PRIMEIRA FILÍPICA: DISCURSO, CREDIBILIDADE E PERSUASÃO Marcelo Coutinho de Oliveira Rio de Janeiro, 2014 UFRJ PRIMEIRA FILÍPICA: DISCURSO, CREDIBILIDADE E PERSUASÃO Marcelo Coutinho de Oliveira Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras Clássicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para obtenção do Título de Mestre em Letras Clássicas. Orientadora: Profª. Drª Tania Martins Santos. Rio de Janeiro Fevereiro de 2014 PRIMEIRA FILÍPICA: DISCURSO, CREDIBILIDADE E PERSUASÃO Marcelo Coutinho de Oliveira Orientadora: Professora Doutora Tania Martins Santos. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras Clássicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para obtenção do Título de Mestre em Letras Clássicas. Examinada por: Presidente, Profª. Drª Tania Martins Santos, PPGLC – UFRJ Profª. Drª. Fernanda Lemos de Lima, – UERJ Profª. Drª. Shirley F. Gomes de A. Peçanha, PPGLC – UFRJ Profª. Drª. Greice Ferreira Drumond – UFF, Suplente Prof. Dr. Auto Lyra Teixeira, PPGLC – UFRJ (Suplente) Rio de Janeiro Fevereiro de 2014 Oliveira, Marcelo Coutinho de. Primeira Filípica: Discurso, Credibilidade e Persuasão/ Marcelo Coutinho de Oliveira – Rio de Janeiro: UFRJ/ Faculdade de Letras, 2013. 101f.; 31cm Orientadora: Profª. Drª Tania Martins Santos Dissertação (Mestrado) – UFRJ/ Faculdade de Letras/ Programa de Pósgraduação em Letras Clássicas, 2014. Referências Bibliográficas: 101f. 1. Retórica. 2. Demóstenes. 3. Primeira Filípica. I Santos, Tania Martins. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós-graduação em Letras Clássicas. III. Título. PRIMEIRA FILÍPICA: DISCURSO, CREDIBILIDADE E PERSUASÃO Marcelo Coutinho de Oliveira Orientadora: Professora Doutora Tania Martins Santos Resumo da Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras Clássicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do Título de Mestre em Letras Clássicas. A dissertação ora proposta visa a explorar os argumentos persuasivos presentes na peça retórica Primeira Filípica, de Demóstenes, orador ateniense do século IV a.C., cujo objetivo é oferecer um planejamento de reorganização financeira e militar, a fim de defender a Grécia da ameaça macedônica capitaneada por Filipe II, rei expansionista. Julga-se necessário, para cumprir o objetivo, analisar os pressupostos retóricos observáveis na educação para a formação política do orador ateniense do século IV a.C. Palavras-chave: Demóstenes; Discurso; Primeira Filípica; Retórica. Rio de Janeiro Fevereiro de 2014 PRIMEIRA FILÍPICA: DISCURSO, CREDIBILIDADE E PERSUASÃO Marcelo Coutinho de Oliveira Orientadora: Professora Doutora Tania Martins Santos Abstract da Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras Clássicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do Título de Mestre em Letras Clássicas. The proposed dissertation aims to explore the persuasive arguments contained in the rhetorical piece First Phillipic, by Demosthenes, Athenian orator from the fourth century B.C, whose objective is to offer a military and monetary reorganization plan to defend Greece from the Macedonian menace capitained by Phillip II, expansionist king. In order to accomplish this objective, it is necessary to analyse the rhetorical assumptions needed for the education and political formation of the Athenian orator in the fourth century B.C. Keywords: Demosthenes; Discourse; First Phillipic; Rhetoric. Rio de Janeiro Fevereiro de 2014 Dedico este trabalho à minha mãe Cida Coutinho, meu pai Amauri Oliveira e meus irmãos Adilson e Phelipe. Obrigado, gente, pelo suporte, compreensão e incentivo diários. Agradeço à minha família pelo suporte de cada dia, pelo carinho e pelos momentos de alegria em casa; à Jillian Antunes, por todo o incentivo, compreensão e por esses dois anos de felicidade e companheirismo; aos amigos de vida inteira: Tata, Dani Eller, Daniel Fernandes, Pedro Pinheiro e Guilherme Brandão, verdadeiros irmãos que a vida me trouxe; à minha melhor amiga, Marianna Wanderley, cujo agradecimento não caberia neste espaço; aos bons amigos que fiz nessa jornada helênica, em especial à Luana Cruz e Luciana Bomfim, pelas inúmeras conversas, cafés e afins, ao Brian Kibuuka, por sua incrível bondade e amizade, e à Tania Martins, que sempre me diz “vai, meu filho!”; aos meus grandes amigos da música: Gabi, Bella e Phil, que tornam as semanas mais animadas e menos cotidianas; à diletíssima professora de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental Nadja Moreeuw, pelo exemplo de amor e dedicação à carreira; aos meus queridos professores de Língua e Literatura Grega da UFRJ, que vêm me transmitindo valiosas lições no decorrer da trajetória acadêmica; aos amigos que fiz na UERJ, em especial à Fernanda Lemos, à Luciana Póvoa e à Elisa Costa, que me acolheram de braços abertos e divertem o fim das sextas-feiras; e aos demais amigos que me ajudaram a afrouxar a tensão e quebrar a solidão da escrita. Neste trabalho vai um pouquinho de cada um. Fica registrado aqui o meu carinho por todos vocês e a gratidão por tudo! Agradeço também à CAPES pelo apoio recebido para a realização da presente pesquisa. Agradeço especialmente à Professora Doutora Tania Martins Santos, amiga querida e sapientíssima orientadora, que tornou possível a realização deste trabalho por meio de sua extrema dedicação, paciência e avaliação criteriosa. Suas lições são sempre muito importantes para o meu amadurecimento acadêmico e pessoal. O meu “muitíssimo obrigado por tudo” não expressa suficientemente bem a minha gratidão e carinho por você. SINOPSE Panorama da retórica na Grécia Antiga. Estudo dos recursos retórico-estilísticos demostênicos, com base na obra Primeira Filípica. Tradução da peça retórica Primeira Filípica. Análise estilística da obra. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO................................................................................................. 13 2. A ELEVAÇÃO DA RETÓRICA À TÉCNICA............................................. 16 2.1 As origens da Retórica na Grécia................................................................ 16 2.2 Aristóteles e sua Arte Retórica.................................................................... 25 2.2.1 O filósofo de Estagira......................................................................... 25 2.2.2 A Arte Retórica.................................................................................. 27 2.3 O gênero deliberativo................................................................................... 31 3. DEMÓSTENES E A PRIMEIRA FILÍPICA................................................ 36 3.1 O caminho até a tribuna............................................................................... 36 3.2 Primeira Filípica.......................................................................................... 38 3.3 O e1qov como construção da identidade discursiva do orador..................... 48 3.4 Primeira Filípica: uma abordagem estilística à luz dos pressupostos retóricos........................................................................................................ 53 4. CONCLUSÃO.................................................................................................. 84 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................... 88 6. ANEXO............................................................................................................. 92 1. INTRODUÇÃO A linguagem, entre as diversas funções que se lhe pode atribuir, deve ser compreendida como o ponto de partida para qualquer interação social. Por meio da palavra, inicia-se uma vasta gama de ações que dependem da habilidade comunicativa de, ao menos, dois indivíduos. Destas ações, destaca-se a capacidade de repreender ou elogiar, de acusar ou defender um ponto de vista, de dissuadir ou persuadir alguém em relação à alguma questão, seja esta de interesse privado ou público. Em outras palavras, o uso da linguagem pode ser considerado um exercício retórico. É neste âmbito que se encaixa o tema escolhido para a dissertação ora proposta, cujo interesse surgiu ainda durante a graduação, quando, em uma disciplina de Língua Grega, foram apresentados excertos de discursos referentes a uma cidade ameaçada pelo poderio do exército estrangeiro. A expressão do orador ateniense Demóstenes, sua insistência em propor ações para defender não só a população de sua cidade, mas o povo grego de maneira geral, e sua vontade de ver a Hélade inteiramente livre das ameaças do rei macedônico Filipe II despertaram o interesse pelo estudo da técnica empregada pelo autor, visando a atingir os objetivos mencionados. Desta maneira, chegou-se às Filípicas, um conjunto de discursos que têm como propósito denunciar as ultrajantes ações e quebras de acordo por parte de Filipe II e encorajar Atenas a defender-se do avanço militar do rei, das quais se elegeu a Primeira Filípica para analisar pormenorizadamente na presente dissertação. O referido discurso tem como principal proposta a reavaliação das prioridades financeiras de Atenas para que possa reorganizar sua força militar e guerrear contra a Macedônia, antes que a mesma transpasse os limites da cidade, pondo em risco a segurança dos bens públicos. O motivo, porém, embora pareça bastante nobre, não tinha a anuência de grande parte dos cidadãos e dirigentes da cidade, temerosos da retaliação macedônica, militarmente mais poderosa e detentora de apoio político. Por esta razão, a tarefa de Demóstenes torna-se bastante complexa, pois suas propostas para o bem comum não são suficientes para Atenas. É necessário demonstrar que sua intenção é o bem comum e, para atingir seu intento, é preciso persuadir uma audiência, já descrente, das chances de sucesso contra Filipe, pois esta se acostumou a saber que o rei alcança todos os objetivos. Assim, para desenvolver o presente estudo, cujo objetivo é analisar os recursos estilísticos, retóricos e semânticos da Primeira Filípica demostênica, será importante empreender uma discussão acerca da natureza específica da retórica. Em primeiro lugar, deve-se investigar suas origens literárias até o momento em que atinge o estatuto de técnica. Tal item ocupará a seção 2.1 desta dissertação. São dignas de nota as obras Introdução à Retórica, na qual Olivier Reboul apresenta uma espécie de breviário da literatura retórica grega; O poder da linguagem, publicado em 2010 por Luiz Rohden, no qual o teórico brasileiro, com o intuito de debater a Retórica, trata de temas como a sofística, a dialética e a Arte Retórica, de Aristóteles, com bastante acuidade; e o compêndio sobre retórica A companion to Greek rhetoric, publicado por Ian Worthington. A seção 2.2, dividida em dois subitens, será dedicada à exposição da figura do estagirita Aristóteles, no item 2.2.1, e sua obra mais relevante para o desenvolvimento dessa dissertação: a Arte Retórica, no item 2.2.2. Convém discutir a abordagem aristotélica sobre retórica, porque o filósofo depurou e organizou as opiniões anteriores à sua, oferecendo, então, a proposição de que a retórica é “a faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de gerar a persuasão”1. Opta-se por criar um item à parte, a seção 2.3, para ampliar a discussão de um tema presente na Arte Retórica que se coaduna com o tema central do estudo: o gênero deliberativo. Neste, Aristóteles expõe os objetivos do gênero retórico e os temas essenciais para o debate democrático tão caro aos atenienses do período demostênico. O terceiro capítulo, cujo função é a apresentação do estilo demostênico, tem como ponto de partida, na seção 3.1, uma exposição biográfica do orador em questão, uma história que se confunde com a da própria Grécia. Para tal, destacam os estudos feitos por Ian Worthington, Raphael Sealey, Amilcare Carletti e J. Ph. Anstett. Os estudos dos biógrafos e historiadores mencionados auxiliarão a analisar de que maneira a história pessoal do orador influenciou seu ingresso na vida pública e, mais precisamente, nas questões de defesa da unidade territorial e cultural do povo grego. É digno de nota que se opta por não considerar para esta análise as obras de biógrafos e 1 Arte Retórica, 1355b. 14 autores da Antiguidade Clássica, por estes tratarem de aspectos bastante específicos da vida do orador, negligenciando, de certa forma, o quadro geral. Na seção posterior, será apresenta a tradução integral da peça retórica que motivou a pesquisa, cujo texto em idioma original se encontra em anexo. Para a tradução, serão utilizadas as publicações da LOEB, de 2006, e da Les Belles Lettres, de 1969. A razão pela qual se utilizam duas edições é a tentativa de preencher as lacunas presentes, ora em uma, ora na outra, assim como o esclarecimento de divergências na pontuação do texto em idioma original, pois, em certos momentos, observa-se que ter acesso à segunda opinião parece o método mais apropriado para o aprofundamento da compreensão do discurso demostênico. A seguir, antes da análise dos recursos retóricos empregados pelo orador em sua Primeira Filípica, será necessário avaliar o modo conveniente de se apresentar diante de uma assembleia, sobretudo quando a mesma se encontra contrária às ideias que serão propostas, conforme mencionado anteriormente. Assim, na seção 3.3, buscar-se-á aferir como se constrói uma identidade discursiva, capaz de reverter positivamente a opinião popular. Neste item, parecem oportunos os capítulos “Imagens dos atores políticos”, de Patrick Charaudeau em sua obra intitulada Discurso Político, e “Os âmbitos da argumentação”, de Chaïm Perelman e L. Olbrechts-Tyteca em Tratado de Argumentação. Para a análise da Primeira Filípica, na seção 3.4, o aporte teórico de Cecil Wooten em seu livro A commentary on Demosthenes’ Philippic I será muito valioso. Porém, somente esse comentário não parece ser suficiente para expor a riqueza dos recursos estilísticos do orador ateniense, de modo que é preciso considerar outras obras de caráter estilístico. Dessa forma, julga-se importante, por exemplo, o estudo de Heinrich Lausberg sobre as figuras de estilo, de estrutura e de linguagem no livro Elementos de Retórica Literária, reeditado em 1972. É digno de nota que, além dos materiais referentes aos recursos literários, é necessária a investigação dos processos e procedimentos histórico-sociais de Atenas no período que circunscreve o orador, pois são fundamentais para o entendimento das diversas referências a fatos, a termos técnicos do cotidiano ateniense, e também para compreender a recusa de suas propostas, embora seus argumentos e sua exposição dos temas tenham sido, assim como são considerados hodiernamente, uma das melhores expressões de elementos retóricos da Antiguidade Clássica. 15 2. A ELEVAÇÃO DE RETÓRICA À TÉCNICA 2.1 – As origens da Retórica na Grécia Antes de qualquer definição que se possa conferir à retórica, é interessante perceber o uso da linguagem, por si só, como um exercício retórico. Parece inconcebível que até a retórica alcançar o estatuto de técnica homens não tenham utilizado a linguagem, visando ao convencimento ou à persuasão de seus iguais. Um diálogo, por exemplo, pode resultar na tentativa de fazer alguém mudar seu ponto de vista ou sua decisão. De todos os modos, uma reflexão sobre a retórica deve começar por sua história “recente”. Em seu estudo intitulado Introdução à Retórica, Olivier Reboul (2004) afirma que se pode atestar retórica entre os hindus, chineses, egípcios e hebreus, civilizações anteriores à helênica, embora aquela seja, de certa forma, uma invenção grega, tanto quanto são a geometria, a tragédia e a filosofia. O teórico francês parece apontar a tendência que as civilizações precedentes tinham para utilizar a linguagem de forma atualmente considerada retórica, sem que tivessem formulado uma teoria sobre o assunto ou até mesmo ter apontado um nome específico para este costume. Mesmo entre os gregos, a retórica tardou a ganhar nome e importância, ainda que os primeiros registros literários remontem à literatura épica, com a Ilíada, uma epopeia homérica. Nesta, é possível observar Nestor, o idoso ex-guerreiro e orador de Pilos, ao lado dos hoplitas argivos, contando suas histórias dos campos de batalha, visando ao encorajamento deles. Outro exemplo encontrado na mesma obra é a ideia do ancião Nestor de constituição de uma embaixada dos chefes argivos à tenda do semideus Aquiles, com o intuito de convencê-lo a retornar à guerra contra os troianos: Pela minha parte falarei como me parecer melhor, pois nenhum outro pensará conselho melhor do que este que tenho em mente desde há muito até hoje, desde o dia em que tu, ó criado de Zeus!, tiraste a jovem Briseida da tenda do furibundo Aquiles, coisa que não aprovámos. Na verdade eu próprio tudo fiz para te dissuadir; mas tu cedeste ao teu espírito altivo e sobre um homem excelente, honrado pelos deuses, lançaste desonra. Tens o prémio que arrebataste. Mas agora pensemos como poderemos desagravá-lo e persuadi-lo com agradáveis presentes e com palavras suaves. (Ilíada, IX – 103 – 13)2 De acordo com Rohden (2010: 17), a educação de Aquiles, assim como a dos outros gregos, consistia em um aspecto técnico, em que o jovem era iniciado em um modo de viver próprio da po/liv, e outro ético, em que era incutido um ideal de homem superior aos outros no futuro, a a0reth&3. Paralelamente ao ensino de manejo de armas, à prática de esportes e ao uso de instrumentos musicais, ao jovem eram ensinadas técnicas para falar bem, exercícios que contemplavam a declamação de pequenos relatos e a audição dos relatos de homens mais velhos, a fim de que aprendessem fórmulas, temas e máximas. Percebe-se em Homero o primeiro exemplo grego de valorização da linguagem, ainda que nessa época não se tenha desenvolvido suficientemente a capacidade retórica do jovem4. A retórica, enquanto uma técnica não surgiu no Período Arcaico da literatura grega. Como assinala Reboul (2004: 2), ela teria nascido na Sicília grega, após a expulsão dos tiranos da região, por volta do ano de 465 a.C. Sua origem, ao contrário do que o exemplo de Nestor parecia apontar, não é de ordem literária, mas estritamente judiciária, e a razão para tal fato é bastante simples. Depois da mencionada expulsão dos tiranos, os cidadãos que foram prejudicados por eles teriam reclamado seus antigos bens, mas era necessário comprovar a pertença do item requerido. Assim, diversos conflitos de ordem judiciária ocorriam na região. Porém, em uma época em que não havia a advocacia, era necessário fornecer aos cidadãos os meios para sustentar a própria causa. Então, com o auxílio de seu discípulo Tísias, Córax, tendo já definido a retórica como “criadora de 2 A tradução de Ilíada privilegiada neste trabalho foi realizada pelo estudioso português Frederico Lourenço. 3 Termo especificamente grego, na realidade intraduzível, extremamente complexo que, no mundo helênico, simbolizava, de modo amplo, o valor, a capacidade e outras condições intrínsecas ao homem que o faziam invulgar. Por outro lado, a areté envolvia ideias de ordem moral que se exprimiam num comportamento intimamente ligado à concepção de glória e da bravura individual. Foi na sociedade homérica, no século XII a.C., que o termo ganhou reconhecimento e através dos poemas homéricos os gregos encontraram esse estilo de vida. A areté era, prioritariamente, um sentimento individual, uma “certa qualidade de existência”, que tornava seu possuidor diferente das demais pessoas. (cf. Blackburn 1997: 41). 4 É digno de nota que, em termos de educação, Homero não se increve unicamente no campo da valorização da linguagem. Marrou (1975: 26) apresenta posicionamentos diversos, vindos da Antiguidade Clássica, sobre a importância de aedo. “Como o disse Platão, Homero foi, no mais pleno sentido, o educador da Grécia (th\n (Ella&da pepai&deuken). E foi desde o princípio (e0c a0rxh~v), como já o salientava Xenófanes de Cólofon no século VI: vede, no fim do século VIII, a profunda influência que, nesta Beócia ainda inteiramente campesina, exerce já sobre o estilo de Hesíodo” (...). 17 persuasão”, publicou um documento chamado h9 texnh\ r9htorikh,/ ou arte retórica, um compêndio de preceitos práticos referentes à justiça. Ainda assim, o litigante que não se sentisse apto a redigir um documento para apresentar defesa de sua causa, recorria a um logógrafo 5 que escreveria a queixa a ser lida diante do tribunal. Aparentemente, os oradores da época aproveitavam essa oportunidade e ofereciam ao público seus serviços de bons declamadores e conhecedores de uma técnica capaz de convencer qualquer audiência, não importando qual fosse o assunto: tratava-se de uma retórica que não argumentava com base no que era verdadeiro, porém no mais verossímil. Para Córax e seu discípulo, a técnica proposta por eles apresentava um caráter estritamente probatório, isto é, ela servia para buscar e investigar as provas possíveis em cada caso. Não parece difícil perceber aonde essa prática levou a embrionária “arte retórica”: os melhores oradores eram contratados com o intuito de vencer as causas mais indefensáveis, transformando o argumento mais fraco no mais forte, técnica que se fortaleceu e, por causa da estreita relação entre a Sicília e Atenas, tornou-se corrente também nesta cidade. A técnica desses oradores desenvolveu-se e recebeu o nome do primeiro teórico do tema em questão. O córax, agora um argumento, consistia em afirmar a inverossimilhança de algum fato por este parecer exageradamente verossímil. Assim, um homem muito forte, culpado por assassinato, por exemplo, poderia ser inocentado do crime que cometeu porque pareceria muito óbvia a sua culpabilidade no caso. Não tardou, obviamente, para que o córax fosse superado por sua contradição, mas o importante é que esta técnica retórica serviu como base para outro movimento dentro da literatura grega: a sofística. O termo sofista6, inicialmente, não apresentava o significado levemente pejorativo que a tradição leitora de Platão apregoa. Ser um sofista era, em primeiro lugar, possuir determinada sofi/a e servir-se da mesma como um instrumento de bem viver. Por tal 5 À época mencionada, o logógrafo era uma espécie de notário público. A prática de escrita dos documentos para cidadãos defenderem suas causas em juízo aproximou-os dos tribunais e, já no século IV a.C, estes profissionais representavam em juízo os cidadãos que não eram capazes de ler a própria defesa com a fluidez necessária para persuadir a audiência (cf. Reboul 2004: 2). 6 Demonimação de um grupo de indivíduos que surgiu em Atenas na segunda metade do século V para ensinar a jovens com ambições políticas as maneiras de persuadir uma audiência. Esses professores de eloquência cobravam muito caro por suas aulas, a acreditarmos nas críticas que lhes dirige seu principal adversário, o filósofo Platão, opondo-lhes seu mestre Sócrates, cujo ensino era gratuito (cf. Mossé 2004: 259 - 60). 18 razão, um sofista já foi reconhecido como filósofo, sábio, músico e até mesmo poeta. Posteriormente, esta figura da sociedade passou a ser identificada como alguém que comunica seus conhecimentos mediante pagamento. Isto se deu porque a palavra sofista virou sinônimo de eloquência. Um sofista tinha bom manejo com as palavras, aprendera a empregar bem os vocábulos em uma argumentação, apresentava bom ritmo na fala, estilo oratório e consciência gestual ao dialogar. Todo este aparato técnico era considerado elegante e, pouco a pouco, contribuiu para a formação de um grupo de admiradores, pois estes homens conseguiam persuadir qualquer audiência ou opinar sobre os mais variados assuntos. Os sofistas transformaramse em mestres itinerantes que agrupavam jovens em torno de si, a fim de transmitir-lhes conhecimentos para a vida em sociedade. Segundo Ágnes Heller (1983: 30)7, é possível citar três características acerca dos sofistas: De modo geral não pertenciam ao demos e, salvo algumas exceções, não eram atenienses. Chegam a Atenas atraídos por sua cultura. Seu programa pedagógico não era comunitário, mas exclusivamente individualista. Indivíduos particulares ensinam a arte de governar. Caracterizavam-se também por aceitar e exigir estipêndios por seus ensinamentos, características essas que se opunham ao modo de ser comunitário dos atenienses (...). Ainda assim, a educação da juventude grega foi repassada a esses homens. O programa pedagógico do grupo era voltado para as questões do cotidiano político dos gregos, com base em uma a0reth/ orientada pelo conhecimento. Porém, ao invés de esta educação ser centrada na formação do povo, objetivava a formação dos chefes do mesmo. De acordo com Rohden (2010: 26), os que desejavam ingressar na vida política acorriam aos sofistas, que ensinavam aos jovens a pronunciar discursos persuasivos e oportunos em momentos de necessidade. O alto valor cobrado por suas lições individuais impossibilitava que grande parte da população tivesse acesso, tornando o conhecimento dos meios retóricos da época um luxo daqueles que podiam investir no futuro dos filhos. Explica-se, portanto, por que os sofistas se opunham ao modo comunitário de Atenas: o sistema de ensino empregado era segregador, voltado para a parcela financeiramente favorecida do povo grego, a fim de formar os líderes, em vez de homens iguais perante a sociedade. 7 HELLER, Ágnes. apud ROHDEN, Luiz (2010: 25). 19 As lições consistiam em ensinar aos jovens a discursar bela e eficientemente sobre assuntos referentes à cidade, tais como o exercício do poder e a gestão dos bens públicos. Em outras palavras, a educação sofística pautava-se na formação de oradores eficientes em momentos oportunos. Porém, o problema com que se depara essa escola é observável já desde Górgias8, um siciliano nascido aproximadamente em 485 a.C., discípulo de Empédocles e iniciador desta nova forma de se pensar a retórica. Este filósofo é considerado o precursor do discurso epidítico, isto é, o louvor público. Tornou-se célebre por falar com bastante eloquência sobre os temas que lhe eram apresentados, aplicando os mais diversos recursos reconhecidos antes de seu tempo, como próprios da poesia. Com Górgias, a prosa abandonou pela primeira vez o status de reprodução da fala corrente, tornando-se mais erudita e ritmada. Recebeu recursos estilísticos, tais como rimas, assonâncias, paronomásias, ritmo frasal, perífrases, metáforas e antíteses, como atesta Reboul (2004: 4). O filósofo impressionava com sua eloquência e esta lhe abriu portas para outro campo de atuação: Górgias tornou-se mestre itinerante de eloquência e filosofia. Nesta profissão, cobrava uma pequena fortuna de seus alunos: recebia como salário o valor de aproximadamente cem minas, o equivalente ao salário diário de dez mil operários, afirma o teórico francês. Em suas lições, de acordo com Marrou apud Rohden (2010: 28), burilou a técnica retórica e apresentou-a dividida em três figuras que posteriormente foram muito usadas: a antítese, o paralelismo de membros de frases iguais e a assonância final desses membros (...). Górgias possuía a preocupação de inculcar em seus discípulos as regras da arte que constituíam sua téchne. Apresentava depois um modelo de escrito, uma conferência-amostra, para ser imitada por seus alunos. O zelo de Górgias com a forma de seus discursos, contudo, parece ser o maior motivo de crítica em sua retórica. O filósofo é taxado de apresentar um estilo exageradamente empolado, porém sem compromisso com a veracidade dos fatos e eventos mencionados. Ao que parece, a verdade e a persuasão não têm ligação entre si na concepção gorgiana de retórica. Para ele, a força do discurso é indiscutível, e a verdade é aquilo que fica dito por um orador, uma visão que relativiza o entendimento de verdade, já que oradores diferentes expressam opiniões diversas. Explica-se dessa forma por que, 8 Górgias, que foi sobretudo professor de retórica, é geralmente incluído na classe dos sofistas. Foi a Atenas em 427 a.C como embaixador de sua cidade natal siciliana, e seu característico estilo antiético teve uma influência literária considerável. Em termos filosóficos, interessou-se seriamente pela ciência de seu tempo, e escreveu um tratado, Sobre o que não é, ou da natureza, do qual só se conhecem os resumos. (...) O seu Elogio a Helena é a primeira abordagem clara do problema de livre arbítrio (cf. Blackburn 1997: 171). 