradicação ainda no
início do século XX, que associados ao processo de pasteurização do leite em países desenvolvidos
levou a uma redução na incidência de tuberculose humana causada por Mycobacterium bovis. As
medidas básicas necessárias para o controle da tuberculose em rebanhos domésticos são bem definidas
e as informações atinentes ao processo estão prontamente acessíveis (COSIVE et al, 1998).
6. PROGRAMA NACIONAL DE CONTROLE E ERRADICAÇÃO DA BRUCELOSE E TUBERCULOSE
ANIMAL (PNCEBT)
O PNCEBT foi instituído em 2001 pelo MAPA com o objetivo de diminuir o impacto negativo
destas zoonoses na saúde comunitária e de promover a competitividade da pecuária nacional (MAPA,
2008).
A certificação de propriedades livres de brucelose e de tuberculose tem como objetivo
padronizar o controle dessas enfermidades, dentro dos princípios técnicos sugeridos pelo Código
Zoosanitário Internacional e aceitos internacionalmente (MAPA, 2008).
O saneamento das propriedades que entram em processo de certificação é feito testando todos
os animais e sacrificando os reagentes positivos. Os testes em todo o rebanho são repetidos até obter
três resultados sem um único animal reagente positivo, ao longo de um período mínimo de nove meses.
Uma vez saneada, a propriedade obtém o certificado de livre, e a manutenção desse status depende do
cumprimento de todas as regras e normas sanitárias estabelecidas. As propriedades certificadas ficam
obrigadas a repetir os testes anualmente, em todos os animais. Deve destacar-se a exigência de dois
testes negativos para o ingresso de animais na propriedade, se os animais não forem provenientes de
outra propriedade livre. São submetidos a testes de diagnóstico para tuberculose todos os animais com
idade igual ou superior a seis semanas (MAPA, 2008).
A certificação de propriedades livres ou monitoradas para brucelose e tuberculose constitui
medida de adesão voluntária. Tanto as medidas compulsórias quanto voluntárias têm por fundamento a
redução de risco da ocorrência de brucelose e tuberculose na propriedade, visando não somente à
saúde dos animais, como também à saúde do produtor, de seus familiares, tratadores e trabalhadores
da propriedade e consumidores, visto o caráter zoonótico e o aspecto ocupacional relacionado à
transmissão dessas doenças, principalmente às pessoas que lidam com animais e seus produtos. Ao
detectar animais positivos aos testes para brucelose e tuberculose no rebanho, o produtor deve
providenciar o imediato afastamento da produção e isolamento dos outros animais, sendo recomendado
o procedimento de exame em todo o rebanho, na faixa etária recomendada, visando ao saneamento da
propriedade. O leite não poderá ser usado para consumo humano, nem para alimentação de qualquer
espécie animal. Os animais doentes deverão ser marcados com um “P” com ferro candente no lado
direito da cara, devendo essa marcação ser realizada pelo médico veterinário habilitado que realizou os
testes de diagnóstico. No prazo máximo de 30 dias, a contar da data da realização dos testes, deverão
ser encaminhados ao abate em estabelecimento com inspeção sanitária oficial, ou destruídos na
propriedade, desde que sob acompanhamento do serviço oficial de defesa sanitária animal. Essas ações
envolvem o médico veterinário habilitado que realizou os exames, o serviço de defesa sanitária oficial e
o serviço de inspeção oficial. Ao adquirir animais, o produtor deve exigir atestados negativos de testes
de brucelose e tuberculose, minimizando, desta forma, o risco de introdução destas doenças em seu
rebanho.A adesão pelo produtor à certificação de propriedades livres ou monitoradas, além do benefício
sanitário, propicia-lhe benefícios econômicos, pela redução dos prejuízos ocasionados pelas doenças,
pela maior credibilidade sanitária e pela agregação de valor aos seus produtos, sendo fomentada pelas
indústrias de carnes e produtos lácteos (MAPA, 2008).
