Conferência trabalho na investigação criminal Há limites que existem para NÃO serem quebrados. CIA ÇÃO SI ND IC NÁ R IO SD OC RI M F UN CIO IN AL • • SO AL AS Comunicações, debates e conclusões o regime de E IN VE STIGA ÇÃ Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal da Polícia Judiciária - ASFIC/PJ 2 Título: O regime de trabalho na Investigação Criminal / / Comunicações, debates e conclusões Edição e propriedade: Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal da Polícia Judiciária, ASFIC/PJ Organização da conferência: Concepção: Sobral Barbosa Mário Coimbra Coordenação: Sobral Barbosa João Rouxinol Mário Coimbra Equipa técnica: António Trogano Helena Santos Jorge Marques Jorge Mourão José Peixoto Vítor Hugo Logotipo da conferência (cartaz e capa do livro): Carlos Magno Grafismo: Bruno Reis Execução gráfica e impressão: Castel-Publicações e Ediçoes, SA. Tiragem: 1 700 Exemplares Ano: Dezembro de 2003 Depósito legal: 3 Índice Nota Prévia ........................................................................................................................................ 5 Paradigmas do quotidiano do investigador criminal ........................................................................... 7 Programa da Conferência .................................................................................................................. 12 Entidades convidadas presentes na conferência ................................................................................. 14 Imagens da conferência ..................................................................................................................... 17 Recepção e Abertura Solene • Dr. Artur Oliveira ........................................................................................................................ Juiz de Direito Director Nacional Adjunto da Directoria do Porto, (em representação do Director Nacional da Polícia Judiciária) 20 • Dr.ª Marlene Lemos ..................................................................................................................... Representante do Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos 21 • Manuel Carneiro Rodrigues ....................................................................................................... Inspector-Chefe na DCCB Presidente Nacional da ASFIC/PJ 22 • Dr. Teodósio Jacinto ................................................................................................................... Procurador-Geral Adjunto Director do Instituto Superior de Policia Judiciária e Ciências Criminais (ISPJCC) Moderador convidado 25 Comunicações: • Dr. Ferreira Leite ......................................................................................................................... Director Nacional Adjunto na DCCB As especificidades e as exigências da prestação de trabalho na Investigação Criminal 28 • Dr. Carlos Sobral .......................................................................................................................... Médico do Trabalho, indicado pela Ordem dos Médicos A Medicina do trabalho na Investigação Criminal 39 • Prof. Dr. A. Martins da Silva ....................................................................................................... Professor no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar do Porto Director do Departamento de Doenças do Sistema Nervoso e Órgãos dos Sentidos do Hospital St. António, no Porto Alterações do sono e alterações dos ritmos biológicos 41 • Debate .......................................................................................................................................... 53 4 • Prof. Dr. Jorge Leite .................................................................................................................... Professor na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Princípios Direito Internacional do Trabalho sobre Regime, Duração e Remuneração do trabalho 61 • Prof. Dr. Liberal Fernandes ......................................................................................................... Professor na Faculdade Direito da Universidade do Porto O Regime de trabalho na função pública portuguesa - Limites às normas especiais que o excepcionem: o art. 79.º da LOPJ 69 • Debate .......................................................................................................................................... 73 • Dr.ª Cristina Soeiro ...................................................................................................................... Psicóloga no Instituto Superior de Polícia Judiciária e Ciências Criminais Os Factores stressantes na Investigação Criminal 83 • Gerard Greneron ......................................................................................................................... Comandante de Polícia da Polícia Nacional Francesa Secretário-geral do Conselho Europeu de Sindicatos de Polícia (CESP) A realidade laboral nas polícias europeias 94 • Dr. A. Jorge Braga ....................................................................................................................... Jurista especializado em Direito do Trabalho, na área da Administração Pública Adaptação do Trabalho na Investigação Criminal à Lei e às suas especificidades - Soluções possíveis 98 • Debate .......................................................................................................................................... 106 • Conclusões .................................................................................................................................... 122 Anexos - Legislação • Despacho 248 / MJ / 96 ................................................................................................................. 138 (regulamento dos Serviços de Piquete e de Unidades de Prevenção) • Despacho n.º 07-SEC/DG ............................................................................................................... 144 (Regime de Folgas decorrente da prestação de serviço efectivo por parte dos funcionários em regime de prevenção) • Portaria n.º 98/97 de 13 de Fevereiro (Actualização do suplemento de piquete) ............................. 145 • Decreto-Lei n.º 275-A/2000 (art. n.º 79 da Lei Orgânica da Polícia Judiciária) .................................. 147 • Despacho n.º 06/2002-SEC/DN ...................................................................................................... 148 (Serviço de Prevenção/Trabalho Extraordinário/Pagamento) • Despacho Normativo n.º 18/2002 .................................................................................................. 151 (Regulamento de Horário de Trabalho do Pessoal da polícia Judiciária) • Despacho 11/2002-SEC/DN (Aclaramento ao Despacho n.º 06/20002-SEC/DN) .............................. 156 • Despacho 24/2002-SEC/DN ........................................................................................................... 159 (Serviços de Prevenção, Ajudas de Custo, Trabalho Extraordinário) • Constituição da República Portuguesa (Artigos 13.º, 18.º, 21.º, 22.º e 59.º) ................................... 161 • Lei n.º 23/98 de 26 de Maio ........................................................................................................... 163 (Regime de Negociação Colectiva dos trabalhadores da Administração Pública) • Decreto-Lei n.º 259/98 de 18 de Agosto ........................................................................................ 170 (Regime Geral da Administração Pública) Nota prévia Nota Prévia A Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal da Polícia Judiciária realizou no dia 21 de Março de 2003, no Salão Nobre do Centro de Cultura e de Congressos, da Ordem dos Médicos do Porto, uma Conferência subordinada ao tema «O Regime de Trabalho na Investigação Criminal». Esta conferência contou com o apoio científico da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, do Instituto Superior de Polícia Judiciária e Ciências Criminais e da Ordem dos Médico - Secção Regional do Norte, através de conceituados Professores Universitários e Técnicos, que abordaram a profissão do investigador criminal da PJ, nas suas diferentes dimensões, à luz dos respectivos conhecimentos de direito, de medicina, de psicologia e de sociologia do trabalho. Os investigadores criminais têm a perfeita noção que correm diariamente riscos físicos e de vida, mas não têm uma percepção muito clara sobre a mais que provável exposição a outros tipos de riscos também eles graves, de natureza psicossocial e patológica, resultantes do desempenho da sua profissão. O primeiro grande objectivo desta conferência foi precisamente tornar perceptíveis esses riscos aos próprios investigadores e depois sensibilizar as instâncias de decisão, para a necessidade premente (e até para a obrigatoriedade legal) de um comportamento preventivo de riscos, em matéria de gestão de recursos humanos. Tendo como pano de fundo o regime de trabalho na Função Pública (definido pelo DL 259/98), onde se prevê a possibilidade de excepções (ou restrições de direitos) através de leis especiais (v.g. por regulamentos de trabalho), para os chamados «Corpos Especiais» (polícias, médicos, enfermeiros, bombeiros, etc.), o outro grande objectivo desta conferência foi saber até onde é que essas excepções (ou restrições de direitos) podem ir... Efectivamente, a questão dos limites máximos que tal regulamentação especial possa introduzir, afectando a normal atribuição dos direitos gerais a estes grupos de funcionários e as formas da sua compensação nunca tiveram uma solução legal razoável e lógica. No caso especial da PJ, o corpo de funcionários afectos à investigação criminal vem sendo sujeito a cargas diárias de trabalho intensas, sem limites horários, sem pausas para descanso e /ou refeições. São já rotina jornadas de trabalho contínuo superiores a 24 horas (e mais), por exigência das especificidades próprias da actividade policial, fortemente sentidas num corpo que faz a investigação criminal dos delitos de maior gravidade e que faz um esforço enorme para acompanhar a dinâmica diária da actividade criminal. É bem verdade, que a dinâmica criminal (o criminoso não marca hora nem local para actuar, podendo o crime ocorrer a todo o momento) não se compadece com horários rígidos e pré-definidos... 5 6 Nota prévia A prestação de trabalho nestas condições levanta problemas de vária natureza, até hoje sem uma solução razoável, como seja: • o controlo e registo das horas de trabalho extraordinário prestadas; • a sua compensação remuneratória; • a compensação dos tempos de descanso devidos; • as pausas para refeições; • o limite máximo da jornada de trabalho diária / semanal / mensal. Todos os governos até ao momento, baseando-se nos conceitos de "disponibilidade funcional" e de "caracter permanente e obrigatório" do serviço da PJ, previstos na LOPJ ( art.º 79.º DL 275-A/2000) têm vindo a impor soluções (regulamentares) que visam, por um lado, afastar o pagamento de horas extraordinárias, e, por outro lado, forçar jornadas de trabalho contínuo, sem limites, com formulas de compensação aparentemente contrárias à lógica prevista na lei geral: • O serviço de Piquete, quer de Prevenções instituídos, impõem um limite remuneratório máximo (igual ao subsídio de piquete: cerca de 30 Euros), independentemente do número de horas de trabalho prestado para além do horário normal (e independentemente de se tratar de dia de semana ou de descanso/ fins de semana), em que o valor da hora pago é cerca de um quinto do que é pago por hora normal de trabalho, subvertendo-se o sistema retributivo do trabalho para além do horário normal; • E, mesmo assim, atingido o valor do subsídio de piquete, continua-se a exigir a prestação do trabalho, passando este a ser gratuito. • Não se prevê uma correcta compensação do descanso, e a jornada de trabalho é ilimitada no tempo, dependendo apenas da conclusão das diligências urgentes ... Com esta Conferência pretendeu-se realizar uma reflexão serena, séria e necessariamente multidisciplinar, sobre o regime de trabalho na investigação criminal e as condições da sua prestação, por forma a se encontrar, num futuro próximo, uma solução que compatibilize o interesse público e os direitos dos funcionários. A Organização Paradigmas do quotidiano do investigador criminal Paradigmas do quotidiano do investigador criminal Este texto pretendeu apenas tornar mais perceptível, a cada uma das individualidades exteriores à polícia, presentes nesta conferência, o trabalho concreto diário desenvolvido pelo investigador criminal da Polícia judiciária. É sabido que o tipo de criminoso combatido pela PJ não desenvolve as suas actividades dentro do horário normalmente designado por «horário normal de trabalho», a que todo e qualquer vulgar cidadão tem direito, nem obedece a um horário rígido. Os criminosos combatidos pela PJ, são muitas vezes indivíduos marginais que se movimentam essencialmente durante a noite, preparando, planeando, efectuando contactos e que conhecem ou dominam o submundo nocturno, com todas as implicações que daí resultam para a actividade da polícia. Mesmo o criminoso dito de «colarinho branco», aparentemente respeitável, aparece muito frequentemente ligado a indivíduos com antecedentes criminais, servindo-se normalmente destes para um sem número de tarefas menores, mas essenciais ao projecto criminoso (desde as simples tarefas de segurança, às de contra vigilância, passando pela sua utilização como instrumento de chantagem, de violência física ou para a criação de empresas de fachada, vulgarmente conhecidos como «testas de ferro», etc.). É pois, na noite, que na maioria dos casos se torna possível controlar, sentir o pulsar e obter dados sobre a movimentação destes indivíduos, o que obriga a rotinas policiais que não se coadunam com o normal horário de trabalho. No seu dia a dia, os investigadores elaboram o trabalho «burocrático» de cariz técnico-jurídico, que tanto pode ter lugar na polícia como no terreno, designadamente § Estudo dos inquéritos e planeamento das investigações § Inquirições § Interrogatórios § Outros autos formais § Relatos de diligências § Compilação e tratamento de observações efectuadas ou de informações recolhidas § Análise de informações § Relatórios de inquéritos § Preparação e planificação de buscas e detenções § Apresentação de detidos em tribunal § Testemunho em audiências de julgamento § Audição e transcrição de intercepções telefónicas § Etc. 7 8 Paradigmas do quotidiano do investigador criminal Essa parte do trabalho é depois complementada ou culmina com uma actuação de cariz técnico-operacional traduzida no terreno em § Inspecção aos locais do crime § Buscas § Vigilâncias e seguimentos § Contactos com colaboradores § Detenções § Etc. Quer o trabalho de cariz técnico-jurídico, quer o trabalho de cariz técnico-operacional desenvolve-se, muito frequentemente, sem pausas, começando bem cedo, continuando noite dentro, por vezes atravessando sucessivamente dias e noites seguidas, sempre com a perspectiva em mente, de criar ou esperar pelas melhores condições para o flagrante delito e/ou para a detenção de suspeitos... Trata-se reconhecidamente de uma actividade profissional multifacetada, tecnicamente exigente, que faz apelo a conhecimentos de várias áreas científicas, que requer um cuidado meticuloso, específico e na maioria das situações ininterrupto, não sendo possível ao investigador ou a quem a chefia, propor a interrupção do trabalho, seja por razões de protecção dos direitos dos próprios funcionários ou até de cariz económico, sob pena de se comprometer irremediavelmente os resultados da investigação... Em síntese, os problemas que afectam a organização do trabalho na investigação criminal são, a nosso ver, essencialmente três: • o excesso de trabalho com todo o seu cortejo de consequências (que resulta, também, saliente-se, de uma crónica falta de pessoal, com um quadro que continua preenchido a 50%, há mais de 15 anos). • uma crescente dessensibilização, quer da administração, quer das chefias superiores, para o respeito por direitos constitucionalmente protegidos. • um modelo de gestão do trabalho e de recursos humanos, desligado da realidade, sem visão estratégica, assente numa filosofia de resultado imediato, que não só ignora as capacidades reais do investigador (reage com indiferença aos seus limites físicos e psicológicos e desvaloriza, por exemplo, a importância da maturidade profissional), como gere todas as situações, quase sempre, em detrimento das suas expectativas (e direitos) profissionais e pessoais. As situações que a seguir se descrevem, recolhidas junto de investigadores, são, no essencial, verídicas, excepto a identidade dos protagonistas. Escolhemos quatro pequenas histórias, atravessadas transversalmente por Paradigmas do quotidiano do investigador criminal alguns dos problemas referidos anteriormente, com o intuito não só de ilustrar, mas sobretudo de facilitar uma análise multidisplinar do quotidiano da investigação criminal, à lupa do direito, da psicologia, da sociologia e da medicina do trabalho: Caso 1 Paulo é Inspector e trabalha numa secção de Banditismo. Recentemente trabalhou em serviço de prevenção 72 horas (ininterruptamente de Quarta a Sábado), realizando diligências urgentes relacionadas com um rapto. Findas estas, quase de imediato foi convocado para nova prevenção activa (às 0H00 de Sábado). Alegou não poder trabalhar mais por exaustão e não compareceu. Esta recusa foi participada pelo seu superior, sendo-lhe instaurado procedimento disciplinar. Caso 2 João é Inspector e trabalha numa secção que investiga tráfico de estupefacientes. As exigências e as necessidades de trabalho em número de horas e disponibilidade total são de tal ordem, que além de andar permanentemente com uma sensação física e psicológica de cansaço, o seu casamento está a atravessar uma fase critica. A sua mulher é funcionária superior numa autarquia e tem também uma actividade absorvente, queixando-se constantemente de prejuízo profissional devido às ausências sistemáticas de João. A guarda dos dois filhos e as deslocações à escola e ao infantário para os levar e recolher são duas das situações que originam frequentemente problemas e conflitos entre o casal, isto porque o trabalho do João é imprevisível e a sua mulher também trabalha, com muita frequência, para além do horário normal de trabalho. João tem plena consciência de que a profissão da sua mulher também é importante e que ela tem o mesmo direito à realização profissional. O problema é que não sabe como explicar isso aos seus colegas e aos seus superiores, que, aliás, devem ter os mesmos problemas... João foi confrontado recentemente com uma situação que o deixou ainda mais angustiado e cismático: foi convocado pela professora do seu filho Jorge, de 7 anos, por aquela notar que este andava a manifestar algumas dificuldades que só podiam ser supridas com muita ajuda dos pais, nomeadamente na realização dos «trabalhos de casa» (devido às constantes ausências de João, esta tarefa era desempenhada, quase em exclusivo, pela sua mulher, que o fazia, aliás, com muita dificuldade, pois ainda tinha que dividir atenção com a bebé de dois anos e tratar das outras tarefas domésticas). Mas o que mais tinha surpreendido e preocupado a professora, verdadeira razão da convocatória, tinha sido o facto de o Jorge ter choramingado numa aula em que falaram dos pais e das respectivas profissões! Era como se não tivesse pai porque raramente o via, nem sequer aos fins de semana... a professora compreendera que ele se tinha sentido constrangido perante as histórias apresentadas pelos colegas, em que a figura do pai estava sempre presente... 