ESCOLAS ISOLADAS RURAIS LONDRINENSES (PR): PRIMEIRAS REFLEXÕES. FARIA, Thais Bento Universidade Estadual de Londrina [email protected] Palavras-chave: História das Instituições Escolares; Escolas Isoladas Rurais; Londrina-PR. Este estudo preliminar objetiva contribuir para a produção do conhecimento na área de História da Educação e no processo de revisão sobre a História da Educação de Londrina (PR). A finalidade é compreender a constituição da escolarização primária neste município, portanto considera os diferentes formatos institucionais escolares existentes no período: o grupo escolar, a escola étnica e a escola isolada rural. Entretanto, o escopo principal é entender a instituição das escolas isoladas rurais, sempre considerando o contexto histórico, econômico, político e social de criação do município, bem como o diálogo estabelecido destas com os demais espaços educativos. É ela, a “escolinha” precária e situada fora do projeto inicial da empresa colonizadora Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), que é o centro desta investigação. Justifica-se a escolha, haja vista que a maior parte da população teve acesso aos conhecimentos elementares nestas salas improvisadas e, deste modo, durante décadas foi a principal responsável por promover a dita “educação popular”. Como recorte temporal, o estudo abrange desde o processo de institucionalização das primeiras escolas primárias públicas, em 1937, até o início da década de 1970, momento em que estas instituições tornaram-se “Escola de 1º. Grau”, com a Lei de Reforma 5692/71. Todavia, para este escrito e em se tratando de uma análise inicial, focalizaremos mais detidamente na década de 1950. A presente pesquisa tem como fonte os inúmeros documentos localizados no interior do Acervo Histórico da Secretaria de Educação do município investigado, constando de livros atas de reunião pedagógica, relatórios, ata sobre exames finais, leis e decretos; que foram manipulados, alguns analisados e outros que carecem fazer o entrelaçamento documental necessário a fim de trazer o maior número de vestígios para a construção dessa narrativa histórica. Como partimos de uma noção ampliada de documento, elencamos também a iconografia como um dos instrumentos de coleta de dados. As imagens, verdadeiras preciosidades, possibilitam o alargamento da interpretação das práticas escolares. Além do acervo documental, aqui entendido como fontes escritas e iconográficas, também trabalhos monográficos, dissertações e teses auxiliam no alcance do objetivo traçado. Para ilustrar alguns, destacam-se os trabalhos de Nascimento (2006), Bencosta (2006) e Miguel (1997), pois resgatam a História da Educação no Estado do Paraná. Sobre a história da educação londrinense, Capelo (2000), Primo (1977) e Batista (1998) são leituras basilares. O primeiro trabalho centra nas escolas étnicas e isoladas rurais para entender o momento em que a Secretaria Municipal de Educação promovia a nucleação das escolas rurais, em prol da “modernização”. As outras duas investigações são também pertinentes, uma discorre a respeito das “Influências do rural e urbano na educação e na cultura de Londrina” e a última focaliza em uma escola isolada. Se partimos do pressuposto que a história da escola mantém relação com a história da cidade, e vice-versa, importa apresentar, em linhas gerais, estas histórias tecidas no tempo e trazer historiadores que as narram. A priori, é isto que faz este artigo, aborda um pouco do que é sabido acerca das histórias da cidade e da educação escolar londrinense. E, no segundo subtópico, reflete sobre a escola isolada rural nos anos 50 do século XX, para encerrar com considerações parciais, uma vez que é uma investigação em andamento. Panorama histórico da escolarização primária londrinense. A necessidade de escolas em Londrina intensificou-se com a chegada de brasileiros e estrangeiros, inclusive os já residentes no Brasil e que faziam sua segunda migração. Na falta de instituições públicas, entre os anos de 1931 e 1934, criaram as primeiras escolas financiadas pela iniciativa particular, em especial pelas comunidades estrangeiras. Capelo (2000) expõe que a primeira instituição de ensino foi a Escola Alemã, fundada em 1931. Localizada no Heimtal, ao norte londrinense, contava com trabalho voluntário, com recursos da comunidade e do consulado alemão. Manteve-se fechada durante a Segunda Guerra Mundial e, com a criação do DEPAS (Departamento de Educação Pública e Assistência Social), nos fins dos anos de 1940, e na tentativa de enquadrá-la nos moldes de uma escola nacional-brasileira, aos poucos se diluiu. Também no início da década de 1930, a segunda escola foi estabelecida na sede da propriedade rural da família Palhano, de origem italiana e vinculada ao Movimento Integralista. Três anos depois, fundaram a primeira escola japonesa na área urbana, “numa casa que abrigava também o clube japonês (kaikan) [...]