20 em sua retórica, Górgias enfatiza a forma que um discurso deve ter. Ainda que a causa não mereça credibilidade, fala-se persuasivamente visando à vitória ou ao ganho da empatia de uma determinada audiência. Em Górgias, a relação entre sofística e retórica não é muito próxima. Embora ele tenha sido o iniciador de uma concepção de retórica, do ponto de vista literário, a crítica literária costuma avaliar seu trabalho como vazio ou de pouco conteúdo, considerando-o apenas o transmissor de uma arte de supostamente falar bem. Tal relação é atingida plenamente com Protágoras, um filósofo oriundo da Trácia e contemporâneo de Górgias. Foi o primeiro homem grego a interessar-se pelo estudo do gênero dos substantivos e pelos tempos verbais, que será chamado posteriormente de “gramática”, afirma Reboul (2004: 7). Foi também o fundador da erística, uma técnica que tem como princípio a afirmação de que em qualquer questão é possível refutar ou sustentar qualquer argumento apresentado. Assim como o filósofo siciliano, cobrava alta quantia para ensinar sua vertente de filosofia e eloquência aos jovens. Em seus ensinamentos, afirmou que “o homem é a medida de todas as coisas”, lição que revela uma visão subjetivista de retórica. Aparentemente, com esta afirmação, Protágoras transforma o homem no regulador da sociedade, pois toda e qualquer coisa é – e só pode ser – como ela parece ao homem, não havendo outro critério de verdade. Esta concepção instaura o completo relativismo e a ilogicidade na sociedade grega, pois diferentes homens têm opiniões diversas sobre o mesmo assunto. Isto é, se alguma coisa parece bela a um, mas feia a outro, então essa apresentará duas verdades, serão duas coisas ao mesmo tempo. Perde-se, assim, a matéria para a retórica vigente, porque a lógica e o objetivo em uma discussão inexistem, quando nada é possível de ser contradito. Para Protágoras, cada cidade é vista também como um “indivíduo”, que arbitra os valores culturais, sociais e a verdade, segundo a própria conveniência, fato que configura o relativismo pragmático, a doutrina que Reboul (2004: 8) definiu como sendo protagoriana por excelência: Relativismo pragmático, tal como parece ter sido a doutrina de Protágoras. Não existe verdade em si, mas uma verdade de cada indivíduo, de cada cidade; e o importante é aquilo que lhe permite fazerse valer e impor-se, que é precisamente a retórica. Observemos que semelhante doutrina pode legitimar tanto a violência quanto a tolerância. 21 A concepção sofística de retórica foi bastante criticada por filósofos posteriores. É certo que os sofistas, em alguma escala, contribuíram para a formulação aristotélica da Retórica, porém a maior parte de seus ensinamentos foi amplamente debatida à própria época. Um grande exemplo de combatente da sofística foi Platão. O filósofo ateniense acreditava que a retórica sofística não tinha fundamentação racional. Isto significa dizer que Platão não considerava a sofística digna de crédito porque esta se alimentava de sentimentos na formulação dos discursos. A crítica platônica era dirigida às características centrais desta escola: o discípulo de Sócrates censurou a excessiva preocupação com os meios de se vencer uma causa sem que fosse pensada a relevância dos fins. Ele censurou o fato de os sofistas não terem colocado a verdade como o objetivo de sua doutrina. Aristóteles também teceu suas críticas aos sofistas, ainda que tenha tentado resgatar alguns dos valores minimamente relevantes para a formulação da sua Retórica. Não era possível que um discurso não buscasse ter conteúdo, em sua opinião. Criticou a tendência dos sofistas de se fecharem na linguagem, numa tentativa de limitar seus adversários neste âmbito, como se a linguagem bastasse por si só. Ainda assim, a sofística foi a primeira elaboração significativa do que viria a tornar-se no futuro a Retórica aristotélica, porque organizou alguma forma de ensino sistemático e global para a construção de discursos persuasivos. Reboul justifica a classificação de ensino como sendo global, porque “é aos sofistas que a retórica deve os primeiros esboços de gramática, bem como a disposição do discurso e um ideal de prosa ornada e erudita”9. O teórico afirma que o fundamento conferido à retórica pela sofística é bastante perigoso e questiona, com algum exagero, se a justificação daquela pela incerteza e pelo sucesso a prejudicou para sempre. Parece excessivo comprometer eternamente a retórica, embora ainda seja difícil retirar o verniz pejorativo que o termo ganhou, sobretudo por causa dessa maneira um tanto sofística da qual alguns se utilizam para compor discursos. Contudo, houve certa modificação do conceito de retórica proposto por Isócrates, homem ateniense que viveu entre 436 e 338 a.C. Não é possível afirmar que este professor de eloquência rompeu completamente com o modelo anterior, pois foi discípulo de 9 REBOUL (2004: 9). 22 Górgias, mas, por intermédio dele, é possível observar uma tentativa de reavaliação da utilidade desta técnica. Do ponto de vista estilístico, Isócrates divergiu bastante de seu mestre. Optou pela simetria e pelo equilíbrio artístico, tornando as frases de seus discursos mais suaves e elegantes. O filósofo criou um estilo mais claro e de fácil compreensão para toda a audiência. Na opinião de Reboul (2004: 11), apesar de, como Górgias, querer uma prosa literária, despreza a grandiloquência e cria uma prosa que se distingue completamente da poesia: sóbria, clara, precisa, isenta de termos raros, de neologismos de metáforas brilhantes, de ritmos marcados, mas sutilmente bela e profundamente harmoniosa. Sem ser poética, tem um ritmo que se deve ao equilíbrio do período e à cláusula que a fecha; é eufônica, evitando repetições desgraciosas de sílabas e hiatos. Isócrates iniciou sua tentativa de revalorizar a retórica conferindo ao lo/gov status de grande importância: o elemento que distingue o homem dos outros animais. Para ele, é o verdadeiro protagonista de todo progresso em qualquer âmbito da sociedade, seja nas leis, nas artes ou nos inventos mecânicos. O lo/gov é responsável pela promoção da justiça, pela expressão da glória e também pelo ganho cultural de uma civilização. Isto é, a sociedade deve tudo o que logrou ser à fala. Assim, Isócrates conclui um fato político que será o mote demostênico visando à defesa do território no século seguinte: “os gregos, povo da palavra, formam na verdade uma única nação, não pela raça, mas pela língua e cultura. Devem renunciar, portanto, às guerras fratricidas e unir-se.”10 Vislumbra-se aqui uma espécie de projeto nacionalista. O filósofo continuou divergindo de seu mestre na maneira de ensinar à juventude. Em vez das fórmulas prontas, da lisonja e dos lugares comuns que todo aluno da sofística aprendia, esse mestre de retórica preferia recorrer à reflexão do discípulo, fazendo com que estes, posteriormente, pudessem escrever os próprios discursos. Contrariou também o slogan sofístico de “sucesso em qualquer situação persuasiva”, defendendo que o ensino não era capaz de operar milagres. Ao contrário, a eficácia de suas lições dependia também do aluno, pois, em sua opinião, nem todos os alunos estavam aptos a ser oradores. Acreditava que um bom orador carecia de três quesitos: aptidões naturais para tal, prática constante dos exercícios oratórios e o ensino sistemático da arte discursiva. Ainda assim, 10 REBOUL (2004: 12). 23 a prática e ensino poderiam melhorar um orador, mas estas não seriam capazes de fazêlo. É digno de nota que ele foi, aparentemente, o primeiro mestre de eloquência preocupado com a composição de discursos que aliassem a forma ao conteúdo. Abandonando a grandiloquência dos sofistas, uma característica que distancia o grande público por ser muito pomposo, conseguiu elaborar discursos interessantes aos olhos da população, porque explorava temas do conhecimento em uma linguagem compreendida por todos. Sua preocupação parece ter sido com o bem comum. Diverge dos sofistas porque, ao desenvolver sua retórica, conciliando forma e conteúdo, visando ao bem da sociedade grega em sua totalidade, estabelece como fim da mesma a obtenção da felicidade. Entretanto, embora Isócrates tenha feito enorme esforço para desvincular a retórica da sofística, não ficou isento de críticas. Platão duvidou da capacidade do mestre de retórica em reformular a referida técnica. Esta deveria servir à sociedade, no entender de Isócrates, mais precisamente, aos assuntos políticos. Platão combateu as concepções isocráticas, afirmando que aquele ignorou a moral e a verdadeira política. A discussão central desses filósofos visava à defesa de ideias totalmente opostas, ainda que ambos pensassem a retórica. De um lado, para Isócrates, a filosofia apresentava tanta utilidade quanto a técnica erística desenvolvida anteriormente pelos sofistas; de outro, Platão não admitia a sujeição da filosofia à retórica, tanto que, em sua obra Fedro, pôs como personagens o sofista Górgias a debater com Sócrates, seu mestre, acerca da retórica sofística com o intuito de refutá-la totalmente. Por meio do esquema de refutação socrática, aproximou a retórica de um conhecimento como qualquer outro, subordinandoa a uma instância maior: a filosofia. É com Aristóteles que a retórica será repensada e modificada para ganhar verdadeiros ares de técnica complexa, com mais profundidade conceitual, embora perca parte do estilo que lhe conferiu a sofística de Górgias e de Protágoras. Observou-se que estes dois foram os responsáveis pelo fato de a retórica ser considerada uma arte voltada unicamente para a persuasão a qualquer custo, sem preocupações ideológicas, numa tentativa de aprimoramento da técnica formulada pelo siracusano Córax. Enfatizaram a dimensão formal do discurso, voltando-se para o aprimoramento da expressão por si só. 24 Já Isócrates, divergiu de seu mestre por acreditar que o foco na dimensão oral da retórica era insuficiente, não apresentava profundidade. Para ele, era necessário encontrar utilidade maior para esse conhecimento. Por isso, transformou a retórica no instrumento educacional por excelência e alçou-a ao posto de facilitadora de uma boa vida na sociedade. Isto é, aquele que soubesse discursar bem, demonstrando bom nível de educação política, era bem visto pelos demais na cidade. Porém, por focar unicamente na racionalidade prático-retórica, foi duramente criticado por Platão, que via na retórica ensinada por seus predecessores uma mera prática, comparável a qualquer outra. O ateniense acreditava que a retórica deveria ser dialética, abandonando a discussão de verossimilitude e praticidade empreendida pelos sofistas e por Isócrates. O discípulo de Sócrates defendeu uma retórica com base na filosofia, isto é, epistêmica. Julga-se oportuno apresentar, a seguir, Aristóteles, o filósofo que tentará juntar todas as informações e conceitos de retórica anteriores ao seu nascimento, a fim de, tendoas depurado bem, formular um manual mais completo sobre a arte de falar, visando à persuasão, considerando-se cada caso da sociedade onde ela é possível. 2.2 – Aristóteles e sua Arte Retórica 2.2.1 – O filósofo de Estagira De acordo com biógrafos, entre os quais se encontra Barnes11, Aristóteles nasceu em Estagira, cidade situada no norte da Grécia, no ano de 384 a.C, quinze anos após a morte de Sócrates. Nicômaco, seu pai, era amigo e médico de Amintas, rei da Macedônia. Mudou-se para Atenas em 367 a.C., onde se tornou membro do círculo intelectual liderado por Platão, figura bastante célebre, cuja Academia 12 atraía filósofos e cientistas de outras partes do mundo. Por lá, fixou-se por aproximadamente 20 anos, sempre ligado à vida na Academia de Platão, participando de debates filosóficos, escrevendo e, eventualmente, ensinando. 11 BARNES (1995: 3 - 6). Centro de ensino fundado por Platão por volta de 387 a.C. Ainda que o conhecimento seja fragmentário, supõe-se que privilegiava um método de ensino baseado em discussões e seminários. Os estudos fundamentais eram a matemática e a dialética (cf. Blackburn 1997: 4). 12 25 Após a morte do discípulo de Sócrates, deixou Atenas em 347 a.C. Embora não haja certeza sobre suas razões para tal, acredita-se que alguma fundamentação política o tenha feito tomar esta decisão, pois nesse mesmo ano a cidade grega de Olinto caiu sob o poderio do rei macedônico Filipe II, e o partido antimacedônico em Atenas estava em ascensão. O fato de Aristóteles, embora grego, não ser ateniense e de sua família ter conexões com a realeza macedônica poderia tê-lo colocado em situação delicada diante da resistência em ascensão. Assim, tendo saído de Atenas, passa algum tempo vivendo na costa da Ásia Menor, onde um antigo amigo de Academia, “tirano”13 da localidade, lhe fornece sustento. Em 343 a.C., aceita o convite de Filipe II para integrar sua corte como o preceptor de seu filho Alexandre, o mesmo que viria a se tornar futuramente “o Grande”. Sobre o período como educador de Alexandre não há registro nem consenso acerca da influência aristotélica na carreira régio-militar do filho de Filipe II. De um lado, Barnes (1995) afirma, embora não fundamente sua assertiva, que não é possível perceber influência alguma de Aristóteles sobre a educação do general-monarca; de outro, o militar francês Charles de Gaulle apud Reboul (2004: 21), em seu texto de 1934 intitulado Vers l’armée de métier, afirma: O poder do espírito implica uma diversidade que nunca se encontra unicamente na prática da atividade profissional, do mesmo modo como não nos divertimos apenas em família. A verdadeira escola do comando está na cultura geral. Por meio dela, o pensamento é posto em condições de exercer-se, com ordem, de distinguir o essencial do acessório nas coisas, de perceber os prolongamentos e interferências, em suma, de elevar-se a um nível em que o conjunto aparece sem o prejuízo dos matizes. Não há ilustre capitão que nunca tenha tido gosto nem sentimento pelo patrimônio do espírito humano. Por trás das vitórias de Alexandre, encontramos sempre Aristóteles. (DE GAULLE, Charles. Vers l’armée de métier, 1934). Em 335 a.C., o estagirita retorna a Atenas, mas não à Academia de seu antigo mestre, agora sob nova direção. Fundou sua própria escola de filosofia perto do templo e do ginásio dedicados à honra de Apolo Lício, de onde tirou o nome de seu instituto: o Liceu. 13 Termo de origem grega que, apesar de designar o governo exercido por pessoa que a ele não tinha direito, não possuía, originariamente, nenhum sentido pejorativo. Eventualmente, o termo tirano era equivalente – e mesmo sinônimo – de basileu&v. De modo geral, tirano é o homem que exerce o poder pessoal sem legitimidade. Os antigos tinham sobre a tirania um julgamento permanentemente desfavorável, o que fez com que, paulatinamente, a palavra viesse a assumir caráter depreciativo. Cf. Azevedo (2012: 437). 26 Após a morte de Alexandre, no ano de 323 a.C., Aristóteles deixa Atenas pela última vez, possivelmente pelas mesmas razões políticas que teriam motivado sua primeira retirada. Suas relações com a realeza macedônica tinham-se intensificado bastante desde 343 a.C. e, a partir da morte do rei, o espírito antimacedônico também crescera, tornando uma prolongação na cidade um risco à sua vida e à filosofia. Retirou-se então para a península de Cálcis, na Eubeia, e morreu no decorrer de aproximadamente um ano neste lugar. 2.2.2 – A Arte Retórica Conforme fora dito, Aristóteles juntou todas as informações acerca da técnica retórica existente, de Córax a Platão, considerando cada aspecto levantado pelos filósofos anteriores, avaliando a relevância em cada um dos movimentos e argumentações precedentes, para formular uma técnica repensada, talvez, mais eficaz, porque visou à correção e à ampliação da técnica daqueles. Porém, antes de prosseguir nessa análise, é necessário esclarecer que não se tem como objetivo nesse estudo fazer resumo da obra aristotélica. Pretende-se apontar o que for necessário para a máxima compreensão possível do tema em discussão no momento oportuno para cada informação, pois, assim como se observa na concepção retórica, os argumentos devem convir ao assunto. Aristóteles inicia sua obra com a significativa afirmação de que “a Retórica não deixa de apresentar analogias com a Dialética, pois ambas tratam de questões, que, de algum modo são da competência comum de todos os homens, sem pertencerem ao domínio de uma ciência determinada” 14. É digno de nota que Aristóteles, antes de apresentar qualquer definição mais precisa à técnica que vem propor, anuncia sua utilidade de um modo que assinala a diferença de seu pensamento em relação aos filósofos que o precederam. Talvez porque, em sua opinião, seja mais importante, em um primeiro momento, demonstrar a que se 14 ARISTÓTELES, Arte Retórica, 1354a. 27 presta sua teoria, para que, posteriormente, possa discorrer livremente sobre o modo de utilizá-la. Para ele, a Retórica é útil porque, naturalmente, a verdade e a justiça são mais dignas do que as noções contrárias. Afirma também que é necessário saber persuadir sobre as coisas contrárias à proposição, porém é cuidadoso, ao apontar que não se deve lançar-se às causas desonestas, isto é, não se deve aconselhar uma boa ou má ação indiferentemente, nem persuadir o que é imoral. Esta postura tem por objetivo tornar alguém capaz de antever os argumentos do adversário, a fim de refutá-lo em sua argumentação. Sua preocupação com esse esclarecimento, aparentemente, é a de não ser considerado um sofista, que aconselha sem o compromisso com a verdade ou a moral, porque a palavra, com seu poder ambíguo, é capaz de provocar danos terríveis, se utilizada com desonestidade. Observa-se, ainda, que, se um homem não pode defenderse, usando de sua força física, é vergonhoso que não possa fazê-lo por meio da palavra, ou seja, do discurso. Assim, fica evidente a divergência de posicionamento de Aristóteles em relação aos sofistas, pois o estudo do discurso para estes visava à dominação do adversário por meio da habilidade discursiva. O estagirita, ao contrário, aprofunda o pensamento acerca da retórica, transformando-a, em primeira instância, no mecanismo de defesa por excelência, sem prejuízo à justiça e à verdade. Tais argumentos preliminares corroboram a afirmação de que “a Retórica não se enquadra num gênero particular e definido, mas que se assemelha à Dialética” 15. Essa teorização, um pouco mais elaborada, é retomada no segundo capítulo da Arte Retórica como a própria definição da técnica. O preceptor de Alexandre revaloriza a retórica, porque a apresenta relativizada; segundo sua análise, a retórica não pode ser responsável pela persuasão pura e simplesmente. Considera-se, portanto, que a retórica deve ser capaz de investigar a possibilidade de persuasão em cada caso, pois, assim como a medicina, não é responsável por prover saúde ao doente, mas somente de guiá-lo o máximo possível na intenção de cura. Entende-se que, no caso da retórica, o homem hábil nesta técnica não deve ter como objetivo a vitória sob qualquer circunstância. O bom orador não é o que 15 Idem, ibidem, 1354b. 28 promete a persuasão por meio de seus argumentos, mas o que tenta enxergar todos os meios de persuadir em cada questão que se lhe apresente. Aristóteles, com sua modesta definição de retórica, ao contrário dos seus predecessores sofistas e do filósofo Platão, confere à mesma mais eficácia e plausibilidade. Para os siracusanos, essa técnica é o que existe de mais importante na sociedade, pois, pelo uso indiscriminado do discurso, é possível conquistar qualquer tipo de audiência. O ateniense, por sua vez, em resposta aos sofistas, afirma que a retórica não tem valor de ciência, porque, além de ser uma habilidade como outra qualquer, tal qual a culinária, não tem compromisso com a verdade. O conceito aristotélico foi ampliado e detalhado por Reboul, em uma tentativa de explicar melhor a técnica. Na opinião do teórico francês (2004: 27), a retórica: é a arte de defender-se argumentando em situações nas quais a demonstração não é possível, e o que a obriga a passar por “noções comuns”, que não são opiniões vulgares, mas aquilo que cada um pode encontrar por seu bom senso, em domínios nos quais nada seria menos científico do que exigir respostas científicas. Numa palavra, Aristóteles salva a retórica, colocando-a em seu verdadeiro lugar, atribuindo-lhe um papel modesto, mas indispensável num mundo de incertezas e de conflitos. É a arte de encontrar tudo o que um caso contém de persuasivo, sempre que não houver outro recurso senão o debate contraditório. É este chamado “debate contraditório” que aproxima a Retórica da Dialética, porém, para entender melhor a relação entre estas, anunciada pelo filósofo de Estagira em sua parte inicial da Arte Retórica, é preciso investigar minimamente a que se refere esta “antístrofe da Retórica”, oriunda da erística. Etimologicamente, o termo dialética 16 provém de diale/gomai, que Chantraine (1974: 625) expõe da seguinte forma: “(...) entre os compostos de le&gw com o sentido de “dizer” o mais notável é diale&gomai, “conversar, dialogar, praticar a dialética” 17. A 16 Fundamentalmente, o processo de raciocínio que leva à obtenção da verdade e do conhecimento acerca de qualquer assunto. Dos diferentes pontos de vista sobre esse processo surgem diferentes concepções de dialética. No método socrático, a dialética é o processo de descoberta da verdade por meio de perguntas feitas com o objetivo de explicitar aquilo que já é implicitamente sabido, ou então para expor as contradições e as dificuldades da posição adotada por um oponente. Nos diálogos platônicos do segundo período, porém, a dialética torna-se a totalidade do processo de iluminação, pelo qual o filósofo é educado de modo a atingir o conhecimento do bem supremo, a forma do bem. Para Aristóteles, a dialética é qualquer interferência racional baseada em premissas prováveis (...). Cf. Azevedo 2012: 100. 17 (...) parmi les composés de le&gw au sens de « dire » le plus remarquable est diale&gomai « converser, dialoguer, pratiquer la dialectique ». 29 preposição dia& que compõe prefixalmente o verbo é a responsável pelo sentido de “comversar, dia-logar”, pois se observa, em Bailly (2000: 462), “dia& (...) 4|| um com o outro, um contra o outro (v. diale&gomai, diagwni&zomai) ||”18 (...). Na prática, trata-se, inicialmente, de um duelo verbal, no qual uma determinada tese é sustentada, a todo custo, por um indivíduo e o seu oponente, e, pela natureza do debate, ataca tal formulação com todos os argumentos que conseguir encontrar para fazêlo. O vitorioso é aquele que for capaz de silenciar o oponente, contradito em sua argumentação. Há certa crítica à dialética, porque ela, assim como a sofística, pode colocar-se a serviço também daquilo que não é verdadeiro, já que trata do que é subjetivo. Tal crítica perde força com a investigação das origens da dialética, pois, segundo a tradição, assim como as disputas esportivas, esta técnica surgiu como uma espécie de jogo, tal como foi mencionado acima, no qual importa, unicamente, a vitória. A aproximação feita com a sofística é pertinente, e a própria matéria da dialética conduz o raciocínio até este ponto: o provável ou e1ndocon, isto é, o que é “admitido por todos, ou pela maioria, ou pelos sábios e, entre estes últimos, pelos mais notáveis e pelos mais ilustres”. 19 Desta forma, é correto afirmar que a dialética renuncia à verdade, quando passa a aceitar a opinião consensual. O termo apresenta duas possibilidades complementares entre si de compreensão. Em primeiro lugar, compreende-se o provável como algo ainda não verificado ou que não pode ser. Em segundo lugar, entende-se o termo como algo além do que é meramente verificável: é necessário que seja plausível, fator que o torna passível de gerar persuasão. A presente exposição da dialética, embora breve, parece satisfatória para relacioná-la, por fim, à retórica. As duas técnicas foram vinculadas uma à outra desde o início da Arte Retórica, porém, é preciso tentar compreender a intenção do filósofo de Estagira com essa afirmação. Sabe-se que Platão subordinou a retórica à dialética em Fedro20, pois via na segunda o método filosófico por excelência. Aristóteles reavaliou a afirmação platônica, separando as duas em atividades distintas, mas complementares. Há dia& (...) 4|| l’um avec l’autre, l’um contre l’autre (v. diale&gomai, diagwni&zomai) ||”. ARISTÓTELES, Tópicos, I, 1, 100b apud Rohden (2010: 104). 20 Fedro é preeminente entre os diálogos de Platão por sua variedade de conteúdos e estilo, por sua riqueza na descrição imaginativa e o humor leve em sua conversação. O tema principal do diálogo é a retórica, a arte de falar, um assunto que constituiu uma parte importante da instrução oral e escrita dos sofistas (cf. Plato 1914: 407). 18 19 30 algumas opiniões que corroboram a reavaliação aristotélica, das quais se pode citar, por exemplo, Thurot apud Rohden (2010: 113) que acredita no uso cotidiano de ambas as atividades. Para fundamentar sua opinião, aponta que “sempre que atacamos ou defendemos uma opinião, fazemos dialética; sempre que acusamos ou nos defendemos e sempre que damos um conselho, que censuramos ou louvamos, fazemos retórica”. Reboul (2004: 35) lista cinco características comuns às duas atividades, das quais se julga necessário citar três: Primeiramente, a retórica e a dialética são capazes tanto de provar uma tese quanto o seu contrário; o que não significa que as duas teses sejam necessariamente equivalentes, pois então se cairia na sofística; quer dizer que se pode argumentar mesmo em favor de uma tese fraca (...) Em terceiro lugar, ainda que ambas sejam praticadas por hábito ou mesmo por acaso, podem também ser ensinadas metodicamente, e são nesse caso “técnicas”. Em quarto lugar, ao contrário da sofística, ambas são capazes de fazer a distinção entre o verdadeiro e o aparente: a dialética, entre o verdadeiro silogismo e o sofisma; a retórica, entre o realmente persuasivo e o logro. É possível observar, com base nas informações fornecidas acima, a estreita relação entre Retórica e Dialética que pretendeu Aristóteles, de modo que, se torna necessário prosseguir com a investigação de sua Arte Retórica. 