9 10 Paradigmas do quotidiano do investigador criminal Caso 3 Idalécio é Inspector, tendo acabado o estágio hà 11 meses. Encontra-se actualmente colocado numa Brigada do Banditismo. Ele é o terceiro elemento mais novo da Brigada, composta por 6 investigadores, cuja experiência de Polícia tem uma média inferior a 4 anos. Nas duas últimas semanas e meia, tem vindo a trabalhar até às 5 da manhã, na recolha de informação e em vigilâncias realizadas no terreno. Tem trabalhado praticamente 18 horas diárias (só tendo tempo a espaços para ir a casa mudar de roupa e tomar banho - o único descanso é passado a dormitar, ora no gabinete ora no carro, isto à vez com o seu colega de equipa). Toda a Brigada tem vindo a desenvolver um esforço (pode-se dizer) desumano no sentido de deter um «gang» cujos elementos, por diversas vezes, dispararam armas de fogo na realização dos assaltos, num dos quais feriram um funcionário de uma bomba de gasolina. Nos últimos dias a violência dos assaltos aumentou e teme-se que possa vir a acontecer uma fatalidade... Idalécio está, desde segundafeira, a fazer vigilância a um posto de abastecimento de combustível que o referido «gang» havia projectado assaltar. Este «gang» tinha realizado um assalto na terça-feira e, pela rotina entretanto estabelecida, era muito provável que nessa noite voltassem a assaltar... São 22H30, Idalécio faz parte de uma equipa composta por 3 grupos de dois investigadores, que faz vigilância ao referido posto de abastecimento. Faz equipa com um colega que está em Estágio há 6 meses, motivo pelo qual, não duvidando da aptidão do colega, assumiu a responsabilidade de ficar com a pistola metralhadora que lhes fora distribuída. Idalécio preferia fazer equipa com um colega mais velho, mais experimentado, que lhe transmitisse a calma que é preciso ter nestas ocasiões, mas a realidade é que agora lhe cabe a si fazer esse papel, não podendo deixar transparecer, para o colega mais novo, nem a emoção nem o que lhe vai no pensamento... Na disposição das viaturas no terreno, é o carro do Idalécio que mais próximo se encontra do posto de abastecimento de combustível, tendo visão sobre o mesmo... Foram já várias as viaturas iguais à utilizada pelo «gang» investigado, que entraram e saíram no posto de abastecimento combustível vigiado. Este facto leva a que a adrenalina esteja num constante sobe e desce e que a transpiração cole a roupa ao corpo , por força do colete à prova de bala envergado... São 23H50 e entra no posto de abastecimento outra viatura com aquelas características. Idalécio verifica que do seu interior saem indivíduos encarapuçados que de imediato iniciam o assalto... O momento esperado chegara e, entre o preparar das armas e dar conhecimento do que estava a ocorrer, vê-se confrontado com as suas dúvidas e as do colega sobre aquilo que deveriam fazer. Recebem, entretanto, a ordem, vinda do Inspector mais antigo da Brigada que ficara responsável por chefiar aquele grupo, de fazer o seguimento aos assaltantes e, na primeira oportunidade, fazerem a abordagem. Sempre com a adrenalina no máximo e passados alguns quilómetros, resolvem abordar a viatura dos assaltantes... Paradigmas do quotidiano do investigador criminal Ao se aperceberem que era a Polícia, dois dos assaltantes tentam a fuga a pé e o terceiro, ao volante do carro, dispara e fere dois colegas de Idalécio, um dos quais gravemente. Um conjunto de pensamentos, como que «flash’s», passam naquele instante pela sua cabeça... Idalécio depara-se, pela primeira vez, com uma situação só vista em filmes: fogo real e colegas feridos e ensanguentados. Enquanto tenta acudir aos colegas o terceiro assaltante tenta a fuga abalroando as viaturas Policiais... Caso 3 Pedro é Inspector e trabalha num serviço de vigilância. Quando foi seleccionado para integrar esse serviço disseram-lhe que tinha de ter disponibilidade total, 24 sobre 24 horas, tendo de estar sempre contactável. Hoje sabe o que isso significa: recentemente até lhe recusaram uma acção de formação no Instituto da própria Polícia... Pedro gosta do que faz e sabe que se falhar no que concerne a essa disponibilidade sai da brigada... Mas também gostava de ter alguma vida privada, de prosseguir os seus estudos académicos, de dar mais apoio à família... e não consegue. A Organização 11 12 Programa da Conferência Programa da Conferência 10h00 Recepção e Abertura Solene Mesa de Honra Dr. Artur Oliveira, Director Nacional Adjunto da Directoria do Porto, da Polícia Judiciária, em representação do Director Nacional da Polícia Judiciária Dr. Teodósio Jacinto, Director do Instituto Superior de Policia Judiciária e Ciências Criminais Dr.ª Hortênsia Calçada, Procuradora Geral Adjunta, em representação do Sindicato dos Magistrados do Ministério Publico Dr.ª Marlene Lemos, em representação do Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos Manuel Carneiro Rodrigues, Inspector-Chefe e Presidente Nacional da Associação Sindical dos Funcionários De Investigação Criminal da Policia Judiciária 10h30 As especificidades e as exigências da prestação de trabalho na Investigação Criminal Dr. Ferreira Leite, Director Nacional Adjunto da Polícia Judiciária (Director da DCCB) 11h00 Pausa / café 11h30 A Medicina do trabalho na Investigação Criminal Dr. Carlos Sobral, Médico de Medicina do Trabalho indicado pela Ordem dos Médicos Alterações do sono e alterações dos ritmos biológicos Prof. Dr. ª Martins da Silva, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, do Porto Programa da Conferência 12h00 Princípios Direito Internacional do Trabalho sobre Regime, Duração e Remuneração do trabalho Prof. Dr. Jorge Leite, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 12h30 Regime de trabalho na função pública portuguesa - limites às normas especiais que o excepcionem: o ART.º 79.º da LOPJ Prof. Dr. Liberal Fernandes, da Faculdade Direito da Universidade do Porto 13h00 Debate 13h30 Almoço 15h30 Factores stressantes na Investigação Criminal Dr.ª Cristina Soeiro, Psicóloga, do Instituto Superior de Polícia Judiciária e Ciências Criminais 16h00 A realidade laboral nas polícias europeias Gerard Greneron, Comandante de Polícia e Secretário Geral do Conselho Europeu de Sindicatos de Polícia (CESP) 16h30 Pausa / café 17h00 Adaptação do Trabalho na Investigação Criminal à Lei e às suas especificidades - Soluções possíveis Dr. A. Jorge Braga, Jurista especializado em Direito do Trabalho, na área da Administração Pública 17h30 Debate 19h00 Encerramento 13 14 Entidades Convidadas Presentes na Conferência Entidades Convidadas Presentes na Conferência Da Polícia Judiciária: Dr. Artur Oliveira, Director Nacional Adjunto da Directoria do Porto da Polícia Judiciária (Presidente da Mesa de Honra da Conferência), em representação do Director Nacional da Polícia Judiciária, Dr. Adelino Salvado Dr. Teodósio Jacinto, Director Nacional Adjunto do Instituto Superior de Polícia Judiciária e Ciências Criminais (Presidente da Mesa de Trabalhos - moderador da Conferência) Dr. Ferreira Leite, Director Nacional Adjunto da Direcção Central de Combate ao Banditismo da Polícia Judiciária (Orador convidado) Dr. José Alberto Abrantes, Director Nacional Adjunto da Directoria de Faro da Polícia Judiciária Dr. Reis Martins, Director Nacional Adjunto da Polícia Judiciária Dr. Paulo Rebelo, Subdirector Nacional Adjunto da Directoria de Lisboa da Polícia Judiciária Dr. Teófilo Santiago, Subdirector Nacional Adjunto da Directoria do Porto da Polícia Judiciária Dr. Massano de Carvalho, Subdirector Nacional Adjunto da Directoria do Porto da Polícia Judiciária Dr. Almeida Rodrigues, Subdirector Nacional Adjunto da Directoria de Coimbra da Polícia Judiciária Dr.ª Cristina Soeiro, Psicóloga, do Instituto Superior de Polícia Judiciária e Ciências Criminais (Oradora convidado) Dr. José André Vaz, Director do Departamento Disciplinar e de Inspecção da Polícia Judiciária Dr. Barbosa, Chefe de Área em representação do Director do Departamento de Recursos Humanos da Polícia Judiciária Dr. Pedro Machado, Coordenador do DIC de Braga Dr.ª Maria do Céu Fernandes, Coordenadora do DIC de Aveiro Jorge Pelicano Paulus, Presidente da Direcção Regional Norte da ASFTAO Rente Martins, em representação da APS/PJ Entidades Convidadas Presentes na Conferência Da Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos: Dr.ª Marlene Lemos, membro do Conselho Regional Norte da Ordem dos Médicos (Mesa de Honra da Conferência) Dr. Carlos Sobral, Médico de Medicina do trabalho (Orador convidado) Do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, do Porto: Professor Doutor A Martins da Silva (Orador convidado) Da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra: Professor Dr. Jorge Leite (Orador convidado) Da Faculdade de Direito da Universidade do Porto: Professor Dr. Liberal Fernandes (Orador convidado) Juristas / Advogados: Dr. A Jorge Braga (Orador convidado) Dr. José Vieira, Advogado Dr. Pedro Martins, Advogado Do Conselho Europeu Gerard Greneron, Comandante de Polícia e Secretário-geral do CESP (Orador convidado) de Sindicatos de Polícia: Da Inspecção-Geral dos Serviços de Justiça: Dr. Jorge Lapa Dr. Miguel Sá Pais 15 16 Entidades Convidadas Presentes na Conferência Da Associação Sócio Profissional da Polícia / Polícia Segurança Pública: Alberto Torres, Presidente Nacional Da Associação Profissional da Guarda Nacional Republicana: José Manageiro, Presidente Nacional Do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público: Dr. ª Hortênsia Calçada, Procuradora Geral Adjunta Psicólogo: Dr. Carlos Ribeiro Da Associação de Estudantes da Universidade Moderna do Porto: Rogério Luís Preto Antão Registos da Conferência Registos da Conferência 1 1.º Painel: Dr. Carlos Sobral, Prof. Martins da Silva, Dr. Ferreira Leite, Dr. Teodósio Jacinto e Dr. Calado de Oliveira 2 2.º Painel: Prof. Jorge Leite, Dr. Teodósio Jacinto, Prof. Liberal Fernandes e Dr. Calado de Oliveira 3 3.º Painel: Dr.ª Cristina Soeiro, Dr. Jorge Braga, Dr. Teodósio Jacinto, e Gerard Greneron, Secretário-geral do CESP 4 Aspecto geral da assistência e intervenções dos participantes 1 2 3 4 17 18 Registos da Conferência Registos da Conferência Ambiente dos trabalhos Centro de Cultura e Congressos da Ordem dos Médicos - Secção Regional do Norte 19 20 Abertura da Conferência Dr. Artur Oliveira Director Nacional Adjunto da Directoria do Porto, da Polícia Judiciária, em representação do Director Nacional da Polícia Judiciária A minha presença nesta conferência assume uma dupla condição, por um lado, apresento-me em representação do Exmo. Senhor Director Nacional da Polícia Judiciaria, Dr. Adelino Salvado e, pelo outro, naturalmente, na qualidade de Director Nacional Adjunto na Directoria do Porto. A incumbência que me foi transmitida pelo Exmo. Senhor Director Nacional constitui para mim, a subida honra de trazer a esta conferência a saudação do primeiro dirigente da Polícia Judiciária e de através dela deixar expresso o alto apreço e relevância que este evento lhe merece. Na verdade, impõe-se uma palavra de incentivo à Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal pela iniciativa que agora concretiza e que bem traduz a força e vitalidade que impulsiona a Policia Judiciária. Permitam-me pois, que em nome do Exmo. Senhor Director Nacional formule sinceros votos de felicitações pela realização em curso e expresse a inabalável certeza de que o debate será profícuo, sereno e elevado para que também por esta via, se engrandeça e se prestigie a Polícia Judiciária, enquanto instituição incontornável no quadro dos valores do Estado de Direito. Também em meu nome e em nome da Directoria do Porto saúdo todos os presentes e felicito os organizadores desta iniciativa. Creio que temos pela frente uma jornada de diálogo, de reflexão e por isso acredito que as suas conclusões reflectirão também alguma ponderação. A todos desejo, por isso, os melhores sucessos. 21 Dr.ª Marlene Lemos Membro do Conselho Regional Norte, da Ordem dos Médicos Em nome do Conselho Regional Norte da Ordem dos Médicos agradeço o convite formulado pela ASFIC/PJ para estar presente na mesa constituída por tão ilustres individualidades. Os temas propostos para desenvolvimento são oportunos, considerando que foi, justamente nesta altura, aprovada na generalidade, a "lei geral do trabalho". Como médica, o tema que mais me chamou a atenção - "factores stressantes na investigação criminal - tem uma enorme relevância, constatada no dia à dia do nosso exercício profissional, com também com reflexos na vida familiar. Cada vez mais teremos de nos preocupar com as condições laborais e com o facto de elas se transformarem num factor de risco para a saúde mental do trabalhador. O que significa que devemos tentar gerar condições cada vez mais propícias a um bom desempenho profissional, mais saudável e consequentemente com maior satisfação por parte de todos os profissionais. Espero em nome do Conselho Regional do Norte, da Ordem dos Médicos, que em conjunto consigam encontrar soluções e alertar os responsáveis deste governo para as situações de desigualdade e de prejuízo de direitos no regime de trabalho dos profissionais de investigação criminal da Polícia Judiciária. Quero mais uma vez cumprimentar a organização por esta iniciativa e desejarlhes os maiores sucessos. Obrigado. 22 Manuel Carneiro Rodrigues Presidente Nacional da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal da Polícia Judiciária Começo por agradecer à Ordem dos Médicos, a cedência das magníficas instalações em que nos encontramos, para a realização desta conferência. As minhas primeiras palavras são obviamente dirigidas a todos os associados da ASFIC/PJ que, com a sua presença nesta conferência, demonstram uma vontade inequívoca em contribuir para a resolução dos problemas que vão surgindo no âmbito da vida profissional, o que significa, em termos mais abrangentes, no âmbito da vida da Instituição Polícia Judiciária. Seguidamente, quero dirigir um profundo agradecimento a todos os elementos da hierarquia da Polícia Judiciária (e congratulo-me por constatar que são em número elevado), que não quiseram deixar de estar presentes nesta conferência, o que só poderá significar a vontade de unir esforços, com vista à busca de caminhos coincidentes para a resolução de problemas que afectam toda a investigação criminal. A ASFIC/PJ, e concretamente a actual direcção da associação, sempre defendeu como caminho fundamental conducente à resolução dos problemas e até dos conflitos, porque julgo que ser desnecessário disfarçar que estes surgem episodicamente no decurso da vida institucional, como único caminho, dizia, a via do diálogo entre as partes. O diálogo sério, o diálogo franco, a crítica construtiva, a postura directa mesmo que por vezes incisiva, correndo até o risco de eventualmente poder por vezes ferir ou melindrar, mas que tenha a virtude de nos fazer parar para pensar, emendar posições mesmo que já tenham sido assumidas, se os valores em causa justificarem a alteração de uma decisão menos correcta. A ASFIC/PJ já o tem feito, já tem reconhecido erros de percurso e orgulha-se dessa atitude. A ASFIC/PJ espera das outras partes, seja a nível de Direcção, seja mesmo a nível Ministerial, a mesma postura e fará a respectiva vénia sempre que tal suceda. Ao longo da história, o prestígio, respeito e admiração, somente foram granjeados por aqueles que a comunidade anónima decidiu eleger como referências, e não pelos que, através da imposição da sua personalidade ou atitudes se julgam a si próprios como figuras de distinção. Abertura da Conferência Em seguida, impõe-se uma especial referência aos ilustres oradores, figuras sobejamente conhecidas das ciências médicas, do mundo universitário, judiciário, policial e sindical e que passo a salientar, e aos quais, desde já, deixo publicamente explícito o nosso profundo reconhecimento: Prof. Doutor Jorge Leite, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra; Prof. Doutor Liberal Fernandes, da Faculdade de Direito da Universidade do Porto; Prof. Doutor Martins da Silva, do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar; Dr. Carlos Sobral, da Ordem dos Médicos; Dr.