. Ensinando a língua japonesa, servia aos filhos dos moradores da cidade e às crianças que residiam em sítios próximos da área urbana”. (CAPELO, 2000, p. 226). Na década de 60 do século XX, discorre a pesquisadora, registrou-se o número de 11 escolas japonesas em Londrina, sendo que, posteriormente, foram doadas aos governos locais. É interessante mencionar que, desde a institucionalização do DEPAS (1948), todas escolas apresentavam currículo e esquema avaliativo único. Um caso de sucesso dessa tentativa de homogeneização do ensino foi a Escola de Lorena, situada em uma colônia japonesa. Percebe-se que o título de “Colônia Internacional”, atribuído a Londrina, não foi empregado por acaso, visto que a propaganda da Companhia de Terras Norte do Paraná chamou a atenção até dos poloneses fixados em Santa Catarina, Rio Grande do Sul, no sul do Paraná e São Paulo. Fato que levou famílias polonesas, ucranianas, russas e tcheco-eslovacas a reocuparem o espaço de Warta, distrito londrinense - local onde igualmente estabeleceram uma Casa Escolar. (CAPELO, 2000). Também havia um povoado chamado Brastilava, atual cidade de Cambé, que teve seus primeiros lotes vendidos em 1932 para imigrantes de Danzig, cidade livre e porto de acesso da Polônia ao mar Báltico. A região era habitada mais por eslovacos, entretanto havia famílias de várias nacionalidades europeias e brasileiras. As primeiras moravam na parte de baixo do bairro e, por ser maioria, apropriaram-se da escola como pertencentes à sua etnia. Os moradores da parte de cima, composto por diferentes nacionalidades, trataram de construir uma escola e igreja para seu uso. Os dois grupos sociais em disputa estendiam a rivalidade às instituições e mediam forças entre si. Como os eslovacos eram mais conservadores, tinham dificuldades em aceitar professoras provenientes da escola de cima. Em 1949, as duas escolas deram lugar ao Grupo Escolar Bratislava. (CAPELO, 2000). Com o desígnio de suprir a necessidade de escola primária para os imigrantes que chegavam à região, várias escolas étnicas foram criadas, como explicitamos: a Escola Alemã, a Escola Palhano, algumas escolas japonesas, a Casa Escolar de Warta e as escolas do povoado de Brastilava. No entanto, Capelo (2000, p. 155) critica a fixação do marco histórico inicial de escolarização de Londrina nos anos de 1930. As críticas tecidas são pertinentes, uma vez que, ao se referir a uma história de Londrina pós 1930, desconsidera o caboclo, o indígena e os demais brasileiros que ocupavam esse espaço, os quais criaram formas de se educarem e de educarem seus semelhantes. Falamos, portanto, em antecedentes e também na coexistência de modelos educacionais à medida que, anterior à chegada dos imigrantes, ocorriam outras experiências educativas dos que aqui habitavam e, com a vinda destes, escolas étnicas se estabeleceram e se mantiveram por algum tempo concomitante a outras formas de instituições escolares. A “ruptura”, se assim podemos expressar, aconteceu com o movimento nacionalista e as políticas implantadas na era Vargas. Medidas que requisitaram a figura estatal para se efetivarem. Londrina utilizou como estratégia a transformação destas instituições étnicas em escolas municipais ou estaduais. Muitas se tornaram grupos escolares, outras sucumbiram e, também, expandiram-se as escolas primárias rurais sob a responsabilidade do poder municipal. Estas iniciativas estavam em concordância com a Campanha Nacional de Nacionalização do Ensino. Iniciada em 1936 pelo governo federal, objetivavam integrar os imigrantes, mediante o aprendizado do idioma e de valores nacionais. (MAGALHÃES, 2001). Uma tática era o fechamento de escolas étnicas e aumento de instituições escolares públicas. Em particular no Paraná, aponta Renk (2004, p. 117), “[...] foram fechadas 78 particulares estrangeiras e abertas 70 escolas públicas”. Ao