A eficácia de um programa nacional de combate a qualquer doença depende em parte da
qualidade e padronização dos meios de diagnósticos utilizados. No contexto deste programa, são
determinados os testes de diagnóstico indireto aprovados e seus critérios de utilização e interpretação
para a tuberculose, são eles: (1) a tuberculinização por meio do Teste Cervical Simples (TCS) é adotada
como prova de triagem devido a sua boa sensibilidade; (2) o Teste da Prega Caudal (TPC) também é
utilizado como prova de triagem, porém exclusivamente em gado de corte; (3) o Teste Cervical
Comparativo (TCC) é a única prova confirmatória, podendo ainda ser usada como prova de triagem em
rebanhos com histórico de reações inespecíficas, em estabelecimentos certificados como livres e em
estabelecimentos com criação de bubalinos, visando garantir boa especificidade diagnóstica (MAPA,
2008).
7. A IMPORTÂNCIA ZOONÓTICA
O atual aumento da incidência da tuberculose em seres humanos, especialmente em pessoas
imunodeprimidas, gerou um maior interesse na importância zoonótica do Mycobacterium bovis,
principalmente nos países desenvolvidos (BLOOD et al, 2002).
O vírus da Síndrome da Imunodeficiência Humana (HIV) tornou-se um dos principais fatores de
risco para o desenvolvimento da tuberculose nas pessoas infectadas pelo Mycobacterium. A chance do
indivíduo infectado pelo HIV adoecer de tuberculose é de aproximadamente 10% ao longo de toda a sua
vida (ABC DA SAÚDE E PREVENÇÃO, 2005).
Porcentagem de casos de Tuberculose em humanos de origem bovina em países
industrializados 1%, países em desenvolvimento 5% (estimativas) (ASSOCIAÇAO BRASILEIRA DE
BUIATRIA, 2004).
A facilidade e a freqüência da disseminação da tuberculose de animais para o homem, em
ambientes sem controle, faz com que essa seja uma importante zoonose. A transmissão aos homens
pode ser significativamente reduzida pela pasteurização do leite, mas somente a completa erradicação
da enfermidade pode proteger o criador e sua família (BLOOD et al, 2002).
O risco para a Saúde Pública de se contrair o agente pela ingestão de produtos cárneos
contaminados torna-se menor, devido a baixa incidência do agente em tecidos musculares e do hábito
de não se comer carne crua no Brasil. Porém, tal risco não deve ser ignorado, quando se leva em
considerações o grande número de abates clandestinos, ou mesmo o abate de animais descartados de
rebanhos positivos em matadouros municipais, que não atendem as normas de inspeção exigidos pelo
rigor da lei (SOUZA et al, 1994).
Trabalhos realizados na Nigéria, por exemplo, incriminam a ingestão de carne contaminada
como responsável por cerca de 45% dos casos de tuberculose em humanos causada pelo
Mycobacterium bovis (SOUZA et al, 1999).
Devido à capacidade zoonótica da doença, sua importância no âmbito de saúde pública, e a
presença desta enfermidade em rebanhos bovinos há risco iminente à saúde humana, seja na forma de
doença ocupacional, ou através do consumo de produtos de origem animal contaminados com o bacilo,
especialmente leite e derivados lácteos consumidos in natura. Estima-se que 90% do leite produzido nos
países africanos, da região abaixo do Deserto do Saara, são consumidores in natura ou em forma de
coalhada. Aliás, o emprego do processo de pasteurização de leite ainda é uma realidade distante em
muitos países em desenvolvimento (CORRÊA e CORRÊA, 1992; COSIVE et al, 1998; ABRAHÃO,
1999).
Os prejuízos à cadeia produtiva da carne e do leite, em função da tuberculose, estimados entre
10 e 25%, estão vinculados às perdas diretas resultantes da morte de animais, à redução gradativa dos
índices zootécnicos e às perdas diretas resultantes da morte de animais, à redução gradativa dos
índices zootécnicos e às condenações de carcaças em matadouros-frigoríficos sob inspeção sanitária.
Além disso, a presença da enfermidade nos rebanhos torna os produtos resultantes da pecuária
vulneráveis às barreiras sanitárias, impostas pelo mercado internacional. Por isto, esta doença integra a
lista de notificação compulsória à OIE. Devido a este conjunto de fatores, os prejuízos na pecuária
mundial, em função da tuberculose, giram em torno de três bilhões de dólares por ano (LAGE et al,
1998).
