Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP, 2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6) A Individualidade sob uma perspectiva biográfica no caso de Sophia Jobim (1920-1960) Ana Carolina de Azevedo Guedes1 Nesta apresentação, pretendo analisar o retorno biográfico utilizando para isso o caso Sophia Jobim Magno de Carvalho (1904-1968). Dentro dessa perspectiva, utilizarei a análise de Pierre Bourdieu e de Sabina Loriga, no que tange ao trato da produção biográfica, que segundo estes é o resultado de uma hibridização entre história, biografia e literatura. Buscando pensar a individualidade dentro da análise da escrita de si, presente na escrita de Marieta de Moraes Ferreira, mobilizarei num eixo histórico e sociológico o teórico alemão Georg Simmel. A análise do recorte proposto foi feita mediante a aplicação destes conceitos, na sua trajetória de vida de Sophia Jobim, que me propus a analisar, optando por um recorte estabelecido entre os anos de 1920 a 1960. Sophia Jobim nasceu Maria Sofia Pinheiro Machado Jobim, no município de Avaré, São Paulo, em 19 de Setembro de 1904. Formou-se na Escola Normal de Itapetininga, no curso de professora secundária, no ano de 1922. A contradição presente no discurso de Sophia destaca seu posicionamento diante do necessário comprometimento com o modelo de feminilidade que vigorava naquele momento. A glória do casamento, do pertencer a um homem já convivia com a compreensão de que existia uma “coisificação” da mulher nesse modelo. Sua concepção do que seria um amor romântico, entretanto, ia além dessas características. “Digo sempre que morrerei de amor, porque sei que o derradeiro espasmo é o apego à vida. E a este fugidio amor, porque será o ultimo, com os lábios ungidos, chamaremos, chorando, de ‘único amor’ .”2 O amor à vida seria então, o seu maior amor? Sophia une sob a mesma égide e o mesmo movimento, seu desenvolvimento como indivíduo, condicionado pela demonstração da capacidade de “agarrar ao seu homem”, legitimando assim sua entrada na sociedade. Ao marido cabia acolher suas ambições e realizar seus desejos. Waldemar, entretanto, acaba não realizando todas essas necessidades, tornando-se o passaporte de entrada de Sophia na sociedade carioca. * 2 Mestranda em História Política pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Bolsista CAPES. BRASIL, Museu Histórico Nacional, Arquivo Histórico. Catálogo Geral, SMdp19. 1 Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP, 2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6) Sophia leciona, nos anos 1920, na Escola Normal Santos Dumont em Palmira, Minas Gerais. Casa-se na mesma cidade com Waldemar Magno de Carvalho, professor de desenho e matemática na mesma escola, em 1927, no dia do seu aniversário. No entanto, a felicidade do casamento era eclipsada pelo falta de um filho. Já morando na casa em Santa Teresa, no Rio de Janeiro, escreve em seu diário: “Então como que para compensar o vazio que pudesse existir nesse lar onde faltou o riso de uma criança, deu-nos a capacidade de proteger esse lar, em uma comunidade maior que a nossa família, fora dos nossos interesses materiais [...] fazemos obra social da maternidade”( BRASIL, SMdp09.) Nesse comentário fica evidente a escolha: a substituição do amor maternal pelo trabalho assistencial, afim de garantir à outras mulheres as possibilidades de viverem a experiência da maternidade sem perder seu desenvolvimento independente, estimulando o trabalho em casa3 e a manutenção da sua vida familiar. Em 1949, passa a ocupar o cargo que lhe foi mais caro, o de regente da disciplina de Indumentária e História na Escola Nacional de Belas-Artes (ENBA). Nas viagens realizadas durante seus anos como docente, Sophia inicia uma coleção de peças de diferentes países. Os itens eram apresentados nas suas aulas, servindo para a formação dos alunos. Além disso, a coleção permitiu formar e fundar o primeiro museu de indumentária da América Latina, em sua casa, em Santa Teresa, no Rio de Janeiro. Mantendo seu trabalho de professora, comparecendo a cada vez mais eventos feministas, Sophia ainda se referia à maternidade com muito pesar: “[...] o meu desamparo, sem filhos, que nunca os evitei e sempre pedia a Deus. Sufoco o meu sofrimento num mar de estudos internacionais que me acabará fazendo uma pequena sábia ou uma grande louca”.