analisarmos, em específico, os dados da população residente no meio rural e urbano de Londrina, concluímos que, até os anos de 1960 e início da década de 70, fruto dos tempos áureos proporcionados pela cafeicultura, ampliou-se as escolas isoladas, mormente na zona rural. A primeira escola pública primária a se efetivar foi o Grupo Escolar “Hugo Simas”, em 1937, criado no “coração” da cidade e, por ser modelar, atraia muitos e gerava no início do ano letivo uma fila gigantesca. (FARIA, 2010). Mostrando-se insuficiente, e diante da meta de educar o campesino, a expansão da escola isolada rural tornou-se imperiosa. Pelo decreto n◦25 de 1939, foram criadas 10 escolas primárias municipais. Consta no Artigo 2° deste decreto: “As escolas a que se refere o art° 1°, serão instaladas nas zonas rurais e povoados distantes da séde e especialmente nos nucleos de colonização extrangeira”. i (LONDRINA, 1939 apud BATISTA, 1998). Se considerarmos que em muitas regiões do país se difundiram as ideias do “ruralismo pedagógico”, originária antes mesmo dos anos de 1920 e ainda em vigor na década de 40 do século XX, torna mais nítido o entendimento deste processo de implementação de escolas rurais no município em estudo. O problema de inchaço das cidades e sua incapacidade de absorção dos trabalhadores pelo mercado urbano, encontrou na educação uma possibilidade de solução à medida que esta mostraria ao homem do campo “[...] o ‘sentido rural da civilidade brasileira’ e a reforçar os seus valores, a fim de fixá-lo à terra, o que acarretaria a necessidade de adaptar programas e currículos ao meio físico e à cultura rural”. (CALAZANS, 1993, p. 25). Convictos de que as ideias estão em circulação, subentende-se que a preocupação em instalar escolas rurais tinha variadas motivações, entre elas a tentativa de fixar o sujeito no meio rural e também resultante de reivindicações da população campesina. Quanto à sua caracterização, Batista (1998) explica que funcionavam em casas cedidas por fazendeiros, próximas aos antigos armazéns ou era edificada pela própria comunidade, eram verdadeiros “pardieiros”, como diria Faria Filho (2000). É relevante frisar que na década de 1940 Londrina tinha um limite territorial muito maior do que os dias de hoje, muitos distritos se desmembraram e se constituíram em novos municípios só depois desta data. Desta maneira, compreendemos a dificuldade daquele momento histórico no que concerne ao atendimento escolar a todos. Dos anos 40 aos 50 do século XX a ampliação da rede municipal foi morosa, houve necessidade de atender no período intermediário. O auge da expansão das escolas isoladas aconteceu paralelo ao alto índice de produção cafeeira. O número de escolares residentes na zona rural pressionou o poder público municipal a aumentar as vagas das instituições educativas. (BATISTA, 1998). De 10 escolas primárias municipais previstas para o ano de 1939, em 1945 o número dobrou, cinco grupos escolares foram instalados e fundaram uma escola particular anexa à Igreja Adventista. (PRIMO, 1977). Esta ampliação não é fato isolado, em todo Paraná, durante o governo de Manoel Ribas (1937-1942) deu-se ênfase ao número de escolas públicas. Baseada em um relatório referente às realizações deste governo, Renk (2004, p.121) informa que [...] em 1932 havia 1.136 unidades de ensino e que, no ano de 1942, este número era de 1.966. Sobre o número de professores, em 1932 havia 1.816 e em 1942 este número havia aumentado para 3.587. O número de matrículas também aumentou: em 1932 era de 63.895 alunos, e, em 1942, este número era de 123.776 alunos matriculados. As investigadoras, Primo (1977) e Renk (2004), destacam a expansão escolar, respectivamente em Londrina e no estado do Paraná. Mesmo assim, é sabido que as vagas não correspondiam à crescente demanda. No caso de Londrina, ilustrativo é que a riqueza proporcionada pelo “ouro verde” atraiu trabalhadores urbanos e rurais. Enquanto em 1950 o total de londrinenses registrado pelo Censo é de 71.412, dez anos mais tarde este número subiu para 134.82. (IBGE, 1950-1960 apud PRIMO, 1977). O estudo monográfico de Batista (1998) clarifica o quanto o meio rural se expandiu e, atrelado a ele, foi preciso ampliar a rede municipal de ensino. Ao compararmos as informações disponíveis em documento datado de 1969, notamos a predominância de escolas municipais no campo, de 153 escolas municipais