ª Cristina Soeiro, Psicóloga do ISPJCC; Dr. Jorge Braga, Jurista e especialista em Direito do Trabalho na área da Administração Pública; Dr. Ferreira Leite, Director Nacional Adjunto da Polícia Judiciária; Gérard Greneron - Secretário-geral do Conselho Europeu de Sindicatos de Polícia. Permitam-me um especial agradecimento ao Dr. Teodósio Jacinto, Procurador-geral Adjunto e Director do ISPJCC, que acedeu prontamente ao nosso convite para presidir à mesa da Conferência, sabendo à partida que a mesma trata um tema complexo, que ao longo do tempo foi sofrendo sucessivas tentativas de aperfeiçoamento, mas que no momento actual carece de uma profunda reflexão no sentido de se encontrarem vias de simplificação, de desburocratização e adequação, tendo sempre como pano de fundo três vertentes essenciais: • Que a investigação criminal encerra em si mesma procedimentos funcionais que entroncam com valores essenciais quer da vida humana, quer das responsabilidades inerentes a um verdadeiro Estado Democrático; • Que o País passa por um momento complexo a nível geral e particularmente no panorama económico e laboral; • Que os profissionais de polícia também são simultaneamente, pais, maridos ou mulheres, companheiros, filhos, em suma... também são pessoas que carecem de uma componente de vida social e familiar, estabilizada. E que melhor via poderia a ASFIC/PJ encontrar, na busca da compreensão desta problemática, do que a realização desta Conferência, na qual foi possível reunir um painel constituído por personalidades de tão elevado nível, os quais mostraram prontamente um interesse inexcedível em partilhar connosco os seus profundos conhecimentos? Julgo que todos nos devemos congratular pela sua presença e contributo, pois, desde logo, podemos concluir que tal se deve, por um lado ao reconhecimento do papel fundamental que a Polícia Judiciária desempenha na sociedade, e por outro, ao respeito que os mais diversos sectores nutrem 23 24 Abertura da Conferência pelos profissionais que realizam a investigação criminal e que dia após dia, noite após noite, contribuem para o prestígio da Instituição e para a manutenção de um pilar fundamental da vida democrática, ou seja, uma sociedade livre e justa. O tema da presente Conferência, "O Regime de Trabalho na Investigação Criminal", parece deixar transparecer a ideia redutora de que a ASFIC/PJ pretendeu discutir uma questão visando um objectivo meramente remuneratório. Quem assim pensa incorre num erro crasso. Debater as questões inerentes à Investigação Criminal, na nossa perspectiva, abrange um campo extremamente mais alargado, que passa pelas especificidades e exigências desta actividade profissional, pelas diferenças relativas ao normal funcionamento da função pública, pelas questões inerentes aos factores de Stress que a mesma origina, pela análise dos aspectos correlacionados no campo da medicina do trabalho, pela análise e comparação com a realidade laboral das polícias europeias congéneres, pelas condições que o Governo oferece aos profissionais de Polícia para o cabal desenvolvimento das suas funções, sendo estes apenas alguns dos aspectos essenciais merecedores de reflexão profunda. Convirá aqui relembrar que o papel fundamental desempenhado pela Polícia Judiciária no combate à criminalidade considerada mais gravosa e complexa só tem sido possível fruto do constante esforço desenvolvido pelos profissionais de polícia, não só expresso claramente e traduzido pela sua inteira dedicação à actividade profissional, mas também pela atitude constante de alerta e persistência manifestada junto da tutela, para que seja feito um esforço contínuo de modernização, de aperfeiçoamento, de investimento, de adaptação, quer de meios humanos, como técnicos e científicos, não esquecendo nunca o vector essencial que compreende a selecção e formação dos quadros, de forma a permitir que a Polícia se mantenha em condições de superar os desafios a que se encontra continuamente sujeita. Não me compete antecipar conclusões. Compete-me sim deixar aqui expressa com toda a clareza, em nome da ASFIC/PJ, a esperança de que esta Conferência decorra com o elevado nível a que nos fomos habituando, decorrente das várias realizações que levámos a efeito no passado e, apelar a todos sem excepção aqui presentes, para que contribuam participando activamente, seguro que, no final dos trabalhos, não haverá um só participante que considere este dia como um mau investimento. O Sindicalismo, nos dias de hoje, não se esgota nos recursos usuais de reivindicação. O sindicalismo consciente obriga a espaços de estudo, de reflexão, de debate de ideias, de aprendizagem contínua. É esse caminho que a ASFIC/PJ vos propõe hoje. É essa a forma que consideramos adulta e, com que nos identificamos para fazer sindicalismo. Sinto-me honrado em ceder neste momento a palavra a quem sabe.... 25 Dr. Teodósio Jacinto Procurador-Geral Adjunto e Director do Instituto Superior de Policia Judiciária e Ciências Criminais Os temas complexos são para serem agarrados de frente. Congratulo-me muito com esta iniciativa da ASFIC. Sempre pensei que as associações sindicais têm um papel fundamental e que podem e devem dar um contributo importante em temas como este. Isso significa que toda a organização está envolvida e sem o contributo de todos os seus quadros, não será encontrada uma solução ajustada. O tema não me assustou nada e o Senhor Presidente da ASFIC, apresentou-me um argumento que me convenceu de imediato: o Senhor é Director do Instituto de formação da PJ há pouco tempo, ou seja, não conhece os quadros da polícia e eles também não o conhecem. É uma grande oportunidade de contactar com eles. É obvio que eu não serei capaz de desempenhar o papel de responsável pela formação inicial e permanente na Polícia Judiciária, se não conhecer bem as necessidades da casa e, sobretudo, se não conhecer bem o pulsar dos seus quadros, que são a maior riqueza da instituição. Como tal, não podia de forma alguma deixar fugir esta oportunidade, que já ultrapassou todas as minhas expectativas, pois vejo uma casa cheia para um tema destes. Congratulo-me vivamente que haja uma adesão tão grande à discussão deste tema. Por outro lado, quando olhei para o painel das pessoas convidadas para intervir, algumas das quais eu já conhecia, vi que era um painel de luxo e não quis perder mais uma oportunidade de as ouvir falar. Também acho óptimo que se alargue a discussão à participação de colegas europeus, o que, aliás, muito me pode ajudar no âmbito das reuniões da Academia Europeia de Polícia, em que tenho vindo a participar. Como aprendi nos meus tempos de Coimbra, com o professor Teixeira Ribeiro: «está tudo mais ou menos inventado». O que significa que se há de encontrar uma solução para estes problemas complexos que afectam a PJ, para que esta continue a desempenhar o papel fundamental que tem neste Estado de Direito, com o nível que todos lhe reconhecemos, ao longo destes anos. 26 Abertura da Conferência Felicito assim vivamente a ASFIC pelo tema, pela qualidade dos oradores e também pelas condições de trabalho. Estas são, no fundo, as condições de trabalho que todos nós precisamos no dia ao dia. O local escolhido é um local fabuloso. O facto de se situar na cidade do Porto, num dia em que a cidade está em festa,1 ou melhor, num dia em que todos nós estamos em festa, significa que a ASFIC conseguiu atingir o pleno. Estes aspectos também são importantes e certamente não aconteceram por acaso. De facto, tudo isto parece ter sido pensado ao milímetro para reunir as melhores condições para todos termos um óptimo dia de trabalho. Para terminar diria que sem a vossa participação, sem os vossos pontos de vista não conseguiremos encontrar os caminhos acertados para a solução dos problemas que se levantam. Sem mais, daria a palavra ao Dr. Ferreira Leite. 1 O F. C. Porto e o Boavista passaram às meias-finais da Taça UEFA na noite anterior. 27 28 1.º Painel As especificidades e as Exigências da Prestação de Trabalho na Investigação Criminal Dr. Ferreira Leite Director Nacional Adjunto da Direcção Central de Combate ao Banditismo da Polícia Judiciária Muito obrigado Sr. Director do Instituto Superior de Polícia Judiciária e Ciências Criminais. Há mais de vinte anos tive a oportunidade de fazer parte da Comissão Pró-Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal da Polícia Judiciária, o que me valeu posteriormente a atribuição do n.º 34 de associado. Mesmo tirando este facto é para mim, enquanto funcionário de investigação criminal, uma honra e um prazer ser convidado a participar nas iniciativas da ASFIC, muito especialmente quando se caracterizam, como esta, pela sua oportunidade e o seu interesse. Muito obrigado pelo convite e pela iniciativa, Sr. Presidente da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal da Polícia Judiciária. Os organizadores desta Conferência tiveram a atenção para com os oradores de lhes fornecerem atempadamente alguns tópicos em relação aos vários temas atribuídos. No que respeita a este, Especificidades e exigências da prestação de trabalho na Investigação Criminal, adiantaram os seguintes: • Impossibilidade de prever, situar e limitar no tempo as acções e diligências policiais, quanto ao seu início, duração e término; • A disponibilidade funcional e o carácter permanente e obrigatório (artigo 79.º da Lei Orgânica da Polícia Judiciária); • Da necessidade de jornadas de trabalho contínuo superiores a 24 horas. Face aos objectivos desta Conferência são claramente tópicos fundamentais dentro do tema que me cabe tratar. Mas antes de chegar a eles, afigura-seme pertinente aflorar dois ou três pontos, o que, com a vossa permissão e paciência, passo a fazer. 1.º Painel - Dr. Ferreira Leite Na sua obra "Introdução à gestão - uma abordagem sistémica" (Editorial Verbo, Lisboa, 1990) António de Sousa aponta como objectivo da gestão de recursos humanos, e passo a citar: A grande questão que se coloca ao gestor é a de tentar compatibilizar, e mesmo optimizar, a interacção entre objectivos organizacionais e pessoais. Trata-se de estruturar a organização, as relações inter-pessoais nela e a relação de cada indivíduo com o seu cargo e as tarefas que o compõem, de tal forma que o indivíduo ao procurar satisfazer os seus objectivos pessoais, contribua eficiente e eficazmente para os objectivos prosseguidos pela organização. Fixemos desde já a necessidade, por um lado, de compatibilizar interesses, satisfazendo os individuais sem detrimento dos colectivos e vice-versa e, por outro, a importância de determinar os objectivos da organização para poder gerir capazmente os seus recursos humanos. Já agora, uma outra referência a raiar os conceitos de gestão a propósito do que um colega espanhol chamava "A Polícia dos objectivos" (Felipe Sanz Jimenez, in "Policia", n.º 16, Junho, 1986). Dizia-nos ele que os três elementos básicos do processo de gestão são: • As ideias, a que chama também o pensamento conceptual, isto é, o formular de noções; • As coisas, ou seja, dirigir os pormenores de execução, a gestão; • As pessoas: conseguir, através da liderança, que as pessoas realizem os objectivos da organização. Ou seja, e reforçando o que o autor atrás citado já dizia a propósito das empresas em geral, gerir recursos humanos implica que previamente se planifique e se organize, para depois, então, designar pessoal, dirigi-lo e controlá-lo. Parece-me, assim, que não posso chegar aos tópicos propostos sem antes abordar os objectivos da organização. Ao fim e ao cabo, e penso que concordarão comigo, um qualquer horário de trabalho deve visar a realização das finalidades da respectiva organização. E não é que queira complicar, mas discutir o pagamento de uma qualquer hora de trabalho é discutir a organização da Polícia Judiciária. Tenham, então, a paciência de me acompanharem num regresso ao passado, às origens desta Instituição, relendo os textos na perspectiva das suas finalidades e das responsabilidades e direitos dos seus trabalhadores. Logo a começar, o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 35.042, de 20 de Outubro de 1945, explica a razão de ser da reestruturação a que procedeu, dizendo-nos: 29 30 1.º Painel - Dr. Ferreira Leite A necessidade de reorganizar os serviços de polícia judiciária não carece de justificação. Os defeitos da sua organização relativos aos quadros, vencimentos do pessoal, funcionamento dos serviços e determinação da sua competência são por demais conhecidos e têm-se feito sentir nos resultados da actuação da polícia por forma a que se torna inútil encarecer a necessidade de se lhes procurar remédio. A finalidade desta reestruturação era a de dispor de um órgão preparado tecnicamente e dotado de pessoal e meios adequados para realizar a instrução, definida esta como uma função auxiliar ou pressuposto da acusação e que tinha por fim, citando, recolher as provas indiciárias que permitem ao acusador público atribuir ao arguido a prática de uma infracção. Assim, a Polícia Judiciária tinha, essencialmente funções de investigação criminal ou post-delituais. No que respeita à prevenção, começava o legislador por remeter tal tarefa para a polícia de segurança, por acção de presença, salvaguardando, no entanto, a prevenção do perigo crónico da criminalidade. Neste campo adiantava o Professor Cavaleiro de Ferreira: Pode dizer-se que, em relação às formas de delinquência habitual, a investigação deve ser realizada "a priori", isto é, a polícia deve ter feito de tal forma o estudo prévio dos meios criminais e dos agentes habituais do crime, dos seus processos, especialidades, locais de actuação e formas peculiares de execução que, ainda quando não consiga obstar á consumação do delito, tenha reunidos, antecipadamente, todos os elementos necessários para a pronta determinação e captura do seu autor. Actividade mais aliciante, estamos de acordo, mas não esqueçamos o núcleo primordial das tarefas da Polícia Judiciária, realizar a instrução. O campo da gestão dos recursos humanos, a tal compatibilização dos interesses que citei inicialmente, estava já consagrado em sede do articulado do Decreto-Lei n.º 35.042. O artigo 12.º estabelecia que o serviço da polícia judiciária é, para os respectivos funcionários, de carácter permanente e obrigatório. O artigo 26.º, por sua vez, esclarecia que o director e os subdirectores assegurarão a permanência do serviço da polícia judiciária, fora das horas regulamentares, por meio de turnos de funcionários de secretaria e de investigação, de modo que a toda a hora do dia e da noite possa executar-se qualquer serviço urgente. 1.º Painel - Dr. Ferreira Leite Para terminar esta evocação e só a título de curiosidade, deixem-me dar um exemplo da forma prática como então se resolviam os problemas. Em Despacho datado de 21 de Janeiro de 1947, S. Ex.ª o ministro da Justiça dava conta de que, citando, os resultados obtidos pela Polícia Judiciária no último ano não atingiram o que seria razoável esperar do número do pessoal, da especialização de funções e dos meios atribuídos à Polícia, ainda que se considerem as naturais dificuldades do período de transição a que ficou sujeita por virtude da sua reestruturação. E de entre um conjunto de medidas que eram estabelecidas nesse Despacho visando ultrapassar tal situação, uma delas estabelecia de forma nítida e simples: Que o horário normal de trabalho da Polícia Judiciária, até ser normalizado o serviço, comece às 10 horas e termine às 20, com intervalo para almoço, de maneira, porém, a que em nenhum tempo esteja ausente mais de metade do pessoal superior ou subalterno. Mas muito mudou nos quase sessenta anos que desde então decorreram, e também a Polícia Judiciária. Aliás, é nesses termos que começa o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 275-A/ /2000, de 9 de Novembro, dizendo: As profundas alterações sociais e económicas verificadas nas últimas décadas determinaram mudanças significativas das características da criminalidade. A supressão das barreiras fronteiriças no quadro europeu, a evolução tecnológica bem como a intensificação dos fenómenos mediáticos têm vindo a contribuir para a aceleração da globalização dos comportamentos individuais a todos os níveis, donde resulta o aparecimento e a generalização de novas formas de criminalidade, cada vez mais sofisticadas, opacas e imunes aos métodos tradicionais de investigação. É, assim, continua o legislador, crescente a convicção de que, perante os desafios que a evolução apontada coloca, a sociedade portuguesa não pode prescindir de uma polícia criminal especialmente preparada, científica e tecnicamente apetrechada e dotada de uma estrutura orgânica que lhe permita, com elevado grau de eficácia, prosseguir a sua função decisiva no âmbito da prevenção da criminalidade, da investigação criminal e da coadjuvação das autoridades judiciárias. E quanto às finalidades a atingir pela Polícia Judiciária, quanto ao que em linguagem castrense designaríamos pela sua missão, estabelecem-se, e volto 31 32 1.º Painel - Dr. Ferreira Leite a citar, regras de aperfeiçoamento e clarificação do modelo mais apto a combater, em especial, a criminalidade organizada e a que lhe está associada, bem como a altamente complexa e violenta. Digamos que os quase 60 anos decorridos desde a reestruturação de 1945 fizeram como que inverter os objectivos atribuídos à Polícia Judiciária, passando o combate ao tal perigo crónico da criminalidade a constituir a sua principal atribuição. Nesta evolução, como se faz hoje a compatibilização de interesses inerente à gestão de recursos humanos, no que a horários respeita? Temos então o artigo 79.º: O serviço na Polícia Judiciária é de carácter permanente e obrigatório, diz-nos o seu n.º 1. E o n.º 3: O serviço permanente é assegurado fora do horário normal, por piquetes de atendimento e unidades de prevenção, ou turnos de funcionários, tendo os funcionários direito a suplementos de piquete, de prevenção e de turno. Ou seja, se retirarmos a consagração dos suplementos, consequência da sucessiva satisfação das necessidades que Maslow hierarquizava na sua pirâmide, a solução é aqui idêntica à de 60 anos atrás! Mas o legislador sentiu essa, chamemos-lhe assim, incongruência, e remeteu para despachos subsequentes a definição do horário normal de trabalho, a regulamentação do serviço de piquete e do serviço de unidades de prevenção ou turnos de funcionários e até a possibilidade de serem estabelecidos serviços, em regime de turno, destinados a acções de prevenção e de investigação de crimes, sempre que tal se revele necessário. E aqui começam as questões que tanta tinta têm feito correr. Deixando a análise jurídica para os reputados especialistas que irão intervir ao longo desta Conferência, interessa-me apenas apanhar o que me parecem ser os pontos fulcrais deste tema. O enquadramento global é feito pelo Decreto-Lei n.º 259/98, de 18 de Agosto, que estabelece as regras e os princípios gerais em matéria de duração e horário de trabalho na Administração Pública, como diz o ponto 1 do seu artigo 1.º. Nos artigos subsequentes constatamos, designadamente, que: • O período normal de funcionamento não pode iniciar-se antes das 8 horas, nem terminar depois das 20 horas; • O período de atendimento deve, tendencialmente, ter a duração máxima de sete horas diárias e abranger o período da manhã e da tarde. 1.º Painel - Dr. Ferreira Leite Desculpem-me que vos diga mas logo aqui começam as minhas dúvidas quanto a saber se um regime destes é adequado a um corpo superior de polícia que visa combater a criminalidade organizada, bem como a altamente complexa e violenta. E mais dúvidas tenho se com ele é possível dar a resposta que o legislador de 1945 apontava. Dizia ele: Há, na verdade, certas formas de actividade criminal para cuja prevenção não basta a simples acção estática de presença, antes exigem aturado trabalho de investigação e activa vigilância por agentes especializados no conhecimento do meio e dos processos criminais. São as formas da criminalidade habitual exercidas como verdadeiro profissionalismo por delinquentes inveterados, muitas vezes integrados numa organização criminosa e quase sempre esclarecidos sobre os meios de iludirem a vigilância. E também não será de esquecer que os cemitérios e os serviços de leitura das bibliotecas, entre outros denominados serviços de regime de funcionamento especial, têm uma semana de trabalho de cinco dias e meio, enquanto a Polícia Judiciária, encarregue de combater a tal criminalidade organizada, complexa e violenta tem uma semana de trabalho de cinco dias. Não pensem que estou aqui a assumir posições de patrão, que não sou a tentar retirar direitos aos funcionários que, isso sim, sou. Estou apenas a tentar salientar, na esteira do colega espanhol que inicialmente citei, que os recursos humanos devem ser organizados em função dos objectivos da organização. Estou apenas a tentar salientar, na esteira do autor que também inicialmente citei, que devemos sempre tentar compatibilizar os objectivos pessoais com os da organização. Mas continuando. A escassez de resposta do artigo 79.