(BRASIL, SMcr43) O papel da mulher na sociedade é delineado para além da vontade da mulher de emancipar-se e de ser independente. Os estudos, para a mulher, eram tradicionalmente limitados pela família. Ficava a cargo do pai, inicialmente, decidir se e quando a formação já era suficiente. Em outros casos, a decisão cabia ao marido, após o casamento. Ana Silvia Scott sublinha que foi somente no ano de 1943 que a legislação brasileira concedeu à mulher casada o direito de trabalhar sem a autorização do marido. Sophia aponta essa “necessidade” de autorização em sua fala sobre Waldemar e o seu trabalho docente. 3 Não utilizo o termo “trabalho doméstico” por ser elástico, abrangendo, por vezes, o trabalho de empregadas domésticas. Aqui qualificaria como trabalho “do lar”. 2 Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP, 2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6) “O homem, em geral, não sabe que a alma da mulher – feita para o milagre da maternidade – é um sublime relicário de dedicação e afetividade. E aquela que – como eu – nunca teve a alegria simples de fazer dormir, em seus braços, um filho pequenino, tem reservas inesgotáveis de amor e carinho que o homem comum não compreende. Nem de leve quero arranhar a sua sensibilidade. Não estou me queixando de você, meu querido, que para me consolar da maternidade frustrada, me permita alternar o Lar com a escola, onde eu posso adotar, como meus, os filhos alheios.” (BRASIL, SMdp19) A figura de Danton Jobim tem lugar fundamental na vida profissional de Sophia. Observa-se a proximidade entre as escolhas dos dois irmãos: as ações na imprensa, na política e na área educacional. Ambos eram muito conectados com o jornalismo, Sophia tendo afirmado, inclusive, em uma entrevista, que trazia em si a “alma para essa carreira”. Danton inicia sua atividade na imprensa bem cedo, aos 17 anos como repórter no jornal O trabalho, vinculado ao Partido Comunista Brasileiro. Passa depois para o A noite, de Irineu Marinho, onde aprende o jornalismo e o planejamento gráfico. Em 1926, entra na Associação Brasileira Imprensa, como conselheiro. Em 1932, transfere-se para o Diário Carioca, como secretário e diretor de redação, onde trabalhou por 33 anos até o jornal ser extinto. Nos anos 1930, participou ativamente do governo Vargas, apoiando o Estado Novo nas publicações que assinava. Em 1938, foi nomeado diretor do Departamento de Propaganda e Turismo do Estado do Rio de Janeiro, pelo interventor federal Ernani Amaral Peixoto. No entanto, distanciou-se de Vargas quando passou a combater o regime de exceção que aboliu a liberdade de imprensa e que censurou, através do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), muitos dos editorais de sua autoria, nos quais engajava-se na campanha pela redemocratização do país. Foi conselheiro de imprensa da Presidência da República durante o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961). Danton Jobim foi, também, um dos fundadores do curso de jornalismo da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, em 1948, que mais tarde daria origem à Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sendo seu vice-diretor até 1970, e professor titular até 1976, quando deixa o magistério. Os irmãos trabalharam nos mesmos jornais. Sophia, porém, iniciou sua vida na imprensa fazendo pequenos anúncios do Lyceu Império no Diário Carioca à partir de Setembro de 1932, oferecendo amostras de seu trabalho como figurinista com desenhos originais, feitos especialmente para a publicação. 3 Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP, 2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6) Outro incentivador de Sophia, em sua carreira na história da indumentária e durante seu curso de museologia no Museu Histórico Nacional foi Pedro Calmon4,reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro durante os anos de contrato docente de Sophia (1954 – 1956). Neste período, ela passou a exercer a função de professora regente de Indumentária Histórica do curso de Arte Decorativa da Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), passando, depois, a professora catedrática. No entanto, seu contato com Calmon se iniciara no período em que ambos trabalharam na Casa do