O Brasil detém o maior rebanho bovino comercial do mundo, com aproximadamente 195 milhões
de cabeça, distribuídas em quase 2,5 milhões de propriedades rurais; há mais de 4.500
estabelecimentos de abate sob inspeção industrial e sanitária em nível federal e o País configura-se
como o principal exportador de carne bovina in natura, mas há ainda o paradoxo do abate clandestino
responsável pela metade do total de bovinos abatidos no país, para consumo no mercado interno. Não
obstante, quase metade da população brasileira de leite não recebe um processamento antes de ser
fornecido para a população (ALVES, 2001; PARDO et al, 2001; BRASIL; 2002).
8. A SAÚDE PÚBLICA NO CONTROLE DA TUBERCULOSE E A MAGNITUDE DO COMÉRCIO
CLANDESTINO DO LEITE E DA CARNE NO BRASIL
Em março de 1998, a imprensa internacional levanta a calamidade da situação
epidemiológica da tuberculose no mundo, discutida pela OMS e mostra o Brasil ocupando a décima
posição no mundo (NETTO, 1999)
Pio (ex-coordenador da OPAS para os PCT das Américas) comentando sobre os problemas
e perspectivas da luta contra a tuberculose, levantava as seguintes questões em 1985: é realista a
estratégia mundial de saúde para todos no ano 2000, no que se refere ao controle da tuberculose? O
que teremos alcançado no ano 2000? Assinala que, no final da década de 40, a disponibilidade de
vacinação com BCG, radiografia tórax em massa e quimioterapia específica criou um clima de grande
otimismo com respeito ao futuro da tuberculose. A eliminação gradual e inclusive a erradicação da
doença parecia estar ao alcance. Contudo, acrescentamos, contrariando este otimismo, presenciamos a
situação presente (NETTO, 2002).
Deve-se assinalar que, em muitos locais (assim como acreditam muitos profissionais de
saúde), as autoridades deixaram o problema de lado como se fosse assunto resolvido. Afinal, já que
conhecia bastante a enfermidade, sua fisiopatologia, diagnóstico, esquemas terapêuticos e
medicamentos disponíveis. Não se considerou que a existência de todo esse saber prévio ou recursos
de nada adiantam se eles não forem colocados ao alcance da população geral e, acima de tudo, que
esta população necessita fazer uso efetivo dos recursos quando estes existem no local (ROCHA, 1996).
No Brasil, a escassez de trabalhos epidemiológicos recentes em humanos, que realizam
tipagem do agente causador da tuberculose, impedem que se tenha uma idéia da real situação do
progresso da doença (SOUZA et al, 1994).
Um fator agravante é que laboratorialmente, devido a aparente similaridade na apresentação
clínica, tratamento e prognóstico da infecção no homem pelo Mycobacterium bovis e Mycobacterium
tuberculosis, sempre ocorreram falhas no diagnóstico diferencial destas micobactérias, principalmente
nos países onde se julgava erradicada a tuberculose bovina (PINTO, 2003).
Segundo a OMS, a tuberculose como zoonose é preocupante, principalmente nos países em
desenvolvimento, onde o conhecimento é escasso (ROXO, 1997).
No Brasil, a real situação da tuberculose humana causada pelo Mycobacterium bovis não é
conhecida, pois não existem dados que forneçam objetivamente a freqüência do Mycobacterium bovis
em tuberculose humana (ABRAHÃO, 2005).
O Brasil tem o maior rebanho bovino comercial do planeta, correspondendo a 15% do total
mundial e é o segundo maior produtor de carne bovina. É também, o sexto maior produtor de leite do
mundo, crescendo a uma taxa anual de 4%, superior a de todos os países que ocupam os primeiros
lugares, respondendo por 66% do volume total de leite produzido no MERCOSUL, contando com mais
de um milhão e cem mil propriedades que exploram o leite (EMBRAPA, 2005).