2.3 – O gênero deliberativo As origens da retórica foram objeto de análise no início deste capítulo, no qual se observou que a atividade oratória, tão plural, está presente nas diversas sociedades helênicas desde os poemas homéricos, considerados como os primeiros registros literários do ocidente. A revisão da história “recente” da retórica não dá conta, porém, das subdivisões a que a submeteu o filósofo Aristóteles, no século IV a.C. Note-se, primeiramente, que as considerações tecidas pelo filósofo são o resultado de uma análise teórica dos tipos oratórios – já que antes de sua obra não há documentação de nomenclatura “gêneros retóricos” – e também da observação do ofício dos oradores de seu período. É digno de nota que ele discorreu sobre três tipos de gênero diversos na Arte Retórica, a saber: o judiciário, o epidítico e o deliberativo, cada qual com seus meios e 31 finalidades igualmente distintos. Contudo, as especificidades dos gêneros judiciário e epidítico não serão apresentadas nessa dissertação, porque o objeto de estudo em questão apresenta um forte caráter deliberativo, evidenciando, assim, sua ligação com o gênero homônimo, tal como será discutido em momento oportuno. Dessa forma, julga-se satisfatório apontar unicamente que o gênero judiciário está vinculado a assuntos aos quais se podem atribuir, em tribunais, a culpabilidade e o seu oposto a um indivíduo ou a um grupo; o gênero epidítico vincula-se ao louvor ou à censura ao caráter (ou feitos) de um indivíduo ou de um grupo. Seus exemplos mais claros e diretos são os discursos voltados para o tribunal, no caso do gênero judiciário, e as orações fúnebres, no caso do gênero epidítico. O gênero deliberativo, pela natureza do próprio vocábulo, vincula-se ao ato de aconselhar ou desaconselhar, tanto em uma questão particular, quanto em um debate diante do povo sobre questões de interesse público. De acordo com a visão aristotélica, o discurso deliberativo refere-se ao futuro, já que a deliberação visa a determinar o que será vantajoso ou prejudicial no porvir. Cumpre ressaltar que, em certos casos, para se alcançar a finalidade a que se presta o deliberativo, isto é, a determinação de vantagem ou prejuízo, o orador utiliza os meios de outros gêneros discursivos. A essa definição do gênero deliberativo pode-se adicionar outra, proposta por Lausberg (1972: 84), porque completa as observações aristotélicas sobre o assunto: O gênero deliberativo (sumbouleutiko\n ge/nov, genus deliberativum), com as funções de aconselhar e de desaconselhar, tem, como caso paradigmático, o discurso do representante de um partido político diante da assembleia popular. A situação é caracterizada pela escolha que vai ser decidida, nesse ato processual, de acordo com o direito, pela assembleia do povo, árbitro da situação, escolha que se faz entre várias possibilidades respeitantes a futuras ações políticas (p. ex., no que diz respeito a uma declaração de guerra contra um estado vizinho). Aristóteles afirma que não há deliberação no tocante a todo e qualquer assunto, mas somente em relação ao que é possível, pois não há meios de aconselhar ou desaconselhar no que concerne ao impossível. Delibera-se sobre o que se refere às pessoas e sobre ao que está em poder dos homens, de modo que se chega à conclusão de que a deliberação ocorre somente quando o assunto a ser considerado pode estar sob o domínio dos homens, isto é, quando a decisão a que se pode chegar advém do consenso entre os homens. 32 Segundo Stephen Usher (2007: 228), a retórica deliberativa desenvolveu-se consideravelmente no contexto intelectual do século IV a.C., período em que a prosa clássica grega floresceu. O estudo de temas políticos, presente de forma maciça na sociedade grega do século V a.C. como um exercício da sofística, avançou significativamente no domínio da “arte retórica”. O teórico acrescenta que a política adquiriu mercado, pois homens aspirantes a oradores passaram a estudar em escolas de filosofia política, tal como a de Isócrates, com o intuito de aprender a discursar relevantemente em público sobre temas de cunho político, pois, somente obtendo um desempenho acima da média era possível ingressar na vida pública. Os temas que um aspirante à vida pública deveria conhecer correspondem àqueles que impactam diretamente a sociedade helênica do século IV a.C., constantemente envolvida em guerras fratricidas ou contra inimigos externos. Assim, além de ser necessário estudar os meios convenientes para persuadir o povo a adotar determinada postura, era igualmente necessário saber sobre quais temas deveria incidir tais tentativas de persuasão. Aristóteles os apresenta na Arte Retórica (1359b 20 - 3), como se lê abaixo: (As coisas) sobre as quais todos deliberam e sobre as quais discursam os conselheiros atingem cinco em relação ao número. Estas são: sobre as finanças, sobre guerra e paz, ainda sobre defesa do território, importações e exportações e legislação. Os cinco assuntos listados são de extrema importância para a manutenção da comunidade em tempos conturbados como os enfrentados por Atenas, enfraquecida após sair como a grande derrotada na Guerra do Peloponeso e já sendo assediada pelo poderio da Macedônia, capitaneada por Filipe II. Para empreender um debate acerca de finanças, por exemplo, é importante conhecer previamente os rendimentos da cidade em questão, seu montante e a proveniência. Somente assim é possível ajustar a receita da cidade da forma que melhor convier à comunidade, acrescentando o que for preciso e realizando cortes financeiros onde houver gastos excedentes.21 Além disso, é igualmente relevante consultar a história recente em busca de exemplos dos problemas financeiros que pareçam ter solução mais 21 Observa-se, nesta proposta do filósofo, um silogismo perfeito. De acordo com Rohden (2010: 101), um silogismo perfeito é aquele que não requer mais do que o que está compreendido nele, para que a necessidade da conclusão seja evidente. Isto é, neste caso, a conclusão é lógica e evidente: se houver necessidade de acréscimo às finanças, isto ocorrerá. 33 complexa, pois diferentes comunidades encontram alternativas diversas para impedir a escassez ou esgotamento de recursos. A exposição do tópico guerra e paz é bastante clara. Aqui, o estagirita é taxativo: deve-se conhecer o poderio da cidade, a situação atual dos exércitos e as condições de melhora que se pode atingir. É necessário informar-se – e também ao público – de quais guerras a cidade participou recentemente e a maneira como combateu. É igualmente importante conhecer a situação das cidades vizinhas e investigar as probabilidades de conflito com as mesmas para que se possa permanecer em paz com as mais fortes e escolher o momento oportuno de atacar as mais fracas. O último argumento apresentado quanto aos assuntos de guerra e paz é sobre a necessidade de conhecer, além das guerras promovidas pela própria cidade, também aquelas em que outras cidades se envolveram e o desfecho delas, pois circunstâncias semelhantes podem conduzir a resultados semelhantes. Quanto à defesa do território, Aristóteles afirma que é importante conhecer o lugar que se pretende defender. Desse modo, é possível saber a quantidade e os tipos de fortificação existentes na cidade. A administração das fortificações deve ser eficiente para que se possa reforçá-la, se for ineficiente, ou diminuí-la, se for considerada excessiva. Mais importante, de acordo com Aristóteles, é saber avaliar quais são os pontos estratégicos mais fortes na localidade para que sejam conservados a qualquer custo. Observa-se que a preocupação expressa no tópico importações e exportações refere-se, principalmente, ao estoque alimentício que a cidade tem em seu poder. Em primeiro lugar, deve-se conhecer a quantia suficiente para suprir as necessidades da comunidade, informando-se, a seguir, sobre a proveniência dos produtos, para que, sabendo quais são os produtos nacionais e sua quantidade, se possa exportar o excedente e importar dos vizinhos os recursos que forem indispensáveis à comunidade. Sobre o tópico legislação, observa-se a importância de se conhecer as formas vigentes de governo, seu funcionamento interno e a vantagem na adoção de um determinado modelo, pois uma cidade que apresenta um tipo de governo inadequado, considerando-se os componentes da sociedade, é considerada fraca e suscetível à ruína. Assim, cabe ao bom orador, não apenas entender o funcionamento interno de cada legislação, mas também analisar para que tipo de audiência se dirige, a fim de apresentar as melhores considerações e propostas. 34 A exposição dos temas correntes nas deliberações visa a demonstrar o que Aristóteles compreendia como o alvo de todos os homens: a felicidade. O filósofo explica que todos os discursos que visam a aconselhar ou desaconselhar giram em torno da felicidade, porque ela é o bem supremo que todos desejam obter. Estes são os temas que um orador deveria conhecer para estar apto a discursar diante de sua audiência. Era necessário, em primeiro lugar, aprender as matérias de deliberação para que, servindo-se delas, buscasse os meios mais propícios de influir no ânimo da audiência. 35 3. DEMÓSTENES E A PRIMEIRA FILÍPICA 3.1 – Demóstenes: o caminho até a tribuna Demóstenes nasceu em 384 a.C, vinte anos após a estrondosa derrota de Atenas na Guerra do Peloponeso. Era filho homônimo de um cidadão do demo 22 da Peânia. No tempo de seu pai, a família vivia em boas condições e possuía propriedades na cidade, pois este havia enriquecido no ramo da fabricação de utensílios em liga metálica e armas. Infelizmente, quando seu pai morreu, a família caiu em desgraça. Toda a fortuna, cerca de 14 talentos, destinada a manter o pequeno Demóstenes, sua mãe e irmã foi dilapidada por seus tutores, responsáveis, por meio de disposição testamentária, por zelar pela família. Áfobo, parente de Demóstenes graças a um casamento e o mais conhecido de seus três tutores, apropriou-se do dinheiro e não cuidou da família, tal como sua função determinava. Demóstenes contava cerca de sete anos. Alguns anos depois, foi admitido em outro demo por meio da influência de Filodemo, um soldado da localidade, provavelmente um parente distante de Demóstenes para agir desta forma23. Não há muitas informações sobre este período junto de Filodemo. Ao atingir a maioridade24, começou a estudar direito judiciário e arte oratória com Iseu, um logógrafo de sua região, considerado autoridade em casos de herança, a fim de, com o intuito de reaver ao menos parte da fortuna familiar, estar à altura de enfrentar seu extutor em juízo, em 363 a.C. Após três anos de processo, saiu vencedor, porém não obteve os 14 talentos requeridos, recebendo aproximadamente 70 minas, pouco mais de 1 talento. Apesar de seu aparente insucesso nos tribunais, conseguiu durante o tempo de processo construir certa reputação, decidindo, assim, seguir a carreira de logógrafo. A profissão escolhida por Demóstenes, a depender do talento do profissional, poderia ser bastante rentável, 22 Povo, população dos países da Hélade, isto é, a divisão que a Grécia fazia de seus povoados. E. BADIAN (2000: 14). 24 Hansen (1999: 88) afirma que um cidadão ateniense atingia a maioridade ao completar 18 anos de idade. Então, era registrado e admitido como parte do demo. No século IV a.C., seus direitos políticos, porém, só eram válidos após completar 20 anos de idade. 23 pois tornou possível que Demóstenes fosse trierarca25, obrigação imposta pelo Estado aos cidadãos mais ricos. Demóstenes, por causa de sua profissão, dedicava boa parte de sua energia aos tribunais, como é possível comprovar por meio de sua atividade literária – redigiu muitos discursos judiciários26 entre 363 e 354 a.C., por vezes sendo o orador a apresentá-los também – e, tendo nascido em um período conturbado da história grega, testemunhou a tentativa ateniense de recuperação após a guerra contra a Liga do Peloponeso, além das inúmeras incursões macedônicas no território grego. O assédio a Atenas capitaneado por Filipe II, rei da Macedônia, foi o que consolidou a projeção que Demóstenes já havia alcançado como orador judiciário. O monarca tinha desejos expansionistas e organizava campanhas militares com o intuito de conquistar as cidadelas gregas aliadas à enfraquecida Atenas, antiga líder da Liga de Delos. Quando a colônia ateniense Anfípolis foi capturada por Filipe II, Demóstenes passou a dedicar-se mais à política pública, aproximando-se da retórica deliberativa, ainda que não tivesse abandonado sua carreira como logógrafo. O ateniense observou os sucessivos golpes desferidos por Filipe II contra o norte do território grego, as tentativas de imiscuir-se em assuntos religiosos dos gregos27 e as frequentes quebras de acordos de paz com Atenas. O pai de Alexandre, o Grande, conseguiu capturar Pidna, Potideia e, em 354 a.C., Métone, o último território que os atenienses possuíam ao norte. Após o envolvimento em guerras fratricidas e em conflitos bélicos com a Macedônia, Atenas tornou-se ainda mais fraca do que anteriormente, possibilitando maiores avanços do rei, cujo desejo de expansão parecia incontrolável. Então, quando esse decidiu rumar em direção à Ática, Demóstenes encarou a tribuna pela primeira vez para fazer um pronunciamento contra Filipe. 25 A trierarquia era a mais importante e mais cara das liturgias atenienses. Consistia em equipar uma nau de guerra e financiar todos os seus gastos de tripulação, manutenção etc. por um ano. Os trierarcas eram escolhidos anualmente, pelos estrategos em exercício, dentre os atenienses mais ricos. Eram também encarregados do comando do navio (cf. Mossé: 2004: 278 - 9). Para informações sobre a legislação que regia a trierarquia, consultar Arnaoutoglou 2003: 147 - 9. 26 Alguns exemplos são Contra Áfobo 1, 2 e 3; Contra Onetor 1 e 2; Contra Timócrates; Contra Andrócio etc (cf. Saramanch 1969: 9 - 59). 27 Santos (2010: 11) afirma que Filipe II, considerado um bárbaro pelos atenienses, participou ao lado dos tessálios na Terceira Guerra Sagrada, conflito iniciado em 355 a.C. e terminado em 346 a.C., com a Paz de Filócrates (cf. Santos 2010: 21), que opôs Atenas, Esparta, Fócida e Feras à Liga Anfictiônica, composta pelas cidades de Tebas, Beócia e Tessália. 37 De 351 até a morte do rei, em 336, Demóstenes utilizou suas habilidades retórica e diplomática para fins de persuasão, porque acreditava que Filipe era uma ameaça real à liberdade na Grécia em geral e particularmente em Atenas e, portanto, deveria ser combatido. Dessa forma, é possível perceber que Demóstenes entrou de fato para a vida política a partir do momento em que passou a participar ativamentee da Assembléia. As Filípicas são exemplos claros das tentativas demostênicas de alertar os atenienses do perigo chamado Filipe II. Em sua Primeira Filípica, um dos discursos que denunciam na assembleia os atos do macedônico, Demóstenes propõe um novo modelo de disposição e financiamento das forças armadas atenienses, evidenciando a necessidade da preparação bélica contra o rei macedônico. A sugestão do orador é que os atenienses tenham uma armada pronta para reagir contra as investidas de Filipe, caso o rei decida avançar em direção à cidade. Paralelamente, defende que a cidade deveria preparar uma expedição que pudesse lhe causar problemas ao norte, mais perto do próprio território, ficando, assim, ocupado tempo suficiente para que a estratégia para uma possível guerra contra a Macedônia fosse mais bem delineada. De maneira geral, na peça retórica, o orador objetiva convencer seus concidadãos da iminência do conflito bélico, por causa das recentes notícias da conduta traiçoeira do pai de Alexandre. Demóstenes visa a tornar evidente para sua audiência que há possibilidades reais de vitória, desde que os atenienses decidam engajar-se verdadeiramente na batalha pelo que é legítimo: a própria liberdade. Ryder (2000: 45) argumenta que a causa política mais significativa à qual o orador se dedicou foi o combate ao rei. 3.2 – Primeira Filípica [1] Se tivesse sido proposto falar sobre algum assunto novo, atenienses, teria esperado até que a maior parte dos habituais tivesse expressado a sua opinião, e se alguma das coisas ditas por estes satisfizesse a mim, ficaria em silêncio, mas se não, tentaria eu mesmo falar das coisas que conheço. Tendo-se em vista, porém, que muitas vezes eles falaram inicialmente sobre coisas que ainda convém discutir, julgo, com razão, que obteria vossas desculpas por ter-me levantado primeiro. De fato, se desde o tempo passado, eles tivessem deliberado sobre as coisas necessárias, não seria preciso vós deliberardes nada agora. 38 [2] Primeiramente, não se deve esmorecer, atenienses, em relação às ações presentes, ainda que pareça estar tudo arruinado. De fato, o que é pior desde o tempo passado é o melhor em relação aos eventos futuros. O que, então, é isto? Como nada, atenienses, das coisas necessárias vós nada fazeis, as ações vão mal. Certamente, se todas as coisas que vos convém fazer estivessem em ordem, não haveria esperança alguma de tornar as coisas melhores. [3] Em seguida, deve-se considerar também que uns ouviram de outros e há os que sabem e lembram quanto poder os lacedemônios possuíam certa vez, há não muito tempo. Ainda assim, vós agistes bela e convenientemente, em nada indignos da cidade, vos encarregastes da batalha contra eles por coisas justas. Falo estas coisas por quê? Para que saibais, atenienses, e vejais que nada é temível quando vós vigiais, mas, se negligenciardes, tal como desejaríeis, nada aconteceria. Deveis servir-vos dos exemplos dos lacedemônios, cuja antiga força vós dominastes por pensar em vossas ações, e da insolência deste agora, que nos desordena por não considerarmos as coisas que eram necessárias. [4] Se algum de vós, atenienses, supõe que Filipe é difícil de guerrear, examinando a extensão de seu poder e a nossa perda de todos os postos de controle na cidade, supõe corretamente. Contudo, considere que possuíamos, certa vez, atenienses, Pidna, Potideia, Métone e todo o terreno circundante, e muitas das tribos que agora estão com ele, enquanto independentes, preferiam-nos a ele. [5] Se Filipe tivesse compreendido àquela vez que é difícil guerrear contra os atenienses enquanto eles possuírem tantos fortes no seu território, estando ele sem aliados, nada do que já fez teria alcançado, nem teria atingido tamanha força. Ele viu perfeitamente, porém, atenienses, que todos os postos de controle são prêmios da guerra deixados para livre disputa e, naturalmente, pertencem aos que estão próximos, quando os donos estão ausentes, e pertencem àqueles que desejam esforçar-se e correr perigos, quando os donos são descuidados. [6] E, de fato, tendo-se utilizado deste conhecimento, conquistou todos e os mantém. Alguns, teria depois de ter conquistado com a guerra; outros, tendo feito amigos e aliados. De fato, todos desejam aliar-se e respeitar os que veem se preparando e desejando fazer o que é preciso. 39 [7] Então, se vós, atenienses, desejardes manifestar agora a vossa opinião, já que, certamente, não antes, cada um de vós, no que é necessário, poderia mostrar-se útil à cidade; e começar a agir prontamente, repelindo toda indecisão para agir: aquele que tem bens, contribuir; aquele em idade propícia, alistando-se; resumindo: se vós quiserdes ser senhores de vós mesmos e cada um cessar de fazer nada, esperando que o vizinho vá fazer tudo em seu lugar, vós recuperareis vossas coisas, se deus quiser, e as coisas perdidas por negligência tereis novamente às mãos e castigareis a ele. [8] Não julgueis, como a um deus, as presentes ações imutáveis para ele. Odeiam-no e invejam-no, atenienses, mesmo entre os que parecem apoiá-lo. E tudo quanto é possível a quaisquer outros homens, é preciso julgar ser possível àqueles que estão com ele. Contudo, todas estas coisas apequenaram-se, não tendo saída, por causa de vossa apatia e indiferença, a qual eu digo ser necessário abandonar já. [9] Vede, pois, atenienses, a extensão da insolência desenfreada deste homem, que não nos dá escolha alguma para agir ou guardar silêncio, mas ameaça e fala, como dizem, palavras arrogantes e não é capaz de manter-se contente com as coisas que conquistou, mas sempre anexa alguma outra coisa ao seu território e cerca-nos por todo lado, enquanto nós hesitamos e ficamos quietos. [10 - 11] Quando, então, atenienses, quando vos ocupareis das coisas que são necessárias? Quando o que vier a acontecer? Quando, por Zeus, haja alguma necessidade! O que se deve pensar agora dos últimos acontecimentos? De fato, eu penso que a maior necessidade, para homens livres, é a vergonha por causa destas ações. Ou desejai, digame, circulando por aí, inquirir entre vós mesmos “diz-se algo de novo?” Haveria algo de mais novo do que um homem macedônio debelando os atenienses e controlando os assuntos dos helenos? “Filipe está morto?” “Não, por Zeus, mas está doente.” E o que isto importa para vós? Pois mesmo se este sofrer alguma coisa, rapidamente vós criareis um segundo Filipe, se pensais em vossas ações desta maneira. De fato, este nada cresceu por seu próprio poder, mas por nossa negligência. [12] Ora, é isto mesmo! Se sofresse alguma coisa e a sorte, que sempre cuida melhor de nós do que nós cuidamos de nós mesmos, terminasse o trabalho, sabei que, estando por perto e concentrando-vos em todas as ações conturbadas, comandaríeis da maneira que desejais. Porém, como estais agora, mesmo havendo oportunidades, não seríeis capazes de tomar Anfípolis, desprovidos de preparativos bélicos e também de convicções. 40 [13] Bem, como é necessário fazer as coisas convenientes e todos desejam agir prontamente, estando vós decididos e persuadidos, cesso de falar. Porém, em relação ao caráter do preparativo bélico que, penso, vos livraria destes fatos, a quantidade, os recursos, os quais são necessários, e outras coisas que me pareceriam as melhores e mais rápidas para estardes preparados, tentarei falar, após ter-vos pedido, atenienses, este grande favor. [14 - 15] Depois de terdes ouvido todas as coisas, julgai. Não apresentai uma opinião préconcebida. Nem se desde o princípio parecer a alguém que sugiro um preparativo bélico inteiramente novo, pense que adio os assuntos. De fato, sobretudo os que estão dizendo “rápido” e “para hoje”, não falam para o que é preciso, pois não teria sido possível prevenir as coisas já acontecidas com a expedição de socorro, porém, poderá manter-se firmemente aquele que apontar que tipo, qual tamanho e a fonte do preparativo pronto, até que, depois de terem sido persuadidos, dissolvamos a guerra ou vençamos os inimigos. Desta forma, não mais nos encontraríamos numa posição ruim no futuro. Pois bem, eu julgo poder falar estas coisas agora, não impedindo se algum outro propuser alguma coisa. A promessa é grande, e a ação fornecerá logo a justificativa. Vós sereis meus juízes. [16] Primeiramente, atenienses, afirmo ser necessário aprontar cinquenta trirremes, então decidir vós mesmos pelo embarque e navegação, se for necessário. Além destas coisas, aconselho o preparo de trirremes próprias para o transporte de cavalos e outros navios suficientes para metade dos cavaleiros. [17] Estas coisas eu julgo ser necessário ter preparadas contra estas súbitas campanhas, provenientes do território dele contra Termópilas, Quersoneso, Olinto e qualquer lugar onde ele desejar. É preciso apresentá-lo à ideia de que vós, saindo da negligência excessiva, como na Eubeia e antes, como dizem, Aliarto e por último, recentemente, nas Termópilas, poderíeis igualmente vos erguer. [18] Ainda assim, mesmo que não fizésseis isto, como eu digo ser necessário, não é de desprezar (a ideia), para que, por causa do medo, sabendo-vos prontos (pois realmente saberá, porque há muitos, de fato muitos entre vós mesmos reportando-lhe mais do que o necessário) fique quieto ou, negligenciando estas coisas, seja pego desprevenido, não havendo ninguém como obstáculo para vós navegardes contra o território dele, se ele der oportunidade. 41 [19] Estas são as coisas que digo ser necessário estarem decididas e que julgo ser conveniente preparar. Além destas, atenienses, digo vos ser necessário preparar para vós uma força que guerreará ininterruptamente e lhe fará mal. Não, na minha opinião, dez mil nem vinte mil estrangeiros, nem destas forças de papel, mas que será a força da cidade, e se vós elevardes a mão para votar um ou vários ou um certo fulano como estratego, irá obedecê-lo e servi-lo. E também recomendo prover alimentação para ela. [20] E que força será esta e qual o tamanho? De que fonte virá a alimentação e como se proporá a executar estas coisas? Eu indicarei, detalhando cada uma destas coisas separadamente. Em relação aos estrangeiros eu falo, e, de modo algum, fazei o que muitas vezes vos prejudicou, considerando tudo ser menor do que o necessário, e elegendo as maiores coisas nos decretos da assembleia, se, quanto à realização nem mesmo as pequenas vós fazeis. Mas, tendo feito e provido para eles as pequenas coisas, acrescentai, se parecer inferior (ao necessário). [21 - 22] Proponho então dois mil soldados ao todo, deles declaro ser necessário que quinhentos sejam atenienses, da idade que vos parecer propícia, servindo por tempo determinado, não muito longo, mas o quanto parecer salutar à sucessão de uns aos outros; ordeno que os outros sejam mercenários. Junto deles duzentos cavaleiros, também deles pelo menos cinquenta atenienses, servindo à mesma maneira que homens da infantaria. Haverá transporte para a cavalaria. O que mais para eles? Dez trirremes rápidas: tendo Filipe uma esquadra, é necessário para vós trirremes rápidas, para que a armada navegue com segurança. De onde virá a alimentação para eles? Eu também falarei e exporei isto, logo que, porque julgo ser suficiente uma força deste porte e os combatentes serem cidadãos, eu explicar. [23] O contingente é assim, atenienses, porque não é possível prover uma força igualável a dele agora, mas é necessário praticar técnicas de pirataria e servir-se deste tipo de guerra antes. Não é preciso que ela seja excessiva (pois não há soldo nem provisão), nem, de todo modo, insignificante. [24] Recomendo que os cidadãos naveguem, porque, certa vez, ouvi dizer que a cidade manteve uma tropa mercenária em Corinto, a qual comandaram Polístrato, Ifícrates, Cábrias e alguns outros, e vós mesmos combatestes. E sei, ouvindo dizer, que se pondo lado a lado para combater os lacedemônios convosco, estrangeiros venceram e vós com eles. Mas, a partir do momento em que as tropas mercenárias por si próprias dirigem a 42 expedição para vós, vencem os amigos e os aliados, e os inimigos tornam-se maiores do que o necessário. E, após terem lançado ligeiramente o olhar para a guerra da cidade, preferem partir para junto de Artábazo e outro lugar qualquer. E o general as segue, com todo o direito, pois não há comando, quando não se paga o soldo. [25] O que, então, eu recomendo? Retirar as desculpas do general e também dos soldados, depois de prover o soldo e estabelecer soldados citadinos como supervisores dos combatentes. Até agora é matéria de riso como tratamos nossos assuntos. E se alguém vos perguntasse “estais em paz, atenienses?”, responderíeis “por Zeus, não! Nós estamos guerreando contra Filipe.” [26] Não erguíeis a mão para eleger entre vós mesmos dez taxiarcos, generais, filarcos e ainda dois hiparcos? O que, então, fazem estes? Exceto um homem, que vós despachastes para a guerra, os restantes conduzem vossas procissões junto dos sacerdotes. De fato, como os que moldam as figurinhas de argila, vós elegeis para a ágora os taxiarcos e filarcos, não para a guerra. [27] Não era necessário, atenienses, haver de vossa parte taxiarcos, um hiparco e arcontes citadinos para que a força fosse verdadeiramente da cidade? Pois bem, é preciso o hiparco de vossa parte navegar para Lemno, para Menelau comandar a cavalaria dos que estão combatendo pelos bens da cidade. E não falo estas coisas censurando o homem, mas, qualquer que seja, este devia ser votado por vós. [28] Talvez vós pensais falar com razão e estais ansiosos por ouvir quanto aos bens, qual será o custo e proveniência. Então isto eu faço. Quanto aos bens: a provisão desta força é, somente em soldo, de noventa talentos e um pouco mais; para as dez naus rápidas, quarenta talentos, (sendo) vinte minas por nau cada mês; para os dois mil soldados, uma quantia semelhante, para que o soldado receba um soldo de dez dracmas por mês; para os duzentos cavaleiros existentes, se cada um receber trinta dracmas por mês, doze talentos. [29] Se alguém crê que o fundo é pequeno para iniciar um soldo para os combatentes, não pensou com razão. Pois eu sei claramente que, se isto acontecer, da guerra, o próprio exército proverá outras, sem injustiça a nenhum dos helenos nem aos aliados, de modo a pagar o salário completo. Embarcando voluntariamente, eu estou pronto a sofrer o que for, se não ocorrer desta forma. De onde então a provisão dos bens que vos recomendo surgirá? Direi isto imediatamente. 