Estudante do Brasil. Em 1950, houve uma série de conferências para comemorar a “maioridade” da instituição (seus 21 anos) em que Pedro Calmon antecedeu Sophia e, em sua fala, a elogiou seu trabalho e empenho no ensino. Em 1947, ao lado de Bertha Lutz e Carolina Tibbets, Sophia fundou a primeira sede do Clube Soroptimista no Brasil, em sua casa. Inicialmente composta por vinte associadas, como Anésia Pinheiro Machado, Marita Jobim Gallo e Maria Lenke, entre outras senhoras de destacada posição social. Ocupou o cargo de presidente da agremiação, sendo reeleita por unanimidade durante quatro anos e auxiliando na fundação de outras sedes no sul do Brasil e em São Paulo. Marita, sua irmã, esteve presente em diferentes ocasiões como, por exemplo, em almoços de homenagem do Clube Soroptimista. Companheira de Sophia em seu destacado projeto social, Bertha Lutz, foi, como se sabe, uma das mais importantes figuras do feminismo brasileiro. Fundadora da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF), da Associação Panamericana de Mulheres e da Aliança Brasileira pelo Sufrágio Feminino, todas em 1922. Uma das importantes vitórias de Bertha, foi nesse mesmo ano: após campanha feminista, o Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, e os Liceus Provinciais (os únicos cujos diplomas qualificavam automaticamente para o ensino superior), passam a ser instituições mistas. Bertha Lutz foi homenageada em 1925, no Clube de Engenharia onde Albert Einstein, também em 1922, apresentou a teoria da relatividade aos cientistas brasileiros. Nessa ocasião, Bertha elogiaria os Estados Unidos por ser o país precursor dos avanços e conquistas obtidas pelas mulheres. Bertha atribuía grande importância à questão do voto feminino, afirmando que o acesso aos direitos políticos era o meio de obter garantias de igual cidadania às mulheres com base na lei. A FBPF foi uma as entidades de maior longevidade, tendo a colaboração da 4 Habilitado em 1925 no concurso para provas para conservador do Museu Histórico Nacional, realiza ali ampla reforma administrativa, criando também a cadeira de História da Civilização Brasileira. 4 Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP, 2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6) sufragista norte-americana Carrie Chapman Catt5 na elaboração de seus estatutos, que objetivavam coordenar e orientar os esforços da mulher afim de elevar seu nível cultural e de tornar mais eficiente sua vida social (pública, intelectual e política, além de doméstica). Sophia e Marita compareciam a eventos da Federação nos anos 1930. Em 1931, é realizado o Segundo Congresso Internacional Feminista, sendo que em 1934, Bertha é indicada para representar a FBPF na Comissão de Elaboração do Anteprojeto da Constituição. O sufrágio é, finalmente, garantido no artigo constitucional nº 108, que afirma: “Nós os representantes do povo brasileiro, pondo a nossa confiança em Deus, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para organizar um regime democrático, que assegure à Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar social e econômico, decretamos e promulgamos o seguinte: São eleitores os brasileiros de um e de outro sexo, maiores de 18 anos, que se alisarem na forma da lei.” (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1934) Sophia e Bertha participavam dos mesmos grupos feministas, e compartilhavam da vida social, e, muito provavelmente, eram próximas na vida pessoal. Em um dos álbuns de fotos conservados por Sophia, vê-se o registro do almoço no Hotel Mesbla, em comemoração ao seu regresso da Ilha do Ceilão em 1955, em que está anotado à caneta, abaixo da imagem da companheira: “Bertha Lutz raramente sorri...”. Na inauguração de Museu de Indumentária, Bertha registra seu carinho e admiração por Sophia: “Um grande cidade, tão desprovida de museus, é verdadeiramente notável encontrar um Museu tão diferente, tão original, tão altamente especializado como o Museu encantador e encantado de Sophia – Desejo-lhe vida longa e glória continuada, pois é mais uma iniciativa cultural valiosa da mulher”.