Para os pecuaristas, a tuberculose bovina gera conseqüências econômicas desastrosas,
devidas em grande parte à aquisição de animais doentes, como a redução da produção de leite e carne;
desvalorização comercial do animal infectado pela rejeição de sua carcaça; maior intervalo entre partos;
maior necessidade de substituição dos animais no rebanho; produção de crias debilitadas e diminuição
do valor comercial da fazenda. Por isso, ainda hoje se pratica o abate clandestino e o comércio
clandestino de leite em várias regiões do Brasil, sendo difícil fazer uma estimativa do problema. No caso
da tuberculose, este fato é muito importante, pois alguns produtores de gado de leite e de corte, com
altos índices de condenação por tuberculose, enviam seus animais para serem abatidos em locais sem
controle sanitário (CERQUEIRA et al, 1994).
A legislação brasileira manda abater os bovinos com tuberculose, mas, como os
proprietários de animais sacrificados não são indenizados, nem sempre a lei prevalece. O próprio
governo admite que existe o comércio de compra e venda de gado com tuberculose, além do comércio
clandestino de carne e leite que, apesar de proibido por ameaçar a saúde pública, é uma triste realidade
no Brasil (ANTENORE, 1998).
Segundo BEZERRA, em 2001 o Brasil possuía mais de 160 milhões de cabeças de gado,
cerca de 750 frigoríficos e quase 100 mil pontos de venda (açougues e supermercados). Como não foi
possível controlar o abate desses animais, estimou-se que metade da carne consumida no país provinha
de matadouros clandestinos.
Em 2001, na Bahia, a carne clandestina era consumida por 60% da população do Estado,
que possuía apenas 13 matadouros legalizados contra 150 ilegais, ou seja, sem inspeção e controle
sanitário. Segundo o Ministério Público do Estado da Bahia, 5% dos casos de tuberculose humana
registrados no Estado, foram provenientes do Mycobacterium bovis presente na carne bovina e leite
contaminados (SOUZA et al, 1994).
Uma pesquisa realizada constatou que a informalidade do comércio clandestino no Brasil
está crescendo. Em 1990 e 1995 já alcançava a casa dos 7 bilhões de litros (ABRAHÃO, 1998).
Em 1997, 41% do leite bovino que se produziu no país tinha origem clandestina, ou seja, dos
20 bilhões de litros produzidos, 8,2 bilhões de litros chegaram até o consumidor sem passar pelas usinas
de beneficiamento, sem pagar impostos e, o mais perigoso, sem o aval da inspeção sanitária. Os
brasileiros consumiram esse leite clandestino de 3 modos diferentes: na forma líquida (6 bilhões de
litros), como queijo (200 mil toneladas) e como iogurte ou bebida láctea (80 mil toneladas). A distribuição
clandestina do produto na forma líquida era feita às claras, quase sempre sem refrigeração, em peruas,
carroças e até motocicletas. Muitos vendedores negociavam o leite a granel, trasnportando-o em latões,
e o comprador o recolhia com vasilhas. Outras vezes, a bebida chegava em embalagens sem rótulo
(normalmente em sacos plásticos ou garrafas de refrigerante) (ABRAHÃO, 1998).
Segundo estimativas da ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS PRODUTORES DE LEITE
(1999) dos 20,3 bilhões de litros de leite produzidos em 1998, 48% (9,7 bilhões de litros) não foram
fiscalizados pelo Ministério da Agricultura.
Em 1998, na zona leste de São Paulo, em uma chácara urbana, existia um curral com 70
cabeças de gado, sendo que 25 eram vacas. Os proprietários viviam do comércio clandestino do leite,
distribuído em favelas, e de fabricação de queijos. O leite era acondicionados em garrafas plásticas de
refrigerantes, que eram lavadas precariamente, sendo a distribuição executada em carroças sem
refrigeração, e sem controle sanitário em nenhuma etapa do processo (ANTORE, 1998).
Neste mesmo ano, estimou-se que na Paraíba apenas 10% dos municípios fiscalizavam o
leite consumido pela população. Mais de 70% da população da Paraíba só tinha acesso a leite in natura,
quer era vendido de casa em casa, em vacarias ou em pequenos pontos de distribuição. Os vendedores
de leite in natura utilizavam bicicletas, motocicletas e carros na distribuição do produto aos clientes, nas
grandes cidades do interior paraibano. Em cidades menores, o leite chegava a ser transportado por
jumentos (BARBOSA, 1998).