º obriga, como vimos, a mais e específica regulamentação. Daí o Despacho Normativo n.º 18/2002, de 5 de Abril, que aprovou o Regulamento do Horário de Trabalho do Pessoal da Polícia Judiciária. Regulamento este marcado decisivamente pela famosa compensação temporal e de que, se calhar e por isso mesmo, não avaliámos ainda as qualidades e os defeitos. Mas também não veio trazer a resposta esclarecida que faltava ao artigo 79º, como bem o demonstra a quantidade de despachos e ofícios-circulares de esclarecimento que já motivou, e nalguns dos quais parece, por vezes, 33 34 1.º Painel - Dr. Ferreira Leite perpassar a ideia de um não cumprimento quase generalizado dos horários de trabalho enquanto razão justificativa daquele regime. E nem sequer o momento o favoreceu, pois escassos meses antes despacho interno nos havia feito descobrir que tínhamos direito ao pagamento de qualquer meia-hora de trabalho a mais. Caros colegas, minhas senhoras e meus senhores. Não estou aqui a discutir a validade ou a interpretação das leis e dos regulamentos que, como já disse, os outros intervenientes desenvolverão, nem a tal me atrevo. Por outro lado, também não disponho, infelizmente, de nenhuma solução mágica que possa resolver rapidamente todo este, permitam-me a expressão, imbróglio. Mas os meus vinte e três anos e meio de serviço na Polícia Judiciária obrigam-me, tal como a vocês, a contribuir com ideias que possibilitem alcançar a tal compatibilização entre os interesses pessoais e os organizacionais, que possibilitem, ao fim e ao cabo, alcançar um ponto de equilíbrio. E como de equilíbrio se trata, isso exige que cada parte assuma compromissos e ceda posições. No que à organização respeita julgo adequado o seguinte: 1.º Preencher o mais rapidamente possível os quadros previstos na Lei Orgânica. Sabemos todos que os tempos não são os mais adequados para as despesas públicas. Mas os custos resultantes do continuado não preenchimento do quadro também são elevados, conduzindo à crónica falta de recursos humanos, à insatisfação e à redução da eficácia. 2.º Pagar de forma efectiva o trabalho extraordinário. Afastemos liminarmente teses que se baseiam num alegado incumprimento reiterado e generalizado do período normal de trabalho e em que a compensação temporal mais assume foros de punição do que retribuição. Da mesma forma, afastemos visões de controlo burocrático e formal dos funcionários de investigação criminal. Somos, até prova em contrário, pessoas de bem, que procuram dar o melhor de si próprios na realização das tarefas que à Polícia Judiciária incumbe realizar. 3.º Estabelecer limites obrigatórios e vinculativos para trabalho contínuo Nas notas que nos distribuiu a ASFIC levanta situações de prolongamento do trabalho em contínuo que não parecem, melhor dizendo, que não são claramente adequadas aos tempos em que vivemos. 1.º Painel - Dr. Ferreira Leite Não sou técnico para poder dizer quais são os limites, mas eles existem, limites a partir dos quais se está a exercer uma autêntica violência sobre o funcionário. É obrigação de dirigentes e chefias impedir essas situações, através de um esforço acrescido de planeamento de gestão de recursos. Tanto mais, e penso que todos concordarão, que é muito questionável o rendimento que se obtém quando se ultrapassam esses limites. Mas, como eu disse, estamos a falar de equilíbrio. Vamos então ver a parte que entendo caber-nos. 1.º Tornar efectivo o período de funcionamento e esquecer o período de atendimento. Somos uma Polícia e uma Polícia que combate o crime organizado. E se este funciona vinte e quatro horas por dia, bom seria que nós também assim funcionássemos. Sei, sabemos todos, que não temos meios para isso. Procure-se, então, abarcar o maior período de tempo possível. Fujamos de conceitos próprios dos serviços burocráticos e que se prendem com o atendimento do público ao "guichet" da repartição. O nosso público é o cidadão, é a sociedade no seu normal funcionamento. Façamos o seu atendimento através da preservação da sua segurança e do seu sentimento de segurança. Mostremos-lhes que trabalhamos tanto quanto é possível. Ultrapassem-se, porque é necessários, os mitos que figuras como o Sherlock Holmes e o Comissário Maigret criaram, do investigador que, sozinho, com o seu intelecto, descobre os mais intrincados crimes. Para responder aos grupos criminosos temos que trabalhar em grupo, não podendo ser o clássico titular do processo, por mais brilhante que seja, o único conhecedor dos meandros da investigação e dos detalhes dos indícios e provas. 2.º Adoptar modelos de controlo adequados às funções desenvolvidas. Tal como a famosa mulher do não menos famoso César, não basta sê-lo, é preciso também parecê-lo. Longe vão os tempos, como vimos, em que a principal actividade da Polícia Judiciária era realizar a instrução. E quão fácil era o controlo. Muitos se lembram, tal como eu, dos mapas estatísticos mensais, em que um resultado negativo acarretava imediata averiguação do foro disciplinar, tal decorrendo também do citado sistema do titular do processo. 35 36 1.º Painel - Dr. Ferreira Leite Vigilâncias, intercepções, trabalho em equipa, etc., são as realidades da actividade de um funcionário de investigação criminal. Que controlo exercemos? Será que todos os dirigentes e chefias conseguem, ao fim do mês, dizer exactamente o que fez cada um dos seus funcionários? E não tenhamos ilusões. A Polícia Judiciária já não é um, permitam-me a expressão, um "grupo de amigos" que nem sequer enchia o edifício da Gomes Freire. É, e ainda bem que o é, uma organização de dimensões apreciáveis, cujo funcionamento depende dos tais mecanismos de controlo. Dirigentes e chefias, aqueles que o queiram ser, terão que actuar cada vez mais como planificadores e supervisores do que como investigadores. Aceito que não concordem. Mas a realidade está à nossa volta e não vale a pena ignorá-la. 3.º Definir um conceito adequado de trabalho extraordinário. Nem oito nem oitenta. Não me dêem compensação temporal por trabalhar até às 20 horas., mas também não têm que me pagar por sair às 18 horas. A lei consagrou-mos um regime especial, com algumas regalias, superiores à generalidade dos que trabalham para o Estado. Estamos aqui voluntariamente e gostamos do estatuto que nos é atribuído. Aceitemos alguns ónus enquanto houver contrapartida. Bom, se calhar acabei por não chegar aos tópicos que eram propostos. Mas muito rapidamente: Sei que é impossível prever, situar e limitar no tempo algumas acções e diligência policiais, quanto ao seu início, duração e término. Mas também sei que é possível, quanto a outras. A disponibilidade funcional é isso mesmo: tenho que estar disponível sempre que o interesse social a isso obriga e desde que não ultrapasse os limites do que pode ser exigível, enquanto pessoa e cidadão. O carácter permanente e obrigatório é algo que é inerente a um serviço de polícia e que o legislador de 45 tão simplesmente caracterizou: de modo que a toda a hora do dia e da noite possa executar-se qualquer serviço urgente. Se existem jornadas de trabalho contínuo superiores a 24 horas, tal deve-se as mais das vezes e lacunas de planeamento e a um espírito paroquial que se continua a manifestar. Caros colegas, minhas senhoras e meus senhores. Não vos peço a concordância. Digam-me só que teve alguma utilidade. 1.º Painel - Dr. Ferreira Leite Dr. Teodósio Jacinto Muito telegraficamente deixem-me dizer que a conciliação dos interesses pessoais com os interesses da instituição é de facto absolutamente fundamental, exactamente como o Sr. Dr. Ferreira Leite acabou de sublinhar. Numa profissão onde a opção tem um significado muito forte deixem-me salientar, aliás com muito agrado, que os 98 elementos (do 37.º Curso de Inspector Estagiário) que estão em formação no ISPJCC, me parecem de muito boa qualidade. Estiveram muito tempo à espera e vê-se, claramente, que vieram para a polícia, por gosto, o que é fundamental para o desempenho. Esses aspectos que o Dr. Ferreira Leite sublinhou, do trabalho em equipa, do controlo do desempenho, da boa gestão, tudo isso são excelentes temas de reflexão, que teremos oportunidade de aprofundar no período de debate. Dava agora a palavra ao Sr. Dr. Carlos Sobral, congratulando-me também com esta maneira de reflectir estes temas em conjunto com os detentores de outros saberes. Esta reflexão conjunta é essencial. Como dizia recentemente um médico, também escritor - o António Lobo Antunes - numa conferência no CEJ: o investigador tem algo parecido com o médico, há momentos em que ele tem que decidir num milímetro, ou num segundo... De maneira que há aqui um amplo campo comum de experiências e saberes que tornam muito importante este trabalho conjunto. 37 38 1.º Painel - Dr. Carlos Sobral 39 A Medicina do Trabalho na Investigação Criminal Dr. Carlos Sobral Médico do Trabalho, indicado pela Ordem dos Médicos Quero começar por agradecer a amabilidade do convite que me foi dirigido e reconhecer nesse agradecimento o Conselho Regional do Norte, da Ordem dos Médicos, que foi quem se me dirigiu. Penso que a ASFIC solicitou ao Conselho Regional do Norte, da Ordem dos Médicos, para indicar alguém para fazer esta palestra, o que eu agradeço. Agradeço também, dada a complexidade do tema, a colaboração do Sr. Prof. Dr. Martins da Silva, que está aqui na mesa e que vai falar a seguir a mim integrado neste painel. O Sr. Prof. Dr. Martins da Silva é professor no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar e também Director do Serviço de Neurofisiologia do Hospital St.º António, além de reconhecido especialista na área do sono. Quero confessar que fiquei bastante preocupado com o tema que me foi proposto, uma vez que o conhecimento que eu tinha sobre a actividade dos investigadores criminais não ia além do que é possível reter a partir da literatura ou do cinema policial. Contudo, foi-me chegando alguma tranquilidade a partir do momento em que fui tomando conhecimento da documentação que a ASFIC amavelmente me enviou. Procura-se nesta conferência estudar a existência de riscos psicossociais e as suas consequências para a saúde na actividade da investigação criminal. São indicadores fortes e orientadores deste trabalho as seguintes questões: • A impossibilidade de prever, situar e limitar no tempo as acções e eventos policiais, quanto ao seu inicio, duração e termo, • A necessidade de jornada de trabalho continuo superior a 24 horas, • As consequências para a saúde física e mental e quais os limites da duração de trabalho, a necessidade de repouso, os factores stressantes e as suas repercussões na saúde e vida privada e familiar e social. Penso que vamos estar rodeados nesta conferência de eminentes especialistas em direito laboral e psicologia do trabalho que certamente se ocuparão dessas áreas de conhecimento. 40 1.º Painel - Dr. Carlos Sobral Pela nossa parte, abordaremos as questões relacionadas com o ritmo "circadiano", a que nenhum de nós pode fugir: o sono, a sua necessidade, as consequências da sua privação, a fadiga e a consequente necessidade de repouso. Sabe-se que trabalhar mais de 12 horas sem interrupção ultrapassa o aceitável para sectores importantes como os transportes, sendo a fadiga um dos factores que tem um contributo importante em acidentes de viação. Num estudo realizado em pilotos de aviação ficou comprovado que aqueles que dormiam uma sesta, nos seus lugares, durante 40 minutos, apresentavam melhores níveis de alerta e melhor desempenho que os que o não faziam. Isto em viagens de longa duração. O efeito da privação do sono em tarefas que envolvam a coordenação motora demonstrou ser equivalente ao efeito da intoxicação pelo álcool: por exemplo, 24 horas sem dormir equivalem a uma taxa de alcoolémia de 1 grama por litro. O humor é prejudicado pela fadiga, contribuindo para a depressão, ansiedade, confusão, irritabilidade, afectando assim o desempenho psico motor. A privação do sono afecta, por exemplo, a coordenação da mão de um cirurgião a efectuar uma laparoscopia. Está perfeitamente demonstrada a existência de um relógio biológico intrínseco a todos os humanos que gere a sequência externa dos eventos fisiológicos e do metabolismo. Sabemos assim, que o ritmo corporal tem altos e baixos durante as 24 horas do dia, porque existem sistemas corporais activos a certas horas e inactivos a outras. Este relógio biológico marca assim o chamado ritmo "circadiano». O Sr. Prof. Martins da Silva vai explicar o que é o ritmo "circadiano» e o que acontece quando ele é violado. Penso que assim ficaremos a perceber melhor a importância do sono na nossa vida do dia a dia, as consequências da sua privação ou a irregularidade de horários. 41 Alterações de Sono e Alterações de Ritmos Biológicos Prof. Dr. Martins da Silva Professor no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar e Director do Departamento de Doenças do Sistema Nervoso e Órgãos dos Sentidos do Hospital St. António, no Porto. Sinto-me muito honrado pelo convite que me foi endereçado pela vossa associação. Fiquei um bocado perplexo porque não é comum este tipo de aproximação das associações profissionais e sindicatos, que não seja no campo estrito da actividade médica ou da actividade universitária. Agradeço sinceramente e reconhecidamente esta oportunidade, ainda por cima porque é um assunto transversal que interessa a qualquer indivíduo e interessa especialmente a vocês que têm um trabalho que é realmente bastante duro e bastante exigente, como ficou demonstrado na intervenção anterior. É um pouco como nós quando trabalhamos na actividade médica fora do contexto de uma certa estabilização que se tem ao fim de uns anos. No início somos obrigados a fazer urgências e tudo isso altera de algum modo o nosso equilíbrio ou pode alterar o nosso equilíbrio. Para continuar a introdução do Dr. Sobral, eu vou recordar que o chamado equilíbrio biológico relacionado com ritmos de actividade e de repouso começou a ser descrito de modo mais sistemático nos anos 50 do século passado e foi objecto de diversas investigações que eram centradas sobre um tema fundamental: Os animais têm normalmente uma actividade física que é condicionada pela luz solar. Vocês conhecem o que acontece aos animais domésticos, nomeadamente às galinhas em galinheiros. Elas regressam ao repouso quando o sol se põe e os galos cantam de manhã ao levantar do sol. O que significa que há um equilíbrio biológico que não podemos esticar demasiado, como diz o vosso cartaz. Nós não podemos esticar demasiado a corda do ponto de vista biológico, porque a corda pode romper. E pode romper por várias razões. Vejamos o que foi feito. Nesses anos 50, um conjunto de experiências foram muito dirigidas aos efeitos o equilíbrio biológico, da luz solar e da escuridão, o que levou a que vários grupos, nomeadamente grupos alemães, estudassem esses efeitos no comportamento biológico em voluntários - normalmente voluntários da área médica, como os estudantes de medicina. 42 1.º Painel - Prof. Dr. A. Martins da Silva A «actividade 12-12» é uma actividade em que a luz é controlada durante 12 horas, a escuridão é controlada durante as outras 12 horas, estando esses voluntários confinados em meios fechados, sem contacto com o exterior. Neste regime12-12, a própria luz, que se assemelhava à luz solar, era manipulada: ou seja o regime mantém-se 12-12 mas o início do "dia" pode ser a horas diversas. Imaginemos que estávamos agora na primavera, em que a luz solar começa a fazer-se notar às seis da manhã. A manipulação consistia em fazer modificações de 2 a 3 horas em relação a isso, para escalas de 12-12. O que foi possível demonstrar na altura foi que havia ritmos biológicos humanos intrínsecos que eram muito estáveis. Acho que todos nós tivemos contacto uma vez ou outra com doentes que estiveram no hospital. Se repararam bem, esses doentes têm aos pés da cama uma tabela para registo das temperaturas. Não é por acaso que a temperatura deve ser registada em dois momentos do dia, ou seja, de manhã e de tarde. Como o Dr. Sobral já referiu, há momentos do dia que a actividade física do nosso organismo, do ponto de vista metabólico e organizacional é completamente diferente. Em consequência disso, a temperatura corporal é necessariamente maior à tarde e é mínima durante a madrugada. Quando determinamos a temperatura de manhã, ela deve ser fisiologicamente mais baixa do que à tarde. Isto, por vezes, é um indicador fundamental. Neste exemplo, mostrado aqui neste slide, do lado esquerdo, nós temos um conjunto de indicações, de barras horizontais e temos pequenos triângulos. Os pequenos triângulos em branco localizam o momento da temperatura corporal de manhã e à tarde e o que é visto é que aquelas barras que estão ali oblíquas, com tracejado, indicam que foram introduzidos modificações no dormir de voluntários e que essa introdução de modificações no dormir levou obviamente a modificações do momento do dia em que ocorrem os valores da máxima e da mínima temperatura corporal. Há portanto um desfasamento que se estabelece. Vocês puderam constatar, desta maneira, que biologia é um bocadinho perturbada com algumas actividades. Cada um de nós, cada um de vocês e eu, temos um ritmo, que é o nosso ritmo biológico, que é razoavelmente equilibrado, aquilo a que se chama o ritmo normal que está ali indicado. Vejam outra vez a temperatura corporal que é indicada por aquela linha descendente e ascendente. Aquela curva que ali está, em que se vê que há máximos e mínimos, não interessa agora dizer qual é o momento, mas se vocês repararem nas verticais vão ver as horas a que isso acontece. È que há indivíduos que têm uma coisa que se chama "um avanço de fase", em que a fase biológica é diferente com momentos de máximos antecipados e outras pessoas em que a fase biológica é diferente porque é atrasada (atraso de fase). 1.