(LUTZ, 1960) A recíproca era verdadeira e expressa, por exemplo, em sua homenagem na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, em 1955, quando Sophia afirma: “E por falar em mulheres de pequeno porte feminino e de alma grande, não podemos aqui esquecer a doutora Bertha Lutz, presidente da Federação pelo Progresso Feminino. Todos conhecem, com certeza, este vulto de mulher insigne, cujo nome atravessou fronteiras internacionais. Esta mulher extraordinária que vai envelhecendo sem esmorecer, não pode ser esquecida pelas mulheres conscientes do Brasil, porque foi ela a célula mater do feminismo na nossa terra.”(BRASIL, SMdp09) Em 1957, o Clube Soroptimista do Rio de Janeiro é fechado, sem que sejam conhecidas as razões dessa decisão, afinal, apenas dois anos antes se registrou a existência de 5 Carrie Chapman Catt foi jornalista, professora e sufragista norte-americana. Foi presidente da Associação Nacional para o Sufrágio Feminino, fundadora da Liga das Mulheres Eleitoras e da Aliança Internacional da Mulher. 5 Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP, 2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6) 1.522 unidades da agremiação pelo mundo. Segundo a autora Heloísa Ribeiro, o motivo do fechamento estaria ligado ao fato da cidade ter perdido seu status em função da transferência da capital federal para a cidade de Brasília. Após sua morte por embolia pulmonar, em 1968, o acervo de Sophia é totalmente doado ao Museu Histórico Nacional pelo seu irmão Danton Jobim, mesma instituição na qual se graduou no Curso de Museologia, um dos primeiros do país, em 1963. Leitura sobre Sophia e a teoria biográfica Pierre Bourdieu, para compreender como a escrita biográfica possibilitaria um ponto de análise do contexto, aborda a questão da ilusão biográfica, refletindo sobre o risco de tomar a história de vida retrospectivamente como um todo coerente, dotado de um sentido claro, que justificaria cada etapa ou passagem da trajetória. Essa dependência do documento, criticada por Virgínia Woolf, é uma das mais importantes discussões da biografia contemporânea. Utilizando a linha historiográfica cultural como base teórica, mais especificamente Pierre Bourdieu para continuarmos nosso empreendimento pela escrita biográfica, procuraremos constituir um ponto de análise do contexto. O autor fala em ilusão biográfica, refletindo sobre o risco de tomar a história de vida retrospectivamente como um todo coerente, dotado de um sentido claro, que justificaria cada etapa ou passagem da trajetória. Esse risco também aparece, embora endereçado a outro tipo de reflexão na discussão de Virginia em sua análise sobre a escrita biográfica. “Produzir uma história de vida, tratar a vida como uma história, isto é, como o relato coerente de uma sequencia de acontecimento, com significado e direção, talvez seja conformar-se com uma ilusão retórica, uma representação comum da existência que toda uma tradição literária não deixou e não deixa de reforçar.”(BOURDIEU, 2006: 185) Para que não nos percamos na escrita biográfica, devemos, através do contexto reconstruído, observar e analisar os campos onde este indivíduo atua, rever os espaços sociais em que ele se move, observando as expressões de suas “camadas de eu”. “Sem dúvida, cabe supor que o relato biográfico se baseia sempre, ou pelo menos em parte, na preocupação de dar sentido, de tornar razoável, de extrair uma lógica ao mesmo tempo retrospectiva e prospectiva, uma consciência e uma constância, estabelecendo relações inteligíveis, como a do efeito à causa eficiente ou final, entre os estados sucessivos, assim constituídos em etapas de um desenvolvimento necessário.” (BOURDIEU, 2006: 184) 6 Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP, 2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6) Bourdieu defende que há uma cumplicidade entre os indivíduos (ou “agentes”) e o mundo social. Os agentes seriam guiados por um conjunto de disposições adquiridas e incorporadas desde seu primeiro contato com a sociedade, disposições que funcionam como princípios de visão e de divisão do mundo social. A partir dessa “grade”, é produzida então, uma construção deste mundo pelos agentes, utilizando as estruturas já constituídas históricas, alcançando-se um amplo quadro social. Sabina Loriga, em contrapartida, analisa a escrita biográfica como contendo em si, dois riscos. O primeiro é configurar a experiência individual como uma experiência média e segunda é do risco de tentar apreender