43 Demonstração da provisão 28 [30] As coisas que nós, atenienses, pudemos encontrar são estas. Depois que votardes as propostas, caso vos agradem, erguereis a mão para escolher, para que não somente nos decretos e nas cartas guerreeis contra Filipe, mas também nas ações. [31] Parece-me que vós teríeis deliberado muito melhor sobre a guerra e todo o preparativo, atenienses, se tivésseis considerado o terreno da região na qual guerreais, e se pensásseis que, aproveitando os ventos e estações do ano, Filipe consegue muitas coisas. E, após esperar pelos ventos ou pelo inverno, põe-se ao trabalho quando nós não poderíamos chegar àquele lugar. [32] Então, considerando estas coisas, não se deve guerrear com expedições de socorro (pois chegaremos atrasados para tudo), mas com um preparativo bélico e força contínuos. Vós tendes a serviço da força, como quartel de inverno, Lemno, Tasso, Sciathos e as ilhas neste local, nas quais há portos, alimento e todas as coisas que são necessárias a um exército. Durante esta estação do ano, quando se torna fácil estar próximo à terra e há certeza dos ventos, (a força) estará facilmente próxima a esta região e às bocas dos portos de comércio. [33 - 34] Quando e qual uso será feito desta força, o chefe eleito por vós deliberará de acordo com a ocasião, mas as coisas que são necessárias começar de vossa parte, estas são as que eu escrevi. Se, atenienses, provirdes primeiramente os bens que falo, em seguida as outras forem preparadas, os soldados, as trirremes, os cavaleiros, e obrigar por lei toda a força em bom estado a permanecer na guerra, tornando-se vós mesmos tesoureiros e gestores dos bens públicos, exigindo do general contas de sua conduta, cessareis de ficar sempre deliberando acerca das mesmas coisas e nada fazer. E ainda, além disso, atenienses, o maior dos recursos dele retirareis. E este qual é? De vossos aliados, pois ele guerreia contra vós, saqueando os que navegam o mar. E depois o que, além disto? Vós próprios estareis salvos de sofrer dano, não da maneira do tempo passado, em que, tendo-se lançado contra Lemno e Imbro, ele partia com vossos cidadãos cativos, e após capturar os navios próximos de Geresto, coletou bens indizíveis e, por fim, desembarcou em Maratona e partiu do território, levando a nau sagrada, e vós nem 28 Teóricos e tradutores da peça retórica defendem que um documento foi apresentado pelo orador no momento de seu pronunciamento, porém, o mesmo não resistiu à ação do tempo. 44 pudestes prevenir estas coisas, nem enviar vossos socorros nos momentos em que, talvez, tivestes chance. [35] E ainda, como, atenienses, explicais que a festa das Panateneias e também as Dionísias sempre ocorra no momento conveniente, sejam extremamente habilidosos ou ignorantes cada um destes que, atribuídos pelo acaso, se ocupam, para os quais se gasta tantos recursos, que não se gasta com uma das expedições, e a multidão e preparativo bélico que não se veja se outra coisa pública acontece, e que todas as expedições cheguem depois do momento oportuno, seja para Métone, para Pagasa ou Potideia? [36 - 37] É que todas elas são, por lei, organizadas e cada um entre vós sabe já há bastante tempo quem será corego ou gimnasiarco da tribo, quando, da parte de quem, o que recebe e o que é necessário fazer. E nada fica negligenciado, sem exame e nem indefinido. Porém, nas coisas sobre a guerra e no tocante ao preparativo bélico da mesma, são todas desorganizadas, sem planejamento e indefinidas. Eis, então, porque, no momento em que ouvimos alguma coisa, estabelecemos os trierarcas e fazemos as trocas de propriedades entre eles, refletimos acerca da provisão de recursos e, depois destas coisas, decidiu-se embarcar os metecos, os libertos, em seguida os cidadãos das trocas de propriedades, depois substituí-los, e após no tanto que atrasamos estas coisas, aquilo pelo que nos pomos ao mar está destruído. De fato, desperdiçamos o momento de ação com o preparo, mas os momentos oportunos não esperam nossa indecisão para agir. E as forças que pensamos estar prontas durante este intervalo, nos momentos oportunos provam não fazer nada. E ele chegou à tal insolência como a de enviar aos eubeus cartas como esta. Leitura da carta [38 - 39] A maioria das coisas lidas, atenienses, é verdade, como não era necessário ser. Talvez não seja prazeroso de ouvir. Mas, se omite-se no discurso, a fim de não afligir e também omitir as ações, é preciso falar para o prazer do povo. Porém, se o encanto das palavras, não sendo conveniente, torna-se um dano à ação, é vergonhoso enganar a nós mesmos, adiando tudo o que for capcioso e atrasar todas as ações. E também não ser capaz de compreender que, ao dedicar-se à guerra com justeza, é necessário não acompanhar as ações, mas estar à frente das mesmas, e da mesma forma que se apreciaria o general conduzir seus combatentes, assim também agir com os que deliberam as ações, para que as coisas que lhes parecerem convenientes, estas sejam feitas e não seja necessário colocar-se a seguir as circunstâncias. 45 [40] E vós, atenienses, tendo a maior força de todas, trirremes, hoplitas, cavaleiros, acesso aos bens, destas, até o dia de hoje, jamais vos servistes para o que é necessário, e da forma como os bárbaros praticam o pugilato, vós guerreais contra Filipe. Pois, entre eles, o que levou um golpe, sempre posiciona a mão onde ocorreu o golpe, e se se bate do outro lado, as mãos lá estão. Ele não sabe, e nem deseja proteger-se ou observar seu opositor. [41] E vós, se sabeis de Filipe em Quersoneso, votais enviar uma expedição de emergência para lá, se nas Termópilas, para lá, se em algum outro lugar só o seguis para todo o lado e sois comandados por ele. E nada de útil deliberastes sobre a guerra, nem antevedes nenhuma das ações até que saibais que algo aconteceu ou está acontecendo. Talvez, as coisas fossem assim anteriormente. Agora, porém, chegaram a tal ponto que já não é mais possível. [42] Parece-me que algum dos deuses, atenienses, envergonhando-se com os acontecimentos da cidade, incute em Filipe este desejo de imiscuir-se nos assuntos alheios. Pois, se ele, com as coisas que conquistou e subjugou, desejasse ficar em paz e não fizesse ainda mais, me parece que, para algum de vós, seria o suficiente, e por causa destas coisas estaríamos condenados à vergonha, à covardia e a todas as maiores desonras em nome do estado. Porém, agora, tentando sempre alguma coisa e aspirando mais, se não desististes inteiramente, talvez vos excite. [43] Quanto a mim, exaspero-me que ninguém entre vós reflita ou se encolerize ao ver, atenienses, que o início da guerra era sobre castigar Filipe, mas o fim está sendo não sofrer dano por causa de Filipe. Ora, que ele não se deterá, se ninguém o proibir é evidente. Então suportaremos isto? Enviais trirremes sem homens e com esperanças em outro, e credes tudo estar bem? [44] Não embarcaremos? Não partiremos nós mesmos com alguma porção de soldados citadinos agora, se não antes? “Então onde ancoraremos?”, alguém perguntou. A própria guerra encontrará, atenienses, as coisas em mau estado nos assuntos dele, se nos esforçarmos. Mas, certamente, se nos sentarmos em casa, ouvindo os oradores se queixando e censurando uns aos outros, jamais acontecerá nada das coisas necessárias para nós. [45] De fato, creio que, para onde quer que seja enviada uma porção do povo da cidade, se não sua totalidade, a benevolência dos deuses e da fortuna combaterá conosco. Porém, 46 para onde quer que envieis um general, um decreto vazio e as esperanças advindas da tribuna, nada das coisas necessárias surge para vós. E de um lado, os inimigos riem de escárnio; de outro, os aliados morrem de medo dessas embaixadas. [46] Pois não é possível, não é mesmo possível um homem ser capaz de fazer tudo quanto vós quereis. É possível prometer, afirmar e censurar um e outro, mas, por causa disso, as ações se perderam. De fato, quando o general comanda mercenários miseráveis, aos quais não se paga o soldo prometido, e há aqueles que mentem facilmente para vós sobre as coisas que ele faz, e vós, com base nas coisas que ouvis dizer, votais, o que se deve esperar? [47] Então, como isso cessará? Quando vós, atenienses, apresentardes os próprios soldados como testemunhas dos que comandam e, retornando à casa, juízes das gestões, de modo a vós não somente ouvirdes deles as vossas coisas, mas também, estando próximos, observardes. Pois agora os fatos chegam a isso de vergonha que cada um dos generais é condenado à morte duas e três vezes diante de vós, mas, contra os inimigos, nenhum deles arrisca a vida na luta. Eles preferem a morte dos negociadores de escravos e dos ladrões a de quem convém, pois cabe ao malfeitor morrer por ser condenado e, ao general, combatendo contra os inimigos. [48] Dos nossos, dizem, uns estão espalhando que Filipe negocia com os lacedemônios a dissolução de Tebas e também quer destruir a constituição do estado; outros, que ele enviou embaixadores ao rei persa; outros, que ele fortifica cidades na Ilíria; e ainda outros, que inventam discursos que cada um de nós espalha. [49] Eu creio, atenienses, pelos deuses, que ele está embriagado com a grandeza de seus feitos e sonha com mais coisas em seu espírito, observando a ausência de impedimentos e excitado com os feitos. Por Zeus, ele não escolhe agir, de modo que os mais ignorantes daqueles junto a vós saiba o que está a ponto de fazer, pois os mais ignorantes são os que fazem rumores. [50] Mas se, após deixarmos estas coisas de lado, reconhecermos que este homem é um inimigo e priva-nos de nosssas coisas e há muito tempo nos insultou, que tudo quanto alguma vez esperamos alguém fazer por nós, aparece contra nós, que as coisas futuras estão em nós mesmos, que se não desejarmos guerrear contra ele naquele lugar, talvez seremos forçados a fazê-lo aqui. Se reconhecermos estas coisas, teremos compreendido 47 as coisas necessárias e nos distanciado dos discursos vãos. De fato, não é necessário examinar as coisas que acontecerão um dia, mas as que serão prejudiciais, se não pensardes e desejardes fazer o que é conveniente, sabei bem disso! [51] Eu, pois, nem em outras oportunidades, nunca preferi falar, com prazer, sem estar convencido de trazer vantagem para vós, e agora todas as coisas que sei, simplesmente, sem dissimulação alguma, disse abertamente. Gostaria, assim como sei que vos convém ouvir as melhores coisas, de saber deste modo se será vantajoso também a quem falou as melhores coisas. De fato, ficaria bastante feliz. Porém agora, por causa da incerteza, haverá consequências para mim mesmo, oriundas das propostas, ainda assim prefiro falar por estar convencido da vantagem destas coisas. Vença o que se mostrar mais vantajoso para todos. 3.3 – O e1qov como construção da identidade discursiva do orador Tendo-se em vista a precedente proposta de tradução da Primeira Filípica, é digno de nota, primeiramente, que o orador se vale muito bem do conhecimento dos assuntos “sobre os quais todos deliberam29”, de acordo com Aristóteles. Torna-se necessário analisar de que forma a postura do orador, isto é, a maneira como Demóstenes se apresenta, serve de aliada em seu intuito de persuadir o auditório, entendido, neste estudo, como o conjunto daqueles que o orador quer influenciar com sua argumentação 30. Ao orador, cabe a função não só de empregar argumentos convincentes para defender o seu ponto de vista, mas também a de apresentar um comportamento que suscite a emoção e a confiança de seus ouvintes. O sucesso perante o auditório depende de meios discursivos específicos, que, de acordo com Patrick Charaudeau (2011: 113) foram divididos pelo preceptor de Alexandre em três categorias: lo/gov, pa/qov e e1qov. O analista francês afirma que a primeira categoria mencionada se relaciona diretamente com o discurso e pertence ao domínio da razão. De maneira geral, esta é a que torna o convencimento possível. As restantes, pa/qov 29 Isto é, sobre as finanças, sobre guerra e paz, ainda sobre defesa do território, importações e exportações e legislação, conforme Arte Retórica 1359b. 30 Cf. PERELMAN – OLBRECHTS-TYTECA (2005: 22). 48 e e1qov, pertencem verdadeiramente ao campo da emoção e subdividem-se, exercendo funções diversas. Para Charaudeau, o pa/qov é voltado para o auditório; o e1qov, que diz respeito ao orador, é objeto de análise desta seção. Pierre Chantraine (1968: 327) apresenta o termo e1qov em seu Dictionnaire Étymologique de la Langue Grec como: A forma nominal usual (...) e1qov n. “hábito, costume” (jon-att.), sobretudo no plural; (...) o termo encontra-se em concorrência com h]qov, ao menos tão antigo quanto e mais empregado, cujo senso original de “costume” evoluiu de maneira diversa 31 (tradução nossa) Observa-se que Chantraine inscreve o termo em questão no campo semântico do “costume” ou “hábito”, acepções que, por extensão, transformam-se em “postura32”. De fato, quando se age costumeiramente de uma determinada forma, é comum afirmar-se que as atitudes habituais compõem a postura de alguém. A adoção desse novo sentido impõe, porém, dificuldades encontradas desde a Antiguidade, expostas com bastante acuidade por Charaudeau. Na exposição do francês, de um lado, Isócrates, Cícero e alguns retóricos defendem o e1qov como algo preexistente ao discurso, pois parece mais virtuoso, sincero e amável quando se é, de fato, tais coisas. De outro lado, Aristóteles afirma que o orador deve portar-se de uma forma que cause boa impressão em seu auditório. À parte do “convite à sofística 33” que a proposição do estagirita parece fazer, os analistas do discurso defendem o posicionamento do autor da Arte Retórica, pois, para Charaudeau (2011: 114), “situam o ethos na aparência do ato de linguagem, naquilo que o sujeito falante dá a ver e entender”, de modo que, no entendimento de Ducrot apud Charaudeau (2011: 114), “é enquanto fonte de enunciação que ele [o locutor] se vê transvestido de certos caracteres que, por tabela, tornam sua enunciação aceitável ou refutável”. Dominique Maingueneau (1993: 138), por sua vez, argumenta que o e1qov ligase ao exercício discursivo por si próprio, independentemente do ator político. Contudo, as posições dos teóricos mencionados acerca do discurso não encerram a questão. A análise depende das correntes em oposição desde a Antiguidade. Charaudeau 31 la forme nominale usuelle (...) e1qov n. « habitude, coutume » (ion-att.) surtout au pluriel (...); le terme se trouve en concurrence avec h]qov, au moins aussi ancien et plus employé, mais qui le sens originel de « coutume » a évolué diversement (...). 32 Postura entendida, aqui, no sentido de moralidade. 33 “Convite à sofística” enquanto técnica que, a despeito da verdade, busca a vitória por meio da persuasão. 49 defende que o e1qov, ainda que seja uma imagem ligada ao falante, não se torna propriedade do mesmo, mas é, em primeiro lugar, uma imagem assumida pelo interlocutor com base no que é dito. Assim, percebe-se que é necessário entrecruzar os olhares: em primeiro lugar, o olhar do interlocutor sobre o falante; em segundo lugar, o olhar do falante sobre a maneira como ele pensa ser visto por seu interlocutor, pois, para o analista francês, a construção da imagem do falante é fruto das informações preexistentes ao discurso, isto é, o que ele conhece como a “postura” do falante, e as informações evocadas pelo discurso 34. O teórico sustenta sua argumentação tendo como base “a identidade do sujeito falante desdobrada em duas componentes 35”. De acordo com o estudioso, na primeira componente, o falante apresenta-se com sua identidade social de locutor, que lhe outorga o direito à fala e que o legitima como comunicante em função do estatuto e do papel atribuídos pela situação de comunicação. Já na segunda componente, o sujeito constrói para si uma identidade discursiva de enunciador comprometido com os papéis que o próprio se atribui no ato de enunciação. Assim, surge com uma identidade social que lhe é conferida e apresenta uma identidade discursiva construída para si próprio. Observa-se, portanto, que, para esta argumentação, o sentido daquilo que é dito depende simultaneamente do que se é e do que se diz. Charaudeau (2011: 115) afirma que “o ethos é o resultado dessa dupla identidade”, que se funde em uma única, pois propõe o questionamento de que as opiniões dos indivíduos, quando falam em público, são julgadas pelo que eles aparentam ser. Ou seja, argumenta-se o quão difícil seria aceitar que a imagem tida pelo falante de si não corresponde ao que ele verdadeiramente é. Maingueneau apud Charaudeau (2011: 118) acrescenta ao debate que “as ideias são construídas por maneiras de dizer que passam por maneiras de ser”, uma afirmação ampliada por Charaudeau, que acredita na veracidade da recíproca, isto é, as maneiras de ser comandam as maneiras de dizer. A estas maneiras de dizer, o analista do discurso chama de “ideias”, que são indissociáveis do e1qov, pois a forma como elas são apresentadas é responsável direta pela construção de imagens do sujeito falante. É digno de nota que Perelman – Olbrechts-Tyteca (2005: 27) compartilham as opiniões dos analistas franceses em questão, como se lê na afirmação “nenhum orador, nem mesmo o sacro, pode descuidar desse esforço de adaptação ao auditório”. Contudo, é necessário considerar a informação acima com a cautela de quem não quer ser pego em contradição (cf. 2005: 34 §7). 35 Charaudeau (2011: 115). 34 50 As imagens feitas do sujeito falante agrupam-se em duas grandes categorias, a saber: os e1qh de credibilidade, de um lado, que são relacionados ao discurso da razão; de outro, os e1qh de identificação, vinculados ao discurso afetivo. No caso da credibilidade, defende-se, em análise do discurso, que ela não é ligada à identidade social do sujeito falante. Ela é o resultado da construção de uma identidade discursiva que apresenta o falante como um sujeito digno de crédito. Para Charaudeau (2011: 136), o ethos de credibilidade é, ao mesmo tempo, um construto e um atributo, ou, mais precisamente, uma construção sobre um atributo. É um construto em virtude da maneira pela qual o sujeito encena sua identidade discursiva. É um atributo em virtude da identidade social que o sujeito possui e que depende, ao mesmo tempo, de seu estatuto e da maneira como o público o percebe. No caso da identificação, as imagens do sujeito falante são retiradas do afeto social que os interlocutores têm por ele. Tais imagens são formadas com base naquilo que o orador demonstra ser publicamente, mais do que com base naquilo que ele demonstra em suas ações. “O cidadão, mediante um processo de identificação irracional, funda sua identidade na do político”, diz Charaudeau (2011: 137). Entre os e1qh de credibilidade, podem-se atribuir a Demóstenes dois tipos diversos: o e1qov de “virtude” e o e1qov de “competência”. O primeiro supõe que a figura política, enquanto um representante do povo, deve estabelecer o exemplo a ser seguido. Tal e1qov exige do ator político qualidades como sinceridade, fidelidade e honestidade pessoal. Trata-se de uma imagem formada com o passar do tempo, já que depende das qualidades referidas acima. De fato, um indivíduo não adquire a fama de honesto e sincero subitamente. No caso do orador ateniense, é reconhecido como homem honesto por causa de sua história pessoal, como apresentado no capítulo 3, item 3.1, em que se expuseram as origens do mesmo. Ao ter sido injustiçado, juntamente com sua família, após a morte de seu homônimo pai, o jovem buscou estudar arte oratória a fim de estar à altura de seus detratores no tribunal. Já no caso do e1qov de competência, a demanda é de saber e habilidade: no caso do orador, este precisa demonstrar exímios conhecimentos dos tópicos que pretende tratar e fazer sugestões. Além disso, é necessário comprovar que dispõe de meios, poder e experiência para realizar aquilo que propõe. Charaudeau defende que os políticos devem mostrar conhecimento de todas as engrenagens da vida política e que sabem agir de maneira eficaz. 51 Ainda que Demóstenes estivesse no início da carreira pública, é possível perceber, por meio de suas propostas, que ele conhece plenamente seu ofício. O ateniense demonstra bastante desenvoltura ao falar do território e da proposta financeira de reformulação das forças armadas, como se infere do excerto: Então, se vós, atenienses, desejardes manifestar agora a vossa opinião, já que, certamente, não antes, cada um de vós, no que é necessário, poderia mostrar-se útil à cidade; e começar a agir prontamente, repelindo toda a dissimulação: aquele que tem bens, contribuir; aquele em idade propícia, alistando-se; resumindo: se vós quiserdes ser senhores de vós mesmos e cada um cessar de fazer nada, esperando que o vizinho vá fazer tudo em seu lugar, vós recuperareis vossas coisas, se deus quiser, e as coisas perdidas36 por negligência tereis novamente às mãos e castigareis a ele. (Primeira Filípica, 7). Talvez a experiência como logógrafo antes de lançar-se como orador deliberativo tenha-o preparado suficientemente bem, cabendo-lhe, unicamente, adequar-se à nova situação oratória na qual pretendeu atuar. Perelman – Olbrechts-Tyteca (2005: 34) afirmam que o orador, ao considerar toda argumentação voltada para o auditório particular, oferece o inconveniente de adaptar-se à vista do ouvinte e corre o risco de adotar posturas válidas somente ao público situacional, isto é, ouvintes presentes no preciso momento do pronunciamento do discurso, olvidando, assim, o “grande público”. O risco reside na possibilidade de o adversário político decompor a argumentação em partes menores, apresentando cada excerto a um grupo, cuja irrelevância ou contrariedade ideológica contida nas informações é comprovada. Com base nessa hipótese, fica evidente a fraqueza de argumentos direcionados a grupos particulares e a necessidade de se valorizar opiniões que gozem de aprovação unânime entre os membros do auditório. A tal unanimidade, Perelman – Olbrechts-Tyteca nomearam “acordo do auditório universal”, que, segundo os teóricos belgas (2005: 35), “trata-se evidentemente, nesse caso, não de um fato experimentalmente provado, mas de uma universalidade e unanimidade que o orador imagina, do acordo de um auditório que deveria ser universal”, porque aqueles que não o integram podem ser, obviamente, preteridos. 36 Referência aos territórios perdidos para o monarca macedônico. 52 A força de uma argumentação dirigida ao auditório universal repousa no fato de que não se espera obter o consentimento de todos, mas, quem quer que compreenda as razões que conduziram àquela exposição das ideias, terá de aderir às mesmas conclusões do orador. Para tal, as razões fornecidas devem convencer por seu caráter coercivo e validade intemporal e absoluta, de modo que até mesmo o orador se convença de que não poderá ser posto à prova. Dessa maneira, afirmam Perelman – Olbrechts-Tyteca (2005: 36) “o indivíduo, com sua liberdade de deliberação e escolha, apaga-se ante a razão que o coage e lhe tira qualquer possibilidade de dúvida. No limite, a retórica eficaz para um auditório universal seria a que manipula apenas a prova lógica”. A manipulação da prova lógica é observável na peça retórica no excerto a seguir: Em seguida, deve-se considerar também que uns ouviram de outros e há os que sabem e lembram quanto poder os lacedemônios possuíam certa vez, há não muito tempo. Ainda assim, vós agistes bela e convenientemente, em nada indignos da cidade, vos encarregastes da batalha contra eles por coisas justas. Falo estas coisas por quê? Para que saibais, atenienses, e vejais que nada é temível quando vós vigiais, mas, se negligenciardes, tal como desejaríeis nada aconteceria. Deveis servir-vos dos exemplos dos lacedemônios, cuja antiga força vós dominastes por pensar em vossas ações, e da insolência deste agora, que nos desordena por não considerarmos as coisas que eram necessárias. (Primeira Filípica, 3). 3.4 – Primeira Filípica: uma abordagem à luz dos pressupostos retóricos Na assembleia, era costume os oradores mais antigos – por conseguinte, mais experientes – falarem em primeiro lugar. Conforme exposto no início desse capítulo, à época do pronunciamento da Primeira Filípica, Demóstenes engajara-se há pouco na carreira política37 e contava 33 anos de idade. Portanto, ainda era considerado jovem e inexperiente para tratar dos problemas da cidade. O orador, contudo, é extremamente hábil em modificar a situação a seu favor, pois, sabendo que é necessário justificar sua presença na assembleia, já que, de acordo com Aristóteles, discursos deliberativos não requerem fundamentalmente um exórdio 38, desculpa-se por ter-se levantado para subverter o costume, conforme o excerto: ei0 me\n peri\ kainou~ tinov pra&gmatov prouti/qet', w} a!ndrev 0Aqhnai=oi, le/gein, e0pisxw_n a@n e3wv oi9 plei=stoi tw~n No sentido de po/liv. Os exórdios das arengas públicas tiram-se do gênero judiciário, pois em si mesmas pouco material contêm para isso. (...) a matéria não necessita de preâmbulo, a não ser que se refira à pessoa do orador ou à dos adversários, ou que os ouvintes não tomem a questão como o orador desejaria. Arte Retórica 1415b. 37 38 53 ei0wqo&twn gnw&mhn a)pefh&nanto, ei0 me\n h!reske/ ti/ moi tw~n u(po_ tou&twn r(hqe/ntwn, h(suxi/an a@n h}gon, ei0 de\ mh&, to&t' a@n au)to_v e0peirw&mhn a$ gignw&skw le/gein: e0peidh_ d' u(pe\r w{n polla&kiv ei0rh&kasin ou{toi pro&teron sumbai/nei kai\ nuni\ skopei=n, h(gou~mai kai\ prw~tov a)nasta_v ei0ko&twv a@n suggnw&mhv tugxa&nein. ei0 ga_r e0k tou~ parelhluqo&tov xro&nou ta_ de/onq' ou{toi sunebou&leusan, ou)de\n a@n u(ma~v nu~n e1dei bouleu&esqai. Se tivesse sido proposto falar sobre algum assunto novo, atenienses, teria esperado até que a maior parte dos mais costumeiros tivesse expressado a sua opinião, e se alguma das coisas ditas por estes satisfizesse a mim, ficaria em silêncio, mas se não, tentaria eu mesmo falar das coisas que conheço. Tendo-se em vista, porém, que muitas vezes eles falaram inicialmente sobre coisas que ainda convém discutir, julgo, com razão, que obteria vossas desculpas por ter-me levantado primeiro. De fato, se desde o tempo passado, eles tivessem deliberado sobre as coisas necessárias, não seria preciso vós deliberardes nada agora. (Primeira Filípica, 1). Tal postura se coaduna com a opinião de Lausberg (1972: 92) sobre a função da referida parte inicial: “(...) atrair a atenção, a boa aceitação e a benevolência do juiz para a causa partidária defendida no discurso (...), o que é (...) difícil nos graus fracos de credibilidade”. Para o estudioso (1972: 90), o grau fraco de credibilidade é observável quando, por exemplo, a defesa de uma opinião partidária não coincide com a opinião do juiz. Cumpre ressaltar que, no presente estudo, se toma a pessoa do “juiz” pela audiência. Acredita-se que o orador tenha partido desse grau pela situação que seu pronunciamento parece demonstrar. O excerto em questão aponta um orador jovem e inexperiente, justificando-se por sua fala, cujo assunto sequer é novidade. Porém, a aparente desvantagem frente à assembleia, torna-se uma aliada, quando se considera, por exemplo, a primeira antítese39 exposta pelo orador. De um lado, sua denúncia à falta de novidade sobre qualquer assunto; de outro, a necessidade de se voltar a um tema, em sua opinião, mal debatido na assembleia, pois ainda há o que se falar sobre tais questões. O efeito pretendido com a estratégia em curso é duplo: 1) expor que os oradores precedentes vêm sendo negligentes, isto é, o que “eles fizeram” até então e 2) lançar-se como o redentor de Atenas (o que “eu venho propor”). Note-se ainda que a forma como Demóstenes dispõe os termos de seu exórdio corroboram 39 A antítese (...) é a contraposição de dois pensamentos de volume sintático variável. Podem distinguir-se a antítese de frase, a antítese de grupos de palavras e a antítese de palavras isoladas. Os fundamentos lexicais são os antônimos. Cf. Lausberg 1972: 228 - 32. 