º Painel - Prof. Dr. A. Martins da Silva Agora vou-vos contar o caso que se passou comigo na Consulta de Sono do Hospital, de alguém que veio à consulta por ter exactamente um problema de avanço de fase. Era uma senhora que acordava impreterivelmente às duas da manhã. A essa hora já ela estava preparada para realizar uma actividade física diária normal, realizando as lides domésticas, mas procurando não perturbar os restantes. Mas o emprego que ela tinha só começava às 09h00 da manhã. Este desfasamento, durante anos, traduziu-se numa fadiga excessiva, além de que, a senhora durante a tarde não conseguia trabalhar. Estes casos são raros mas existem. Isto significa que todos temos que respeitar um bocadinho a biologia. No caso desta senhora pode dizer-se que ela teve um comportamento agressivo para o seu equilíbrio biológico, durante muitos anos, que só resolveu agora quando se reformou. Há indubitavelmente uma biologia própria que todos nós temos que respeitar. Vamos agora falar sobretudo dos «normais», da maior parte da multidão que somos nós. Reparem que naquelas barras horizontais brancas estão indicados os períodos de sono, ou seja, sono nocturno entre as 22/23 horas e as 07 da manhã. Se repararem há naquelas curvas um pico de secreção hormonal que é completamente diferente. É o pico da hormona de crescimento, que não é só para as pessoas crescerem, mas é também para o seu metabolismo geral. O máximo da Hormona tem uma particularidade: ocorre em certo momento do dia, estando relacionado com o sono (sono inicial, Estádio II mais concretamente). Na experiência em voluntários, mais uma vez os estudantes de medicina, estes aceitaram fazer uma privação do sono. Reparem na barra horizontal branca em vez de estar a cheio está vazio, o fundo é azul, ali entre as 22 e as 6 horas, não houve sono e o sono foi empurrado para o dia seguinte entre as 11 da manhã e as 6 da tarde. Reparem que na noite anterior houve menos secreção da hormona, mas quando a pessoa dorme de dia há um pico que não é tão grande, e há diversas flutuações havendo repercussão negativa sobre o metabolismo. Baseado nesta ideia, que de facto existem alterações provocadas no ritmo biológico, eu queria reflectir convosco um pouco sobre a influência que a manipulação do nosso regime de trabalho pode ter naquilo que nós somos. Vou falar-lhes agora sobre as alterações do sono e alterações de ritmo biológico. Para não lhes falar de coisas que são muito fora do comum e para vocês perceberem que isto existe, repesquei alguns dados, que são dados da classificação internacional das doenças de sono. É uma classificação da associação americana «American Sleep Disorderds Association» («Associação das Sociedades Americanas de Doenças de Sono»). A segunda edição desta classificação internacional, elaborada em 1997, é uma espécie de guia da nossa actividade profissional. 43 44 1.º Painel - Prof. Dr. A. Martins da Silva Vou concentrar a atenção em duas modificações que ocorrem, que são conhecidas por «Síndromo das Mudanças de Meridiano» ou da chamada «zona de tempo» (ou ainda "Jet Lag") e as alterações do sono relacionadas com as mudanças de turno de trabalho. A investigadora Irene Tobler, que trabalha em Zurique, estudou animais a quem aplicou uma «escala de tempo» diferente. Quer isto dizer, que ela introduziu nas 24 horas da actividade dos animais, uma escala de 16 horas de completa privação de sono, para depois estudá-los nas 8 horas seguintes. O que é que encontrou? Encontrou alterações da função da parte anterior e posterior do córtex cerebral. A parte anterior do córtex cerebral é aquela que nos dá maior capacidade de organização das nossas ideias, do raciocínio, da compreensão e também daquilo que se chama o planeamento das nossas actividades. Este dado experimental foi extremamente importante (vocês são investigadores, nós também temos o lado da investigação) pois foi, ao fim e ao cabo, a confirmação de um outro trabalho que já tinha sido efectuado em estudantes de medicina, pelo grupo de Cauter. Aquilo que Cauter fez foi uma coisa relativamente simples: • Foi fazer uma linha de base, entre o dia 1 e o dia 3, em que as pessoas (os estudantes de medicina, voluntários adultos), dormiam 8 horas, entre as 23H00 e as 07H00 do dia seguinte; • Depois, entre o dia 4 e o dia 9, fez uma noite de privação parcial de sono, ou seja, àquelas oito horas retirou quatro horas de sono e as pessoas só dormiam entre a 01H00 e as 05H00; • Posteriormente retomou o descanso, entre o 10º dia até 16º dia, dando a possibilidade de as pessoas recompensarem aquelas quatro horas que tinham perdido, com 12 horas, entre as 21H00 e as 09H00. 1.º Painel - Prof. Dr. A. Martins da Silva Este modelo experimental conseguiu pôr em evidência algumas coisas que são razoavelmente desagradáveis: • Em primeiro lugar, que as pessoas neste período, sobretudo à volta do nono dia, tinham alterações metabólicas tão importantes, que tinham comportamentos do género que tem por exemplo um diabético, • E que tinham dificuldades na concentração, memorização e em outras actividades. Quando olhamos para algumas doenças de sono, relacionadas com os chamados «Ritmos Circadianos» (para vos explicar melhor este termo, isto quer dizer que há ritmos biológicos que têm cerca de um dia de duração, circadiano é isso mesmo que quer dizer, cerca de 24 horas, ou seja, o nosso ritmo de máximo e mínimo da temperatura corporal, o nosso próprio ritmo de nos deitarmos, dormir, acordar e depois retomar a nossa actividade), basicamente o que nós dizemos é que são perturbações de sono, dissónias quer dizer isso, que têm em comum perturbações desse ritmo circadiano, da alternância de sono e de actividade, numa base de cronofisiologia, ou seja a fisiologia que tem a ver estes ritmos biológicos. Concentrada a nossa atenção sobre estas duas doenças relacionadas com as doenças do trabalho chamado pelos norte americanos «Shift Work Sleep Disorders» ou «Síndroma das mudanças de zona de tempo» (Jet Lag) ou das «mudanças de meridianos», o que é que nós podemos encontrar: Na população que trabalha por turnos (5-8 % da população das sociedades industrializadas) prevalece, em 2-5 % dessa mesma população, aquilo que se chama as alterações do sono relacionadas com as mudanças de turno de trabalho. Esta percentagem é razoavelmente pequena, mas a partir do momento em que isto existe tem que ser considerado. Retirei também alguns dados do trabalho do Kirger, de um livro que se chama «Princípios e práticas da Medicina do Sono», onde se demonstra 45 46 1.º Painel - Prof. Dr. A. Martins da Silva também que os factores biológicos diários intervêm no próprio sono. Conclui Kirger que a dificuldade em iniciar o sono e em manter um sono adequado e repousado origina dificuldades no desempenho de trabalho e cria problemas do ponto de vista doméstico, familiar e social. Como se pode ver as coisas complicam-se e devem dar-nos que pensar. Existe outra experiência interessante com base num trabalho de voluntários jovens em 21 noites consecutivas. Se repararem bem, cerca do 21.º dia, entre a 3.ª e a 4.ª semana, as pessoas habituaram-se já a um novo ritmo, ou seja, há uma biologia que tende, outra vez, a ser resincronizada por um novo horário. Há aqui, claramente, uma mudança de comportamento biológico que tem a ver com a mudança de actividade. Outra das alterações sobre que vos queria falar tem a ver com as viagens rápidas através de diversos fusos horários. Coisa que me preocupa muito hoje em dia, sobretudo em relação a alguns políticos, que andam sistematicamente a viajar por vários fusos de sono, que são claros fusos geográficos, o que pode ter consequências gravosas sobre os mesmos. Não se fala muito nisso, não sei porquê? Os pilotos de aviação, por exemplo, falam muito nisso. Nestes casos existem dificuldades comprovadas em iniciar e manter o sono, excessiva sonolência, uma baixa de perfomance e do alerta e sintomas associados, predominantemente intestinais. A severidade depende do números de meridianos atravessados, da direcção (Este ou Oeste) e dá origem sintomas diversos (cefaleias, irritação, caimbras, distensão abdominal, etc) e que são mais frequentemente encontrados em pessoas que viajam para Leste. De seguida vou-vos mostrar um gráfico do mesmo livro que mostra porque é pior quando se viaja para Este do que quando se viaja para Oeste. Viajar, por exemplo, para a América tem menos consequências do que quando regressamos da América à Europa. 1.º Painel - Prof. Dr. A. Martins da Silva Estas viagens provocam diversos sintomas de que já falei, dores de cabeça, irritação, caibras, distensão abdominal. O que se sabe hoje em dia é que esses sintomas não resultam apenas da privação do sono, são modificações biológicas que aparecem sobretudo a partir do 2.º dia. Nesse quadro temos uns indivíduos que estão em casa e que depois viajam ou para ocidente ou para oriente. Estes são os momentos do sono. Quando a pessoa viaja para oeste ainda vai ter sono, como vai ter ainda sono, se na mesma noite chega, por exemplo, à Costa Americana onde vai ter que cumprir ainda o dia que eles têm para cumprir, pois quando aí chega tem que sincronizar pelo acto social local. Quando regressa o que acontece é que está numa fase completamente diferente daquela em que estava. Isso aí tem consequências, porque se não faz a mesma coisa que é adaptar-se à nova escala de tempo, no mesmo dia, vai ter consequências nos dias seguintes enormes, sobretudo a partir da 2.ª noite, em que vai ter dificuldades para começar a dormir. Agora quero apresentar-vos em resumo um trabalho que recebi ainda ontem que é o trabalho de um grupo americano, trata-se de um holandês que trabalha num grupo americano. Neste trabalho, agora publicado na Revista Sleep (que é a revista Oficial da Associação Americana) foram testados 48 voluntários saudáveis repartidos por dois grupos: • Um grupo em que há uma noite de base, duas noites de adaptação de sono de 8 horas e depois períodos de sono de 8, 6 e 4 horas alternados até ao 14.º dia e depois a recuperação. • No outro grupo fizeram uma noite de base, duas noites de adaptação depois obrigaram as pessoas ficaram despertas 88 horas, isto é três noites de privação, mais de três dias e depois três dias de recuperação. O que se encontrou neste estudo, em voluntários, são alterações neuro comportamentais, com redução da capacidade de algumas funções. O défice de sono traduziu-se aqui, outra vez, numa vigília adicional que tem um custo neurobiológico adicional e que é comulativo no tempo. Mais uma vez repito, que esta minha intervenção apenas serve para reforçar a ideia de que estes problemas existem e que devem ser encarados com o máximo de seriedade. E, já que cada caso é um caso, quando os mesmos existam devem ser adequadamente estudados para que mais rapidamente se consiga o equilíbrio. Agora, passo a palavra ao Dr. Carlos Sobral. 47 48 1.º Painel - Prof. Dr. A. Martins da Silva Dr. Carlos Sobral Agradeço ao Professor Martins da Silva esta breve exposição que nos fez, que nos tornou mais conhecedores da importância capital do sono a horas e do repouso reparador necessário. Na qualidade de médico do trabalho que lida com situações de trabalho nocturno, trabalho por turnos, trabalho extraordinário em que é prolongada a jornada de trabalho, gostaria de tecer algumas considerações à laia de reflexões e conclusões sobre as consequências para a saúde e para o desempenho. Como vimos, numerosas variáveis fisiológicas e psicológicas vêm sendo demonstradas ter um ritmo circadiano nas 24 horas do dia. São exemplos a temperatura corporal, a alternância sono / vigília, parâmetros cárdio-vasculares, a performance cognitiva, factores endócrinos e imunológicos, a resposta terapêutica a certas medicações, variáveis psicológicas de melancolia e ansiedade. Se estes ritmos biológicos fossem meras respostas a estímulos externos, não haveria grandes consequências, quando alterássemos os nossos horários. A questão é que o ritmo circadiano tem uma componente endógena: a existência de um relógio biológico nos humanos, tem sido repetidamente demonstrada em estudos de isolamento temporal, em que os indivíduos são completamente separados de todas as suas referências ambientais e temporais. Em circunstâncias normais (actividade diurna e sono nocturno), o nosso sistema circadiano está sincronizado com o dia solar de 24 horas: as relações normais de fase, da multiplicidade dos ritmos biológicos, são efectuadas através de uma resposta orquestrada ao pace-maker interno. Os estímulos externos apenas permitem ajustar o relógio biológico, que roda um pouco mais lentamente (ciclo de 25horas), que as 24 horas de um dia. Estes factores externos incluem a luz, factores sociais e comportamentais, tais como horários de refeição, horários de deitar e despertar, sendo no entanto uns mais eficazes que outros. É o caso da luz solar natural ou luz artificial de muito grande intensidade (7000 a 13000 Lux). Está inclusivamente demonstrado que o efeito desfasador da luz, é consequência de um efeito supressor da produção de melatonina pela hipófise. A melatonina induz o sono e diminui a temperatura corporal. A maior função do sistema circadiano é a sequênciação interna dos eventos fisiológicos e do metabolismo. As funções restauradoras do sono são maximizadas pela harmonia de fase dos ritmos biológicos durante as horas nocturnas. O trabalho nocturno está portanto desfasado em relação aos ritmos biológicos do nosso organismo. 1.º Painel - Prof. Dr. A. Martins da Silva Estes factores biológicos têm no entanto e como atrás vimos a capacidade de se ajustar progressivamente a outros horários, embora a ritmos diferentes uns dos outros. Assim sendo, após curtos períodos de actividade nocturna o sistema circadiano estará desfasado e dessincronizado: por exemplo a alternância sono/vigília adapta-se mais rapidamente que o ritmo da temperatura corporal, havendo mesmo estudos que demonstram que a sua adaptação nunca é completa. O desvio mais óbvio da vida normal para os trabalhadores nocturnos é o facto de permanecerem acordados durante a noite e terem de dormir durante o dia. Nestas circunstâncias, tipicamente dorme-se menos, estabelecendo-se uma síndroma de privação crónica de sono. Na realidade a duração do sono acaba por ser 15 a 20% inferior ao normal (4 a 6 H, comparado com 7 a 9 H). Adicionalmente o sono durante o dia, é de pior qualidade, devido a rupturas por despertar frequentemente, bem como desvios ao padrão normal do sono (sono REM / Não REM). Embora as responsabilidades domésticas, condições ambientais, os problemas laborais, possam contribuir para as anomalias do sono, está bem demonstrado que o factor mais determinante na duração e qualidade do sono é o sistema circadiano endógeno. A privação crónica parcial de sono pode ter efeitos significativos na performance profissional e no funcionamento social. Está associada a um aumento da irritabilidade, fadiga generalizada, sonolência diurna e redução significativa do estado de alerta. Está provado que na condução automóvel, uma noite sem dormir equivale a conduzir com uma alcoolémia de cerca de 1 g/litro. Estudos incidindo sobre o bem-estar geral em trabalhadores nocturnos, demonstram queixas e sintomas em tudo iguais aos sentidos por quem realiza uma viagem transoceânica ou transcontinental, onde se estabelece uma dessincronização entre o relógio biológico interno e as condições ambientais externas à chegada (jet lag). Estes sinais e sintomas incluem a sonolência diurna, fadiga, dificuldade em adormecer, baixa concentração, reflexos diminuidos, irritabilidade, queixas digestivas e mesmo sentimentos depressivos. Intolerância ao Trabalho Nocturno Felizmente para muitas pessoas que trabalham de noite, os sintomas daí resultantes não são debilitantes, mas para uma percentagem significativa vão-se intensificando, tornando-se mesmo incapacitantes em definitivo. Esta percentagem chega a atingir em certos estudos 20% do total da população estudada. 49 50 1.º Painel - Prof. Dr. A. Martins da Silva Os factores que favorecem uma intolerância ao trabalho nocturno foram estabelecidos em estudos de susceptibilidade individual e incluem factores comunitários, familiares e sociais, condições de trabalho desmotivantes e horários de trabalho irregulares. Síndrome de Inadaptação ao Trabalho Nocturno Esta designação tem sido usada para descrever a típica constelação de sinais e sintomas observáveis em trabalhadores com intolerância ao trabalho nocturno. Casos há em que os sintomas se vão agravando com a continuação dos horários desregulados, caminhando-se para um círculo vicioso, devido à falta de reconhecimento e compreensão do problema pelo próprio trabalhador, ou por outros não familiarizados com a doença. A incapacidade para ajustar a vida social e familiar ao horário de trabalho, bem como horários irregulares, contribui significativamente para o grau de intolerância. Se os sinais e sintomas persistem, o tratamento recomendado passa exclusivamente pelo afastamento do horário nocturno. A utilização de medicamentos (hipnóticos, sedativos, ansiolíticos, antidepressivos), é fortemente prejudicial. Patologia Induzida / Associada ao Trabalho Nocturno Patologia Gastro-Intestinal As disfunções gastro-intestinais são muito habituais, sendo a gastrite e outras patologias digestivas a principal causa do absentismo nestes trabalhadores. Inclusivamente, uma vez instaladas estas disfunções, podem não se resolver completamente após o retorno ao horário normal diurno. A incidência de úlcera péptica (estômago e duodeno), em trabalhadores nestas circunstâncias, é notoriamente mais elevada que em trabalhadores com horário diurno estável, na maioria dos estudos realizados. 1.º Painel - Prof. Dr. A. Martins da Silva Pensa-se que as causas desta patologia são multifactoriais, envolvendo factores dietéticos, de estilo de vida e ruptura do sistema circadiano: refeições em horários anómalos, comida não habitual por redução da oferta de restauração, e o ritmo circadiano da acidez gástrica e do seu esvaziamento, que se encontram nitidamente reduzidos durante a noite. Morbilidade Cárdio-Vascular Tem sido relatado um efeito pernicioso do trabalho nocturno em factores de risco cardio-vascular. Vários estudos sugerem um aumento dos triglicerídios e do colesterol de baixa densidade (LDL). Tem sido notada uma associação com a incidência de hipertensão. Resultados do estudo de Helsínquia apontam para taxas de risco de doença cardio-vascular, onde se inclui o enfarte de miocárdio, entre 1,5 e 1,9 relativamente ao trabalho diurno estável. Este estudo aponta mesmo para o facto de existir uma potenciação do efeito pernicioso de outros factores relacionados com o estilo de vida, no caso de trabalho nocturno, o que não é demonstrado para o trabalho diurno. Patologia da Reprodução Prematuros, Baixo Peso à Nascença e Aborto Espontãneo Os estudos efectuados, revelam taxas de prematuridade nestas trabalhadoras que atingem 1,6 em relação ao resto da população, o mesmo acontecendo com o peso à nascença. Acredita-se que este tipo de horários retarda o normal desenvolvimento fetal. Nos estudos referidos também ficou comprovada uma maior incidência de abortamento espontâneo relacionada com o desfasamento de horários. Fertilidade Os poucos estudos realizados apontam a possibilidade de estes horários reduzirem a fertilidade, particularmente em mulheres. Agravamento de Doenças Horários por turnos podem agravar certas doenças, como resultado da ruptura do sistema circadiano, stress psicológico e/ou privação de sono. Entre as doenças que podem ser agravadas, contam-se: Diabetes - A produção de insulina e consequentemente a tolerância à glicose, seguem um ritmo circadiano, razão pela qual, o horário das refeições e da medicação, têm um papel fundamental na manutenção dos diabéticos. Toda 51 52 1.