a totalidade. Quanto a sua utilização do “eu”, a autora discute a questão das fontes biográficas que são utilizadas para compreender os atos sociais, e são aceitos como elementos ilustrativos. Busca enfatizar que outras forças são mais importantes que a ação de cada indivíduo, tudo para justificar a separação da biografia e a historia. Dentro de sua análise, a biografia se move entre os campos do contexto e do indivíduo, esferas que se confrontam, ora cedendo à pressão de apagar o indivíduo em favor do contexto, ora pressionando para tornar o contexto apenas um pano de fundo da narrativa. Um dos erros possíveis é o de assumir o indivíduo como se fosse uma entidade absolutamente formada, como algo dado e estabelecido, concebendo, por sua vez, o contexto como algo simples, linear e igualmente constituído sob uma forma já determinada. Sabina Loriga, por sua vez, também pensa sobre os problemas inerentes à escrita biográfica, alertando-nos para dois riscos. O primeiro é configurar a experiência individual como uma “experiência média” e o segundo, é o risco de tentar apreender a “totalidade do biografado”. Neste ponto, Loriga critica objetivamente o método proposto por Bourdieu. “Em realidade, toda a análise de Bourdieu repousava sobre uma nítida, embora implícita, tripartição hierárquica entre o senso comum, o discurso romancesco tradicional e a vanguarda moderna. Os dois primeiros estariam ainda subordinados à ilusão biográfica, ao passo que a terceira teria definitivamente rejeitado as noções de sentido, de sujeito e de consciência.” (LORIGA, 2007: 215) Quanto à utilização de Bourdieu do “eu”, para retirar o caráter de exemplaridade, a autora também discute a questão das fontes biográficas que são utilizadas para compreender os atos sociais, e são aceitas como elementos ilustrativos. Loriga aponta a crise dos grandes 7 Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP, 2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6) modelos de interpretação da trajetória individual, levando a uma busca da interrogação acerca da noção de indivíduo, o que nos interessa especialmente. Nos últimos anos, a noção de indivíduo voltou a ocupar lugar de destaque na discussão dos historiadores, justamente a partir da revalorização da biografia, apostando no que Loriga chama de “homem qualquer”, recusando a dita simplicidade na escrita da vida do homem comum. Assim, entra em consonância com o discurso aqui defendido, de que mesmo sendo um individuo múltiplo, composto de diferentes “eus”, não existe uma simplicidade ao falarmos desse conceito, independente do seu objeto. Segundo Loriga, ao longo do século XX, o individual e o social como conceitos foram engessados em torno de uma escolha falsa: a necessária opção entre um ou outro, em favor ou do coletivo ou do indivíduo. Para ela, a luta entre esses dois conceitos mantiveram-se na escrita biográfica. Georg Simmel é mobilizado em minha análise pela sua concepção de individuo na qual, o mesmo busca uma diferenciação na individualidade. Segundo ele, isso seria constituído historicamente no Romantismo. Pretendo no meu trabalho demonstrar o individuo dentro destas concepções e como isso é resultado de uma modificação durante o chamado “retorno biográfico”, e sua afirmação como ponto referencial na discussão da escrita biográfica. Para enfrentar essa tarefa, propomos a utilização das reflexões de Georg Simmel. A partir de alguns pressupostos de sua sociologia podemos encontrar diferentes meios de interação com a análise a que nos propomos. O primeiro deles, é a afirmação do grupo social como forma de pertencimento e da sociação que essa formação pode proporcionar. Segundo Georg Simmel:“S, ...todas essas formas de sociação são acompanhadas por um sentimento e por uma satisfação de estar justamente socializado, pelo valor da formação da sociedade enquanto tal.” (SIMMEL, 2006: 64) Para ele, os clubes e associações permitem ao indivíduo encontrar um papel simbólico que preencheria suas vidas e atribuiria significado a estas. Sugerimos, por isso, certa consonância entre o entendimento da importância de pertencimento e sociação simmeliano e o 8 Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP, 2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6) discurso e a ação6de assistência