54 a tentativa de conseguir a atenção da audiência, porque, ao criar três40 hipérbatos41, isto é, alterar a ordem normal das palavras numa oração simples, ou de orações num período, o orador gera suspense, que garante a atenção para o seu discurso. O suspense é criado porque, de acordo com Wooten (2008: 649)42, ao ouvir me/n (Ei0 me\n peri\ kainou~ tinov (...), w] a1ndrev 0Aqhnai~oi, le/gein, e0pisxw\n a2n...), o homem grego esperava sequencialmente um de/ ou até mesmo a0lla/. Contudo, nenhum dos dois é atestado no exórdio, em relação ao me/n inicial. Acrescente-se que o aposto w] a1ndrev 0Aqhnai~oi reforça quem são os interlocutores, remetendo também ao “grau suave de afetos” elaborado por Lausberg (1972: 105), indicado para os exórdios, pois capta a benevolência dos juízes. Identifica-se a adição de uma segunda antítese no fim do exórdio demostênico, dessa vez com a intenção de contrapor o tempo passado (...e0k tou~ parelhluqo&tov xro&nou...) e o presente, o agora, na presença do próprio advérbio temporal (...nu~n...). A ideia sugerida aqui – e que perpassará o discurso – é bastante clara: a cidade tem problemas agora, porque desde antes, isto é, no passado, as decisões erradas vêm sendo escolhidas pela audiência. Tendo adquirido a atenção da audiência com seu exórdio, o ateniense apresenta suas primeiras considerações ao auditório. A razão para Demóstenes não expor imediatamente sua proposta principal parece ser a necessidade de assegurar aos atenienses que há chances reais de sucesso em uma campanha militar contra Filipe. Para tal, pretende fundamentar ponto de vista no vitorioso passado ateniense em campanhas militares, não sem, antes, criticar os atenienses pelo crescente estado de degradação atingidos até o momento. Prw~ton me\n ou}n ou)k a)qumhte/on, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, toi=v parou~si pra&gmasin, ou)d' ei0 pa&nu fau&lwv e1xein dokei=. o4 ga&r e0sti xei/riston au)tw~n e0k tou~ parelhluqo&tov xro&nou, tou~to pro_v ta_ me/llonta be/ltiston u(pa&rxei. ti/ ou}n e0sti tou~to; o3ti ou)de/n, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, tw~n deo&ntwn poiou&ntwn u(mw~n kakw~v ta_ ei0 me\n peri\ kainou~ tinov pra&gmatov prouti/qet', w} a!ndrev 0Aqhnai=oi, le/gein, e0pisxw_n a@n e3wv oi9 plei=stoi tw~n ei0wqo&twn gnw&mhn a)pefh&nanto, ei0 me\n h!reske/ ti/ moi tw~n u(po_ tou&twn r(hqe/ntwn, h(suxi/an a@n h}gon, ei0 de\ mh&, to&t' a@n au)to_v e0peirw&mhn a$ gignw&skw le/gein: 41 O hipérbato é a separação de duas palavras que sintaticamente estão em íntima ligação, por meio da interposição de um membro da frase (monossilábico ou polissilábico), que não pertencia diretamente àquele lugar. Esta figura é uma figura de palavra, à qual correspondem, como figura de pensamento, o parêntese e, como metaplasmo gramatical, a tmese. Cf. Lausberg 205 - 6. 42 A falta de paginação, no que se refere ao teórico Cecil Wooten, se deve ao fato de a edição ser digital, na qual, pela possibilidade de alteração na visualização do texto (tamanho da fonte, por exemplo), torna-se difícil precisar o número de página que dispõe a informação a que se faz menção. Por esta razão, em vez de paginação, as referências à obra do estudioso dar-se-ão por meio da seção (Wooten 2008. 649). 40 55 pra&gmat' e1xei: e0pei/ toi, ei0 pa&nq' a$ prosh~ke pratto&ntwn ou#twv ei]xen, ou)d' a@n e0lpi\v h}n au)ta_ belti/w gene/sqai. Primeiramente, não se deve esmorecer, atenienses, em relação às ações presentes, ainda que pareça estar tudo arruinado. De fato, o que é pior desde o tempo passado é o melhor em relação aos eventos futuros. O que, então, é isto? Como nada, atenienses, das coisas necessárias vós nada fazeis, as ações vão mal. Certamente, se todas as coisas que vos convém fazer estivessem em ordem, não haveria esperança alguma de tornar as coisas melhores. (Primeira Filípica, 2) Neste parágrafo, é possível perceber que o orador não pretende medir o tom de suas reprimendas, um fato que, talvez, represente um problema, já que é mais difícil persuadir um auditório quando se vê a emoção suplantar a argumentação lógica. De toda maneira, Demóstenes apresenta alguns elementos interessantes no trecho acima. Destacase, em primeiro lugar, o uso do adjetivo verbal a)qumhte/on, que denota impessoalidade, pela sua construção, no início do excerto. Defende-se, nesse estudo, que o orador tinha de um grau fraco de credibilidade em relação à sua audiência. Por esse motivo, parece mais pertinente levá-los à conclusão pretendida de maneira distanciada, “como se a palavra dada não fosse da responsabilidade de nenhum dos interlocutores presentes e dependesse apenas do ponto de vista de uma voz terceira, a voz da verdade”, um procedimento que Charaudeau (2011: 178) chama de “enunciação delocutiva”. São dignos de nota também o emprego de um paradoxo (o4 ga&r e0sti xei/riston au)tw~n e0k tou~ parelhluqo&tov xro&nou, tou~to pro_v ta_ me/llonta be/ltiston u(pa&rxei) reforçando a antítese que encerra o exórdio, cuja resolução surge após a pergunta retórica (ti/ ou}n e0sti tou~to;)43 e o novo hipérbato. No trecho (...) o3ti ou)de/n, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, tw~n deo&ntwn poiou&ntwn u(mw~n kakw~v ta_ pra&gmat' e1xei: (...), a forma verbo-nominal poiou&ntwn, afastada de seu complemento, o pronome indefinido com função o objeto direto ou)de/n deslocado para o início da frase, cria novo suspense entre seus ouvintes. O destaque do pronome indefinido aponta a direção da resposta. Em outras palavras, Demóstenes afirma: “se tudo já tivesse sido feito, tudo estaria perdido. Porém, como nada foi feito, o que está errado desde o tempo passado é a solução para o futuro. Convém agir”. 43 A pergunta retórica tem como função principal a tentativa de manter a atenção da audiência, sobretudo quando esta começa a ouvir argumentos que reprovam sua postura. 56 Para Aristóteles44, “quem fala em primeiro lugar deve começar por expor suas próprias provas e continuar atacando os argumentos contrários, ora destruindo-os, ora rebaixando o alcance deles”. É dessa forma que o orador procede em sua argumentatio (1972: 92)45 preliminar, conforme o parágrafo 3: e1peit' e0nqumhte/on kai\ par' a!llwn a)kou&ousi kai\ toi=v ei0do&sin au)toi=v a)namimnh|skome/noiv, h(li/khn pot' e0xo&ntwn du&namin Lakedaimoni/wn, e0c ou{ xro&nov ou) polu&v, w(v kalw~v kai\ proshko&ntwv ou)de\n a)na&cion u(mei=v e0pra&cate th~v po&lewv, a)ll' u(pemei/naq' u(pe\r tw~n dikai/wn to_n pro_v e0kei/nouv po&lemon. ti/nov ou}n e3neka tau~ta le/gw; i3n' ei0dh~t', w} a!ndrev )Aqhnai=oi, kai\ qea&shsqe, o#ti ou)de\n ou!te fulattome/noiv u(mi=n e0stin fobero&n, ou!t', a@n o)ligwrh~te, toiou~ton oi[on a@n u(mei=v bou&loisqe, paradei/gmasi xrw&menoi th?~| to&te r(w&mh| tw~n Lakedaimoni/wn, h{v e0kratei=t' e0k tou~ prose/xein toi=v pra&gmasi to_n nou~n, kai\ th~?| nu~n u#brei tou&tou, di' h$n taratto&meq' e0k tou~ mhde\n fronti/zein w{n e0xrh~n. Em seguida, deve-se considerar também que uns ouviram de outros e há os que sabem e lembram quanto poder os lacedemônios possuíam certa vez, há não muito tempo. Ainda assim, vós agistes bela e convenientemente, em nada indignos da cidade, vos encarregastes da batalha contra eles por coisas justas. Falo estas coisas por quê? Para que saibais, atenienses, e vejais que nada é temível quando vós vigiais, mas, se negligenciardes, tal como desejaríeis nada aconteceria. Deveis servir-vos dos exemplos dos lacedemônios, cuja antiga força vós dominastes por pensar em vossas ações, e da insolência deste agora, que nos desordena por não considerarmos as coisas que eram necessárias. (Primeira Filípica, 3). Neste parágrafo, observa-se novamente a habilidade do orador no encadeamento de ideias e a forma de apresentação das mesmas. Mantendo o distanciamento da sua figura com a argumentação por meio da enunciação delocutiva referida e observada anteriormente, empregando mais uma vez um adjetivo verbal e0nqumhte&on, em primeiro lugar, ele induz sua audiência a se mostrar em concordância consigo, ainda que somente pela vergonha de parecer não saber sobre um fato que todos conhecem46. Em segundo lugar, afirma que é possível vencer Filipe, embora a situação não seja favorável aos atenienses no momento, por causa da negligência que o orador não deixa de apontar (i3n' ei0dh~t', w} a!ndrev )Aqhnai=oi, kai\ qea&shsqe, o#ti ou)de\n ou!te fulattome/noiv u(mi=n e0stin fobero&n, ou!t', a@n o)ligwrh~te, toiou~ton oi[on a@n u(mei=v 44 Arte Retórica, 1418b. Na argumentatio (...) a função principal é levar a cabo a prova. As provas alegadas na argumentação (...) podem ser preponderantemente objectivas (com a finalidade de convencer o juiz intelectualmente) ou preponderantemente afectivas (com a finalidade de convencer o juiz emocionalmente). 46 Retórica, 1408a. 45 57 bou&loisqe). Sua fala demonstra que a vitória depende unicamente do engajamento dos cidadãos, tal como fizeram seus antepassados47. Dessa forma, evita-se um ataque aberto à negligência e à inércia, louva-se a bravura dos ancestrais e, com isso, a audiência fica disposta a favor de quem expressou “coisas duras com suavidade”, conforme anotado por Aristóteles48. Nos primeiros trechos da peça retórica fica suficientemente claro o descontentamento com a postura apresentada pelos seus concidadãos até então. No fim do terceiro parágrafo, aparece a primeira menção ao rei Filipe. Tal referência sequer é feita nominalmente. Em vez de citá-lo de fato, o orador emprega o pronome demonstrativo ou[tov no genitivo (tou&tou) com o objetivo de expressar desprezo pelo monarca. Em seguida, Demóstenes dedica os três parágrafos posteriores, desenvolvendo sua crítica à conduta ateniense, contrapondo-se à postura proativa de Filipe, que, observando a negligência do povo da cidade, conquistou os territórios à força ou por meio de alianças e ofertas de proteção militar. A estrutura observável nestes parágrafos segue bastante interessante do ponto de vista estratégico. Ao que parece, o orador visa a manter a atenção de sua audiência com o auxílio do suspense. Para tal, repete a estrutura sintática do primeiro parágrafo 49 – a oração hipotética subordinada em posição 1 e oração principal em posição 2 – no início dos parágrafos 4 (ei0 de/ tiv u(mw~n, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, duspole/mhton (...) th?|~ po&lei, o)rqw~v me\n oi1etai) e 5 (ei0 toi/nun o( Fi/lippov to&te tau&thn e1sxe (...) ou)de\n a@n w{n nuni\ pepoi/hken...). Identifica-se como outro objetivo desse trecho do pronunciamento, a tentativa de provocar a vergonha dos atenienses que perderam os aliados para Filipe, não só pela força que este demonstra, mas também porque parece justo que se queira fazer aliança com aquele que oferece vantagens, conforme se lê no fim do sexto parágrafo (kai\ ga_r summaxei=n kai\ prose/xein to_n nou~n tou&toiv e0qe/lousin a#pantev, ou$v a@n o(rw~si pareskeuasme/nouv kai\ pra&ttein e0qe/lontav a$ xrh&). 47 De acordo com o aparato crítico da edição selecionada, a referência é a invasão da Beócia por Agesilau, em 378. 48 Retórica, 1408b. 49 Ao fazê-lo, Demóstenes cria novos hipérbatos. 58 Até o sexto parágrafo, observa-se a todo momento a tentativa do orador de persuadir o seu auditório a adotar postura diversa daquela que vem apresentando há anos: a imagem de povo negligente face a um homem em ascensão. O parágrafo 7 é o primeiro em que Demóstenes propõe à assembleia algo minimamente concreto: que os cidadãos ricos assumam a responsabilidade que a cidade os impunha, e que os homens, em idade válida, se alistem nas forças armadas, a fim de combater Filipe. a@n toi/nun, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, kai\ u(mei=v e0pi\ th~v toiau&thv e0qelh&shte gene/sqai gnw&mhv nu~n, e0peidh&per ou) pro&teron, kai\ e3kastov u(mw~n, ou{ dei= kai\ du&nait' a@n parasxei=n au(to_n xrh&simon th?~| po&lei, pa~san a)fei\v th_n ei0rwnei/an e3toimov pra&ttein u(pa&rch|, o( me\n xrh&mat' e1xwn ei0sfe/rein, o( d' e0n h(liki/a| strateu&esqai, sunelo&nti d' a(plw~v a@n u(mw~n au)tw~n e0qelh&shte gene/sqai, kai\ pau&shsq' au)to_v me\n ou)de\n e3kastov poih&sein e0lpi/zwn, to_n de\ plhsi/on pa&nq' u(pe\r au)tou~ pra&cein, kai\ ta_ u(me/ter' au)tw~n komiei=sq', a@n qeo_v qe/lh|, kai\ ta_ katerra|qumhme/na pa&lin a)nalh&yesqe, ka)kei=non timwrh&sesqe. Então, se vós, atenienses, desejardes manifestar agora a vossa opinião, já que, certamente, não antes, cada um de vós, no que é necessário, poderia mostrar-se útil à cidade; e começar a agir prontamente, repelindo toda indecisão para agir: aquele que tem bens, contribuir; aquele em idade propícia, alistando-se; resumindo: se vós quiserdes ser senhores de vós mesmos e cada um cessar de fazer nada, esperando que o vizinho vá fazer tudo em seu lugar, vós recuperareis vossas coisas, se deus quiser, e as coisas perdidas por negligência tereis novamente às mãos e castigareis a ele. (Primeira Filípica, 7). Após mais uma crítica exposta com o auxílio de antítese temporal ( nu~n , e0peidh&per ou) pro&teron), nota-se uma exortação ao abandono da dúvida em relação às ações. O termo ei0rwnei/a (th\n ei0rwnei/an), aponta Chantraine (1974: 326), especificamente no discurso em questão, tem acepção diferente do que significa comumente. Segundo o filólogo, Demóstenes não o utiliza como “ironia”, mas como “indecisão para agir”, precisamente do que é necessário abdicar. Em seguida, faz-se menção à ei0sfora&, por meio do verbo no infinitivo presente “ei0sfe/rein”. Hansen (1999: 112) explica que até 347 a.C. a ei0sfora&50 era um imposto recolhido para fins bélicos, por decreto da assembleia. Era esporadicamente cobrado dos mais ricos atenienses. Poucos anos antes do pronunciamento da Primeira Filípica, o número de possíveis contribuintes chegava a 1200. Porém, o aparente problema é que 50 Hansen afirma que, depois de 347 a.C., o imposto foi fixado em 10 talentos e era pago por grupos de 15 - 20 pessoas chamados de simorias. Cf. Hansen 1999: 112 - 5. 59 este contingente era responsável tanto pela ei0sfora& quanto pelos outros impostos cobrados da população ateniense, o que poderia gerar complicações no cumprimento dos deveres cívicos. O fim do parágrafo é bastante animador para os atenienses, pois nele o orador afirma que ainda é possível castigar o monarca por sua insolência anunciada no terceiro parágrafo (kai\ th~?| nu~n u#brei tou&tou). Com o intuito de encorajar os atenienses, amplia seus argumentos no parágrafo seguinte, apontando que Filipe é menos forte do que se imagina. Demóstenes acredita no que relata à audiência por saber que o rei é odiado e invejado entre os seus próprios homens. Em seguida, visa a atacar o macedônico e, para tal, escolhe termos tão violentos quanto a conduta do monarca em relação aos atenienses, como se pode notar no excerto. o(ra~te ga&r, w} a!ndrev )Aqhnai=o+i, to_ pra~gma, oi[ proelh&luq' a)selgei/av a#nqrwpov, o$v ou)d' ai3resin u(mi=n di/dwsi tou~ pra&ttein h@ a!gein h(suxi/an, a)ll' a)peilei= kai\ lo&gouv u(perhfa&nouv, w#v fasi, le/gei, kai\ ou)x oi[o&v e0stin e1xwn a$ kate/straptai me/nein e0pi\ tou&twn, a)ll' a)ei/ ti prosperiba&lletai kai\ ku&klw| pantaxh~?| me/llontav h(ma~v kai\ kaqhme/nouv peristoixi/zetai. Vede, pois, atenienses, a extensão da insolência desenfreada deste homem, que não nos dá escolha alguma para agir ou guardar silêncio, mas ameaça e fala, como dizem, palavras arrogantes e não é capaz de manter-se contente com as coisas que conquistou. Sempre anexa alguma outra coisa ao seu território e cerca-nos por todo lado, enquanto nós hesitamos e ficamos quietos. (Primeira Filípica, 9) Destaca-se, por exemplo, “insolência desenfreada” (a0se/lgeia), termo que Wooten (2008: 1146) relaciona à u3briv, apontando que são quase sinônimos e, por vezes, encontram-se juntos a fim de reforçar o que se pretende dizer. Chantraine (1977: 1150) define a u3briv como uma “violência injusta provocada pela paixão, violência, desmesura, ultraje”. Já a0se/lgeia, o filólogo define como um vocábulo derivado de a0selgh&v com significado de “uma violência impudente, no sentido de conduta desregrada”. Portanto, ao empregar tal termo, Demóstenes reforça, também neste parágrafo, a u3briv anunciada no início de sua fala (parágrafo 3), o que corrobora sua afirmação sobre os atos de Filipe, o rei que “nunca está satisfeito com aquilo que já conquistou e busca mais.” Ainda que o trecho seja bastante revelador quanto ao sentimento do orador em relação ao pai de Alexandre, nota-se claramente que os golpes desferidos não se dirigem somente ao monarca. O fim do parágrafo deixa entrever o preparo de uma repreensão 60 ainda maior à sua audiência nos trechos seguintes. Demóstenes, por meio de uma antítese, retoma crítica cíclica no discurso: o descompromisso dos atenienses. Aparentemente, o objetivo é demonstrar que, enquanto Filipe é um homem ativo, os atenienses são cidadãos relapsos. Na escolha dos campos semânticos, o orador anuncia a mudança do tom a ser empregado nos parágrafos seguintes. O rei é relacionado ao substantivo pra~gma, que Chantraine (1974: 934) define como “‘ação’, mais concreta que pra~civ, com mais frequência ‘afazer’ sobretudo no plural ‘os afazeres’”. Em relação aos atenienses, porém, pode-se observar o emprego do verbo ka/qhmai sob a forma do particípio kaqhme/nouv, definido por Bailly (2000: 993) “em sentido negativo, no particípio, ‘esperar’, ‘permanecer inerte’”. Então, nos parágrafos seguintes (10 e 11), o caráter emotivo do discurso parece ser elevado. Embora não seja possível recriar a fala do orador na situação discursiva, com base no conteúdo do trecho, verifica-se que, as seguidas perguntas retóricas e a força da crítica expõem a irritação do orador e, mais uma vez, sua exortação à urgência na mudança de atitude. po&t' ou}n, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, po&q' a$ xrh_ pra&cete; e0peida_n ti/ ge/nhtai; e0peida_n nh_ Di/' a)na&gkh tiv h}.| nu~n de\ ti/ xrh_ ta_ gigno&men' h(gei=sqai; e0gw_ me\n ga_r oi1omai toi=v e0leuqe/roiv megi/sthn a)na&gkhn th_n u(pe\r tw~n pragma&twn ai0sxu&nhn ei]nai. h@ bou&lesq', ei0pe/ moi, periio&ntev au(tw~n punqa&nesqai, “le/getai/ ti kaino&n;” ge/noito ga_r a!n ti kaino&teron h@ Makedw_n a)nh_r )Aqhnai/ouv katapolemw~n kai\ ta_ tw~n (Ellh&nwn dioikw~n; “te/qnhke Fi/lippov;” “ou) ma_ Di/', a)ll' a)sqenei=.” ti/ d' u(mi=n diafe/rei; kai\ ga_r a@n ou{to&v ti pa&qh|, taxe/wv u(mei=v e3teron Fi/lippon poih&sete, a!nper ou#tw prose/xhte toi=v pra&gmasi to_n nou~n: ou)de\ ga_r ou{tov para_ th_n au(tou~ r(w&mhn tosou~ton e0phu&chtai o#son para_ th_n h(mete/ran a)me/leian. Quando, então, atenienses, quando vos ocupareis das coisas que são necessárias? Depois de alguma coisa vir a acontecer? Depois que, por Zeus, haja necessidade. O que se deve pensar agora dos últimos acontecimentos? De fato, eu penso que a maior necessidade, para os que são livres, é a vergonha por causa destes fatos. Ou desejais, digame, circulando por aí, inquirir entre vós mesmos “diz-se algo de novo?”. Haveria algo de mais novo do que um homem macedônio debelando os atenienses e controlando os assuntos dos helenos? “Filipe está morto?” “Não, por Zeus, mas está doente. 51” E o que isto importa para vós? Pois mesmo se este sofrer alguma coisa, rapidamente vós criareis um segundo Filipe, se tratais vossos assuntos desta maneira. De 51 De acordo com Santos (2010: 7), Demóstenes refere-se à necessidade de Filipe de retirar-se do campo de batalha durante um tempo para cuidar de um grave problema de saúde. Foram espalhados rumores por Atenas que Filipe poderia até mesmo já estar morto. Por tal razão, uma expedição ao norte da Grécia foi adiada. 61 fato, este nada cresceu por seu próprio poder, mas por nossa negligência. (Primeira Filípica, 10 - 1) Novamente, o tom de censura aos atenienses é bastante evidente. Observa-se, já no início, a impaciência do orador com a lentidão de sua audiência em perceber a dimensão do problema. Por isso, emprega duas vezes a partícula interrogativa “po/te” na mesma oração. A presença do vocativo “w] a1ndrev 0Aqhnai~oi” não é mera coincidência, pois seu uso reforça o pedido de atenção. Cecil Wooten (2008: 1195) argumenta que o uso de perguntas retóricas rápidas, a qual chama de u9pofora/, serve para dois propósitos: 1) atrair a atenção da audiência e 2) mostrar que o orador em questão tem confiança no que está dizendo, pois “ele jamais se perguntaria algo que não é capaz de responder”. De fato, o orador sabe responder ao que propõe, porém sua agressividade com seus concidadãos parece fora de lugar aqui. Em um dos trechos mais expressivos de todo o discurso, Demóstenes fala da vergonha que deveriam sentir por terem somente observado a degradação do próprio estado, fato que denota decepção também. Todavia, a preocupação é ainda maior com a mentalidade da audiência. No parágrafo 11, a tensão aumenta, e Demóstenes afirma que o grande problema não é, de fato, o macedônio. Apresenta-se, então, um paradoxo: embora todo o conteúdo expresso acima seja importante, nada do que foi dito importa de verdade, pois o problema, em sua opinião, é a negligência com a qual os atenienses vêm cuidando de seus assuntos. De certa forma, Filipe é transformado em metáfora para denotar problema. Ainda que Filipe morra, um novo será criado, isto é, um novo problema surgirá. Observa-se ao final do parágrafo a reafirmação daquilo que o orador vem tentando mostrar desde o princípio de seu discurso: todos os problemas enfrentados pelos atenienses são endógenos. O macedônico parece poderoso por causa da negligência de quem não cuida dos próprios assuntos. Após as considerações preliminares e toda a atribuição de culpas, Demóstenes decide apresentar suas propostas específicas para melhorar a situação dos atenienses face à ameaça circundante. Antes de passar às mesmas, porém, é digna de nota outra característica da estratégia de distanciamento tanto de suas considerações preliminares, quanto de sua audiência, tática modificada somente no décimo segundo parágrafo de seu discurso: 62 kai/toi kai\ tou~to: ei1 ti pa&qoi kai\ ta_ th~v tu&xhv h(mi=n, h#per a)ei\ be/ltion h@ h(mei=v h(mw~n au)tw~n e0pimelou&meqa, kai\ tou~t' e0cerga&saito, i1sq' o#ti plhsi/on me\n o!ntev, a#pasin a@n toi=v pra&gmasin tetaragme/noiv e0pista&ntev o#pwv bou&lesqe dioikh&saisqe, w(v de\ nu~n e1xete, ou)de\ dido&ntwn tw~n kairw~n )Amfi/polin de/casqai du&naisq' a!n, a)phrthme/noi kai\ tai=v paraskeuai=v kai\ tai=v gnw&maiv. Ora, é isto mesmo! Se sofresse alguma coisa e a sorte, que sempre cuida melhor de nós do que nós cuidamos de nós mesmos, terminasse o trabalho, sabei que, estando por perto e concentrando-vos em todas as ações conturbadas, comandaríeis da maneira que desejais. Porém, como estais agora, mesmo havendo oportunidades, não seríeis capazes de tomar Anfípolis, desprovidos de preparativos bélicos e também de convicções. (Primeira Filípica, 12). É bastante revelador da perspicácia do orador o fato de não se fazer uso da primeira pessoa do singular ao apresentar uma proposta. Na maior parte das ocasiões até então, Demóstenes se vale da primeira pessoa do singular para fazer perguntas retóricas ou apresentar o que dirá a seguir (cf. §3 ...ti/nov ou}n e3neka tau~ta le/gw; ...). Conforme mencionado anteriormente, em casos de proposta, como ocorre nos parágrafos 2 e 3, é a enunciação delocutiva a sua escolha (cf. a0qumhte&on; e0nqumhte&on, respectivamente). O mesmo procedimento é adotado em relação ao auditório. O ateniense, em incontáveis vezes na peça retórica, faz uso do pronome pessoal de segunda pessoa. Charaudeau (2011: 176) chama tal artifício de “enunciação alocutiva”, que “é expressa com a ajuda dos pronomes pessoais de segunda pessoa, igualmente acompanhados de verbos modais, de qualificativos e de diversas denominações que revelam, ao mesmo tempo, a implicação do interlocutor, o lugar que lhe designa o locutor e a relação entre eles”. Porém, no parágrafo 12, após muitas tentativas de exortar os atenienses à luta por meio de táticas questionáveis, Demóstenes decide incluir-se no grupo, a fim de não perdêlos definitivamente. Por isso, encontra-se no excerto um verbo na primeira pessoa do plural (e0pimelou&meqa) em uma passagem na qual o ateniense aparentemente participa da culpa pelos maus acontecimentos (Se sofresse alguma coisa e a sorte, que sempre cuida melhor de nós do que nós cuidamos de nós mesmos, terminasse o trabalho...). Então, preparando o ânimo do auditório para tratar dos assuntos que acredita serem do interesse de todos, Demóstenes afirma acreditar que foi suficientemente claro até o momento e tem o cuidado de pedir que se manifestem, se for o caso, somente ao fim 63 de suas propostas. Talvez aja dessa forma por reconhecer que suas sugestões possam soar ousadas demais, sobretudo quando se fala para uma audiência não mais acostumada a lutar pelo que possui, como se verifica nos parágrafos a seguir: e0peida_n a#pant' a)kou&shte, kri/nate, mh_ pro&teron prolamba&nete: mhd' a@n e0c a)rxh~v dokw~ tini kainh_n paraskeuh_n le/gein, a)naba&llein me ta_ pra&gmaq' h(gei/sqw. ou) ga_r oi9 “taxu_” kai\ “th&meron” ei0po&ntev ma&list' ei0v de/on le/gousin (ou) ga_r a@n ta& g' h!dh gegenhme/na th~?