º Painel - Prof. Dr. A. Martins da Silva a alteração a esta harmonia, acaba por ser catastrófica no seguimento e tratamento destes doentes, tornando-se muito mais difícil o ajustamento das doses de medicação e de nutrientes. Epilepsia - São conhecidas há muito, técnicas de privação de sono para desencadear descargas tipicamente epilépticas no electroencefalograma. Na realidade está bem documentado o efeito da privação do sono no desencadeamento de crises convulsivas em doentes com epilepsia, o que pode ser explicado por alterações dos níveis de corticoides, que passam a estar dessincronizados com a inversão das fases do ciclo sono / vigília. Asma - Todos sabe muitos por experiência própria ou dos nossos filhos, que existe uma propensão natural para o aparecimento de crises respiratórias durante a noite. Isto tem a ver com a redução nocturna dos níveis de corticoides e catecolaminas circulantes, redução da elasticidade pulmonar e do diâmetro dos brônquios. É por isto que se torna obrigatória uma adaptação da medicação nos trabalhadores nocturnos com asma. Saúde Mental / Ruptura Psico-social - Horários irregulares tornam difícil o cumprimento de responsabilidades sociais, paternais etc., ocasionando graves rupturas familiares e/ou sociais. Depressão - O potencial dos horários nocturnos ou irregulares, para aumentar o risco de depressão está bem estabelecido e comprovado por diversos estudos. Conclusão Tudo o que fica dito, demonstra a existência de factores lesivos para a saúde resultantes da desregulação do ritmo circadiano normal, em resultado do trabalho por turnos, trabalho nocturno, horários irregulares. É com base nestes conhecimentos, que os médicos do trabalho procuram nos exames de admissão ou pré-colocação, identificar características individuais associadas à redução da tolerância ao trabalho nocturno, de forma a estabelecer estratégias de impedimento, vigilância particular ou aconselhamento de factores de higiene psico-fisiológica. 1.º Painel - Debate Debate Avelino Lima (Inspector na Polícia Judiciária do Porto) Depois de ouvirmos o Dr. Carlos Sobral dizer que trabalhar 24 horas sem descanso corresponde a 1 grama de álcool por litro no sangue, podemos então concluir, por exemplo, como no caso de um dos paradigmas apresentados, que uma situação de 72 horas contínuas, corresponde, no mínimo, a 3 gramas de álcool por litro no sangue. A questão que eu pretendo colocar é a seguinte: havendo uma ordem superior para um funcionário trabalhar tantas horas, para mais, tendo de enfrentar situações de risco, se nesse trabalho acontecer algum incidente, se ocorrer até a prática de ilícitos, poderá ou não, quem ordena, ser criminalmente responsabilizado por esses mesmos ilícitos? Dr. Carlos Ribeiro (Psicólogo) É importante saber que 24 horas sem dormir correspondem a 1 grama de álcool no sangue. Fico a saber que graças ao trabalho que tenho vindo a desenvolver com a ASFIC que tenho ido trabalhar muitas vezes de manhã completamente embriagado. Não sei se também poderei responsabilizá-los criminalmente... Antes da questão eu faria um comentário prévio dirigido ao Dr. Ferreira Leite, porque não queria deixar passar esta oportunidade. Falou-nos aqui em objectivos individuais e organizacionais. Parece-me que aquilo que tem sido feito em termos de legislação enquadradora da actividade da PJ está tudo muito bem, mas falha-se na operacionalização. Ou seja, a utilidade prática cai por terra. Do ponto de vista do processo está tudo muito bem, do ponto de vista do pragmatismo isso não acontece. Eu sugeria que quando se fazem os sistemas de avaliação ou regulamentos de classificação (como é chamado na PJ), se ouvisse quem trabalha nas áreas da avaliação de desempenho e se consultassem autores actuais. Falounos do «Maslow» e muito bem. Mas eu sugeria que se revisitassem outros autores que falaram depois do «Maslow», quanto a mim bastante melhor do que ele, como por exemplo o «Herzberg» ou o «Lawler III». É uma pista que eu aqui deixo. Relativamente à noção de competência da PJ eu também sugeria que se deixasse de pegar na noção do direito de competência, que é a noção de uma «atribuição» ou «responsabilidade» e que se revisitasse um outro autor, que é o Sr. «Guy Le Bolterf», que nos diz que «competência é um saber agir socialmente validado». Assim sendo, eu só vejo um caminho para a PJ: é fazer-se aquilo que a gestão de recursos humanos diz há muitos anos para se fazer, que é uma «descrição de funções», uma «análise de funções», um «perfil de exigências» e um «perfil de competências». Isto permite-nos o quê? Permite-nos, em 53 54 1.º Painel - Debate primeiro lugar, seleccionar profissionais; em segundo lugar, avaliar o desempenho e consequentemente remunerar diferenciadamente quem mais merece; em terceiro lugar, diagnosticar necessidades de formação e promover os mais aptos. Este foi o trabalho que me foi pedido pela ASFIC, que tem pautado o seu modus operandi, como dizia o Carneiro Rodrigues, por um sindicalismo consciente, É o único sindicato que eu conheço no país a ser mais papista que o papa e, como à primeira vista pode parecer, a dar um tiro no pé, a querer ser mais exigente com os seu associados do que a própria "entidade patronal", a querer que sejam premiados os melhores e desenvolvidos os menos aptos. Em suma, a minha questão é: tendo a ASFIC patrocinado a construção de um sistema de avaliação e gestão do desempenho baseado em critérios técnico-científicos reconhecidos, que cumpre todos os requisitos metodológicos daquilo que deve ser um sistema do género, e tendo-o enviado ao anterior ministro da justiça, tendo colocado (com as devidas explicações) a par do processo a actual titular da pasta, porque razão ainda não obteve qualquer resposta? Dr. Carlos Sobral Eu queria sublinhar que nós não temos dúvidas de que a privação do sono tem influências que a certa altura podem tornar-se catastróficas para o desempenho: na coordenação motora e em todas as áreas que aí são implicadas. Fui buscar a frase de que 24 horas sem dormir corresponde a 1 grama de alcoolémia a um artigo que li (After 24 consecutive hours without sleep, cognitive psychomotor function declines to a level equivalent to that associated with a 0.1 percent blood alcohol level - Dawson D, Reid K. Fatigue, alcohol and performance impairment. Nature 1997;388:235-235) e penso que ela deve estar minimamente certa e comprovada. Eu pediria ao Professor Martins da Silva para complementar esta minha resposta mais cientificamente. Professor Dr. Martins da Silva Eu apresentei anteriormente e de forma resumida três aspectos de uma investigação feita num modelo animal onde se mostra claramente que existem alterações das funções, mas não só das funções. Na altura fiquei-me apenas pelo funcionamento do cortex frontal, da actividade de organização, programação e da nossa resposta em relação às modificações no exterior, que ficam notoriamente diminuídas quando há uma privação de sono. Mas há um estudo mais completo de outro grupo, 1.º Painel - Debate em humanos, que mostra que há modificações do fluxo sanguíneo cerebral a algumas regiões quando acontece uma situação de stress, neste caso quando se realiza uma actividade profissional ou de vida depois de ter feito uma privação de sono. Queria pegar num comentário feito pela assistência para dizer uma coisa: é necessário que haja na selecção das pessoas o entendimento de que existe uma biologia própria e que essa biologia própria tem de ser considerada. A minha função aqui é só alertar de que estes problemas existem. O que eu disse anteriormente não é uma figura de retórica, foi mesmo ontem que chegou o último artigo que fala claramente disso: que alerta no sentido de se ter que ter cuidado; que diz que felizmente isso não afecta toda a gente; que nas pessoas afectadas isso tem que ser tratado, com muito cuidado, com muita delicadeza, falando do ponto de vista médico. Como dizia o Dr. Carlos Sobral, que tem a sua experiência, como médico de trabalho, na selecção das pessoas estas têm que ser forçosamente avaliadas em função disso. As estruturas, quaisquer que elas sejam, deixemo-nos de histórias... na minha visão da vida, as estruturas foram feitas para os seres humanos e não são os seres humanos que se têm que adaptar às estruturas. A humanidade é feita para os seres humanos, para os seres humanos viverem em harmonia e, se possível, em harmonia biológica. As estruturas nas quais vivemos, trabalhamos, e que fazem parte do nosso quotidiano social e cultural, têm que ser organizadas no sentido de não "hostilizarem" o ser biológico que (também) é o ser humano, respeitando a própria biologia. E, embora seja inquestionável que devem haver regras gerais e esforço de adaptação às mesmas (e estas regras funcionam desde há muito como sincronizadores sociais que condicionam os nossos ritmos biológicos) não podemos esquecer que há pessoas diferentes e para essas pessoas diferentes têm que ser encontrados os meios de realizarem, ao serviço das instituições, o máximo que puderem, mas obrigatoriamente de um modo diferente. Nesse sentido, acho que a melhor selecção dos profissionais é aquela que respeita as suas características biológicas. Esta noção é fundamental. No caso que mostrei aqui, com voluntários, ao quarto dia de uma privação de sono (e uma privação de sono só de quatro horas) fomos encontrar modificações metabólicas de uma diabetes tipo II. Não entrei em pormenores, porque sabia que o Dr. Sobral ia falar nisso. Nas modificações de diabetes tipo II há uma resposta diferente à insulina. Há ainda alterações cardio vasculares que podem acontecer e isso é preciso ter-se em conta. Eu não quero de modo algum influenciar, a minha função aqui é só dizer que estas coisas existem. E se existem tem que se manejar a situação. No fundo é isso que vocês fazem no dia a dia, na vossa hora a hora de trabalho, os problemas aparecem e vocês têm que os resolver. 55 56 1.º Painel - Debate Dr. Ferreira Leite Eu não vou discutir os autores de gestão porque nesta matéria sou um mero amador. Desconheço a proposta da ASFIC, sou sincero. Nem sempre os Directores Adjuntos sabem tudo o que se passa na polícia, talvez felizmente para nós. Mas o Sr. Dr. (Carlos Ribeiro) falou aí em duas ou três coisas que eu penso que também são opinião generalizada na polícia. Aliás, o actual regulamento de classificações está a funcionar em função de um que está suspenso. Foi-se buscar o anterior porque se chegou à conclusão que dar as classificações com o novo era mais trabalhoso e o resultado que se tirava não era muito melhor. É verdade, que o regulamento de classificações é um aspecto fundamental. Mas antes das classificações, julgo que neste momento padecemos de outro problema mais grave, em termos de gestão de recursos humanos, que são o nosso historial, os nossos processos individuais. Ou seja, hoje em dia se quiser fazer uma selecção de funcionários, para determinados serviços, de acordo com os seus antecedentes profissionais e a sua formação, duvido que se consiga. A última vez que consultei o meu processo individual para o concurso de Coordenador Superior (inspectores Coordenadores à época) verifiquei que estavam lá as férias todas, os castigos que tinha recebido e mais nada... Nem sequer as colocações. Se me é permitida a opinião, antes das classificações, ainda temos este problema para resolver. E sobre as classificações, também não vou discutir, que não sou técnico, mas deixem-me dizer o seguinte: até que ponto é que 80 a 90% de nós não somos cidadãos comuns e não satisfazemos nas funções? Talvez 1 ou 2% estejam acima disso e se justifique salientar e 1 ou 2% estejam abaixo disso e se justifique explicar porquê. Não sei se o trabalho da ASFIC está assim bom, não faço ideia, mas também julgo que não está tudo em falha. Mal ou bem, no sistema clássico da legislação portuguesa, o conteúdo funcional está na lei orgânica: o que cabe a cada um de nós fazer está lá. Talvez haja aqui uma interpretação à luz daquilo em que se continua a basear, na minha opinião, a organização da Polícia Judiciária, que é à luz dos tribunais. Na minha opinião, um dos problemas é que a organização da Polícia Judiciária continua a ser a mesma de quando o objectivo era fazer instrução. Aliás, basta ver como é que estão em regra os departamentos organizados, como estão os funcionários e como depois é o Director, que é aquela «cabeça brilhante», que decide tudo. Nunca foi previsto, por exemplo, qualquer estrutura de apoio ao Director, nem sequer, desculpem-me a linguagem militarista, uma espécie de «Estado-maior» que possa contribuir para o funcionamento dos departamentos. É à moda dos tribunais. Esta talvez também seja outra questão que justificasse resolver. 1.º Painel - Debate Eu também não sei se não está na altura, como já outros colegas meus tiveram a oportunidade de dizer, de parar um bocadinho para pensar. Será que o actual modelo de tudo isto que nós temos vale a pena e consegue-se de uma maneira fácil e útil transformá-lo ou não valerá mais a pena e então temos que começar quase do princípio, partindo do que é a realidade, do que se pretende hoje em dia da Polícia Judiciária e não continuando a adaptar o que vem de 1945. Porque é um exercício que vale a pena e que eu gosto de fazer que é ir ler o 35042, ler as sucessivas leis orgânicas e verificar que a estrutura básica continua a ser a mesma. Tudo mudou menos o legislador. Já agora deixem-me meter a foice em seara alheia, aí a propósito do dormir ou não dormir e porque me tocou directamente a responsabilidade criminal, até de dar ordens nesse sentido. Nem 8 nem 80, até porque se a ordem é ilegal a sua obrigação é não cumprir. Portanto por aí, tínhamos a questão resolvida, em termos formais. Em última instância e do que eu estou a perceber do que os Senhores Doutores têm referido, então se calhar um dia destes, na selecção do pessoal temos que incluir isto, a capacidade do funcionário para resistir a estas mudanças de horário, porque volto à minha, somos uma polícia, podemos ter que trabalhar 24 horas por dia e pessoas que não aguentam trabalhar fora de horas ou passar a noite a trabalhar terão que escolher outra profissão. É pura e simplesmente isso. Porque de outra maneira não é possível. Isso varia pelos vistos de cidadão para cidadão, a sua capacidade de resistência, aquilo que um consegue satisfazer para o outro é uma violência. Mas como é que algum de nós vai adivinhar isso, quando vai dizer a um funcionário, vamos embora trabalhar a noite toda ou coisa parecida. Eu não sei. A não ser que cada um de nós ande com uma chapinha a dizer qual seu limite obrigatório de horas. Acho que terá que passar por aí então. Os que cá estamos já estamos, paciência vamos de acordo com as características de cada um, mas para o futuro se calhar teremos de incluir algo parecido com isso, a capacidade de resistência. E nas provas de selecção passar a haver um teste, porque aí dou razão ao Sr. Dr., se chega de manhã com três gramas de álcool no sangue, como disse, por causa da noite, ao menos que fosse a sério... Sempre sabia melhor. Manuel Carneiro Rodrigues (Presidente Nacional da ASFIC) Queria tecer aqui uma pequena consideração relativamente a algo que o Dr. Ferreira Leite disse na sua intervenção e que me parece de extrema importância. Em primeiro lugar, não me admira que o Sr. Dr. desconheça a nossa proposta de «Regulamento de Classificações», que o nosso Psicólogo referiu, porque obviamente ela foi mandada para o Director Nacional e para o Ministério da Justiça e, sobre ela, não obtivemos qualquer resposta até ao momento. 57 58 1.º Painel - Debate Mas a questão que eu queria colocar sai um pouco ao âmbito desta discussão. Referiu, e eu próprio muitas vezes também o defendi, que seria bom parar para pensar. Repensar o modelo organizativo. O Sr. Dr. Ferreira Leite referiu que provavelmente incorremos num erro organizativo, porque nos organizamos à imagem dos tribunais. Não me parece que estejamos organizados à semelhança dos tribunais, desde logo, porque, a partir das 4 ou das 5 da tarde, não podemos apresentar um detido em certos tribunais. Está aqui uma representante do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, que eu muito prezo, e que certamente me irá desculpar se isto não for correcto. Nós, polícias, temos a obrigação de defender os valores essenciais do Estado de Direito Democrático, mas será só a polícia que é obrigada a fazê-lo e será só a polícia que deve ser penalizada por o fazer? Espero ter a oportunidade de discutir isto proximamente com os colegas do Sindicato do Ministério Público e tentarmos juntos, mais uma vez, organizar uma conferência, se possível ainda antes do fim deste ano, para debater este tema, o que provavelmente nos arrastará também para o modelo organizativo da PJ, que não é assim tão parecido com o dos tribunais, como à primeira vista pode parecer, o que não significa, obviamente, que não tenha de ser repensado. Dr. Teodósio Jacinto Não resisto a dizer isto: eu não falaria só em organização da polícia e dos tribunais. Tudo isto é o sistema de justiça penal e este tem que ser reformulado e organizado articuladamente. O problema que temos é, porventura, esse e já agora desafio a ASFIC a organizar uma conferência com este tema. Depois também quero dizer que a selecção na PJ deve ser e é para mulheres e homens normais, que obviamente têm de produzir trabalho de grande qualidade para o grande patrão de todos nós, que é o cidadão. É para ele que todos nós trabalhamos. É evidente que no Instituto também damos muita atenção às condições físicas, à preparação física dos Inspectores Estagiários e a outros aspectos, mas a ideia essencial que eu quero que retenham é que estamos a preparar pessoas normais para o dia a dia da investigação criminal. Eu fiquei deliciado a ouvir estes ilustres médicos que aqui trouxeram, porque durante três anos andei num sistema destes, com muitas gramas de álcool e tomar coisas para conseguir dormir. E, de facto, a grande ajuda que recebi na altura foi a de um médico que me acompanhou. A imagem que melhor 1.º Painel - Debate caracterizava a minha situação naquela altura era a de um elástico: a gente vai, vai, vai esticando e depois o problema é saber se a gente volta ao mesmo sítio ou não volta e quebra. Mas julgo que tudo isto é conciliável. Eu sou um eterno optimista, a Polícia Judiciária é uma polícia de alta qualidade, este problema não surgiu só agora e, seguramente, vamos todos em conjunto encontrar o caminho para conciliar um trabalho de grande qualidade em prol da sociedade e os interesses e os direitos dos profissionais, como o direito ao lazer, à vida familiar, etc. O painel seguinte já trará, seguramente, contributos para resolver estes problemas. Aproveito para agradecer, sobretudo ao Dr. Carlos Sobral e ao Professor Martins da Silva, porque os da casa, como o Dr. Ferreira Leite e eu próprio, estamos aqui naturalmente por gosto, mas também por obrigação. Julgo que da parte da Polícia Judiciária e em particular do Instituto existe uma abertura muito grande para resolver estes problemas. É evidente que estou aqui mais legitimado para falar em nome próprio e do Instituto, no sentido de trabalharmos em conjunto para encontrarmos as melhores soluções. De seguida vamos ter o Senhor Professor Jorge Leite, com o seu profundo saber e a sua notável capacidade de comunicação e também o Senhor Professor Liberal Fernandes, de quem conheço os trabalhos, mas não tinha tido ainda o privilégio de conhecer. Aplicar-se-ão a si, seguramente, as mesmas palavras. 