desenvolvido por Sophia. A ser aceita essa hipótese, vemos afinidades não somente na associação com que o sociólogo chama de “homens de nível inferior” (excluídos deste grupo), mas também com os componentes desse grupo, que através da vida em sociedade podem desenvolver-se melhor como indivíduos. Nessa vida em sociedade é desenvolvida uma forma de sociabilidade que possibilitava o contato entre os seus sócios, resultando desse dito contato, ações assistenciais. Assim, apresenta-se essa necessidade do estar em grupo e do pertencer, pontos vitais na compreensão da dinâmica entre o homem e a sociedade para Simmel, associada ao esforço do indivíduo de destacar-se e de diferenciar-se. Essa sociação, no entanto, cobra seu preço, exigindo do indivíduo certo grau de perda. “Os problemas mais graves da vida moderna derivam da reivindicação que faz o indivíduo de preservar a autonomia e individualidade de sua existência em face das esmagadoras forças sociais, da herança histórica, da cultura externa e de técnica da vida”(SIMMEL, 1979: 11) No caso de Sophia, o Clube Soroptimista pode ser entendido como lugar onde a interação dela com os seus “iguais” realiza-se, porém, sem anular sua persona, possibilitando que ela se destaque e torne-se líder deste grupo, ocupando o lugar de figura de proa, recebendo em sua casa aqueles que têm poder de realizar grandes mudanças sociais e que estão próximos do poder central, como, por exemplo, seu contato com a própria Darcy Vargas ou com o futuro governador do Rio de Janeiro, o diplomata e advogado José Sette Câmara Filho. Darcy, por exemplo, comparece a alguns chás da Revista Lady, organizados por colunistas da publicação e que contam com a presença de Sophia. “A unidade efetiva e possivelmente indissolúvel que se traduz no conceito de individuo não é de toda maneira um objeto do conhecimento, mas somente um objeto da vivência: o modo pelo qual cada um sabe da unidade de si mesmo e do outro não é comparável a qualquer outra forma de saber.” (SIMMEL, 1979: 12) Sophia utiliza dessa estrutura da cidade como ‘palco da luta entre individuo e sociedade, cenário do moderno estilo de vida’, como forma de se estruturar e alcançar sucesso profissional e como ativista feminista. Ela desenvolve sua individualidade, obtendo ganhos 6 Dizemos “discurso e ação” porque Sophia atua nas duas frentes, simultaneamante: escrevendo em jornais e revistas ou discursando e apresentando palestras ela produz um discurso sobre a atuação soroptimista e feminista. Por outro lado, lecionando, gerindo seu Museu de Indumentária e atuando como sócia do clube agia de forma efetiva e cotidiana. 9 Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP, 2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6) para a causa feminista, utilizando as estruturas desta sociedade para crescer profissionalmente e consolidar sua posição, em consonância com a valorização do trabalho no governo Vargas. A sua posição como mulher valoriza-se dentro do painel da luta feminista e, através de seu estudo, podemos evidenciar outra face não somente do movimento como o Clube Soroptmista, como do papel da mulher e sua atuação na vida profissional do Brasil. BIBLIOGRAFIA: BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica In: FERREIRA, Marieta de Morais; AMADO, Janaina (org.). Usos e abusos da historia oral, 8ª edição, Rio de Janeiro. Editora FGV, 2006. BRASIL, Museu Histórico Nacional, Arquivo Histórico. Catálogo Geral, SMcr43. BRASIL, Museu Histórico Nacional, Arquivo Histórico. Catálogo Geral, SMdp19 ELIAS, Norbert. A Sociedade dos Indivíduos. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editora, 1999. SCOTT, Ana Silvia. O caleidoscópio dos arranjos familiares In PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO, Joana Maria. Nova historia das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2012. SIMMEL, Georg. A metrópole e a vida mental. In VELHO, Otavio (org.) O fenômeno urbano. Editora Zahar. Rio de Janeiro: 1979. SIMMEL, Georg. Questões fundamentais da sociologia: individuo e sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2006. SOIHET, Rachel. A conquista do espaço público In PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO, Joana Maria. Nova historia das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2012. 10