| nuni\ bohqei/a| kwlu~sai dunhqei/hmen) a)ll' o$v a@n dei/ch| ti/v porisqei=sa paraskeuh_ kai\ po&sh kai\ po&qen diamei=nai dunh&setai, e3wv a@n h@ dialusw&meqa peisqe/ntev to_n po&lemon h@ perigenw&meqa tw~n e0xqrw~n: ou#tw ga_r ou)ke/ti tou~ loipou~ pa&sxoimen a@n kakw~v. oi]mai toi/nun e0gw_ tau~ta le/gein e1xein, mh_ kwlu&wn ei1 tiv a!llov e0pagge/lletai/ ti. h( me\n ou}n u(po&sxesiv ou#tw mega&lh, to_ de\ pra~gm' h!dh to_n e1legxon dw&sei: kritai\ d' u(mei=v e1sesqe. Depois de terdes ouvido todas as coisas, julgai. Não apresentai uma opinião pré-concebida. Nem se desde o princípio parecer a alguém que sugiro um preparativo bélico inteiramente novo, pense que adio os assuntos. De fato, sobretudo os que estão dizendo “rápido” e “para hoje”, não falam para o que é preciso, pois não teria sido possível prevenir as coisas já acontecidas com a expedição de socorro, porém, poderá manter-se firmemente aquele que apontar que tipo, qual tamanho e a fonte do preparativo pronto, até que, depois de terem sido persuadidos, dissolvamos a guerra ou vençamos os inimigos. Desta forma, não mais nos encontraríamos numa posição ruim no futuro. Pois bem, eu julgo poder falar estas coisas agora, não impedindo se algum outro propuser alguma coisa. A promessa é grande, e a ação fornecerá logo a justificativa. Vós sereis meus juízes. (Primeira Filípica, 14 - 15). Sua introdução à proposta indica que tudo tem sido feito de maneira incorreta. A evidência reside nos termos escolhidos para tratar do tipo de preparativo que vem sendo empregado. De um lado, afirma-se que não seria possível prevenir os acontecimentos com o emprego de uma expedição de socorro; de outro, aponta-se que a chance para recuperação está na análise efetiva do preparativo pronto. Assim, antes mesmo de apontar o que pode ser feito, estabelece-se uma oposição entre boh&qeia e paraskeuh&. Para Chantraine (1968: 183), boh&qeia é a variante ático-jônica do substantivo dórico bohqo&ov, derivado do verbo denominativo bohqe&w, que, militarmente, significa “aquele que atende ao apelo por ajuda”. Já paraskeuh&, para Bailly (2000: 1475), significa “preparação feita cuidadosa e habilmente”. Dando continuidade ao seu discurso, a primeira proposta, apresentada no parágrafo 16, diz respeito ao número de trirremes que convém preparar. O orador 64 determina que são necessárias cinquenta trirremes, cuja tripulação se recomenda que seja de cidadãos. Além destas trirremes, o ateniense recomenda o preparo de trirremes próprias para o transporte de cavalos e outros tantos navios para metade da cavalaria. De acordo com Wooten (2008: 1414 - 29), em 354 a.C., Demóstenes afirmou no discurso Sobre as Simorias que a cidade contava com trezentas trirremes e com mil cavaleiros. Portanto, a proposta é que se prepare imediatamente um sexto da frota da cidade, tripulada por cidadãos, e quinhentos cavaleiros. Prw~ton me\n toi/nun, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, trih&reiv penth&konta paraskeua&sasqai fhmi\ dei=n, ei]t' au)tou_v ou#tw ta_v gnw&mav e1xein w(v, e0a&n ti de/h|, pleuste/on ei0v tau&tav au)toi=v e0mba~sin. pro_v de\ tou&toiv toi=v h(mi/sesi tw~n i9ppe/wn i9ppagwgou_v trih&reiv kai\ ploi=' i9kana_ eu)trepi/sai keleu&w. Primeiramente, atenienses, afirmo ser necessário aprontar cinquenta trirremes, então decidir vós mesmos pelo embarque e navegação, se for necessário. Além destas coisas, aconselho o preparo de trirremes próprias para o transporte de cavalos e outros navios suficientes para metade dos cavaleiros. (Primeira Filípica, 16). Observe-se que no parágrafo em questão há mistura de estratégias discursivas. Na primeira oração, encontra-se o emprego de uma estrutura com verbo impessoal (fhmi\ dei=n), demonstrando ainda certo distanciamento da proposta feita. Na última, utiliza-se a primeira pessoa do singular (keleu&w), evidenciando uma possível tentativa de real aproximação de sua audiência. A mesma estratégia ocorrerá no décimo nono parágrafo (fhmi\ dei=n) com o mesmo objetivo. tau~ta me/n e0stin a$ pa~si dedo&xqai fhmi\ dei=n kai\ pareskeua&sqai prosh&kein oi1omai: pro_ de\ tou&twn du&nami/n tin', w} a!ndrev )Aqhnai=oi, fhmi\ proxeiri/sasqai dei=n u(ma~v, h$ sunexw~v polemh&sei kai\ kakw~v e0kei=non poih&sei. mh& moi muri/ouv mhde\ dismuri/ouv ce/nouv, mhde\ ta_v e0pistolimai/ouv tau&tav duna&meiv, a)ll' h$ th~v po&lewv e1stai, ka@n u(mei=v e3na ka@n plei/ouv ka@n to_n dei=na ka@n o(ntinou~n xeirotonh&shte strathgo&n, tou&tw| pei/setai kai\ a)kolouqh&sei. Estas são as coisas que digo ser necessário estarem decididas e que julgo ser conveniente preparar. Além destas, atenienses, digo vos ser necessário preparar para vós uma força que guerreará ininterruptamente e lhe fará mal. Não, na minha opinião, dez mil nem vinte mil estrangeiros, nem destas forças de papel, mas aquela que será a força da 65 cidade, e se vós elevardes a mão para votar um ou vários ou um certo fulano como estratego, irá obedecê-lo e servi-lo. E também recomendo prover alimentação para ela. (Primeira Filípica, 19). É digno de nota que, no referido trecho, a aproximação estará um pouco mais consolidada. Aparentemente, Demóstenes demonstra estar mais confiante de que pode apresentar suas propostas de maneira franca. Isto explica o uso mais frequente da primeira pessoa do singular, que remete novamente ao ethos de competência. Na verdade, durante todo o pronunciamento Demóstenes surge como uma figura possuidora do ethos de competência, pois fundamente seus argumentos de maneira bastante convincente. Mais uma vez, com muita perspicácia e acuidade, o orador constrói uma espécie de crítica aos atenienses por meio de uma figura de repetição chamada repetição a distância, que, para Lausberg (1972: 173), aparece como um sinal-limite de grupos de palavras e isto como enquadramento de um grupo de palavras, e também como marcação paralela dos limites de grupos de palavras, que se seguem uns aos outros. (...) A distância dentro do grupo de palavras (...) aparece segundo o tipo |x...x...| ou |...x...x....| ou |...x...x|. Assim, a nova reprimenda aparece conforme o segundo modelo descrito acima, no qual se destacam as Termópilas como o primeiro lugar atacado por Filipe e, propositalmente, como o último, isto é, o mais recente, que os atenienses tentaram defender. tau~ta me\n oi]mai dei=n u(pa&rxein e0pi\ ta_v e0cai/fnhv tau&tav a)po_ th~v oi0kei/av xw&rav au)tou~ stratei/av ei0v Pu&lav kai\ Xerro&nhson kai\ !Olunqon kai\ o#poi bou&letai: dei= ga_r e0kei/nw| tou~t' e0n th?~| gnw&mh| parasth~sai, w(v u(mei=v e0k th~v a)melei/av tau&thv th~v a!gan, w#sper ei0v Eu!boian kai\ pro&tero&n pote/ fasin ei0v (Ali/arton kai\ ta_ teleutai=a prw&hn ei0v Pu&lav, i1swv a@n o(rmh&saite: Estas coisas eu julgo ser necessário ter preparadas contra estas súbitas campanhas, provenientes do território dele contra Termópilas, Quersoneso, Olinto e qualquer lugar onde ele desejar. É preciso apresentá-lo à ideia de que vós, saindo da negligência excessiva, como na Eubeia e antes, como dizem, Aliarto e por último, recentemente, nas Termópilas, poderíeis igualmente vos erguer. (Primeira Filípica, 17). Sua segunda proposta é relativa à força que deve ser organizada para tentar incomodar o monarca perto do seu território, para impedi-lo de rumar em direção a Atenas, conforme mencionado anteriormente. Essa proposta se estende por quatro parágrafos (19, 20, 21 e 22), cujos trechos mais notáveis, destacam-se a seguir. 66 Em primeiro lugar, identifica-se no parágrafo 19, o emprego da metáfora (ta_v e0pistolimai/ouv tau&tav duna&meiv), visando a demonstrar que a situação é extremamente crítica, já que o orador define as forças atenienses como “forças de papel”, isto é, uma armada que só existe em números, mas que não se organiza efetivamente. Em segundo lugar, observa-se, consequentemente, o reforço do orador para que a audiência reconheça que a cidade precisa de armada própria, que seguirá o estratego apontado democraticamente, por meio do voto. Em terceiro lugar, cumpre ressaltar que, nos parágrafos 20 e 22, o uso do pronome pessoal de primeira pessoa do singular – empregado até aqui três vezes – denota a enunciação elocutiva, que, no entender de Charaudeau (2001: 174), “é expressa com a ajuda dos pronomes pessoais de primeira pessoa acompanhados de verbos modais, de advérbios e de qualificativos que revelam a implicação do orador e descrevem seu ponto de vista pessoal”. kai\ trofh_n tau&th| pori/sai keleu&w. e1stai d' au#th ti/v h( du&namiv kai\ po&sh, kai\ po&qen th_n trofh_n e3cei, kai\ pw~v tau~t' e0qelh&sei poiei=n; e0gw_ fra&sw, kaq' e3kaston tou&twn dieciw_n xwri/v. ce/nouv me\n le/gw — kai\ o#pwv mh_ poih&seq' o$ polla&kiv u(ma~v e1blayen: pa&nt' e0la&ttw nomi/zontev ei]nai tou~ de/ontov, kai\ ta_ me/gist' e0n toi=v yhfi/smasin ai9rou&menoi, e0pi\ tw?~| pra&ttein ou)de\ ta_ mikra_ poiei=te: a)lla_ ta_ mikra_ poih&santev kai\ pori/santev tou&toiv prosti/qete, a@n e0la&ttw fai/nhtai. E que força será esta e qual o tamanho? De que fonte virá a alimentação e como se proporá a executar estas coisas? Eu indicarei, detalhando cada uma destas coisas separadamente. Em relação aos estrangeiros eu falo, e, de modo algum, fazei o que muitas vezes vos prejudicou, considerando tudo ser menor do que o necessário, e elegendo as maiores coisas nos decretos da assembleia, se, quanto à realização nem mesmo as pequenas vós fazeis. Mas, tendo feito e provido para eles as pequenas coisas, acrescentai, se parecer inferior (ao necessário). (Primeira Filípica, 20). le/gw dh_ tou_v pa&ntav stratiw&tav disxili/ouv, tou&twn d' )Aqhnai/ouv fhmi\ dei=n ei]nai pentakosi/ouv, e0c h{v a!n tinov u(mi=n h(liki/av kalw~v e1xein dokh?,~| xro&non takto_n strateuome/nouv, mh_ makro_n tou~ton, a)ll' o#son a@n dokh~?| kalw~v e1xein, e0k diadoxh~v a)llh&loiv: tou_v d' a!llouv ce/nouv ei]nai keleu&w. kai\ meta_ tou&twn i9ppe/av diakosi/ouv, kai\ tou&twn penth&kont' )Aqhnai/ouv tou)la&xiston, w#sper tou_v pezou&v, to_n au)to_n tro&pon strateuome/nouv: kai\ i9ppagwgou_v tou&toiv. ei]en: ti/ pro_v tou&toiv e1ti; taxei/av trih&reiv de/ka: dei= ga&r, e1xontov e0kei/nou nautiko&n, kai\ taxeiw~n trih&rwn h(mi=n, o#pwv a)sfalw~v h( du&namiv ple/h|. po&qen dh_ tou&toiv h( trofh_ genh&setai; e0gw_ kai\ tou~to fra&sw kai\ dei/cw, e0peida&n, dio&ti thlikau&thn a)poxrh~n oi]mai th_n du&namin kai\ poli/tav tou_v strateuome/nouv ei]nai keleu&w, dida&cw. 67 Proponho então dois mil soldados ao todo, deles declaro ser necessário que quinhentos sejam atenienses, da idade que vos parecer propícia, servindo por tempo determinado, não muito longo, mas o quanto parecer salutar à sucessão de uns aos outros; ordeno que os outros sejam mercenários. Junto deles duzentos cavaleiros, também deles pelo menos cinquenta atenienses, servindo à mesma maneira que homens da infantaria. Haverá transporte para a cavalaria. O que mais para eles? Dez trirremes rápidas: tendo Filipe uma esquadra, é necessário para vós trirremes rápidas, para que a armada navegue com segurança. De onde virá a alimentação para eles? Eu também falarei e exporei isto, logo que, porque julgo ser suficiente uma força deste porte e os combatentes serem cidadãos, eu explicar. (Primeira Filípica, 21 - 22). São igualmente notáveis os verbos empregados na primeira pessoa do singular no decorrer do discurso, porque, em diversos casos, eles atestam o ethos de competência. Sobretudo nos parágrafos que compreendem as propostas do orador, o emprego da primeira pessoa revela não só confiança no que se sugere francamente, mas também que o locutor tem profundo conhecimento na atividade que exerce. Sobre a proposta de fato, Demóstenes sugere que haja um total de dois mil soldados, servindo à cidade em turnos fixos, e duzentos cavaleiros. Do montante indicado, o orador explica que é necessário haver um quarto de homens atenienses em cada setor das forças armadas. Além do indicado, o ateniense afirma que será disponibilizado transporte para a cavalaria e solicita também o preparo de dez trirremes de velocidade, sob a justificativa de que, se o monarca possui uma esquadra, tais trirremes seriam necessárias para garantir a segurança da navegação dos atenienses até o norte. Após explicar que a força não pode ser maior do que a de sua proposta porque a cidade não teria recursos suficientes para manter mais homens, Demóstenes expõe a necessidade de se respeitar a quantidade sugerida de cidadãos no exército por meio de um exemplo da Guerra Social. poli/tav de\ parei=nai kai\ sumplei=n dia_ tau~ta keleu&w, o#ti kai\ pro&tero&n pot' a)kou&w ceniko_n tre/fein e0n Kori/nqw| th_n po&lin, ou{ Polu&stratov h(gei=to kai\ I)fikra&thv kai\ Xabri/av kai\ a!lloi tine/v, kai\ au)tou_v u(ma~v sustrateu&esqai: kai\ oi]d' a)kou&wn o#ti Lakedaimoni/ouv paratatto&menoi meq' u(mw~n e0ni/kwn ou{toi oi9 ce/noi kai\ u(mei=v met' e0kei/nwn. e0c ou{ d' au)ta_ kaq' au(ta_ ta_ cenika_ u(mi=n strateu&etai, tou_v fi/louv nika~?| kai\ tou_v summa&xouv, oi9 d' e0xqroi\ mei/zouv tou~ de/ontov gego&nasi. kai\ paraku&yant' e0pi\ to_n th~v po&lewv po&lemon, pro_v )Arta&bazon kai\ pantaxoi= ma~llon oi1xetai ple/onta, o( de\ strathgo_v a)kolouqei=, ei0ko&twv: ou) ga_r e1stin a!rxein mh_ dido&nta misqo&n. 68 Recomendo que os cidadãos naveguem porque certa vez ouvi dizer que a cidade manteve uma tropa mercenária em Corinto, a qual comandaram Polístrato, Ifícrates, Cábrias e alguns outros e vós mesmos combatestes. E sei, ouvindo dizer, que se pondo lado a lado para combater os lacedemônios convosco, estrangeiros venceram e vós com eles. Mas, a partir do momento que as tropas mercenárias por si próprias dirigem a expedição para vós, vencem os amigos e os aliados, e os inimigos tornam-se maiores do que o necessário. E, após terem lançado ligeiramente o olhar para a guerra da cidade, preferem partir para junto de Artábazo e outro lugar qualquer. E o general as segue, com todo o direito, pois não há comando, quando não se paga o soldo. (Primeira Filípica, 24). Wooten (2008: 1670 - 88) afirma que, durante a referida guerra, Cares era um dos comandantes atenienses que alistou dez mil dos soldados dispensados pelos sátrapas52 por ordem do rei persa Artaxerxes III, sem que tivesse fundos para pagar tantos mercenários. Então, quando Artábazo, um sátrapa na Frígia helespontina, se revoltou contra Artaxerxes III, convidou Cares para lutar a seu lado contra o monarca, e os mercenários alistados forçaram-no a aceitar o convite. Após a vitória contra grande parte do exército do rei, Artábazo financiou os homens alistados por Cares. Assim, percebe-se que Demóstenes está preocupado com os rumos que um exército composto unicamente de mercenários pode tomar. Além disso, defende que os dissidentes agem justamente, pois não se deve trabalhar quando não há pagamento. Para que não aconteça algo dessa natureza mais uma vez, argumenta-se que é necessário escolher comandantes entre os atenienses que, se sua proposta for bem aceita, se alistarão, já que, na opinião do orador, o jeito como os assuntos de guerra vêm sendo tratados é motivo de riso. A repentina mudança de tom continua no parágrafo seguinte, no qual se nota nova crítica àqueles que nada fazem para melhorar a situação. ou)k e0xeirotonei=te d' e0c u(mw~n au)tw~n de/ka tacia&rxouv kai\ strathgou_v kai\ fula&rxouv kai\ i9ppa&rxouv du&o; ti/ ou}n ou{toi poiou~sin; plh_n e9no_v a)ndro&v, o$n a@n e0kpe/myht' e0pi\ to_n po&lemon, oi9 loipoi\ ta_v pompa_v pe/mpousin u(mi=n meta_ tw~n i9eropoiw~n: w#sper ga_r oi9 pla&ttontev tou_v phli/nouv, ei0v th_n a)gora_n xeirotonei=te tou_v tacia&rxouv kai\ tou_v fula&rxouv, ou)k e0pi\ to_n po&lemon. Não erguíeis a mão para eleger entre vós mesmos dez taxiarcos, generais, filarcos e ainda dois hiparcos? O que, então, fazem estes? 52 De acordo com Azevedo (2012: 355), o poderio do Estado persa era, essencialmente, representado pela superioridade do exército no qual um corpo de elite, “Dez Mil Imortais”, desempenhava papel fundamental, ao lado dos melóforos, guarda pessoal do soberano, integrados por dois mil homens. Administrativamente, esse imenso império era dividido em 20 províncias (satrápias), dotadas de relativa autonomia e de um surpreendente serviço de comunicações. 69 Exceto um homem, que vós despachastes para a guerra, os restantes conduzem vossas procissões junto dos sacerdotes. De fato, como os que moldam as figurinhas de argila, vós elegeis para a ágora os taxiarcos e filarcos, não para a guerra. (Primeira Filípica, 26). Em um trecho no qual se faz forte menção aos cargos atenienses de comando 53, Demóstenes afirma que grande parte dos que vem sendo escolhidos não tem a menor serventia, tal como bonecos de argila. Por essa razão é que ele insiste tanto para que os novos comandantes da possível força armada sejam votados e escolhidos entre homens atenienses em idade propícia para alistamento, para que o exército seja, de fato, da cidade. Então, tendo feito todas as propostas de reorganização e disposição das forças armadas, o ateniense expõe os custos que, acredita, manterão tudo operando funcionalmente pelo período de um ano. O montante é alto, conforme se observa no excerto: (...) xrh&mata toi/nun: e1sti me\n h( trofh&, sithre/sion mo&non, th?|~ duna&mei tau&th| ta&lant' e0nenh&konta kai\ mikro&n ti pro&v, de/ka me\n nausi\ taxei/aiv tettara&konta ta&lanta, ei1kosin ei0v th_n nau~n mnai= tou~ mhno_v e9ka&stou, stratiw&taiv de\ disxili/oiv tosau~q' e3tera, i3na de/ka tou~ mhno_v o( stratiw&thv draxma_v sithre/sion lamba&nh|, toi=v d' i9ppeu~si diakosi/oiv ou}sin, e0a_n tria&konta draxma_v e3kastov lamba&nh| tou~ mhno&v, dw&deka ta&lanta. (...) Quanto aos bens: a provisão desta força é, somente em soldo, de noventa talentos e um pouco mais; para as dez naus rápidas, quarenta talentos, (sendo) vinte minas por nau cada mês; para os dois mil soldados, uma quantia semelhante, para que o soldado receba um soldo de dez dracmas por mês; para os duzentos cavaleiros existentes, se cada um receber trinta dracmas por mês, doze talentos. (Primeira Filípica, 28). Então, após a apreciação dos custos do exército para a cidade, por meio de uma estrutura hiperbática (ei0 de/ tiv oi1etai mikra_n a)formh_n ei]nai (...) ou)k o)rqw~v e1gnwken) muito semelhante à que se pode encontrar no primeiro período do exórdio 54, Demóstenes, visando a garantir à sua audiência que a proposta é suficiente, faz menção ao vigésimo terceiro parágrafo, no qual sugeriu que os atenienses adotassem táticas de pirataria e pilhagem contra Filipe. Deste modo, não haveria necessidade de se considerar a adição de outras cifras à elevada quantia estimada: 53 Cf. Hansen 106 - 10; 233 - 37. ei0 me\n peri\ kainou~ tinov pra&gmatov prouti/qet', w} a!ndrev 0Aqhnai=oi, le/gein, e0pisxw_n a@n e3wv oi9 plei=stoi tw~n ei0wqo&twn gnw&mhn a)pefh&nanto, ei0 me\n h!reske/ ti/ moi tw~n u(po_ tou&twn r(hqe/ntwn, h(suxi/an a@n h}gon, ei0 de\ mh&, to&t' a@n au)to_v e0peirw&mhn a$ gignw&skw le/gein: (Primeira Filípica, 1). 54 70 Tosau&thn me/n, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, dia_ tau~ta, o#ti ou)k e1ni nu~n h(mi=n pori/sasqai du&namin th_n e0kei/nw| paratacome/nhn, a)lla_ lh|steu&ein a)na&gkh kai\ tou&tw| tw~?| tro&pw| tou~ pole/mou xrh~sqai th_n prw&thn: ou) toi/nun u(pe/rogkon au)th&n (ou) ga_r e1sti misqo_v ou)de\ trofh&), ou)de\ pantelw~v tapeinh_n ei]nai dei=. Deste contingente, atenienses, porque não é possível prover uma força igualável a dele agora, mas é necessário praticar técnicas de pirataria e servir-se deste tipo de guerra antes. Não é preciso que ela seja excessiva (pois não há soldo nem provisão), nem, de todo modo, insignificante. (Primeira Filípica, 23). Demonstrando ser de fato um possuidor do ethos de competência, observa-se novamente o uso do verbo na primeira pessoa do singular (tou~t' h!dh le/cw), no parágrafo 29, para apontar o profundo conhecimento que o orador tem de determinado tema. Tratase, neste caso, da fonte de renda que custeará o exército defensivo na cidade e a expedição ao norte, próxima ao território do monarca. Assim, um documento informativo é lido diante da audiência para que todos conheçam de onde virá o montante: ei0 de/ tiv oi1etai mikra_n a)formh_n ei]nai, sithre/sion toi=v strateuome/noiv u(pa&rxein, ou)k o)rqw~v e1gnwken: e0gw_ ga_r oi]da safw~v o#ti, tou~t' a@n ge/nhtai, prosporiei= ta_ loi/p’ au)to_ to_ stra&teum' a)po_ tou~ pole/mou, ou)de/na tw~n (Ellh&nwn a)dikou~n ou)de\ tw~n summa&xwn, w#st' e1xein misqo_n e0ntelh~. e0gw_ sumple/wn e0qelonth_v pa&sxein o(tiou~n e3toimov, e0a_n mh_ tau~q' ou#twv e1xh|. po&qen ou}n o( po&rov tw~n xrhma&twn, a$ par' u(mw~n keleu&w gene/sqai; tou~t' h!dh le/cw. Se alguém crê que o fundo é pequeno para iniciar um soldo para os combatentes, não pensou com razão. Pois eu sei claramente que, se isto acontecer, o próprio exército proverá outras coisas da guerra. Sem injustiça a nenhum dos helenos nem aos aliados, de modo a pagar o salário completo. Embarcando voluntariamente, eu estou pronto a sofrer o que for, se não ocorrer desta forma. De onde então a provisão dos bens que vos recomendo surgirá? Direi isto imediatamente. (Primeira Filípica, 29). Após a leitura, Demóstenes encerra suas propostas, voltadas especificamente ao preparo bélico contra Filipe, e retoma os argumentos persuasivos com os quais tenta exortar os atenienses desde o início do pronunciamento. Além da sugestão de que se vote rapidamente as propostas que parecerem convenientes, nota-se, mais uma vez, leve crítica de que os atenienses vêm guerreando contra o pai de Alexandre por meio de decretos e cartas, em vez de ações efetivas. Do trigésimo primeiro parágrafo até o quinquagésimo é possível estabelecer relação com os argumentos apresentados entre o segundo e décimo segundo parágrafos. 71 Esses objetivam, majoritariamente, os problemas internos e uma exortação ao abandono da inércia e da negligência. A essa organização estrutural Lausberg (1972: 233) dá o nome quiasmo, que “consiste na posição entrecruzada dos elementos correspondentes, em grupos que, entre si, se correspondem, e, deste modo, e um meio da dispositio55, que exprime a antítese. Demóstenes apresenta diversas sugestões do que pode ser feito para reverter a situação a favor da cidade. Argumenta, por exemplo, que, a fim de deliberar melhor sobre o preparo para o conflito bélico mais recente, os atenienses deveriam ter considerado com mais cautela as estações do ano, as condições climáticas e o terreno para onde avançariam. De maneira bastante sutil, a afirmação serve com um conselho para que se aja dessa forma na próxima e iminente oportunidade: Dokei=te de/ moi polu_ be/ltion a@n peri\ tou~ pole/mou kai\ o#lhv th~v paraskeuh~v bouleu&sasqai, ei0 to_n to&pon, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, th~v xw&rav, pro_v h$n polemei=te, e0nqumhqei/hte, kai\ logi/saisq' o#ti toi=v pneu&masi kai\ tai=v w#raiv tou~ e1touv ta_ polla_ prolamba&nwn diapra&ttetai Fi/lippov, kai\ fula&cav tou_v e0thsi/av h@ to_n xeimw~n' e0pixeirei=, h(ni/k' a@n h(mei=v mh_ dunai/meq' e0kei=s' a)fike/sqai. Parece-me que vós teríeis deliberado muito melhor sobre a guerra e todo o preparativo, atenienses, se tivésseis considerado o terreno da região na qual guerreais, e se pensásseis que, aproveitando os ventos e estações do ano, Filipe consegue muitas coisas. E, após esperar pelos ventos ou pelo inverno, põe-se ao trabalho quando nós não poderíamos chegar àquele lugar. (Primeira Filípica, 31). Conforme mencionado anteriormente nesse estudo, Aristóteles anotou na Arte Retórica que o conhecimento do território é um fator muito importante para o sucesso quando se pretende guerrear. Tal opinião ganha força ao se analisar a sugestão do orador ateniense na peça retórica. Para ele, há vários postos de inverno à disposição de Atenas, que poderia se beneficiar não só do posicionamento, mas também dos ventos favoráveis à época do ano, como se vê no excerto: dei= toi/nun tau~t' e0nqumoume/nouv mh_ bohqei/aiv polemei=n (u(steriou~men ga_r a(pa&ntwn), a)lla_ paraskeuh?~| sunexei= kai\ duna&mei. u(pa&rxei d' u(mi=n xeimadi/w| me\n xrh~sqai th?~| duna&mei Lh&mnw| kai\ Qa&sw| kai\ Skia&qw| kai\ tai=v e0n tou&tw~| tw~?| to&pw| nh&soiv, e0n ai[v kai\ lime/nev kai\ si=tov kai\ a$ xrh_ strateu&mati pa&nq' u(pa&rxei: th_n 55 A dispositio externa à obra e, por conseguinte, o consilium do orador, que na elaboração da matéria, visa à persuasão do árbitro da situação, apresenta os fenômenos da parcialidade e do estranhamento (cf. Lausberg 1972: 103). 72 d' w#ran tou~ e1touv, o#te kai\ pro_v th~?| gh~?| gene/sqai r(a/?|dion kai\ to_ tw~n pneuma&twn a)sfale/v, pro_v au)th?~| th~?| xw&ra| kai\ pro_v toi=v tw~n e0mpori/wn sto&masi r(a|di/wv e1stai. Então, considerando estas coisas, não se deve guerrear com expedições de socorro (pois chegaremos atrasados para tudo), mas com um preparativo bélico e força contínuos. Vós tendes a serviço da força, como quartel de inverno, Lemno, e Tasso, e Sciathos e as ilhas neste local, nas quais há portos, alimento e todas as coisas que são necessárias a um exército. Durante esta estação do ano, quando se torna fácil estar próximo à terra e há certeza dos ventos, (a força) estará facilmente próxima a esta região e às bocas dos portos de comércio. (Primeira Filípica, 32). De acordo com Wooten (2008: 1911), a estrutura polissindética 56 (u(pa&rxei d' u(mi=n xeimadi/w| me\n xrh~sqai th?~| duna&mei Lh&mnw| kai\ Qa&sw| kai\ Skia&qw| kai\ tai=v e0n tou&tw~| tw~?| to&pw| nh&soiv, e0n ai[v kai\ lime/nev kai\ si=tov kai\ a$ xrh_ strateu&mati pa&nq' u(pa&rxei) empregada no excerto tem como objetivo enfatizar a quantidade de lugares disponíveis e também a vantagem que cada um dos mesmos pode trazer aos atenienses. Provavelmente, a menção às localidades é parte da estratégia demostênica de encorajamento. De fato, como o próprio orador afirmou no sexto parágrafo, as pessoas aliam-se àqueles que se preparam antecipadamente e demonstram as vantagens da aliança. De maneira análoga, pode-se pensar na situação em questão: quando as vantagens de se engajar em uma causa são conhecidas, torna-se mais fácil de aceitar o risco. kai\ ga&r toi tau&th| xrhsa&menov th~?| gnw&mh| pa&nta kate/straptai kai\ e1xei, ta_ me\n w(v a@n e9lw&n tiv e1xoi pole/mw|, ta_ de\ su&mmaxa kai\ fi/la poihsa&menov: kai\ ga_r summaxei=n kai\ prose/xein to_n nou~n tou&toiv e0qe/lousin a#pantev, ou$v a@n o(rw~si pareskeuasme/nouv kai\ pra&ttein e0qe/lontav a$ xrh&. E, de fato, tendo-se utilizado deste conhecimento, conquistou todos e os mantém. Alguns, teria depois de ter conquistado com a guerra; outros, tendo feito amigos e aliados. De fato, todos desejam aliar-se e respeitar os que veem se preparando e desejando fazer o que é preciso. (Primeira Filípica, 6). A seguir, Demóstenes recapitula uma das condições mais importantes que fez na proposta à audiência: que os atenienses ocupem posições de destaque no exército para serem vigias de conduta dos mercenários e dos comandantes eleitos por voto. 56 Como forma especial da anáfora (...) pode ser considerado o (...) polissíndeto, que consiste na estrutura sindética de membros coordenados, de sorte que são respectivamente acompanhados por uma conjunção de significado igual (e, na maior parte dos casos, de igual corpo de palavra) o primeiro e o segundo membros (et ... et ...) e, quando se trata de mais membros, todos os membros, sem que se tenha de incluir necessariamente o primeiro membro ( ... et ... et ...). Lausberg 1972: 175. 73 Aos atenienses, o orador reserva unicamente o final do excerto, no qual se observa, mais uma vez, os empregos da enunciação delocutiva e da estrutura polissindética para reforçar a crítica feita (u(mei=v d' ou!te tau~ta du&nasqe kwlu&ein ou!t' ei0v tou_v xro&nouv, ou$v a@n proqh~sqe, bohqei=n): 4A me\n ou}n xrh&setai kai\ po&te th?~| duna&mei, para_ to_n kairo_n o( tou&twn ku&riov katasta_v u(f' u(mw~n bouleu&setai: a$ d' u(pa&rcai dei= par' u(mw~n, tau~t' e0sti\n a(gw_ ge/grafa. a@n tau~t', w} a!ndrev )Aqhnai=oi, pori/shte, ta_ xrh&mata prw~ton a$ le/gw, ei]ta kai\ ta!lla paraskeua&santev, tou_v stratiw&tav, ta_v trih&reiv, tou_v i9ppe/av, e0ntelh~ pa~san th_n du&namin no&mw| kataklei/sht' e0pi\ tw~?| pole/mw| me/nein, tw~n me\n xrhma&twn au)toi\ tami/ai kai\ poristai\ gigno&menoi, tw~n de\ pra&cewn para_ tou~ strathgou~ to_n lo&gon zhtou~ntev, pau&sesq' a)ei\ peri\ tw~n au)tw~n bouleuo&menoi kai\ ple/on ou)de\n poiou~ntev, kai\ e1ti pro_v tou&tw| prw~ton me/n, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, to_n me/giston tw~n e0kei/nou po&rwn a)fairh&sesqe. e1sti d' ou{tov ti/v; (...) a)po_ tw~n u(mete/rwn u(mi=n polemei= summa&xwn, a!gwn kai\ fe/rwn tou_v ple/ontav th_n qa&lattan. e1peita ti/ pro_v tou&tw|; tou~ pa&sxein au)toi\ kakw~v e1cw genh&sesqe, ou)x w#sper to_n parelqo&nta xro&non ei0v Lh~mnon kai\ I!mbron e0mbalw_n ai0xmalw&touv poli/tav u(mete/rouv w!|xet' e1xwn, pro_v tw?~| Geraistw?~| ta_ ploi=a sullabw_n a)mu&qhta xrh&mat' e0ce/lece, ta_ teleutai=' ei0v Maraqw~n' a)pe/bh kai\ th_n i9era_n a)po_ th~v xw&rav w!|xet' e1xwn trih&rh (...) Quando e qual uso será feito desta força, o chefe eleito por vós deliberará de acordo com a ocasião, mas as coisas que são necessárias começar de vossa parte, estas são as que eu escrevi. Se, atenienses, provirdes primeiramente os bens que falo, em seguida as outras forem preparadas, os soldados, as trirremes, os cavaleiros, e obrigar por lei toda a força em bom estado a permanecer na guerra, tornando-se vós mesmos tesoureiros e gestores dos bens públicos, exigindo do general contas de sua conduta, cessareis de ficar sempre deliberando acerca das mesmas coisas e nada fazer. E ainda, além disto, atenienses, o maior dos recursos dele retirareis. E este qual é? De vossos aliados, pois ele guerreia contra vós saqueando os que navegam o mar. E depois o que, além disto? Vós próprios estareis salvos de sofrer dano, não da maneira do tempo passado, em que, tendo se lançado contra Lemno e Imbro, ele partia com vossos cidadãos cativos, e após capturar os navios próximos de Geresto, coletou bens indizíveis e, por fim, desembarcou em Maratona e partiu do território levando a nau sagrada, e vós nem pudestes prevenir estas coisas, nem enviar vossos socorros nos momentos em que, talvez, tivestes chance. (Primeira Filípica, 33 - 34). Digna de nota é a nova antítese utilizada no trigésimo quarto parágrafo para opor a postura de Filipe à dos atenienses, tal como feito anteriormente. Nesse, o monarca, por meio do ostensivo uso de verbos e formas nominais, reaparece como um homem de ação, e a descrição de seus feitos toma aproximadamente todo o trecho. Parece importante notar 74 que a única crítica à conduta de Filipe também diz respeito a ações já comentadas em outros momentos do discurso: a insolência desenfreada do rei, que raptou uma nau sagrada do território atenienses, como se vê: O próximo problema apontado é relativo ao desinteresse em qualquer espécie de preparo bélico, sobretudo em comparação com a disposição observável entre os atenienses para organizar festivais. De acordo com o orador, o responsável do ano é sempre escolhido com bastante antecipação para que nada fique negligenciado. Porém, quando se trata de organização bélica, não há nada que seja praticamente declarada urgência: o#ti e0kei=na me\n a#panta no&mw| te/taktai, kai\ pro&oiden e3kastov u(mw~n e0k pollou~ ti/v xorhgo_v h@ gumnasi/arxov th~v fulh~v, po&te kai\ para_ tou~ kai\ ti/ labo&nta ti/ dei= poiei=n, ou)de\n a)nece/taston ou)d' a)o&riston e0n tou&toiv h)me/lhtai: e0n de\ toi=v peri\ tou~ pole/mou kai\ th~?