59 60 61 2.º Painel O regime de Trabalho na Investigação Criminal - Princípios de Direito Internacional Professor Dr. Jorge Leite Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 1. Notas introdutórias Antes de mais as minhas saudações a todos os presentes e os meus agradecimentos à ASFIC pelo convite para participar nesta iniciativa, embora pense que fui bastante temerário em aceitar falar de um tema que é complexo quanto baste (sobretudo, mas não exclusivamente, em razão das características da realidade extrajurídica para que remete) e que não domino convenientemente. Como todos reconheceremos, o pessoal de investigação da Polícia Judiciária está sujeito, por exigências próprias das suas funções, a formas de trabalho e a formas de organização e de gestão pouco comuns ou, talvez mais rigorosamente, verdadeiramente excepcionais. Ora, estando eu do lado de fora da instituição, a primeira advertência a fazer diz respeito ao risco de «ver o filme» de que vou falar ligeiramente desfocado. Com estas minhas palavras de abertura, pretendo conseguir duas coisas: o reconhecimento do referido carácter temerário desta minha comunicação e a vossa compreensão tanto para o que vai ser dito (com passos seguramente controversos), como para o que vai ficar por dizer (as omissões serão, por certo, várias). Posso, entretanto, acrescentar, em jeitos de compensação, que o convite poderá funcionar como um desafio ou uma espécie de apelo para que, no âmbito da minha profissão, não deixe de ter em conta certas situações rebeldes a generalizações, como me parece ser o caso de que agora nos vamos ocupar. 2. Uma tipologia de casos preocupante? Quando acabei de ler a síntese dos quatro tipos de casos que a organização deste encontro preparou e enviou aos convidados, a minha reacção foi esta: não pode ser...; alguma coisa terá de ser corrigida para se eliminarem ou se reduzirem os excessos, portadores de riscos de vária ordem que podem 62 2.º Painel - Professor Dr. Jorge Leite originar danos irreparáveis. Mas, logo acrescentei para mim mesmo, se o que aí está não pode ser, qual a alternativa? Eis aí uma questão central e, por certo, uma preocupação cimeira dos organizadores deste encontro. É certo, importa salientar, que me não é pedido que indique, ou sequer sugira, qualquer alternativa. Verdadeiramente, o que me é pedido é que teça algumas considerações sobre a compatibilidade ou a compatibilização da actividade dos inspectores da Polícia Judiciária com os princípios de direito internacional, princípios gerais, entenda-se, já que não há, ou não conheço, princípios especificamente aplicáveis ao tipo de actividade aqui tratada. Mas haverá, então, uma principiologia de direito internacional que nos convide a um adequado exercício dialógico com a prática de uma dada actividade? 3. Direito internacional São três os sentidos com que aqui será tomada a expressão direito internacional, desta forma nos aproximando do disposto no art. 8.º da Constituição da República Portuguesa: - no sentido de direito (internacional) geral ou comum, nele se incluindo, consequentemente, todas as regras e princípios jurídicos vinculativos da generalidade dos países. Tais regras e princípios consideram-se automaticamente recebidos na nossa ordem jurídica ou, para usar a expressão do n.º 1 do citado artigo da Constituição, «fazem parte integrante do direito português». O direito internacional geral ou comum é constituído pelas normas consuetudinárias de âmbito geral («costume internacional») e «pelos princípios fundamentais geralmente reconhecidos no direito interno dos Estados e que, em virtude da sua radicação generalizada na consciência jurídica das colectividades, acabam por adquirir sentido normativo no plano do direito internacional (por ex: princípio da boa fé, cláusula rebus sic stantibus, proibição do abuso do direito, princípio da legítima defesa)» (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Anotada, C.ª Editora, 1993, p. 83); - no sentido de direito constante das convenções internacionais, que, como referem os citados autores, inclui instrumentos identificados por diversas expressões (tratados, acordos, cartas, pactos, convenções, etc.). Os que aqui importa ter em conta são os instrumentos aprovados no âmbito de organizações internacionais como a ONU, a OIT, ou, sendo de carácter regional, o Conselho da Europa. Como dispõe o n.º 2 do art. 8.º da Constituição, essas normas - as normas constantes de convenções internacionais - vigoram na ordem interna se vincularem, e enquanto vincularem, o Estado português depois de regularmente ratificadas ou aprovadas e de publicadas no Diário da República; 2.º Painel - Professor Dr. Jorge Leite - no sentido de direito elaborado no âmbito de organizações internacionais de integração dotadas de poderes normativos próprios. O n.º 3 do já citado art. 8.º da Constituição, aditado pela lei de revisão de 1982, teve como finalidade principal a adequação do ordenamento nacional à integração de Portugal em organizações com alguma característica de supranacionalidade ou, dito de outro modo, em qualquer organização dotada de poderes normativos próprios. As normas emanadas dos órgãos competentes de instituições internacionais de que Portugal seja membro vigoram directamente na ordem interna, como nele se dispõe, desde que tal se encontre estabelecido nos tratados constitutivos. Este aditamento, parecia, obviamente, destinado a preparar o caminho da adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia. 4. Princípios gerais Tendo em conta o sentido atrás enunciado, poderá falar-se de princípios gerais de direito internacional eventualmente incompatíveis ou dificilmente compatíveis com as descritas práticas profissionais da actividade dos inspectores da Polícia Judiciária? Compreendo que não estejam aqui para me ouvir falar sobre o sentido do termo princípios na expressão princípios de direito internacional, um problema de teoria do direito suficientemente complexo cujo tratamento seria, no mínimo, deslocado. Digamos que os princípios gerais são uma espécie de normas mais abstractas, vagas, fundamentais, estruturantes do que a generalidade das demais normas por vários autores designadas por regras jurídicas, são, dito por outras palavras, linhas de orientação de todos os operadores jurídicos (legislador, tribunais, administração pública) com vocação para modelar o próprio ordenamento de que fazem parte integrante. Penso que poderei limitar as minhas considerações aos princípios seguintes: o da preservação da integridade pessoal (da vida, da integridade física, da integridade moral), o da limitação da indisponibilidade, o da conciliação da vida profissional com a vida familiar e o da adaptação do trabalho ao homem. Como facilmente se poderá concluir são princípios que reciprocamente se implicam e se influenciam. 5. Princípio da prevenção Também aqui se poderia dizer que «no princípio era a prevenção», no sentido de que, no princípio, está a previsão e a eliminação dos riscos porque, antes de tudo, está a integridade física, a saúde, a vida de todos e de cada um e, portanto, também de quem trabalha enquanto trabalha, aqui se fundando o direito do trabalhador a boas condições de saúde e de segurança e a correspondente obrigação do empregador - de todo e qualquer empregador, privado ou público - de adoptar todas as medidas adequadas à preservação dos referidos bens fundamentais. 63 64 2.º Painel - Professor Dr. Jorge Leite O empregador não está, pois, apenas obrigado a abster-se de qualquer conduta que agrida a vida ou a integridade física ou moral dos trabalhadores ao seu serviço. Sem deixar de continuar a ser um devedor passivo universal, encontrando-se, consequentemente, obrigado, como todos as demais pessoas, a abster-se de qualquer conduta que agrida os bens essenciais de natureza pessoal daqueles que estão ao seu serviço, o empregador é também, por força do vínculo que o liga aos respectivos trabalhadores, um autêntico devedor de segurança, encontrando-se, nessa qualidade, adstrito a adoptar, como diz a lei, as medidas adequadas a eliminar os riscos, a substituir os materiais e processos com riscos por outros sem riscos ou com menores riscos, a recorrer a equipamentos de protecção colectiva e de protecção individual, dando prevalência aos primeiros, a realizar os exames médicos recomendados, a formar e a informar os trabalhadores como via indispensável à preservação dos referidos bens pessoais. Ora, pode dizer-se com segurança, a comunidade internacional, através de organizações de carácter universal ou regional, e as comunidades nacionais, nestas incluída, naturalmente, a portuguesa, mobilizaram uma série de textos, mais ou menos solenes, dirigidos à preservação da integridade pessoal dos trabalhadores, textos de que resulta, como é pacificamente aceite, o princípio aqui enunciado. «Qualquer membro, dispõe, por exemplo, o n.º 1 do art. 4.º da Convenção (C) n.º 155 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), deverá (...) definir, pôr em prática e reexaminar periodicamente uma política nacional coerente em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e ambiente de trabalho» (a C 155 foi aprovada para ratificação pelo Decreto 1/85, de 16 de Janeiro). Os Estados Partes no presente Pacto, dispõe, por sua vez, o art. 7.º e sua alínea c) do PIDESC, reconhecem o direito o direito de todas as pessoas de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis, que assegurem (...) condições de trabalho seguras e higiénicas», devendo as medidas destinadas a assegurar o pleno direito de todos a gozar do melhor estado de saúde física e mental compreender, como acrescenta a alínea b) do n.º 2 do art. 12.º, necessárias para assegurar «o melhoramento de todos os aspectos (...) da higiene industrial» (o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais foi aprovado para ratificação pela Lei n.º 45/78, de 11 de Julho). No âmbito da União Europeia, referem-se à mesma questão o ponto 19 da Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais do Trabalhadores - «todos os trabalhadores devem beneficiar de condições satisfatórias de protecção da saúde e de segurança no meio onde trabalham» - e sobretudo a designada directiva-quadro sobre promoção da melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores cujo art. 5.º dispõe que «a entidade patronal é obrigada a assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores em todos os aspectos relacionados com o trabalho», devendo tomar as medidas para o 2.º Painel - Professor Dr. Jorge Leite efeito necessárias (art. 6.º/1), constituindo a melhoria da segurança, higiene e saúde dos trabalhadores, como se declara no 13.º considerando, um objectivo que não pode subordinar-se a considerações de ordem puramente económica» (itálico meu). Em sentido idêntico se pode referir a Carta Social Europeia, do Conselho da Europa, revista em 1996, e aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 64-A/2001, de 17 de Outubro, cujo art. 3.º, Parte II, se refere às obrigações a que as Partes se comprometem em matéria de segurança, saúde dos trabalhadores e do meio de trabalho. 6. O princípio da limitação da heterodisponibilidade A duração do trabalho e a sua organização - a sucessão tempo de trabalho/ /tempo de repouso - têm, como já se referiu, fortes implicações na saúde e segurança no trabalho, interferindo, consequentemente, com o princípio referido no ponto anterior e com os bens pessoais correspondentes - a vida, a integridade física... Aqueles dois factores têm, porém, estreitas implicações no âmbito de outros direitos fundamentais. Naturalmente, todos temos o dever (social) de trabalhar. Trata-se de um dever básico de solidariedade, como o recordava o poeta popular António Aleixo numa das suas conhecidas quadras: «Quem trabalha e mata a fome/ Não come o pão de ninguém/Mas quem come e não trabalha/Come sempre o pão de alguém». Uma coisa, porém, é o contributo de cada um para a preservação e o progresso da humanidade, outra, bem diferente, é a redução da vida ao trabalho ou a pouco mais do que o trabalho, como se de uma questão meramente residual se tratasse. A compreensão e a adesão ao dever (social) de trabalho não justificam, porém, que outros, desde logo o Estado, nos possam transformar em «wokólicos». Como tenho sublinhado com alguma frequência, e agora aqui repito, eu não sou um «religioso do trabalho». Se ter trabalho é, nas nossas sociedades, uma questão básica para cada um de nós, se é importante o que cada um de nós faz no âmbito da sua actividade profissional - importante para quem o realiza e para os demais que com ele partilham a mesma experiência comunitária - não é, por certo, menos importante o que cada um de nós faz ou deve ou pode fazer para além dele. Todos temos necessidade de espaços da nossa vida para preenchermos com as nossas necessidades e preferências. Ora, a ideia de disponibilidade permanente - se por esta se entender o que a expressão sugere - entra, manifestamente, em rota de colisão com o princípio aqui enunciado. A limitação da heterodisponibilidade, que é como quem diz, a protecção do direito a ter vida extraprofissional, não é incompatível com situações de disponibilidade temporária, mas dificilmente será compatível com situações de disponibilidade permanente ou com situações que ultrapassem as fronteiras da razoabilidade. A obrigação de 65 66 2.º Painel - Professor Dr. Jorge Leite disponibilidade permanente, no sentido de obrigação de resposta, a todo o momento, às solicitações da entidade para a qual presta serviço não pode ser imposta como uma regra de vida. Insisto nesta ideia: o princípio aqui enunciado, com as mais diversas projecções normativas, tais como a da limitação do dia de trabalho, a do prévio conhecimento das horas de início e de termo da jornada de trabalho, a das restrições ao trabalho suplementar... - não se confunde, embora com ele interfira, com o princípio da preservação da integridade pessoal do trabalhador. O princípio agora tratado da limitação da heterodisponibilidade é antes, apenas, uma outra forma de afirmação do princípio ou do direito de cada um de nós a um espaço de tempo próprio, a uma vida pessoal, no sentido amplo de vida extraprofissional, de que possa dispor. Com este preciso sentido de direito a espaços significativos da sua vida durante os quais seja senhor de si - o que não sucede durante o tempo de trabalho nem, ainda que com diferente intensidade, durante o tempo de disponibilidade (tempo de ausência de, pelo menos total, autodisponibilidade) - o princípio aqui enunciado não se encontra expressamente consagrado em qualquer texto internacional, mas, como se me afigura inequívoco, induz-se de uma vasta gama de normas de múltiplos textos da OIT, da ONU, do Conselho da Europa, da União Europeia e também, naturalmente, de várias normas da maior parte dos ordenamentos jurídicos. 7. O princípio da conciliação da vida profissional com a vida familiar Estreitamente ligado com o princípio acabado de descrever está o princípio da conciliação da vida profissional com a vida familiar, precisamente por se entender que a primeira, a vida profissional, não pode anular a vida extraprofissional de que a vida familiar é uma das suas mais importantes dimensões. A família vem merecendo, porém, um tratamento expresso «autónomo» pelo lugar que ocupa na vida de cada um. «A família, pode ler-se no n.º 16 da Parte I da Carta Social Europeia, como célula fundamental da sociedade, tem direito a uma protecção social, jurídica e económica apropriada para assegurar o seu pleno desenvolvimento», uma protecção que o art. 16.º da Parte II desenvolve. Mais expressivo do princípio aqui referido é, porém, o n.º 27 da Parte I que se refere ao direito das pessoas com responsabilidades familiares de ocupar um emprego «sem ser submetidas a discriminações e, tanto quanto possível, sem que haja conflito entre o seu emprego e as suas responsabilidades familiares» e que o art. 27.º da Parte II concretiza. Este é um princípio constitucionalizado desde a lei de revisão de 1997 que alterou a alínea b) do n.º 1 do art. 59.º Como deste passou a constar, «todos os trabalhadores (...) têm direito (...) à organização do trabalho (...) de forma a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar». 2.º Painel - Professor Dr. Jorge Leite 8. O princípio da adaptação do trabalho ao homem Um dos princípios gerais de orientação do empregador na aplicação das medidas necessárias à defesa da segurança e da saúde dos trabalhadores é o da adaptação do trabalho ao homem em todos os aspectos relevantes e, em especial, no que respeita à escolha dos equipamentos de trabalho e dos métodos de trabalho e de produção. É assim que se lhe refere, na alínea d) do n.º 2 do art. 6.º, a Directiva 89/391/CEE, do Conselho de 12 de Junho de 1989, a designada directiva-quadro, relativa à aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho. Evitar os riscos, avaliar os riscos que não possam ser evitados, combater os riscos na origem, ter em conta o estádio de evolução da técnica, substituir o que é perigoso pelo que é isento de perigo ou o que é menos perigoso, planificar a prevenção como um sistema coerente (...), dar prioridade às medidas de protecção colectiva em relação às medidas de protecção individual e dar instruções adequadas aos trabalhadores são os restantes oito princípios enumerados na citada directiva. Três notas a propósito do princípio em análise consagrado na referida norma comunitária: - a primeira para salientar que a adaptação do trabalho ao homem tem a natureza de um princípio geral de prevenção; - depois para sublinhar que o âmbito do referido princípio se não reduz à concepção dos postos de trabalho, à escolha dos equipamentos, dos métodos de trabalho e de produção, antes se refere a todos os aspectos atinentes à protecção da saúde e da segurança, ou seja, a repercussão deste princípio na obrigação de saúde e de segurança tem um alcance mais amplo do que pode parecer à primeira vista; - finalmente para chamar a atenção para o facto de a atenuação do trabalho monótono e cadenciado e dos seus efeitos sobre a saúde ser apenas uma parte das finalidades prosseguidas com o referido princípio. A meu ver, a lei portuguesa não transpõe correctamente este princípio do direito comunitário. Como dispõe a alínea g) do n.