primárias, 121 localizavam-se no espaço rural e apenas 32 na cidade. Já em 1971, existiam no município, 144 escolas rurais isoladas. (LONDRINA, 1969 apud BATISTA, 1998). Os dados provenientes dos estudos mencionados indicam a expansão populacional e de instituições escolares após 1940. Desta maneira, neste artigo, como também temos como principal documento analisado um livro ata de reunião pedagógica datado de 1954 a 1960, avaliamos os anos 50 do século XX, utilizando-se uma abordagem meso, que percebe a totalidade e a singularidade, simultaneamente, ou seja, que reconhece as ações dos agentes educacionais e sua relação com a história macroscópica. O macro – a história da cidade de Londrina – e o micro – alguns aspectos históricos da escola isolada rural – abordamos no subtópico que segue. As escolas isoladas rurais em Londrina – anos de 1950. Como fizemos referência no início deste texto, nossa finalidade é compreender a constituição da escolarização primária em território londrinense, sobretudo, entender a instituição das escolas isoladas rurais. Ainda que repetitivo, é substancial trazer outra vez alguns dados sucintamente: nos anos 1930, quando surge a cidade de Londrina, o que temos majoritariamente foram escolas étnicas, haja vista a escassez de instituições públicas primárias; na década de 1940, mais propriamente depois da instituição do DEPAS, que se principia o processo de municipalização da educação mediante este órgão que tem, tal como o mesmo define, “[...] objetivos essenciais, planejar, organizar, dirigir e controlar os serviços necessários a educação no meio rural”. (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE LONDRINA, 1956-1969, sem paginação). Portanto, para um trabalho investigativo que tem essa pretensão, olhar para as “escolinhas rurais” do presente município, torna-se primordial analisar a atuação do Departamento que gerenciava e instituía as principais diretrizes a serem seguidas nas escolas rurais isoladas. A maior parte dos registros escritos e fotográficos localizados nesta busca inicial por fontes primárias foram datados de 1950, mais um dos motivos para focalizarmos nesta década. Reiterando, a escrita da história da escola e das práticas educativas de seu interior só faz sentido ao tramar as inúmeras histórias, da escola e da cidade; seria incoerente desconsiderarmos Londrina no período investigado. Vamos trazer mais outros aspectos da história de Londrina, rural e urbana, no momento eleito. Para isso, apresentamos informações importantes de trabalhos monográficos que desenham o espaço londrinense. Candotti (1997) explica que até o final de 1940, a população permaneceu dentro dos limites da “cidade planejada”, com uma arquitetura majoritária de madeira. A partir de 1950, esse quadro se alterou, pois a CTNP se afastou, aumentou a população e houve influência modernista na paisagem urbana. A “cidade de madeira” deu espaço a “cidade de alvenaria”, o ambiente verde foi substituído por armações de ferro e concreto, com alguns resquícios da vegetação nativa. Símbolos ligados à ideia de progresso foram gradualmente consolidados, a população rural diminuiu e aumentou o contingente urbano. Podemos afirmar que a década de 50 foi marcada por projetos modernistas, citamos alguns desses marcos com a criação: do Cine Ouro Verde (1952), da Estação Rodoviária (1951) e da Casa da Criança (1953/54). Os dois últimos projetos têm como referência arquitetos de renome como João Batista Vilanova Artigas e Carlos Cascaldi. Estas medidas têm relação direta com a riqueza gerada pela cafeicultura bem como com os interesses dos comerciantes, agropecuários e industriais. A meta era ter uma infra-estrutura com variados serviços, com opções de lazer e atrativos que fixariam grupos investidores em Londrina e valorizasse os imóveis aqui presentes. (CANDOTTI, 1997). A autora ainda escreve que, devido os investimentos oriundos da cafeicultura serem aplicados em outras cidades, como Curitiba e São Paulo, houve uma série de lançamentos imobiliários para conter em Londrina parte do capital adquirido pelos cafeicultores e comerciantes. Ilustrativo é a construção dos edifícios “Bosque”, onde funciona o jornal Folha de Londrina (1957), “Centro Comercial” (1958), “Júlio Fuganti”, “Cinzia”, “Galeria Folha de Londrina” e “Panorama”. No mesmo período surgiram loteamentos de alto padrão para um público seleto que aqui