Algumas indústrias de pasteurização tentaram entrar no mercado de leite do interior
Paraibano, mas não tiveram êxito. As indústrias não conseguiram mudar o hábito da população de
consumir o que se conhece como “leite puro, gordo e forte”, existindo uma grande resistência ao leite
pasteurizado (BARBOSA, 1998).
De acordo com BRAGON (1998), dos 6 bilhões de litros de leite produzidos, anualmente, em
Minas Gerais, cerca de 2,4 bilhões (40%) eram vendidos sem fiscalização. O Estado é o maior produtor
do país, respondendo por 30% da produção.
A fama de “leite forte” atraía consumidores de leite in natura na cidade de São José da Lapa,
em Minas Gerais. Algumas das justificativas dadas por consumidores do “leite de curral” eram: “o leite é
mais gordo”, ou “ele tem sabor e cheiro diferentes do industrializado, que é um leite fraco”, ou ainda “é
muito mais gostoso”. O maior produtor de leite informal da cidade, entregava o leite de porta em porta
todas as manhãs e dizia que as cooperativas “não ofereciam um produto com a qualidade que as
pessoas queriam”. Ele se orgulhava de “não tirar nada do leite, de vendê-lo nas mesmas condições em
que saía das tetas de suas 10 vacas”. Para ele, isso dava o “sabor” especial (BRAGON, 1998).
No Paraná, em 1998, o município de Cambé utilizava leite não pasteurizado, proveniente de
30 produtores, na merenda escolar da cidade. Apesar da população ser orientada a ferver o leite antes
do consumo, havia a crença de que essa medida destruiria vitaminas e tornaria insolúvel parte do cálcio
e do fósforo, inviabilizando sua absorção pelo organismo (ANTORE, 1998).
O comércio clandestino é uma constantes preocupação dos serviços de inspeção veterinária
em todo o mundo. As dificuldades para o seu combate, são proporcionais ao grau de desenvolvimento
dos países, aos seus problemas econômicos e aos seus padrões culturais (CALIL et al, 1990).
A falta de um diagnóstico efetivo, que diferencie cepas de Mycobacterium bovis e
Mycobacterium tuberculosis agrava o problema. Uma provável explicação para essa falha seria a perda
de interesse epidemiológico devido à queda na incidência da doença, após a obrigatoriedade da
pasteurização do leite e abate de gado tuberculina-positivo, e a confiança na eficácia da quimioterapia
atual contra todos os tipos de tuberculose. Entretanto, desde que a tuberculose causada pelo
Mycobacterium bovis reapareceu em países nos quais ela estava praticamente erradicada e desde que
a pirazinamida passou a ser regularmente usada como uma droga antituberculose de 1ª linha, e o
Mycobacterium bovis é naturalmente resistente a ela, existem razões para que essa diferenciação seja
feita (ABRAHÃO, 1998).
A principal delas seria o fato de que casos de tuberculose humana por Mycobacterium bovis
podem ser tratados como tuberculose Mycobcterium tuberculosis em todo o país. Como o
Mycobacterium bovis é naturalmente resistente a pirazinamida, cepas multidroga-resistentes poderão ser
geradas nestes tratamentos falhos, impedindo a cura do paciente, tornando-o um potencial transmissor
destas cepas resistentes a outras pessoas e animais e, eventualmente, levando-o à morte (ABRAHÃO,
1998).
Outro grande problema abrange os dados oficiais sobre a tuberculose bovina no Brasil,
sugerindo que os números apresentados pelo Ministério da Agricultura estejam muito abaixo da
realidade e demonstrando que os dados estatísticos disponíveis no país fornecem uma noção muito
limitada do problema, pois há uma grande sub-notificação dos animais tuberculina-positiva e uma
produção insuficiente de tuberculina para o rebanho nacional (ABRAHÃO, 1998).