| tou&tou paraskeuh?~| a!takta, a)dio&rqwta, a)o&risq' a#panta. toigarou~n a#m' a)khko&ame/n ti kai\ trihra&rxouv kaqi/stamen kai\ tou&toiv a)ntido&seiv poiou&meqa kai\ peri\ xrhma&twn po&rou skopou~men, kai\ meta_ tau~t' e0mbai/nein tou_v metoi/kouv e1doce kai\ tou_v xwri\v oi0kou~ntav, ei]t' au)tou_v pa&lin, ei]t' a)ntembiba&zein, ei]t' e0n o#sw| tau~ta me/lletai, proapo&lwle to_ e0f' o$ a@n e0kple/wmen: to_n ga_r tou~ pra&ttein xro&non ei0v to_ paraskeua&zesqai a)nali/skomen , oi9 de\ tw~n pragma&twn ou) me/nousi kairoi\ th_n h(mete/ran braduth~ta kai\ ei0rwnei/an. a$v de\ to_n metacu_ xro&non duna&meiv oi0o&meq' h(mi=n u(pa&rxein, ou)de\n oi[ai/ t' ou}sai poiei=n e0p' au)tw~n tw~n kairw~n e0cele/gxontai. o( d' ei0v tou~q' u#brewv e0lh&luqen w#st' e0piste/llein Eu)boeu~sin h!dh toiau&tav e0pistola&v. É que todas elas são, por lei, organizadas e cada um entre vós sabe já há bastante tempo quem será corego ou gimnasiarco da tribo, quando, da parte de quem, o que recebe e o que é necessário fazer. E nada fica negligenciado, sem exame e nem indefinido. Porém, nas coisas sobre a guerra e no tocante ao preparativo bélico da mesma, são todas desorganizadas, sem planejamento e indefinidas. Eis então porque no momento em que ouvimos alguma coisa, estabelecemos os trierarcas e fazemos as trocas de propriedades entre eles, refletimos acerca da provisão de recursos e, depois destas coisas, decidiu-se embarcar os metecos, os libertos, em seguida os cidadãos das trocas de propriedades, depois substituí-los, e depois no tanto que atrasamos estas coisas, aquilo pelo que nos pomos ao mar está destruído. De fato, desperdiçamos o momento de ação com o preparo, mas os momentos oportunos não esperam nossa lentidão e dissimulação. E as forças que pensamos estar prontas durante este intervalo, nos momentos oportunos provam não fazer nada. E ele chegou à tal insolência como a de enviar aos eubeus cartas como esta. (Primeira Filípica, 36 - 37). Neste trecho, destaca-se a mistura das estratégias para expressar sua opinião diante do auditório. Para expor que a organização dos festivais é bem feita, utiliza-se a 75 enunciação delocutiva (u9mw~n), visando a demonstrar que os atenienses têm qualidades. Sobre os preparativos bélicos, Demóstenes emprega verbos na primeira pessoa do plural, demonstrando que se inclui entre os que deixaram a desejar quanto à organização da armada. A tática parece bastante inteligente, pois, ao evitar o uso de rigidez excessiva com seus ouvintes, mais uma vez, o orador expressa uma opinião dura com suavidade 57. De fato, é possível que a audiência sequer tenha notado a crítica à sua conduta, porque foi elogiada naquilo que faz bem, mas, no momento em que foi necessário expor uma falha, o orador reconheceu ser parte do problema. Desta forma, Demóstenes alivia levemente a culpa de seus ouvintes no assunto em questão. Parece estranho a figura do monarca ser mencionada no fim do trecho de maneira tão súbita. A menção a Filipe tem dois objetivos distintos, mas igualmente importantes. Em primeiro lugar, apresenta um homem que chega e age tão abruptamente quanto a sua aparição no trecho, de acordo com Wooten (2008: 2109). Em segundo lugar, adianta o tópico a ser desenvolvido a seguir: a leitura da carta que o pai de Alexandre enviou à Eubeia. Embora não se tenha o texto da carta lida diante dos ouvintes, depreende-se do discurso demostênico que seu conteúdo era bastante incômodo de se ouvir. O orador reconhece grande parte do que foi lido ser verdade e, ainda que sejam notícias nefastas, devem ser conhecidas por todos, a fim de que se possa preparar convenientemente e estar à frente dos problemas, em vez de tentar simplesmente reparar o dano causado. Para Demóstenes, essa é a maneira ateniense de agir até então, um argumento que será ampliado nos próximos parágrafos. Por meio de uma comparação com a forma atrapalhada de os bárbaros praticarem a luta, expõe-se mais uma falha dos seus concidadãos. O ateniense refere-se aos bárbaros como homens que nunca estão preparados para um golpe de pugilato, levando a mão ao local somente após a pancada. De forma igual, os atenienses são obrigados a enviar expedições de socorro, pois nunca estão preparados para repelir o golpe de Filipe. Pior que isso, costumam chegar tão atrasados que já não é possível prevenir o maior prejuízo. Na opinião de Wooten (2008: 2172), a comparação tem como função ironizar seus ouvintes, pois coloca Filipe como um grego, um homem que sabe lutar e tem experiência no pugilato, e os atenienses como um bárbaro, que não sabe lutar, nem tem experiência em tal prática. 57 Arte Retórica, 1408b. 76 u(mei=v d', w} a!ndrev )Aqhnai=oi, plei/sth du&namin a(pa&ntwn e1xontev, trih&reiv, o(pli/tav, i9ppe/av, xrhma&twn pro&sodon, tou&twn me\n me/xri th~v th&meron h(me/rav ou)deni\ pw&pot' ei0v de/on ti ke/xrhsqe, ou)de\n d' a)polei/pete, w#sper oi9 ba&rbaroi pukteu&ousin, ou#tw polemei=n Fili/ppw|. kai\ ga_r e0kei/nwn o( plhgei\v ai0ei\ th~v plhgh~v e1xetai, ka@n e9te/rwse pata&ch|v tiv, e0kei=v' ei0si\n ai9 xei=rev: proba&llesqai d' h@ ble/pein e0nanti/on ou!t' oi]den ou!t' e0qe/lei. E vós, atenienses, tendo a maior força de todas, trirremes, hoplitas, cavaleiros, acesso aos bens, destas, até o dia de hoje, jamais vos servistes para o que é necessário, e da forma como os bárbaros praticam o pugilato, vós guerreais contra Filipe. Pois, entre eles, o que levou um golpe, sempre posiciona a mão onde ocorreu o golpe, e se bate-se do outro lado, as mãos lá estão. Ele não sabe, e nem deseja proteger-se ou observar seu opositor. (Primeira Filípica, 40). Com o intuito de exortação, Demóstenes retoma uma ideia expressa no nono parágrafo, agora no quadragésimo segundo, evidenciando a estrutura quiásmica do discurso. No início, foi exposto à audiência que a insolência do monarca é desenfreada, não deixando aos atenienses a escolha de ação ou inação, porque não se satisfaz com as coisas conquistadas. No fim, o orador utiliza a mesma estrutura frásica como recurso anafórico (e1xwn a$ kate/straptai)58 referindo-se ao macedônico, assim como à lentidão ateniense. dokei= de/ moi qew~n tiv, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, toi=v gignome/noiv u(pe\r th~v po&lewv ai0sxuno&menov th_n filopragmosu&nhn tau&thn e0mbalei=n Fili/ppw|. ei0 ga_r e1xwn a$ kate/straptai kai\ proei/lhfen h(suxi/an e1xein h!qele kai\ mhde\n e1pratten e1ti, a)poxrh~n e0ni/oiv u(mw~n a!n moi dokei=, e0c w{n ai0sxu&nhn kai\ a)nandri/an kai\ pa&nta ta_ ai1sxist' w)flhko&tev a@n h}men dhmosi/a:| nu~n d' e0pixeirw~n a)ei/ tini kai\ tou~ plei/onov o)rego&menov i1swv a@n e0kkale/saiq' u(ma~v, ei1per mh_ panta&pasin a)pegnw&kate. Parece-me que algum dos deuses, atenienses, envergonhando-se com os acontecimentos da cidade, incute em Filipe este desejo de imiscuirse nos assuntos alheios. Pois, se ele, com as coisas que conquistou e subjugou, desejasse ficar em paz e não fizesse ainda mais, me parece que, para algum de vós, seria o suficiente, e por causa destas coisas estaríamos condenados à vergonha e covardia e todas as maiores desonras em nome do estado. Porém agora, tentando sempre alguma coisa e aspirando mais, se não desististes inteiramente, talvez vos excite. (Primeira Filípica, 42). Observando a postura de Atenas, o orador declara-se admirado que ninguém perceba a extensão dos problemas surgidos por causa da letargia que assola a cidade. 58 Cf. Primeira Filípica, 9: kai\ ou)x oi[o&v e0stin e1xwn a$ kate/straptai me/nein e0pi\ tou&twn. 77 Demóstenes argumenta que o início de seu pronunciamento tratava da melhor maneira para castigar Filipe. Porém, no fim, a situação encontra-se tão invertida que os atenienses precisam ouvir conselhos sobre como não sofrer nas mãos do monarca. Em poucas palavras, a suposta vítima transforma-se em um perigoso e traiçoeiro agressor. E ainda assim, os cidadãos nada fazem para melhorar a própria condição, esperando que o envio de trirremes vazias resolva a questão.Esse é o motivo que impulsiona o orador a fazer novo uso da primeira pessoa do plural no parágrafo seguinte. Aproximando-se do fim do discurso, Demóstenes está confiante o suficiente para sugerir outro curso de ação. Do quadragésimo quarto parágrafo em diante, torna-se muito frequente o uso de primeiras pessoas e os respectivos pronomes pessoais. ou)k e0mbhso&meqa; ou)k e1cimen au)toi\ me/rei ge/ tini stratiwtw~n oi0kei/wn nu~n, ei0 kai\ mh_ pro&teron; ou)k e0pi\ th_n e0kei/nou pleuso&meqa; “poi= ou}n prosormiou&meqa;” h!reto& tiv. eu(rh&sei ta_ saqra&, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, tw~n e0kei/nou pragma&twn au)to_v o( po&lemov, a@n e0pixeirw~men: a@n me/ntoi kaqw&meq' oi1koi, loidoroume/nwn a)kou&ontev kai\ ai0tiwme/nwn a)llh&louv tw~n lego&ntwn, ou)de/pot' ou)de\n h(mi=n mh_ ge/nhtai tw~n deo&ntwn. Não embarcaremos? Não partiremos nós mesmos com alguma porção de soldados citadinos agora, se não antes? “Então onde ancoraremos?”, alguém perguntou. A própria guerra encontrará, atenienses, as coisas em mau estado nos assuntos dele, se nos esforçarmos. Mas, certamente, se nos sentarmos em casa, ouvindo os oradores se queixando e censurando uns aos outros, jamais acontecerá nada das coisas necessárias para nós. (Primeira Filípica, 44). O excerto expõe a opinião do ateniense sobre a necessidade de esforço coletivo imediato. Observam-se variadas formas verbais em primeira pessoa do plural no trecho que denotam a urgência com que se deve agir. Em oposição a tais formas, encontram-se vocábulos que expressam a inação dos concidadãos, como kaqw&meqa, uma forma subjuntiva do verbo ka/qhmai empregado, também, no nono parágrafo do discurso. Após um trecho no qual – entre as críticas já costumeiras no discurso – Demóstenes reitera a imagem vergonhosa que os estrangeiros têm de Atenas, por causa do desleixo em relação ao que é importante, há o reforço de uma das ideias mais fortes no pronunciamento: os cidadãos devem ocupar-se dos próprios assuntos. Assim, no quadragésimo sétimo parágrafo, Demóstenes retoma a sugestão de que haja atenienses no exército para atuarem como vigias e relatores da conduta dos 78 comandantes quando retornarem à cidade. O orador recorda tal proposta, por considerar o comportamento dos comandantes atuais vergonhoso, porque, de acordo com ele, os chefes acostumam-se a condenações, mas, quando nada acontece, não arriscam a vida contra o inimigo. No entender do ateniense, tal covardia não é própria de um comandante. Ao contrário disso, ao mesmo convém morrer na batalha contra os inimigos: Pw~j ou}n tau~ta pau&setai; o#tan u(mei=j, w} a!ndrej )Aqhnai=oi, tou_j au)tou_j a)podei/chte stratiw&taj kai\ ma&rturaj tw~n strathgoume/nwn kai\ dikasta_j oi1kad' e0lqo&ntaj tw~n eu)qunw~n, w#ste mh_ a)kou&ein mo&non u(ma~j ta_ u(me/ter' au)tw~n, a)lla_ kai\ paro&ntaj o(ra~n. nu~n d' ei0j tou~q' h#kei ta_ pra&gmat' ai0sxu&nhj w#ste tw~n strathgw~n e3kastoj di\j kai\ tri\j kri/netai par' u(mi=n peri\ qana&tou, pro_j de\ tou_j e0xqrou_j ou)dei\j ou)d' a#pac au)tw~n a)gwni/sasqai peri\ qana&tou tolma~?|, a)lla_ to_n tw~n a)ndrapodistw~n kai\ lwpodutw~n qa&naton ma~llon ai9rou~ntai tou~ prosh&kontoj: kakou&rgou me\n ga&r e0sti kriqe/nt' a)poqanei=n, strathgou~ de\ maxo&menon toi=j polemi/oij. Então, como isto cessará? Quando vós, atenienses, apresentardes os próprios soldados como testemunhas dos que comandam e, retornando à casa, juízes das gestões, de modo a vós não somente ouvirdes deles as vossas coisas, mas também, estando próximos, observardes. Agora, porém, os fatos chegam a isto de vergonha que cada um dos generais é julgado por um crime capital duas e três vezes junto a vós, mas, contra os inimigos, nenhum deles arrisca a vida na luta. Eles preferem a morte dos negociadores de escravos e dos ladrões ao que é conveniente, pois cabe ao malfeitor morrer por ser condenado e, ao general, combatendo contra os inimigos. (Primeira Filípica, 47). Aproximando-se cada vez mais do fim do seu pronunciamento, o tom das críticas é levemente abrandado, e observa-se que Demóstenes se atém no que não se deve mais deixar acontecer entre os cidadãos. O estilo nos parágrafos finais parece mais direto do que em trechos anteriores. No quadragésimo oitavo parágrafo, por exemplo, o orador aconselha que os rumores sobre o Filipe tem feito não mais sejam espalhados: h(mw~n d' oi9 me\n periio&ntev meta_ Lakedaimoni/wn fasi\ Fi/lippon pra&ttein th_n Qhbai/wn kata&lusin kai\ ta_v politei/av diaspa~n, oi9 d' w(v pre/sbeiv pe/pomfen w(v basile/a, oi9 d' e0n 0Illurioi=v po&leiv teixi/zein, oi9 de\ lo&gouv pla&ttontev e3kastov perierxo&meqa. Dos nossos, dizem, uns estão espalhando que Filipe negocia com os lacedemônios a dissolução de Tebas e também destruir a constituição do estado; outros que ele enviou embaixadores ao rei persa; outros que ele fortifica cidades na Ilíria; e ainda outros que inventam discursos que cada um de nós espalha. (Primeira Filípica, 48). 79 Essa é uma crítica ao modelo do ateniense de seu tempo, em comparação com os antepassados citados no parágrafo três, em que os homens lutaram por causas justas e venceram os lacedemônios. Aparentemente, Demóstenes afirma que o homem de seu tempo se preocupa unicamente com andanças em busca de novidades, sem que haja compromisso efetivo com a causa. Cabe ressaltar que, nessa reprimenda, o orador se inclui com o intuito de abrandá-la. A seguir, o ateniense dedica o fim de seu discurso ao ataque a figura do monarca, recapitulando à audiência que Filipe é um inimigo perigoso e insolente, como já afirmara em parágrafos anteriores. No quadragésimo nono, por exemplo, não é possível destacar um período que haja menção somente aos atenienses. Na verdade, nesse trecho, a única referência que se faz ao comportamento do povo é indireta. Todo o trecho se refere ao pai de Alexandre e tem contornos de exortação à bravura por meio da indignação pela circunstância em que se encontram: e0gw_ d' oi]mai me/n, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, nh_ tou_v qeou_v e0kei=non mequ&ein tw?~| mege/qei tw~n pepragme/nwn kai\ polla_ toiau~t' o)neiropolei=n e0n th~?| gnw&mh|, th&n t' e0rhmi/an tw~n kwluso&ntwn o(rw~nta kai\ toi=v pepragme/noiv e0ph|rme/non, ou) me/ntoi ge ma_ Di/' ou#tw ge proairei=sqai pra&ttein w#ste tou_v a)nohtota&touv tw~n par' h(mi=n ei0de/nai ti/ me/llei poiei=n e0kei=nov: a)nohto&tatoi ga&r ei0sin oi9 logopoiou~ntev. Eu creio, atenienses, pelos deuses, que ele está embriagado com a grandeza de seus feitos e sonha com mais coisas em seu espírito, observando a ausência de impedimentos e excitado com os feitos. Por Zeus, ele não escolhe agir de modo que os mais ignorantes daqueles junto a vós saiba o que está a ponto de fazer, pois os mais ignorantes são os que fazem rumores. (Primeira Filípica, 49). Demóstenes, então, em seu penúltimo trecho, mantém o ataque a Filipe iniciado no parágrafo anterior, recomendando cautela e medidas imediatas aos atenienses para que não sofram nas mãos do macedônico futuramente. De fato, o discurso demostênico cumpre suficientemente bem a função atribuída por Aristóteles: deliberar sobre o futuro. Cabe ressaltar que , no quinquagésimo parágrafo, o orador relembra um pouco do passado, apontando que o monarca é um inimigo detentor de um histórico negativo com os gregos, tendo-os insultado e privado de posses importantes. Para que esse tipo de situação não volte a acontecer, aconselha-se a saída da inércia, por meio de novos hipérbatos, pois, conforme afirmado no parágrafo, “o vizinho não fará nada no lugar dos maiores interessados”. 80 a)ll' a@n a)fe/ntej tau~t' e0kei=n' ei0dw~men, o#ti e0xqro_j a#nqrwpoj kai\ ta_ h(me/ter' h(ma~j a)posterei= kai\ xro&non polu_n u#brike, kai\ a#panq' o#sa pw&pot' h)lpi/same/n tina pra&cein u(pe\r h(mw~n kaq' h(mw~n eu#rhtai, kai\ ta_ loi/p’ e0n au)toi=j h(mi=n e0sti/, ka@n mh_ nu~n e0qe/lwmen e0kei= polemei=n au)tw?~|, e0nqa&d' i1swj a)nagkasqhso&meqa tou~to poiei=n, a@n tau~t' ei0dw~men, kai\ ta_ de/ont' e0so&meq' e0gnwko&tej kai\ lo&gwn matai/wn a)phllagme/noi: ou) ga_r a#tta pot' e1stai dei= skopei=n, a)ll' o#ti fau~la, e0a\n mh_ prose/xhte to_n nou~n kai\ ta_ prosh&konta poiei=n e0qe/lhte, eu} ei0de/nai. Mas se, após deixarmos estas coisas de lado, reconhecermos que este homem é um inimigo e priva-nos de nosssas coisas e há muito tempo nos insultou, que tudo quanto alguma vez esperamos alguém fazer por nós, aparece contra nós, que as coisas futuras estão em nós mesmos, que se não desejarmos guerrear contra ele naquele lugar, talvez seremos forçado a fazê-lo aqui. Se reconhecermos estas coisas, teremos compreendido as coisas necessárias, e nos distanciado dos discursos vãos. De fato, não é necessário examinar as coisas que acontecerão um dia, mas as que serão prejudiciais, se não pensardes e desejardes fazer o que é conveniente, sabei bem disso! (Primeira Filípica, 50). Por fim, já que aparentemente os atenienses não têm a menor ideia de como começar a tomar conta de seus próprios interesses, o orador argumenta que não é necessário examinar tudo o que pode acontecer um dia, mas, urgentemente, o que pode ser prejudicial, caso não haja deliberação sobre o que é conveniente no momento. Portanto, ainda que o presente seja ruim para Atenas, a mensagem demostênica visa ao futuro da cidade. Em seu epílogo, a expressão do orador é quase inteiramente voltada para si. Isto fica evidente logo no início do trecho, em que se destaca o pronome de primeira pessoa do singular, um emprego claro da enunciação elocutiva apontada por Charaudeau. 0Egw_ me\n ou}n ou!t' a!llote pw&pote pro_v xa&rin ei9lo&mhn le/gein o# ti a@n mh_ kai\ sunoi/sein pepeisme/nov w}, nu~n q' a$ gignw&skw pa&nq' a(plw~v, ou)de\n u(posteila&menov, peparrhsi/asmai. e0boulo&mhn d' a!n, w#sper o#ti u(mi=n sumfe/rei ta_ be/ltist' a)kou&ein oi]da, ou#twv ei0de/nai sunoi=son kai\ tw~?| ta_ be/ltist' ei0po&nti: pollw?|~ ga_r a@n h#dion ei]xon. nu~n d' e0p' a)dh&loiv ou}si toi=v a)po_ tou&twn e0mautw?~| genhsome/noiv, o#mwv e0pi\ tw~?| sunoi/sein u(mi=n, a@n pra&chte, tau~ta pepei=sqai le/gein ai9rou~mai. nikw/?|h d' o# ti pa~sin me/llei sunoi/sein. Eu, pois, nem em outras oportunidades, nunca preferi falar, com prazer, sem estar convencido de trazer vantagem para vós, e agora todas as coisas que sei, simplesmente, sem dissimulação alguma, disse abertamente. Gostaria, assim como sei que vos convém ouvir as melhores coisas, de saber deste modo se será vantajoso também a quem falou as melhores coisas. De fato, ficaria bastante feliz. Porém agora, por causa da incerteza, haverá consequências para mim mesmo, oriundas das propostas, ainda assim prefiro falar por estar convencido 81 da vantagem destas coisas. Vença aquilo que se mostrar mais vantajoso para todos. (Primeira Filípica, 51). À guisa de conclusão, faz-se mister destacar que, no decorrer do discurso, observou-se a gradual mudança de estratégia discursiva do orador. Conforme mencionado em outro momento, o orador inicia seu pronunciamento distante de seu auditório, sobretudo ao apresentar algum tipo de proposta ou verdade incômoda. Os empregos de adjetivos verbais, de verbos impessoais, da enunciação delocutiva e de verbos em segunda pessoa do plural são seus primeiros recursos. Então, à medida que avança no discurso, Demóstenes empreende uma mudança na tática: na maior parte das vezes, com o intuito de abrandar uma crítica, o ateniense inclui sua figura naquilo que diz à audiência por meio da primeira pessoa do plural, visando a demonstrar que, se há um problema, ele também é culpado, já que é um cidadão de Atenas. Contudo, a diferença do orador para os demais é a consciência da necessidade de alteração das circunstâncias atuais. Para tanto, ele se dirige ao povo, com a intenção de apresentar novas propostas, uma outra maneira de lidar com a ameaça. Próximo do encerramento, destaca-se o uso menos receoso da primeira pessoa do singular, às vezes, enfaticamente, por meio do emprego do pronome e0gw&. No epílogo, as primeiras pessoas do singular têm valor extremamente significativo. Elas atestam o esforço do orador em apresentar opiniões que julgava convenientes para a manutenção da soberania ateniense dentro do próprio território. É digno de nota que, no entender de Wooten (2008: 2566), Demóstenes temia ser alvo de uma grafh\ parano&mwn59, uma alegação de inconstitucionalidade de um decreto proposto para a apreciação da assembleia. Talvez essa possibilidade explique o receio excessivo de um homem que acabara de atacar longa e repetidamente tanto atenienses quanto seu principal alvo: o rei macedônico Filipe II. 59 Cf. Hansen 1999: 205 - 12. 82 Demóstenes, então, após afirmar que se expressou visando ao bem comum, Demóstenes finaliza seu discurso com uma frase de bom presságio, cujo significado serve a si próprio e à sua audiência: Vença aquilo que se mostrar mais vantajoso para todos.60 60 Parece interessante perceber que o fim da Primeira Filípica, embora não apresente a mesma frase da Arte Retórica, contém significação semelhante: “Falei; prestastes atenção; tendes os fatos em mãos; julgai” (Arte Retórica 1420a). 83 4. CONCLUSÃO Em quase todo exercício da linguagem, há alguma espécie de intenção retórica. Fala-se, por exemplo, para elogiar, criticar e informar. Na análise empreendida nessa dissertação, observou-se que o objetivo principal da interação é a persuasão ou, para expor em concordância com a proposição aristotélica, “tentar encontrar o que há de persuasivo em cada caso”. Para tal, foi preciso buscar entender desde quando a retórica é relacionada à persuasão. Aparentemente, no que tange à literatura ocidental, ela é atestada em sua obra inaugural: a Ilíada, de Homero. A epopeia apresenta, por exemplo, um ancião tentando persuadir um rei egocêntrico a não prejudicar o destino dos aquivos por causa de uma querela particular com o maior dos guerreiros. Até a chegada do século IV a.C., quando a retórica passou a ser verdadeiramente teorizada por Aristóteles, verificou-se que ela foi utilizada de diversas formas por logógrafos, filósofos e cidadãos comuns, nem sempre com as intenções mais nobres, é verdade. Por isso, Platão criticou bastante a maneira com que os sofistas tratavam a retórica, cujo aprimoramento haviam retirado aos sicilianos Córax e Tísias, pois, para o discípulo de Sócrates, a busca pela verdade era imprescindível em qualquer assunto que se dispõe a ter cunho filosófico. Aristóteles foi o responsável por repensar os conhecimentos que eram transmitidos sob o nome de retórica, aproveitando o que havia de oportuno em cada um de seus predecessores. Soube valorizar a necessidade de linguagem erudita proposta pelos sofistas e a busca pela verdade, que seu ex-mestre pregava, para chegar a uma proposta mais razoável: a investigação das possibilidades de persuasão em cada matéria, contrariando a propaganda sofística de que venciam qualquer disputa dialética, justa ou injustamente. Aos conhecimentos tomados de empréstimo à sofística e à filosofia platônica, somou as suas observações das arengas públicas ou privadas e suas próprias opiniões para compor a primeira teoria de retórica, que passou a ser conhecida como Arte Retórica. O filósofo de Estagira dividiu o tema proposto em três gêneros diferentes: o epidítico, o judiciário e o deliberativo, sendo o último o mais pertinente para se analisar um discurso público voltado à assembleia, tal como é a Primeira Filípica, do orador ateniense Demóstenes. No gênero deliberativo, além de apontar sua finalidade, Aristóteles, entre outros temas, expõe os assuntos considerados relevantes para uma deliberação que vise à salvação de uma cidade em tempos de guerra, como é o enfrentado tanto pelo filósofo quanto pelo orador. Verifica-se que o século IV a.C. é repleto de conflitos bélicos, razão pela qual Demóstenes, após história pessoal conturbada na infância e adolescência, se levanta, agora na maioridade, para lutar da maneira como pode: tentando influenciar os rumos políticos e militares de sua cidade por meio de discursos inflamados contra a mais nova ameaça aos gregos: o monarca macedônico Filipe II. Assim, na Primeira Filípica, observa-se o esforço discursivo de um orador, cujo primeiro obstáculo é a postura dos seus concidadãos, que, temerosos da provável retaliação do pai de Alexandre, são contrários à organização de forças armadas para o iminente combate anunciado na peça retórica. Observou-se que, para vencer Filipe, em primeiro lugar, é necessário ganhar a credibilidade de sua audiência e convencer sobre o conhecimento do próprio ofício. Com tal intuito, Demóstenes demonstra ser profundo conhecedor da história ateniense, fazendo referência a eventos ocorridos na cidade, entre eles, se destacam as guerras das quais participaram e a fidelidade dos chefes aos interesses de Atenas. Os fatos histórico-sociais integram a estratégia do orador para a exortação à saída da inércia, mas, cabe ressaltar que, sozinhos, não seriam suficientes para atingir o intento. A concretização dos objetivos demostênicos depende, entre outros fatores, da sua habilidade enquanto enunciador do discurso e, tendo a consciência disso, o orador emprega recursos estilísticos bastante apropriados aos trechos em que estão localizados. Foram dignos de nota, por exemplo, os hipérbatos empregados com o intuito de chamar e manter a atenção da audiência por causa do suspense que o recurso cria, sobretudo quando não se tinha a prévia anuência do auditório. Talvez por isso, tenha escolhido uma tática de aproximação à audiência tão inteligente, conforme apresentado. 85 Verificou-se que no discurso houve três formas diversas de se dirigir ao povo. Em um primeiro momento, há pouco uso da primeira pessoa do singular ou uso de enunciação elocutiva, principalmente para sugerir algum tipo de ação. Receoso da rejeição, Demóstenes emprega adjetivos verbais ou verbos impessoais, uma característica da enunciação alocutiva, que garante o seguro distanciamento daquilo que se diz. Já nas ocasiões em que se fazia necessário o abrandamento da crítica aos seus interlocutores, observou-se o emprego da primeira pessoa do plural, como se o orador estivesse admitindo parte da culpa pela degradação de Atenas. Há momentos, porém, em que Demóstenes deixa transparecer mais emoção, talvez pela urgência da situação, e faz uso da primeira pessoa do singular, evidenciando, paradoxalmente, seu distanciamento do povo. Embora o orador quisesse mostrar-se próximo dos seus concidadãos por meio das propostas que trazia para serem desenvolvidas em conjunto, o fato de ele ser o anunciador das sugestões alça-o à posição de, literalmente, salvador da pátria, e, por isso, um homem diferenciado dos demais. Observou-se também que os níveis diferentes de antítese presentes na peça retórica foram de grande auxílio para a apresentação de um ponto de vista novo. Com o cuidado de quem reconhece sua posição de desprestígio, de um lado, Demóstenes soube louvar as atitudes dos antepassados; de outro, criticar a falta de atitude observável nos homens de seu tempo. De maneira análoga, desaprovou o comportamento traiçoeiro do monarca macedônio, porém, uma postura proativa parecia-lhe melhor do que a letargia daqueles que acreditavam estar em paz, ainda que todos os indícios apontassem o contrário disso. É precisamente por causa dos sinais contrários à crença dos atenienses que o orador utiliza a estrutura quiásmica após finalizar suas propostas específicas. O quiasmo é um recurso de repetição, que denota, portanto, a insistência demostênica nas ideias expressas anteriormente, tornando evidente a urgência no que deveria ter sido feito. Observou-se que, do trigésimo parágrafo até o quinquagésimo, um antes do fim da peça retórica, Demóstenes empregou novamente os recursos para expressar as mesmas ideias. 