se fixaria e possibilitaria a circulação de capital na própria cidade. Do modo similar, acrescenta a investigadora, cresceu a área industrial, que totalizava 289 indústrias no fim de 1950, expansão que apresentou problemas pela precariedade do fornecimento de energia elétrica. Vale também ressaltar que, nessa década, ocorreu a instalação de cursos superior com a criação da Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Londrina e Faculdade Estadual de Direito. Uma estratégia de “[...] fortalecimento e a ampliação do “poder das letras”, bem como a de formar “[...] profissionais que atuassem como professores especializados e advogados, além dos interesses de famílias influentes que não queriam o afastamento de seus filhos para outras cidades”. (CANDOTTI, 1997, p.157). Em contrapartida à esta cidade modernista e que se desenvolvia para atender a elite local em expansão, Arias Neto (1998) apresenta alguns dos problemas decorrentes do crescimento populacional e econômico de Londrina: no espaço urbano vimos a proliferação de loteamentos, o crescimento vertical e a construção de residências de luxo permeado por casebres da população empobrecida; na vida social houve o aumento do custo de vida, os inúmeros vadios e malandros, a multiplicação de prostíbulos e casas de jogos e grandes golpes envolvendo a terra; já com a infraestrutura urbana percebe-se a deficiência nas comunicações, no abastecimento de água e energia elétrica (grifo nosso). Também como consequência da fama do Eldorado, como expõe Arias Neto (1998), significativa quantia de migrantes miseráveis chegava à cidade. Para minimizar a preocupação crescente da elite, estabeleceram instituições e campanhas assistenciais, tendo como públicos prioritários migrantes pobres e crianças. No que concerne à cafeicultura, os anos de 1950 atingiu o ponto máximo e, com a geada de 1953 e a geada “negra” de 1955, reduziu este entusiasmo, permanecendo a confiança de que os anos 60 seriam de grande produção. (CAPELO, 2000). Frente à esta cidade dual que se consolida, rica e miserável, que projeta espaços para a elite e para os pobres – edifícios, avenidas, loteamento de alto padrão e, por outro lado, instituições e campanhas assistenciais – como se encontrava o campo educacional? Importante frisar que para aprimorar a Inspetoria Municipal de Ensino, originária no início de 1940, no fim desta década foi estabelecido o Departamento de Educação Pública e Assistência Social (DEPAS), citado anteriormente. Pois, [...] o poder público municipal não podia mais omitir-se diante do crescimento progressivo das demandas por educação no meio rural. O fechamento de escolas estrangeiras e a ampliação das políticas de nacionalização impuseram a necessária presença estatal na regulamentação do sistema educacional. O projeto de sociedade centralizado na visão de mundo urbano-moderno-industrial exigia que a escola, enquanto mediação, constituísse subjetividades adaptadas às novas relações sociais de produção e ao novo modo de vida. (CAPELO, 2000, p. 58-59). Trata-se de uma cidade que se modernizou com o que advinha da terra que, embora ocorresse o desenvolvimento urbano, boa parte da população se encontrava ainda no meio rural. À esses sujeitos como lhes era garantido o acesso às primeiras letras? Foi à escola isolada rural que coube a função de dividir o “pão espiritual”, já que o “pão material” pertencia a poucos.ii Na intenção de apreender o processo de instituição destas escolas, fomos à busca de documentos preservados no Acervo Histórico do Município de Londrina. Indubitavelmente que, ao nos depararmos com atas de reunião pedagógicas sabemos que estamos diante de um vestígio valioso, pois estas possuem elementos históricos que auxiliam na compreensão da prática educativa vigente. O que estava em pauta no momento, o que era tido como importante e até mesmo, a ausência de temáticas, indicam o que os agentes educacionais professores e gestores - tinham como assuntos centrais e periféricos, o que era substancial e supérfluo, neste momento de institucionalização das escolas isoladas rurais. Analisamos em torno de 400 folhas escritas, relatos de encontros mensais entre diretoria do DEPAS – diretor e inspetores – e professores que se achavam espalhados pela cidade com a incumbência de, como repetiram em inúmeras reuniões, preparar “[...] homens para serem úteis à Deus, a Pátria e a