Antore (1998) ressaltou que, na realidade, o que ocorre no Brasil é um fenômeno social
complexo. Em geral, os leiteiros ignoram os riscos sanitários do produto que comercializam. São
criadores modestos, não organizados e de baixa escolaridade, que burlam a lei para sobrevier. Se
vendessem o leite às usinas, acabariam sendo inviabilizados comercialmente, porque ganhariam menos
do que lucram com a venda ilegal. A maioria dos compradores também não dispõem de informações
mais sofisticadas sobre a segurança alimentar, desconhecendo ou ignorando os riscos a que estão
expostos. Consomem o leite cru por jugá-lo mais saudável e ainda contam com a vantagem de o
produtor informal vender a prazo. As áreas do governo que deveriam orientar a população, prestar
assistência técnica aos produtores de leite e fiscalizar o cumprimento da lei, reconheciam a gravidade do
problema, mas freqüentemente se omitiam, alegando falta de recursos financeiras.
Combater o comércio clandestino de produtos animais, exige uma atitude politicamente
coerciva, que no caso do leite vendido informalmente, seria considerada antipática frente à preferência
da população, que aprecia o produto in natura e o compra a prazo (ABRAHÃO, 2005).
Os erros de avaliação do problema resultaram em medidas tímidas no sentido de
implementar e por em funcionamento todos os recursos disponíveis, sejam os conhecimentos, sejam os
serviços. Julgamos isso um descalabro consentido que abarcou desde políticas do Ministério da Saúde
(MS), das Secretarias Estaduais (SES), e Municipais de Saúde (SMS) e aparelhos formadores dos
profissionais de saúde, ou seja, as universidades (NETTO, 2002).
9. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A importância da tuberculose bovina como zoonose é reconhecida mundialmente, e o estudo
dos fatores de difusão de tal enfermidade possui grande relevância. Caso não sejam adotadas medidas
rápidas, uma epidemia de tuberculose poderá ocorrer nos próximos anos. A falta de diagnóstico efetivo,
com a identificação do agente, tem contribuído para o aumento dos casos no Brasil. A ocorrência de
infecções humanas por micobactérias atípicas à espécie, associadas à reativações de infecções
adquiridas na infância, principalmente relacionadas a SIDA, vem complicar ainda mais a situação
(SOUZA et al, 1994).
No Brasil, o comércio clandestino de carne e leite (envolvendo a compra e venda de bovinos
tuberculosos, laticínios contaminados, falsificação de carimbos da Inspeção Sanitária e currais de
aparência medieval escondidos nas periferias das metrópoles), aliado à falta de dados estatísticos
confiáveis sobre a realidade da tuberculose bovina no país, constituem uma grande ameaça à saúde
pública (ANTORE, 1998).
A Inspeção Veterinária deveria vistoriar, permanentemente, os estabelecimentos de abate e
indústrias transformadoras, para garantir a sanidade dos produtos de origem animal, a higiene das
instalações e dos trabalhadores, além da manutenção do nível de tecnologia, capaz de assegurar
qualidade satisfatória para o consumidor, assim, participaria ativamente do combate aos produtos
clandestinos (CALLIL et al, 1990).
Enquanto não houver programas de desenvolvimento junto aos pequenos produtores rurais,
para recolocá-los no mercado formal; ações de educação e esclarecimento aos consumidores; ações de
fiscalização e vigilância sanitária para garantir a segurança alimentar da população, não se erradicará o
problema do comércio clandestino de produtos animais no Brasil (ABRAHÃO, 2005).
Há problemas sérios na área da saúde pública. O primeiro deles é a continuidade dos
programas. O segundo, a adequação das propostas. Às vezes, as propostas focalizam o problema da
tuberculose como se ele representasse apenas somatório dos tuberculosos existentes, mas na realidade
o problema inclui fundamentalmente a área social. Para o tuberculoso, a solução implica o uso de
esquemas terapêuticos eficazes (tipo RMP+INH+PZA). Para a tuberculose, a solução exige programas
que visem uma qualidade de vida mais adequada (NETTO, 2002).
Algumas funções específicas deverão ser efetuadas em nível nacional/base regional, tais
como avaliação da magnitude do problema, vigilância, supervisão regular, monitoramento e avaliação do
andamento do programa geral (NETTO, 1999).
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Karolina Nunes da Silva