86 Talvez esse tenha sido o equívoco do orador, pois, ainda que tenha feito sugestões diferentes para os primeiros problemas apresentados, o discurso tornou-se repetitivo para o ouvinte, principalmente aquele desacostumado a ouvir tantas críticas. A história grega mostra que sua proposta não foi aceita na assembleia. Dois motivos podem ser destacados para a recusa: 1) o processo democrático é sempre complexo, sobretudo se o homem que busca a aprovação de suas propostas dedica a maior parte de seu pronunciamento, em tese, contra o agressor, agredindo direta e indiretamente o público votante; 2) à época do discurso, a receita anual de Atenas excedia em poucos mais de trinta talentos ao financiamento de uma guerra contra Filipe. Verificou-se, ainda assim, a riqueza de recursos e sua habilidade no emprego dos mesmos na construção de uma peça retórica que é considerada uma das mais belas expressões patrióticas da Antiguidade Clássica. 87 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALLARD. J et FEUILLÂTRE. E. Grammaire grecque. Paris: Librairie Hachette, 1944. ANSTETT. J. Ph. Galeria Pittoresca de Homens Célebres. Rio de Janeiro: Editores Proprietários, 1893, p. 63 - 4. ARISTOTE. Rhetorique. Paris: Les Belles Lettres, 1967. ---------------. Arte Retórica e Arte Poética. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1959. ARNAOUTOGLOU, Ilias. Leis da Grécia Antiga. São Paulo: Odysseus Editora Ltda, 2003, p. 147 - 9. AZEVEDO, Antônio Carlos do Amaral. Dicionário de nomes, termos e conceitos históricos. Rio de Janeiro: Lexicon, 2012. BAILLY, Anatole. Dictionnaire grec-français. Paris: Hachette, 2000. BARNES, Jonathan (ed.) The Cambridge companion to Aristotle. Cambridge: Cambridge University, 1999. BLACKBURN, Simon. 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ANEXO Kata\ Fili/pou A [1] ei0 me\n peri\ kainou~ tinov pra&gmatov prouti/qet', w} a!ndrev 0Aqhnai=oi, le/gein, e0pisxw_n a@n e3wv oi9 plei=stoi tw~n ei0wqo&twn gnw&mhn a)pefh&nanto, ei0 me\n h!reske/ ti/ moi tw~n u(po_ tou&twn r(hqe/ntwn, h(suxi/an a@n h}gon, ei0 de\ mh&, to&t' a@n au)to_v e0peirw&mhn a$ gignw&skw le/gein: e0peidh_ d' u(pe\r w{n polla&kiv ei0rh&kasin ou{toi pro&teron sumbai/nei kai\ nuni\ skopei=n, h(gou~mai kai\ prw~tov a)nasta_v ei0ko&twv a@n suggnw&mhv tugxa&nein. ei0 ga_r e0k tou~ parelhluqo&tov xro&nou ta_ de/onq' ou{toi sunebou&leusan, ou)de\n a@n u(ma~v nu~n e1dei bouleu&esqai. [2] Prw~ton me\n ou}n ou)k a)qumhte/on, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, toi=v parou~si pra&gmasin, ou)d' ei0 pa&nu fau&lwv e1xein dokei=. o4 ga&r e0sti xei/riston au)tw~n e0k tou~ parelhluqo&tov xro&nou, tou~to pro_v ta_ me/llonta be/ltiston u(pa&rxei. ti/ ou}n e0sti tou~to; o3ti ou)de/n, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, tw~n deo&ntwn poiou&ntwn u(mw~n kakw~v ta_ pra&gmat' e1xei: e0pei/ toi, ei0 pa&nq' a$ prosh~ke pratto&ntwn ou#twv ei]xen, ou)d' a@n e0lpi\v h}n au)ta_ belti/w gene/sqai. [3] e1peit' e0nqumhte/on kai\ par' a!llwn a)kou&ousi kai\ toi=v ei0do&sin au)toi=v a)namimnh|skome/noiv, h(li/khn pot' e0xo&ntwn du&namin Lakedaimoni/wn, e0c ou{ xro&nov ou) polu&v, w(v kalw~v kai\ proshko&ntwv ou)de\n a)na&cion u(mei=v e0pra&cate th~v po&lewv, a)ll' u(pemei/naq' u(pe\r tw~n dikai/wn to_n pro_v e0kei/nouv po&lemon. ti/nov ou}n e3neka tau~ta le/gw; i3n' ei0dh~t', w} a!ndrev )Aqhnai=oi, kai\ qea&shsqe, o#ti ou)de\n ou!te fulattome/noiv u(mi=n e0stin fobero&n, ou!t', a@n o)ligwrh~te, toiou~ton oi[on a@n u(mei=v bou&loisqe, paradei/gmasi xrw&menoi th?|~ to&te r(w&mh| tw~n Lakedaimoni/wn, h{v e0kratei=t' e0k tou~ prose/xein toi=v pra&gmasi to_n nou~n, kai\ th~?| nu~n u#brei tou&tou, di' h$n taratto&meq' e0k tou~ mhde\n fronti/zein w{n e0xrh~n. [4] ei0 de/ tiv u(mw~n, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, duspole/mhton oi1etai to_n Fi/lippon ei]nai, skopw~n to& te plh~qov th~v u(parxou&shv au)tw?~| duna&mewv kai\ to_ ta_ xwri/a pa&nt' a)polwle/nai th?|~ po&lei, o)rqw~v me\n oi1etai, logisa&sqw me/ntoi tou~q', o#ti ei1xome/n poq' h(mei=v, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, Pu&dnan kai\ Potei/daian kai\ Meqw&nhn kai\ pa&nta to_n to&pon tou~ton oi0kei=on ku&klw|, kai\ polla_ tw~n met' e0kei/nou nu~n o!ntwn e0qnw~n au)tonomou&mena kai\ e0leu&qer' u(ph~rxe, kai\ ma~llon h(mi=n e0bou&let' e1xein oi0kei/wv h@ 'kei/nw|. [5] ei0 toi/nun o( Fi/lippov to&te tau&thn e1sxe th_n gnw&mhn, w(v xalepo_n polemei=n e0stin )Aqhnai/oiv e1xousi tosau~t' e0piteixi/smata th~v au(tou~ xw&rav e1rhmon o!nta summa&xwn, ou)de\n a@n w{n nuni\ pepoi/hken e1pracen ou)de\ tosau&thn e0kth&sato du&namin. a)ll' ei]den, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, tou~to kalw~v e0kei=nov, o#ti tau~ta me/n e0stin a#panta ta_ xwri/' a}qla tou~ pole/mou kei/men' e0n me/sw|, fu&sei d' u(pa&rxei toi=v parou~si ta_ tw~n a)po&ntwn, kai\ toi=v e0qe/lousi ponei=n kai\ kinduneu&ein ta_ tw~n a)melou&ntwn. [6] kai\ ga&r toi tau&th| xrhsa&menov th~?| gnw&mh| pa&nta kate/straptai kai\ e1xei, ta_ me\n w(v a@n e9lw&n tiv e1xoi pole/mw|, ta_ de\ su&mmaxa kai\ fi/la poihsa&menov: kai\ ga_r summaxei=n kai\ prose/xein to_n nou~n tou&toiv e0qe/lousin a#pantev, ou$v a@n o(rw~si pareskeuasme/nouv kai\ pra&ttein e0qe/lontav a$ xrh&. [7] a@n toi/nun, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, kai\ u(mei=v e0pi\ th~v toiau&thv e0qelh&shte gene/sqai gnw&mhv nu~n, e0peidh&per ou) pro&teron, kai\ e3kastov u(mw~n, ou{ dei= kai\ du&nait' a@n parasxei=n au(to_n xrh&simon th?~| po&lei, pa~san a)fei\v th_n ei0rwnei/an e3toimov pra&ttein u(pa&rch|, o( me\n xrh&mat' e1xwn ei0sfe/rein, o( d' e0n h(liki/a| strateu&esqai, sunelo&nti d' a(plw~v a@n u(mw~n au)tw~n e0qelh&shte gene/sqai, kai\ pau&shsq' au)to_v me\n ou)de\n e3kastov poih&sein e0lpi/zwn, to_n de\ plhsi/on pa&nq' u(pe\r au)tou~ pra&cein, kai\ ta_ u(me/ter' au)tw~n komiei=sq', a@n qeo_v qe/lh|, kai\ ta_ katerra|qumhme/na pa&lin a)nalh&yesqe, ka)kei=non timwrh&sesqe. [8] mh_ ga_r w(v qew?|~ nomi/zet' e0kei/nw| ta_ paro&nta pephge/nai pra&gmat' a)qa&nata, a)lla_ kai\ misei= tiv e0kei=non kai\ de/dien, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, kai\ fqonei=, kai\ tw~n pa&nu nu~n dokou&ntwn oi0kei/wv e1xein: kai\ a#panq' o#sa per ka)n a!lloiv tisi\n a)nqrw&poiv e1ni, tau~ta ka)n toi=v met' e0kei/nou xrh_ nomi/zein e0nei=nai. kate/pthxe me/ntoi pa&nta tau~ta nu~n, ou)k e1xont' a)postrofh_n dia_ th_n u(mete/ran braduth~ta kai\ r(a|qumi/an: h$n a)poqe/sqai fhmi\ dei=n h!dh. [9] o(ra~te ga&r, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, to_ pra~gma, oi[ proelh&luq' a)selgei/av a#nqrwpov, o$v ou)d' ai3resin u(mi=n di/dwsi tou~ pra&ttein h@ a!gein h(suxi/an, a)ll' a)peilei= kai\ lo&gouv u(perhfa&nouv, w#v fasi, le/gei, kai\ ou)x oi[o&v e0stin e1xwn a$ kate/straptai me/nein e0pi\ tou&twn, a)ll' a)ei/ ti prosperiba&lletai kai\ ku&klw| pantaxh~?| me/llontav h(ma~v kai\ kaqhme/nouv peristoixi/zetai. [10 - 11] po&t' ou}n, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, po&q' a$ xrh_ pra&cete; e0peida_n ti/ ge/nhtai; e0peida_n nh_ Di/' a)na&gkh tiv h}.| nu~n de\ ti/ xrh_ ta_ gigno&men' h(gei=sqai; e0gw_ me\n ga_r oi1omai toi=v e0leuqe/roiv megi/sthn a)na&gkhn th_n u(pe\r tw~n pragma&twn ai0sxu&nhn 93 ei]nai. h@ bou&lesq', ei0pe/ moi, periio&ntev au(tw~n punqa&nesqai, “le/getai/ ti kaino&n;” ge/noito ga_r a!n ti kaino&teron h@ Makedw_n a)nh_r )Aqhnai/ouv katapolemw~n kai\ ta_ tw~n (Ellh&nwn dioikw~n; “te/qnhke Fi/lippov;” “ou) ma_ Di/', a)ll' a)sqenei=.” ti/ d' u(mi=n diafe/rei; kai\ ga_r a@n ou{to&v ti pa&qh|, taxe/wv u(mei=v e3teron Fi/lippon poih&sete, a!nper ou#tw prose/xhte toi=v pra&gmasi to_n nou~n: ou)de\ ga_r ou{tov para_ th_n au(tou~ r(w&mhn tosou~ton e0phu&chtai o#son para_ th_n h(mete/ran a)me/leian. [12] kai/toi kai\ tou~to: ei1 ti pa&qoi kai\ ta_ th~v tu&xhv h(mi=n, h#per a)ei\ be/ltion h@ h(mei=v h(mw~n au)tw~n e0pimelou&meqa, kai\ tou~t' e0cerga&saito, i1sq' o#ti plhsi/on me\n o!ntev, a#pasin a@n toi=v pra&gmasin tetaragme/noiv e0pista&ntev o#pwv bou&lesqe dioikh&saisqe, w(v de\ nu~n e1xete, ou)de\ dido&ntwn tw~n kairw~n )Amfi/polin de/casqai du&naisq' a!n, a)phrthme/noi kai\ tai=v paraskeuai=v kai\ tai=v gnw&maiv. [13] 9Wv me\n ou}n dei= ta_ prosh&konta poiei=n e0qe/lontav u(pa&rxein a#pantav e9toi/mwv, w(v e0gnwko&twn u(mw~n kai\ pepeisme/nwn, pau&omai le/gwn: to_n de\ tro&pon th~v paraskeuh~v h$n a)palla&cai a@n tw~n toiou&twn pragma&twn u(ma~v oi1omai, kai\ to_ plh~qov o#son, kai\ po&rouv ou#stinav xrhma&twn, kai\ ta!ll' w(v a!n moi be/ltista kai\ ta&xista dokei= paraskeuasqh~nai, kai\ dh_ peira&somai le/gein, dehqei\v u(mw~n, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, tosou~ton. [14] e0peida_n a#pant' a)kou&shte, kri/nate, mh_ pro&teron prolamba&nete: mhd' a@n e0c a)rxh~v dokw~ tini kainh_n paraskeuh_n le/gein, a)naba&llein me ta_ pra&gmaq' h(gei/sqw. ou) ga_r oi9 “taxu_” kai\ “th&meron” ei0po&ntev ma&list' ei0v de/on le/gousin (ou) ga_r a@n ta& g' h!dh gegenhme/na th~?| nuni\ bohqei/a| kwlu~sai dunhqei/hmen) [15] a)ll' o$v a@n dei/ch| ti/v porisqei=sa paraskeuh_ kai\ po&sh kai\ po&qen diamei=nai dunh&setai, e3wv a@n h@ dialusw&meqa peisqe/ntev to_n po&lemon h@ perigenw&meqa tw~n e0xqrw~n: ou#tw ga_r ou)ke/ti tou~ loipou~ pa&sxoimen a@n kakw~v. oi]mai toi/nun e0gw_ tau~ta le/gein e1xein, mh_ kwlu&wn ei1 tiv a!llov e0pagge/lletai/ ti. h( me\n ou}n u(po&sxesiv ou#tw mega&lh, to_ de\ pra~gm' h!dh to_n e1legxon dw&sei: kritai\ d' u(mei=v e1sesqe. [16] Prw~ton me\n toi/nun, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, trih&reiv penth&konta paraskeua&sasqai fhmi\ dei=n, ei]t' au)tou_v ou#tw ta_v gnw&mav e1xein w(v, e0a&n ti de/h|, pleuste/on ei0v tau&tav au)toi=v e0mba~sin. pro_v de\ tou&toiv toi=v h(mi/sesi tw~n i9ppe/wn i9ppagwgou_v trih&reiv kai\ ploi=' i9kana_ eu)trepi/sai keleu&w. [17] tau~ta me\n oi]mai dei=n u(pa&rxein e0pi\ ta_v e0cai/fnhv tau&tav a)po_ th~v oi0kei/av xw&rav au)tou~ stratei/av ei0v Pu&lav kai\ Xerro&nhson kai\ !Olunqon kai\ o#poi 94 bou&letai: dei= ga_r e0kei/nw| tou~t' e0n th?~| gnw&mh| parasth~sai, w(v u(mei=v e0k th~v a)melei/av tau&thv th~v a!gan, w#sper ei0v Eu!boian kai\ pro&tero&n pote/ fasin ei0v (Ali/arton kai\ ta_ teleutai=a prw&hn ei0v Pu&lav, i1swv a@n o(rmh&saite: [18] ou!toi pantelw~v, ou)d' ei0 mh_ poih&sait' a@n tou~to, w(v e1gwge/ fhmi dei=n, eu)katafro&nhto&n e0stin, i3n' h@ dia_ to_n fo&bon ei0dw_v eu)trepei=v u(ma~v (ei1setai ga_r a)kribw~v: ei0si\ ga&r, ei0si\n oi9 pa&nt' e0cagge/llontev e0kei/nw| par' h(mw~n au)tw~n plei/ouv tou~ de/ontov) h(suxi/an e1xh|, h@ paridw_n tau~t' a)fu&laktov lhfqh?~|, mhdeno_v o!ntov e0mpodw_n plei=n e0pi\ th_n e0kei/nou xw&ran u(mi=n, a@n e0ndw~?| kairo&n. [19] tau~ta me/n e0stin a$ pa~si dedo&xqai fhmi\ dei=n kai\ pareskeua&sqai prosh&kein oi1omai: pro_ de\ tou&twn du&nami/n tin', w} a!ndrev )Aqhnai=oi, fhmi\ proxeiri/sasqai dei=n u(ma~v, h$ sunexw~v polemh&sei kai\ kakw~v e0kei=non poih&sei. mh& moi muri/ouv mhde\ dismuri/ouv ce/nouv, mhde\ ta_v e0pistolimai/ouv tau&tav duna&meiv, a)ll' h$ th~v po&lewv e1stai, ka@n u(mei=v e3na ka@n plei/ouv ka@n to_n dei=na ka@n o(ntinou~n xeirotonh&shte strathgo&n, tou&tw| pei/setai kai\ a)kolouqh&sei. [20] kai\ trofh_n tau&th| pori/sai keleu&w. e1stai d' au#th ti/v h( du&namiv kai\ po&sh, kai\ po&qen th_n trofh_n e3cei, kai\ pw~v tau~t' e0qelh&sei poiei=n; e0gw_ fra&sw, kaq' e3kaston tou&twn dieciw_n xwri/v. ce/nouv me\n le/gw — kai\ o#pwv mh_ poih&seq' o$ polla&kiv u(ma~v e1blayen: pa&nt' e0la&ttw nomi/zontev ei]nai tou~ de/ontov, kai\ ta_ me/gist' e0n toi=v yhfi/smasin ai9rou&menoi, e0pi\ tw?~| pra&ttein ou)de\ ta_ mikra_ poiei=te: a)lla_ ta_ mikra_ poih&santev kai\ pori/santev tou&toiv prosti/qete, a@n e0la&ttw fai/nhtai. [21 - 22] le/gw dh_ tou_v pa&ntav stratiw&tav disxili/ouv, tou&twn d' )Aqhnai/ouv fhmi\ dei=n ei]nai pentakosi/ouv, e0c h{v a!n tinov u(mi=n h(liki/av kalw~v e1xein dokh?~|, xro&non takto_n strateuome/nouv, mh_ makro_n tou~ton, a)ll' o#son a@n dokh~?| kalw~v e1xein, e0k diadoxh~v a)llh&loiv: tou_v d' a!llouv ce/nouv ei]nai keleu&w. kai\ meta_ tou&twn i9ppe/av diakosi/ouv, kai\ tou&twn penth&kont' )Aqhnai/ouv tou)la&xiston, w#sper tou_v pezou&v, to_n au)to_n tro&pon strateuome/nouv: kai\ i9ppagwgou_v tou&toiv. ei]en: ti/ pro_v tou&toiv e1ti; taxei/av trih&reiv de/ka: dei= ga&r, e1xontov e0kei/nou nautiko&n, kai\ taxeiw~n trih&rwn h(mi=n, o#pwv a)sfalw~v h( du&namiv ple/h|. po&qen dh_ tou&toiv h( trofh_ genh&setai; e0gw_ kai\ tou~to fra&sw kai\ dei/cw, e0peida&n, dio&ti thlikau&thn a)poxrh~n oi]mai th_n du&namin kai\ poli/tav tou_v strateuome/nouv ei]nai keleu&w, dida&cw. 95 [23] Tosau&thn me/n, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, dia_ tau~ta, o#ti ou)k e1ni nu~n h(mi=n pori/sasqai du&namin th_n e0kei/nw| paratacome/nhn, a)lla_ lh|steu&ein a)na&gkh kai\ tou&tw| tw~?| tro&pw| tou~ pole/mou xrh~sqai th_n prw&thn: ou) toi/nun u(pe/rogkon au)th&n (ou) ga_r e1sti misqo_v ou)de\ trofh&), ou)de\ pantelw~v tapeinh_n ei]nai dei=. [24] poli/tav de\ parei=nai kai\ sumplei=n dia_ tau~ta keleu&w, o#ti kai\ pro&tero&n pot' a)kou&w ceniko_n tre/fein e0n Kori/nqw| th_n po&lin, ou{ Polu&stratov h(gei=to kai\ I)fikra&thv kai\ Xabri/av kai\ a!lloi tine/v, kai\ au)tou_v u(ma~v sustrateu&esqai: kai\ oi]d' a)kou&wn o#ti Lakedaimoni/ouv paratatto&menoi meq' u(mw~n e0ni/kwn ou{toi oi9 ce/noi kai\ u(mei=v met' e0kei/nwn. e0c ou{ d' au)ta_ kaq' au(ta_ ta_ cenika_ u(mi=n strateu&etai, tou_v fi/louv nika~?| kai\ tou_v summa&xouv, oi9 d' e0xqroi\ mei/zouv tou~ de/ontov gego&nasi. kai\ paraku&yant' e0pi\ to_n th~v po&lewv po&lemon, pro_v )Arta&bazon kai\ pantaxoi= ma~llon oi1xetai ple/onta, o( de\ strathgo_v a)kolouqei=, ei0ko&twv: ou) ga_r e1stin a!rxein mh_ dido&nta misqo&n. [25] ti/ ou}n keleu&w; ta_v profa&seiv a)felei=n kai\ tou~ strathgou~ kai\ tw~n stratiwtw~n, misqo_n pori/santav kai\ stratiw&tav oi0kei/ouv w#sper e0po&ptav tw~n strathgoume/nwn parakatasth&santav: e0pei\ nu~n ge ge/lwv e1sq' w(v xrw&meqa toi=v pra&gmasin. ei0 ga_r e1roito& tiv u(ma~v: “ei0rh&nhn a!get', w} a!ndrev )Aqhnai=oi;” “ma_ Di/' ou)x h(mei=v g',” ei1poit' a!n, “a)lla_ Fili/ppw| polemou~men.” [26] ou)k e0xeirotonei=te d' e0c u(mw~n au)tw~n de/ka tacia&rxouv kai\ strathgou_v kai\ fula&rxouv kai\ i9ppa&rxouv du&o; ti/ ou}n ou{toi poiou~sin; plh_n e9no_v a)ndro&v, o$n a@n e0kpe/myht' e0pi\ to_n po&lemon, oi9 loipoi\ ta_v pompa_v pe/mpousin u(mi=n meta_ tw~n i9eropoiw~n: w#sper ga_r oi9 pla&ttontev tou_v phli/nouv, ei0v th_n a)gora_n xeirotonei=te tou_v tacia&rxouv kai\ tou_v fula&rxouv, ou)k e0pi\ to_n po&lemon. [27] ou) ga_r e0xrh~n, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, tacia&rxouv par' u(mw~n, i3pparxon par' u(mw~n, a!rxontav oi0kei/ouv ei]nai, i3n' h}n w(v a)lhqw~v th~v po&lewv h( du&namiv; a)ll' ei0v me\n Lh~mnon to_n par' u(mw~n i3pparxon dei= plei=n, tw~n d' u(pe\r tw~n th~v po&lewv kthma&twn a)gwnizome/nwn Mene/laon i9pparxei=n. kai\ ou) to_n a!ndra memfo&menov tau~ta le/gw, a)ll' u(f' u(mw~n e1dei kexeirotonhme/non ei]nai tou~ton, o#stiv a@n h}.| [28] 1Iswv de\ tau~ta me\n o)rqw~v h(gei=sqe le/gesqai, to_ de\ tw~n xrhma&twn, po&sa kai\ po&qen e1stai, ma&lista poqei=t' a)kou~sai. tou~to dh_ kai\ perai/nw. xrh&mata toi/nun: e1sti me\n h( trofh&, sithre/sion mo&non, th?|~ duna&mei tau&th| ta&lant' e0nenh&konta kai\ mikro&n ti pro&v, de/ka me\n nausi\ taxei/aiv tettara&konta ta&lanta, ei1kosin ei0v th_n 96 nau~n mnai= tou~ mhno_v e9ka&stou, stratiw&taiv de\ disxili/oiv tosau~q' e3tera, i3na de/ka tou~ mhno_v o( stratiw&thv draxma_v sithre/sion lamba&nh|, toi=v d' i9ppeu~si diakosi/oiv ou}sin, e0a_n tria&konta draxma_v e3kastov lamba&nh| tou~ mhno&v, dw&deka ta&lanta. [29] ei0 de/ tiv oi1etai mikra_n a)formh_n ei]nai, sithre/sion toi=v strateuome/noiv u(pa&rxein, ou)k o)rqw~v e1gnwken: e0gw_ ga_r oi]da safw~v o#ti, tou~t' a@n ge/nhtai, prosporiei= ta_ loi/p’ au)to_ to_ stra&teum' a)po_ tou~ pole/mou, ou)de/na tw~n (Ellh&nwn a)dikou~n ou)de\ tw~n summa&xwn, w#st' e1xein misqo_n e0ntelh~. e0gw_ sumple/wn e0qelonth_v pa&sxein o(tiou~n e3toimov, e0a_n mh_ tau~q' ou#twv e1xh|. po&qen ou}n o( po&rov tw~n xrhma&twn, a$ par' u(mw~n keleu&w gene/sqai; tou~t' h!dh le/cw. POROU APODEICIS [30] 4A me\n h(mei=v, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, dedunh&meq' eu(rei=n tau~t' e0sti/n: e0peida_n d' e0pixeirotonh~te ta_v gnw&mav, a@n u(mi=n a)re/skh|, xeirotonh&sete, i3na mh_ mo&non e0n toi=v yhfi/smasi kai\ tai=v e0pistolai=v polemh~te Fili/ppw|, a)lla_ kai\ toi=v e1rgoiv. [31] Dokei=te de/ moi polu_ be/ltion a@n peri\ tou~ pole/mou kai\ o#lhv th~v paraskeuh~v bouleu&sasqai, ei0 to_n to&pon, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, th~v xw&rav, pro_v h$n polemei=te, e0nqumhqei/hte, kai\ logi/saisq' o#ti toi=v pneu&masi kai\ tai=v w#raiv tou~ e1touv ta_ polla_ prolamba&nwn diapra&ttetai Fi/lippov, kai\ fula&cav tou_v e0thsi/av h@ to_n xeimw~n' e0pixeirei=, h(ni/k' a@n h(mei=v mh_ dunai/meq' e0kei=s' a)fike/sqai. [32] dei= toi/nun tau~t' e0nqumoume/nouv mh_ bohqei/aiv polemei=n (u(steriou~men ga_r a(pa&ntwn), a)lla_ paraskeuh?~| sunexei= kai\ duna&mei. u(pa&rxei d' u(mi=n xeimadi/w| me\n xrh~sqai th?~| duna&mei Lh&mnw| kai\ Qa&sw| kai\ Skia&qw| kai\ tai=v e0n tou&tw~| tw~?| to&pw| nh&soiv, e0n ai[v kai\ lime/nev kai\ si=tov kai\ a$ xrh_ strateu&mati pa&nq' u(pa&rxei: th_n d' w#ran tou~ e1touv, o#te kai\ pro_v th~?| gh~?| gene/sqai r(a/?|dion kai\ to_ tw~n pneuma&twn a)sfale/v, pro_v au)th?|~ th~?| xw&ra| kai\ pro_v toi=v tw~n e0mpori/wn sto&masi r(a|di/wv e1stai. [33 - 34] 4A me\n ou}n xrh&setai kai\ po&te th?~| duna&mei, para_ to_n kairo_n o( tou&twn ku&riov katasta_v u(f' u(mw~n bouleu&setai: a$ d' u(pa&rcai dei= par' u(mw~n, tau~t' e0sti\n a(gw_ ge/grafa. a@n tau~t', w} a!ndrev )Aqhnai=oi, pori/shte, ta_ xrh&mata prw~ton a$ le/gw, ei]ta kai\ ta!lla paraskeua&santev, tou_v stratiw&tav, ta_v trih&reiv, tou_v i9ppe/av, e0ntelh~ pa~san th_n du&namin no&mw| kataklei/sht' e0pi\ tw~?| pole/mw| me/nein, tw~n 97 me\n xrhma&twn au)toi\ tami/ai kai\ poristai\ gigno&menoi, tw~n de\ pra&cewn para_ tou~ strathgou~ to_n lo&gon zhtou~ntev, pau&sesq' a)ei\ peri\ tw~n au)tw~n bouleuo&menoi kai\ ple/on ou)de\n poiou~ntev, kai\ e1ti pro_v tou&tw| prw~ton me/n, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, to_n me/giston tw~n e0kei/nou po&rwn a)fairh&sesqe. e1sti d' ou{tov ti/v; a)po_ tw~n u(mete/rwn u(mi=n polemei= summa&xwn, a!gwn kai\ fe/rwn tou_v ple/ontav th_n qa&lattan. e1peita ti/ pro_v tou&tw|; tou~ pa&sxein au)toi\ kakw~v e1cw genh&sesqe, ou)x w#sper to_n parelqo&nta xro&non ei0v Lh~mnon kai\ I!mbron e0mbalw_n ai0xmalw&touv poli/tav u(mete/rouv w!|xet' e1xwn, pro_v tw?~| Geraistw?~| ta_ ploi=a sullabw_n a)mu&qhta xrh&mat' e0ce/lece, ta_ teleutai=' ei0v Maraqw~n' a)pe/bh kai\ th_n i9era_n a)po_ th~v xw&rav w!|xet' e1xwn trih&rh, u(mei=v d' ou!te tau~ta du&nasqe kwlu&ein ou!t' ei0v tou_v xro&nouv, ou$v a@n proqh~sqe, bohqei=n. [35] kai/toi ti/ dh&pot', w} a!ndrev )Aqhnai=oi, nomi/zete th_n me\n tw~n Panaqhnai/wn e9orth_n kai\ th_n tw~n Dionusi/wn a)ei\ tou~ kaqh&kontov xro&nou gi/gnesqai, a!n te deinoi\ la&xwsin a!n t' i0diw~tai oi9 tou&twn e9kate/rwn e0pimelou&menoi, ei0v a$ tosau~t' a)nali/sketai xrh&mata, o#s' ou)d' ei0v e3na tw~n a)posto&lwn, kai\ tosou~ton o!xlon kai\ paraskeuh_n o#shn ou)k oi]d' ei1 ti tw~n a(pa&ntwn e1xei, tou_v d' a)posto&louv pa&ntav u(mi=n u(steri/zein tw~n kairw~n, to_n ei0v Meqw&nhn, to_n ei0v Pagasa&v, to_n ei0v Potei/daian; [36 - 37] o#ti e0kei=na me\n a#panta no&mw| te/taktai, kai\ pro&oiden e3kastov u(mw~n e0k pollou~ ti/v xorhgo_v h@ gumnasi/arxov th~v fulh~v, po&te kai\ para_ tou~ kai\ ti/ labo&nta ti/ dei= poiei=n, ou)de\n a)nece/taston ou)d' a)o&riston e0n tou&toiv h)me/lhtai: e0n de\ toi=v peri\ tou~ pole/mou kai\ th~?| tou&tou paraskeuh?~| a!takta, a)dio&rqwta, a)o&risq' a#panta. toigarou~n a#m' a)khko&ame/n ti kai\ trihra&rxouv kaqi/stamen kai\ tou&toiv a)ntido&seiv poiou&meqa kai\ peri\ xrhma&twn po&rou skopou~men, kai\ meta_ tau~t' e0mbai/nein tou_v metoi/kouv e1doce kai\ tou_v xwri\v oi0kou~ntav, ei]t' au)tou_v pa&lin, ei]t' a)ntembiba&zein, ei]t' e0n o#sw| tau~ta me/lletai, proapo&lwle to_ e0f' o$ a@n e0kple/wmen: to_n ga_r tou~ pra&ttein xro&non ei0v to_ paraskeua&zesqai a)nali/skomen, oi9 de\ tw~n pragma&twn ou) me/nousi kairoi\ th_n h(mete/ran braduth~ta kai\ ei0rwnei/an. a$v de\ to_n metacu_ xro&non duna&meiv oi0o&meq' h(mi=n u(pa&rxein, ou)de\n oi[ai/ t' ou}sai poiei=n e0p' au)tw~n tw~n kairw~n e0cele/gxontai. o( d' ei0v tou~q' u#brewv e0lh&luqen w#st' e0piste/llein Eu)boeu~sin h!dh toiau&tav e0pistola&v. EPISTOLHS ANAGNWSIS 98 [38 - 39] Tou&twn, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, tw~n a)negnwsme/nwn a)lhqh~ me/n e0sti ta_ polla&, w(v ou)k e1dei, ou) mh_n a)ll' i1swv ou)x h(de/' a)kou&ein. a)ll' ei0 me/n, o#v' a!n tiv u(perbh~?| tw~?| lo&gw|, i3na mh_ luph&sh|, kai\ ta_ pra&gmaq' u(perbh&setai, dei= pro_v h(donh_n dhmhgorei=n: ei0 d' h( tw~n lo&gwn xa&riv, a@n h}| mh_ prosh&kousa, e1rgw| zhmi/a gi/gnetai, ai0sxro&n e0sti fenaki/zein e9autou&v, kai\ a#pant' a)naballome/nouv a$n h}| dusxerh~ pa&ntwn u(sterei=n tw~n e1rgwn, kai\ mhde\ tou~to du&nasqai maqei=n, o#ti dei= tou_v o)rqw~v pole/mw| xrwme/nouv ou)k a)kolouqei=n toi=v pra&gmasin, a)ll' au)tou_v e1mprosqen ei]nai tw~n pragma&twn, kai\ to_n au)to_n tro&pon w#sper tw~n strateuma&twn a)ciw&seie/ tiv a@n to_n strathgo_n h(gei=sqai, ou#tw kai\ tw~n pragma&twn tou_v bouleuome/nouv, i3n' a$n e0kei/noiv dokh~?|, tau~ta pra&tthtai kai\ mh_ ta_ sumba&nt' a)nagka&zwntai diw&kein. [40] u(mei=v d', w} a!ndrev )Aqhnai=oi, plei/sth du&namin a(pa&ntwn e1xontev, trih&reiv, o(pli/tav, i9ppe/av, xrhma&twn pro&sodon, tou&twn me\n me/xri th~v th&meron h(me/rav ou)deni\ pw&pot' ei0v de/on ti ke/xrhsqe, ou)de\n d' a)polei/pete, w#sper oi9 ba&rbaroi pukteu&ousin, ou#tw polemei=n Fili/ppw|. kai\ ga_r e0kei/nwn o( plhgei\v ai0ei\ th~v plhgh~v e1xetai, ka@n e9te/rwse pata&ch|v tiv, e0kei=v' ei0si\n ai9 xei=rev: proba&llesqai d' h@ ble/pein e0nanti/on ou!t' oi]den ou!t' e0qe/lei. [41] kai\ u(mei=v, a@n e0n Xerronh&sw| pu&qhsqe Fi/lippon, e0kei=se bohqei=n yhfi/zesqe, e0a\n e0n Pu&laiv, e0kei=se, e0a\n a!lloqi/ pou, sumparaqei=t' a!nw ka&tw, kai\ strathgei=sq' u(p' e0kei/nou, bebou&leusqe d' ou)de\n au)toi\ sumfe/ron peri\ tou~ pole/mou, ou)de\ pro_ tw~n pragma&twn proora~t' ou)de/n, pri\n a@n h@ gegenhme/non h@ gigno&meno&n ti pu&qhsqe. tau~ta d' i1swv pro&teron me\n e0nh~n: nu~n d' e0p' au)th_n h#kei th_n a)kmh&n, w#st' ou)ke/t' e0gxwrei=. [42] dokei= de/ moi qew~n tiv, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, toi=v gignome/noiv u(pe\r th~v po&lewv ai0sxuno&menov th_n filopragmosu&nhn tau&thn e0mbalei=n Fili/ppw|. ei0 ga_r e1xwn a$ kate/straptai kai\ proei/lhfen h(suxi/an e1xein h!qele kai\ mhde\n e1pratten e1ti, a)poxrh~n e0ni/oiv u(mw~n a!n moi dokei=, e0c w{n ai0sxu&nhn kai\ a)nandri/an kai\ pa&nta ta_ ai1sxist' w)flhko&tev a@n h}men dhmosi/a|: nu~n d' e0pixeirw~n a)ei/ tini kai\ tou~ plei/onov o)rego&menov i1swv a@n e0kkale/saiq' u(ma~v, ei1per mh_ panta&pasin a)pegnw&kate. [43] qauma&zw d' e1gwge, ei0 mhdei\v u(mw~n mh&t' e0nqumei=tai mh&t' o)rgi/zetai, o(rw~n, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, th_n me\n a)rxh_n tou~ pole/mou gegenhme/nhn peri\ tou~ timwrh&sasqai Fi/lippon, th_n de\ teleuth_n ou}san h!dh u(pe\r tou~ mh_ paqei=n kakw~v u(po_ Fili/ppou. a)lla_ mh_n o#ti g' ou) sth&setai, dh~lon, ei0 mh& tiv kwlu&sei. ei]ta tou~t' a)namenou~men; 99 kai\ trih&reiv kena_v kai\ ta_v para_ tou~ dei=nov e0lpi/dav a@n a)postei/lhte, pa&nt' e1xein oi1esqe kalw~v; [44] ou)k e0mbhso&meqa; ou)k e1cimen au)toi\ me/rei ge/ tini stratiwtw~n oi0kei/wn nu~n, ei0 kai\ mh_ pro&teron; ou)k e0pi\ th_n e0kei/nou pleuso&meqa; “poi= ou}n prosormiou&meqa;” h!reto& tiv. eu(rh&sei ta_ saqra&, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, tw~n e0kei/nou pragma&twn au)to_v o( po&lemov, a@n e0pixeirw~men: a@n me/ntoi kaqw&meq' oi1koi, loidoroume/nwn a)kou&ontev kai\ ai0tiwme/nwn a)llh&louv tw~n lego&ntwn, ou)de/pot' ou)de\n h(mi=n mh_ ge/nhtai tw~n deo&ntwn. [45] o#poi me\n ga_r a!n, oi]mai, me/rov ti th~v po&lewv sunapostalh~?|, ka@n mh_ pa~sa, kai\ to_ tw~n qew~n eu)mene\v kai\ to_ th~v tu&xhv sunagwni/zetai: o#poi d' a@n strathgo_n kai\ yh&fisma keno_n kai\ ta_v a)po_ tou~ bh&matov e0lpi/dav e0kpe/myhte, ou)de\n u(mi=n tw~n deo&ntwn gi/gnetai, a)ll' oi9 me\n e0xqroi\ katagelw~sin, oi9 de\ su&mmaxoi teqna~si tw~?| de/ei tou_v toiou&touv a)posto&louv. [46] ou) ga_r e1stin, ou)k e1stin e3n' a!ndra dunhqh~nai/ pote tau~q' u(mi=n pra~cai pa&nq' o#sa bou&lesqe: u(posxe/sqai me/ntoi kai\ fh~sai kai\ to_n dei=n' ai0tia&sasqai kai\ to_n dei=n' e1sti, ta_ de\ pra&gmat' e0k tou&twn a)po&lwlen: o#tan ga_r h(gh~tai me\n o( strathgo_v a)qli/wn a)pomi/sqwn ce/nwn, oi9 d' u(pe\r w{n a@n e0kei=nov pra&ch| pro_v u(ma~v yeudo&menoi r(a|di/wv e0nqa&d' w}sin, u(mei=v d' e0c w{n a@n a)kou&shq' o# ti a@n tu&xhte yhfi/zhsqe, ti/ kai\ xrh_ prosdoka~n; [47] Pw~j ou}n tau~ta pau&setai; o#tan u(mei=j, w} a!ndrej )Aqhnai=oi, tou_j au)tou_j a)podei/chte stratiw&taj kai\ ma&rturaj tw~n strathgoume/nwn kai\ dikasta_j oi1kad' e0lqo&ntaj tw~n eu)qunw~n, w#ste mh_ a)kou&ein mo&non u(ma~j ta_ u(me/ter' au)tw~n, a)lla_ kai\ paro&ntaj o(ra~n. nu~n d' ei0j tou~q' h#kei ta_ pra&gmat' ai0sxu&nhj w#ste tw~n strathgw~n e3kastoj di\j kai\ tri\j kri/netai par' u(mi=n peri\ qana&tou, pro_j de\ tou_j e0xqrou_j ou)dei\j ou)d' a#pac au)tw~n a)gwni/sasqai peri\ qana&tou tolma~?|, a)lla_ to_n tw~n a)ndrapodistw~n kai\ lwpodutw~n qa&naton ma~llon ai9rou~ntai tou~ prosh&kontoj: kakou&rgou me\n ga&r e0sti kriqe/nt' a)poqanei=n, strathgou~ de\ maxo&menon toi=j polemi/oij. [48] h(mw~n d' oi9 me\n periio&ntev meta_ Lakedaimoni/wn fasi\ Fi/lippon pra&ttein th_n Qhbai/wn kata&lusin kai\ ta_v politei/av diaspa~n, oi9 d' w(v pre/sbeiv pe/pomfen w(v basile/a, oi9 d' e0n 0Illurioi=v po&leiv teixi/zein, oi9 de\ lo&gouv pla&ttontev e3kastov perierxo&meqa. 100 [49] e0gw_ d' oi]mai me/n, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, nh_ tou_v qeou_v e0kei=non mequ&ein tw?~| mege/qei tw~n pepragme/nwn kai\ polla_ toiau~t' o)neiropolei=n e0n th~?| gnw&mh|, th&n t' e0rhmi/an tw~n kwluso&ntwn o(rw~nta kai\ toi=v pepragme/noiv e0ph|rme/non, ou) me/ntoi ge ma_ Di/' ou#tw ge proairei=sqai pra&ttein w#ste tou_v a)nohtota&touv tw~n par' h(mi=n ei0de/nai ti/ me/llei poiei=n e0kei=nov: a)nohto&tatoi ga&r ei0sin oi9 logopoiou~ntev. [50] a)ll' a@n a)fe/ntej tau~t' e0kei=n' ei0dw~men, o#ti e0xqro_j a#nqrwpoj kai\ ta_ h(me/ter' h(ma~j a)posterei= kai\ xro&non polu_n u#brike, kai\ a#panq' o#sa pw&pot' h)lpi/same/n tina pra&cein u(pe\r h(mw~n kaq' h(mw~n eu#rhtai, kai\ ta_ loi/p’ e0n au)toi=j h(mi=n e0sti/, ka@n mh_ nu~n e0qe/lwmen e0kei= polemei=n au)tw?~|, e0nqa&d' i1swj a)nagkasqhso&meqa tou~to poiei=n, a@n tau~t' ei0dw~men, kai\ ta_ de/ont' e0so&meq' e0gnwko&tej kai\ lo&gwn matai/wn a)phllagme/noi: ou) ga_r a#tta pot' e1stai dei= skopei=n, a)ll' o#ti fau~la, e0a\n mh_ prose/xhte to_n nou~n kai\ ta_ prosh&konta poiei=n e0qe/lhte, eu} ei0de/nai. [51] 0Egw_ me\n ou}n ou!t' a!llote pw&pote pro_v xa&rin ei9lo&mhn le/gein o# ti a@n mh_ kai\ sunoi/sein pepeisme/nov w}, nu~n q' a$ gignw&skw pa&nq' a(plw~v, ou)de\n u(posteila&menov, peparrhsi/asmai. e0boulo&mhn d' a!n, w#sper o#ti u(mi=n sumfe/rei ta_ be/ltist' a)kou&ein oi]da, ou#twv ei0de/nai sunoi=son kai\ tw~?| ta_ be/ltist' ei0po&nti: pollw?|~ ga_r a@n h#dion ei]xon. nu~n d' e0p' a)dh&loiv ou}si toi=v a)po_ tou&twn e0mautw?~| genhsome/noiv, o#mwv e0pi\ tw~?| sunoi/sein u(mi=n, a@n pra&chte, tau~ta pepei=sqai le/gein ai9rou~mai. nikw/?|h d' o# ti pa~sin me/llei sunoi/sein. 101