Família”. (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE LONDRINA, 1956-1959, p. 63). Em nossa reflexão inicial, alguns temas discutidos aguçaram a curiosidade de historiador. De maneira peculiar, nos anos de 1954, é nítida a presença nas reuniões pedagógicas da Equipe de Assistência Social ao Trabalhador Rural. Destacavam a importância de o professor dar apoio a esta, que percorreria toda a zona rural. A própria equipe se apresentou e solicitou aos docentes que clarificassem aos pais o propósito do grupo. “[...] O objetivo é estabilizar o homem rural no seu meio, levar-lhe não comodidades mas conhecimentos. As Assistentes darão aulas sobre agronomia, corte e costura, habilidades domésticas etc [...]”. (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE LONDRINA, 1954-1960, p. 4) Na reunião seguinte um representante da Assistência Social também palestrou acerca da temática “alimentação”. Discorreu sobre a relevância dos docentes incentivarem o consumo de produtos de que soubessem a procedência, seu plantio e aproveitamento de nossas terras. (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE LONDRINA, 1954-1960, p. 7-8). Nota-se a importância do tema, especialmente pela frequência que aparece pautada nas reuniões de cunho pedagógico. Tamanha era a preocupação que o curso de férias seria sobre “[...] Noções de Higiene e Alimentação, Indústrias Rurais e caseiras, Horticultura, Associativismo Rural, Conhecimentos Gerais e Música [...]”; formação obrigatória haja vista o valor do estudado, que só em algumas situações o docente poderia se ausentar. (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE LONDRINA, 1954-1960, p. 31-verso). No interior do acervo localizamos um documento fotográfico possivelmente deste curso de férias, o assunto e a provável data em que aconteceu esta formação confirmam a hipótese. Ilustração 1 – Curso de Férias nos anos de 1950. Fonte: Acervo Histórico do Município de Londrina, 195-. A pose para a fotografia, os trajes alinhados e a satisfação evidenciada no sorriso das educadoras, explicitam que aprendiam algo pertinente para aquele momento histórico, que deveria ser registrado com inúmeros desígnios: deixar para a posteridade, compartilhar com seus pares e confirmar que as orientações do DEPAS eram possíveis de serem praticadas e eram seguidas pelo professorado, uma mostra do trabalho do Departamento. A imagem fotográfica, entrelaçada com uma ata, corrobora que este Curso de Férias, embora obrigatório, contou com ausência de um número acentuado de docentes e, como consta no documento, sem comunicar ao Departamento. (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE LONDRINA, 1954-1960). Isto expressa a atitude de subversão das professoras, que entre o prescrito e o aplicado há uma distância. Importante é olhar para as ações dos sujeitos, que por serem agentes, não meros autômatos, não necessariamente acolhem as orientações de seus superiores. Outro ponto a observar é que a máxima era o “aprender fazendo”, portanto, assim era que os docentes aprenderiam, com aulas práticas, como defendia o escolanovismo. Ainda para ratificar a insistência do tema e a tentativa de alcançar um maior número do professorado, a Equipe de Assistência Social esteve em mais uma reunião para esclarecer como se plantava alguns legumes e demonstrou o “[...] desejo de cooperar com as escolas rurais, no sentido de melhorar o nível de vida da criança do campo, afim de que esta possa com seus pais seguirem a profissão útil e honesta de agricultor”. Distribuíram, igualmente, pacotes de sementes a algumas escolas. (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE LONDRINA, 1954-1960, p. 24). No que tange às escolas isoladas rurais, outro desafio que intentavam superar era a evasão dos alunos, sobretudo no período da safra. Entre 1954 e 1960, o assunto foi pautado nas reuniões pedagógicas, alternativas eram delineadas para minimizar o problema e reduzir o índice de reprovação relacionado às faltas do público rural. A principal medida traçada foi a instituição de um calendário agrícola, que levasse em consideração o período de maior trabalho no meio rural. Pelos documentos, lidos parcialmente, subentende-se que o calendário esteve em vigência entre 1957 e 1960, as aulas seriam de segunda-feira a sábado, exceto em feriados, de 03 (três) de janeiro a 30 (trinta) de setembro, com dois períodos de férias. (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE LONDRINA, 1956-1969). Em ata registra-se que o prefeito da época defendeu o ano letivo rural devido o benefício a professores e alunos, estes teriam acesso à escola e aumentaria o percentual de aprovação. Também discorreu sobre a assistência médica rural, com a vacinação das crianças “[...] pois o Brasil só poderá ocupar um lugar que merêce depois que o nosso homem do campo fôr fórte, educado e instruído”. (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE LONDRINA, 1954-1960, p. 64-65). O intuito era formar o homem para o campo, que ali permanecesse, entretanto que estivesse lapidado e apto a conviver com os novos ares exalados pela urbanidade, com espaço da civilidade: forte para ser mão de obra adequada para o trabalho com a terra; educado e instruído como um citadino, longe da imagem desprezível do Jeca Tatu. Ainda quanto ao calendário agrícola, diferentes reuniões comentaram sobre a necessidade de analisar suas vantagens e desvantagens e verificar sua manutenção para os próximos anos. Em uma delas, entregaram uma folha aos docentes para avaliarem o presente calendário. (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE LONDRINA, 1954-1960, p. 161-192-193). Tratando-se de um estudo preliminar, não identificamos a análise do corpo docente e seus apontamentos. CONSIDERAÇÕES PARCIAIS: De 1940 a 1950, observamos que, frente ao movimento nacionalista e de nacionalização do ensino, em Londrina houve a substituição das escolas étnicas por escolas providas pelo poder público, fundando o DEPAS para seu gerenciamento. Por ser uma cidade com forte vínculo rural, e que por muitos anos manteve uma porcentagem expressiva de habitantes residentes no campo, o atendimento a este público tornou-se imperioso – aqui se encontra a relevância e a necessidade de instituir escolas no meio rural, não monumentais, nem que onerasse o Estado, apenas humildes casas escolares distribuídas pelo território londrinense. Todavia, o processo de instituição das escolas isoladas rurais contou com inúmeros desafios, em especial o de manter o alunado no espaço escolar. Para isso, a principal estratégia foi montar um calendário que considerasse a especificidade do campo, contrária à lógica urbana, regulada pelo relógio, mas a lógica movida pelo tempo da natureza. O desenho urbanístico de Londrina nos anos 50 do século XX, esboça uma série de símbolos para produzir uma imagem de cidade moderna e possível de ser ocupada pelos grandes produtores rurais e suas respectivas famílias, uma forma de manter o capital no local em que fora adquirido: as terras férteis londrinenses. Neste projeto de cidade, nunca antes pensado pela Companhia de Terras Norte do Paraná, o período em foco já evidencia a dualidade que os dias atuais trazem escancarada, a riqueza e a miserabilidade deste município. Neste sentido, a escola isolada rural também foi utilizada como mecanismo de minimizar a problemática do inchaço da cidade e aumento da pobreza. Ademais, as táticas se conformavam com a premissa de que a “[...] escola deveria resgatar valores do mundo rural, mantendo vivas ideias possíveis de serem esquecidas, entre elas a de que o Brasil era um país com uma natural vocação agrícola”. (ALMEIDA, 2005, p. 282). Para consagrar o ensino no campo, Londrina teve que lidar com o que lhe era peculiar, entre eles o de se adequar ao tempo do campo e formar professores com conhecimento próprio ao de seu local de atuação, como percebemos no documento fotográfico e em escritos. Os resultados destas táticas ainda precisam de maior nitidez, a expectativa é que demais fontes documentais primárias contribuam na escrita da história das instituições escolares rurais no recorte temporal elencado. Socializar as primeiras reflexões acerca da escola que foi de fato “popular” é uma oportunidade de partilhar sonhos, dúvidas e encontrar novos caminhos para esta investigação e, quiçá, para a educação popular. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ALMEIDA, D. B. 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(Mimeografado). i Optamos manter a escrita de todas fontes primárias como consta no documento original. As expressões “pão espiritual” e “pão material” foram forjadas por Zélia Leonel em sua tese de doutoramento “Contribuição à história da escola pública - elementos para a crítica da teoria liberal de educação”, 1994. ii