º 2 do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 441/91, de 14 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 133/99, de 21 de Abril, e pela Lei n.º 118/99, der 11 de Agosto, o empregador deve adoptar as medidas necessárias no âmbito da sua obrigação de segurança, tendo em conta, entre outros, o princípio segundo o qual deverá «organizar o trabalho, procurando, designadamente, eliminar os efeitos nocivos do trabalho monótono e do trabalho cadenciado sobre a saúde dos trabalhadores». Ao mesmo princípio se refere a C 155 da OIT quando inclui entre as várias esferas de acção a ter em conta na política de saúde e de segurança a esfera das «relações existentes entre os componentes materiais do trabalho e as 67 68 2.º Painel - Professor Dr. Jorge Leite pessoas que o executam ou supervisionam, assim como a adaptação das máquinas, dos materiais, do tempo de trabalho, da organização do trabalho e dos processos de trabalho às capacidades físicas e mentais dos trabalhadores». A afirmação deste princípio representa uma espécie de reacção contra a concepção taylorista, de alguma forma prolongada no modelo fordista, em que o homem parecia uma espécie de prolongamento da máquina a que, consequentemente, deveria adaptar-se. Este princípio aparece, contudo, com frequência, reduzido a uma questão quase física, como se pouco mais fosse do que um capítulo da ergonomia. Ora, a adaptação do trabalho ao homem não tem a ver apenas com a adequação do posto de trabalho ao trabalhador que o ocupa, antes apelando também a vários outros factores, designadamente de ordem psicológica e social. Aqui chegados, creio que não será necessário qualquer esforço para concluir que os casos descritos do Paulo, do João, do Idalécio e do Pedro estão em (perigosa) rota de colisão com os descritos princípios de direito internacional, poucas dúvidas me restando quanto à desadequação de algumas práticas em relação ao quadro normativo aplicável e, consequentemente, quanto à conveniência ou necessidade da modificação de tais práticas. Resta-me reconhecer que há problemas de resposta difícil. Sei, no entanto, que uma sociedade democrática e livre não pode dispensar um serviço como o da polícia judiciária. Diria mesmo que a sociedade será tanto mais livre e civilizada quanto melhor funcionarem os serviços correspondentes - mais civilizada por se encontrar mais protegida contra a lei do mais forte; mais livre por dispor de condições de segurança que melhor permitam desenvolver a personalidade dos seus membros. 69 Regime de Trabalho na Função Pública Portuguesa - Limites às normas especiais que o excepcionem: art. 79.º da LOPJ Professor Dr. Liberal Fernandes Faculdade de Direito da Universidade do Porto Antes de mais queria agradecer o convite que me foi dirigido para estar aqui presente e cumprimentar os meus colegas de mesa. Cabe-me falar - e vou ser breve, dado o adiantado da hora - sobre o artigo 79.º, da Lei Orgânica da PJ, que versa sobre o serviço permanente na PJ. Como facilmente se deixa antever, trata-se de uma norma que exerce um papel determinante na caracterização das relações laborais na PJ, em particular no que respeita à organização do tempo de trabalho. Relativamente a esta matéria, irei abordar, tal como me foi proposto, alguns aspectos que têm directamente a ver com o alcance daquela norma. Com vista a aferir o significado jurídico dos princípios da permanência e da obrigatoriedade do trabalho na PJ - significado que o legislador não cuidou de precisar pelo menos de forma expressa ou explícita -, importa, em primeiro lugar, estabelecer um confronto entre o artigo 79.º e o artigo 172.º da mesma lei para apurar até que ponto aquelas características afastam da disciplina aplicável à organização do tempo de trabalho na PJ o disposto na lei geral da função publica, tendo presente que a segunda daquelas normas considera este último regime aplicável supletivamente. Ou seja, por força do artigo 172.º da Lei Orgânica, o regime vigente para a função pública em geral é aplicável aos agentes da PJ em tudo que não contrarie o disposto naquele diploma. Ora, não definindo o artigo 79.º o que deve entender-se por permanência e obrigatoriedade do serviço, podemos perfeitamente questionarmo-nos sobre o significado destes conceitos: será que, não obstante o disposto no artigo 172.º, os agentes da PJ estão sujeitos a um regime de excepção que lhes impede de beneficiar directamente do regime da função pública no que respeita especificamente à duração do tempo de trabalho, de tal modo que os princípios vigentes para a função pública em geral só lhes são aplicáveis em caso de remissão expressa? Ou, diferentemente, será que os agentes da PJ gozam em termos imediatos do estatuto geral da função pública, com ressalva das disposições específicas contidas na respectiva lei orgânica? 70 2.º Painel - Professor Dr. Liberal Fernandes A primeira posição significaria que, relativamente aos restantes trabalhadores da Administração, os agentes da PJ estariam sujeitos a um estatuto autónomo ou de excepção em matéria de duração do trabalho. Com um tal alcance, poderíamos concluir que os princípios da permanência e da obrigatoriedade do serviço colocariam os agentes da PJ numa situação em que não beneficiariam de alguns dos princípios jurídicos sobre os quais o Prof. Jorge Leite acabou de falar. Contudo, parece-me que a melhor interpretação será aquela que entende que, no domínio em que nos situamos, os agentes da PJ beneficiam de forma imediata do estatuto geral da função publica, embora sujeitos às especificidades previstas na respectiva lei orgânica. Esta posição parece ser confirmada pelo próprio artigo 79.º, n.º 5, preceito que manda aplicar directamente (sem prejuízo do regime geral da função publica) aos agentes da PJ os princípios do direito da função pública, relativamente ao serviço prestado em regime de turno; além disso, a norma do artigo 172.º consagra igualmente a regra segundo a qual os agentes da PJ beneficiam do regime vigente para a função pública. Ou seja, em face destas remissões, é possível concluir que, apesar de permitirem constituir um regime especial de duração de trabalho, as características da permanência e da obrigatoriedade não prejudicam a aplicação dos princípios fundamentais do direito da função pública, designadamente as regras relativas à duração semanal do trabalho, ao limite máximo do período normal de trabalho, ao descanso semanal, ao horário de trabalho (Decreto-Lei n.º 259/98, de 18/8). Em face disto, o problema que se coloca é saber que especificidades ou desvios (e respectivo âmbito) as cláusulas gerais da permanência e obrigatoriedade permitem caucionar em matéria da duração do trabalho relativamente ao direito geral da função publica. Ora, na ausência de regras específicas, haverá que recorrer aos princípios gerais da necessidade e da proporcionalidade para delimitar esse estatuto. (Como se verá, essa especificidade laboral tem exclusivamente a ver com a prestação de serviço em regime de piquete e de prevenção). Antes de prosseguir, convirá colocar a seguinte questão prévia: que razões justificam que o trabalho na PJ tenha carácter de permanência e de obrigatoriedade? Com efeito, uma coisa é o serviço de prevenção ou investigação criminal funcionar permanentemente, outra é os trabalhadores adstritos a esse serviço estarem sujeitos a um regime de trabalho com aquelas características. Trata-se de realidades jurídicas distintas, entre as quais não há qualquer relação de necessidade ou continuidade jurídica: é que se o serviço em causa estivesse organizado na sua globalidade em regime de trabalho por turnos, não haveria fundamento para que o trabalho prestado na PJ apresentasse natureza específica. 2.º Painel - Professor Dr. Liberal Fernandes Contudo, duas ordens de razões poderão justificar as referidas características: uma, de natureza económico-financeira, tem a ver com o facto de o recurso ao regime de piquete e prevenção constituem formas de organização do serviço que obstam à "duplicação de efectivos sem sujeitar os funcionários a regime de trabalho excessivamente penoso" (Despacho do Ministro da Justiça n.º 248/96); a outra razão, de natureza jurídico-policial, prende-se com o interesse em criar corpos de intervenção aptos a responderem de forma imediata e permanente às necessidades relacionadas com o cumprimento das funções da PJ. Dito isto, o que deverá entender-se por serviço permanente, serviço obrigatório ou disponibilidade funcional, tal como prevê o art. 79.º da Lei Orgânica? Em primeiro lugar, os dois primeiros termos não podem ser entendidos de acordo com o seu sentido comum. Com efeito, constitui um princípio do Estado de direito democrático a tutela da liberdade de trabalho, a qual engloba igualmente a liberdade de não trabalhar e a proibição do trabalho forçado ou obrigatório; também o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (art. 8.º) e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (art. 4.º) proíbem o trabalho forçado. Do mesmo modo, o art. 59.º, n.º 1, alínea d) da Constituição proíbe o trabalho permanente, na medida em que garante o direito ao repouso e a um limite máximo de jornada de trabalho. Por isso, somos da opinião que o verdadeiro significado jurídico daquelas expressões consiste no facto de o agente da PJ estar sujeito a um dever de maior disponibilidade funcional que não é idêntico ao que recai sobre os trabalhadores da Administração abrangidos ao regime geral. A consequência mais evidente desse dever consiste no facto de poderem ser exigidos, com carácter de regularidade, ao agente da PJ períodos contínuos de trabalho superiores aos períodos normais, estabelecidos na lei geral. Ou seja, o artigo 79º da Lei Orgânica sujeita o agente da PJ a um dever específico ou legal de maior disponibilidade para o serviço, cujo fundamento jurídico reside na própria natureza do serviço prestado pela PJ. Tal disponibilidade consubstancia-se, ainda nos termos daquela norma, na obrigação de o agente, para além do período normal diário (ou semanal) de trabalho, prestar serviço em regime de piquete, em unidades de prevenção e em regime de turnos, sempre que lhe for exigido pela entidade a quem compete definir a organização do tempo de trabalho. Subsiste, porém, um problema que a lei não resolve - mas cuja solução passa naturalmente pela aplicação de critérios pautados pela razoabilidade jurídica - e que é o de saber a partir de que momento é que cessa esse dever de maior disponibilidade, ou seja, ao fim de quantas horas de serviço consecutivo, seja contabilizado ao dia ou em termos de semana de trabalho, pode o agente recusar-se a continuar a integrar um serviço de piquete ou 71 72 2.º Painel - Professor Dr. Liberal Fernandes de prevenção ou de turno?. Pode o agente que, por exemplo, esteve numa acção de vigilância 72 horas consecutivas recusar a prestação do serviço normal nos restantes dois dias de trabalho da semana? É claro que existem alguns limites a partir dos quais se reconhece, de acordo com critérios de razoabilidade jurídica, ao agente o direito de recusar continuar a prestar o serviço permanente; contudo, todos nós sabemos as implicações a nível disciplinar que, por vezes, semelhantes actos podem desencadear. Como ficou implícito no que atrás disse, as características da permanência e a obrigatoriedade do serviço não prejudicam a aplicação ao agente da PJ das regras relativas à duração normal de trabalho, semana de trabalho, descanso semanal e descanso complementar (Decreto-Lei n.º 259/98, por força do art. 172.º da Lei Orgânica da PJ). Isto significa que o trabalho prestado para além das 7 horas por dia (ou das 35 horas por semana), isto é, o trabalho prestado em regime permanente, nos termos do art. 79.º da Lei Orgânica, deve ser classificado como trabalho suplementar, pelo que a respectiva prestação está sujeita, na ausência de qualquer previsão desta última lei, ao regime estabelecido nos artigos 25.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 259/98, isto não obstante o legislador poder fixar regras próprias neste domínio da duração do tempo de trabalho na PJ. O facto de tratar-se de uma actividade destinada a satisfazer uma necessidade regular ou normal da PJ não lhe retira o carácter de trabalho suplementar, porquanto se trata de uma situação que "resulta de uma imposição legal" (art. 26.º, n.º 1, in fine, do Decreto-Lei n.º 259/98). Quanto à respectiva compensação, apenas direi, para terminar dado o adiantado da hora, que, não havendo normas específicas na Lei Orgânica, só resta aplicar as regras definidas nos artigos 28.º e seguintes, pelo que o serviço permanente tanto pode ser compensado com acréscimo retributivo, como através de dedução no período normal de trabalho. Muito obrigado pela Vossa atenção. 2.º Painel - Debate Debate Joaquim Conceição (Inspector na DCCB) Atendendo à matéria trazida para esta mesa, gostaria de apresentar ao senhor Presidente da Mesa, na qualidade de jurista e simultaneamente de policia e com a devida vénia ao Professor Jorge Leite, cientista juslaboralista de conceituado nome, a análise de um documento que aqui trago, solicitando também que o mesmo possa ser distribuído por cópias a todos os presentes. Muito obrigado. Arnaldo Silva (Inspector Chefe na Polícia Judiciária do Porto) Só queria colocar uma questão. Será legal pagarem-me a hora que trabalho a mais, depois do meu trabalho normal de 7 horas diárias, a 500$00, quando o meu valor hora para efeitos de vencimento é de 3 contos? Se trabalhar essas horas a mais pagam-me 500$00 por cada hora, mas se faltar descontam-me 3 contos por cada hora, será legalmente correcto? Rui Abreu (Inspector na Polícia Judiciária do Porto) Será admissível, à luz do direito laboral actual a existência de um serviço previsto, programável e logo efectuado com escala, com a duração de 24 horas? Já agora queria suscitar outro comentário, ainda a propósito: caso esse serviço se possa prolongar, previsivelmente, para além das 24 horas, qual é a situação jurídica do funcionário que se recuse a prestar essas horas a mais? Moreira Mendes (Inspector na Polícia Judiciária do Porto) Tenho uma questão a colocar aqui pelo senhor Gerard Greneron, Secretário-Geral do Conselho Europeu de Sindicatos de Policia, dirigida ao Prof. Jorge Leite, que é a seguinte: partindo das constatações cientificas aqui já apresentadas, acredita que as condições de trabalho na PJ, estão em conformidade com o art. 3, da Carta Social Europeia, que estipula no seu artigo n.º 1, as obrigações de por em prática e reexaminar periodicamente uma política social coerente, que tem que ter como objectivo primordial a prevenção de acidentes e problemas de saúde, relacionados com a prestação de trabalho? Na sua opinião, o seu não cumprimento poderá legitimar uma reclamação colectiva, ao abrigo do direito internacional? Miguel Rodrigues (Inspector na Polícia Judiciária do Porto) Queria colocar uma questão dirigida ao Prof. Liberal Fernandes, que já a esclareceu parcialmente, que é a questão da remuneração do trabalho que vai além das 7 horas diárias, que, se bem compreendi, podemos remeter 73 74 2.º Painel - Debate para a lei geral. Mas a lei geral fala também de compensação temporal. Em termos concretos, gostaria de saber como é que o trabalho extraordinário na Polícia Judiciária pode ser compensado através dessa compensação temporal. Dr. Reis Martins (Director Nacional Adjunto da Polícia Judiciária) O Dr. Reis Martins não autorizou a publicação das suas intervenções em debate, decisão que obviamente respeitamos, embora não compreendamos. Prof. Jorge Leite Há aqui várias e interessantes questões. Algumas não são do jurista, não são da minha competência. De qualquer modo vou insistir em duas ideias que me parecem importantes. Em primeiro lugar, a importância deste serviço e, em segundo lugar, uma outra dimensão que é a necessidade que todos temos, a momentos de auto disponibilidade. É um facto que existem exigências específicas para determinadas funções. Eu diria mesmo, que é impossível pensar no regime comum para a vossa actividade profissional. De qualquer modo, existem sempre limites que a meu ver são infranqueáveis. É inexigível, mesmo que não houvesse leis, que se peça a alguém que corra desnecessariamente riscos de vida. Se me obrigam a conduzir ao fim de 24 horas, terei o direito de resistir a uma ordem dessas? Bom, se ao fim de 24 horas, eu estou com o tal 1 grama, 2 gramas de álcool no sangue e ainda tenho que enfrentar situações perigosas, já sem um domínio tão perfeito como devia ser dos meus actos - o cansaço a isso leva - e ainda por cima sujeito a um stress por circunstâncias que não controlo, a resposta parece-me óbvia. Eu imagino-me a vigiar o tipo que vai assaltar as bombas... Ao fim de não sei quanto tempo é evidente que o controlo que eu tenho de mim mesmo já se reduziu. Com a minha capacidade de auto-domínio reduzida e debaixo da pressão desse legítimo e naturalíssimo receio - ter medo é bom, porque de contrário tornamo-nos inconscientes - que resulta do facto de eu não saber como é que o outro vai reagir, é evidente que nos coloca problemas de solução muito difícil. Pode haver aqui alguma conflitualidade que obriga a fazer um balanceamento - como nós os juristas costumamos dizer - entre os bens que estão em causa, sendo certo, repito, que há limites infranqueáveis. Quando é a própria vida que está em causa é inexigível obrigar quem quer que seja a correr riscos desnecessários. A não ser, porventura, em situações de guerra, mas mesmo nestas. É inexigível a uma pessoa que caminhe alegremente para um risco de morte grande, sobretudo se ele é desnecessário ou evitável. Eu insisto nesta ideia - há limites. 2.º Painel - Debate É evidente que se calhar é impossível discutir o problema do trabalho suplementar ou extraordinário, etc., sem o associar à discussão da organização do trabalho, o que é óbvio. A resposta adequada pode não estar em: - bom, paguem-me 1000 ou 1500, em vez de pagarem 500. Não, essa até me parece uma resposta totalmente desadequada. A melhor resposta pode ser: vamos ver se é possível organizar o serviço em termos de não ser necessário recorrer a tanto trabalho suplementar. Eu não sei o que faria se estivesse nessas funções enfim, só penso que teria sempre em conta os limites humanos e os valores da vida, da segurança, do tal direito à auto-disponibilidade, etc. Mas se me disserem assim: está bem, mas então concretiza lá os tais limites? É difícil, eu não conheço a vossa realidade. Agora, o que eu sei é que existem princípios que devem enformar a organização do trabalho, nos vários serviços, mas em particular num tipo de serviços como este... Eu admito, por aquilo que li, que alguma coisa possa e deva fazer-se para adequar melhor a vossa prática quotidiana a um conjunto de exigências que não são apenas do direito, embora eu entenda que são também do direito, mas que são sobretudo exigências humanas, sociais, familiares e éticas. Uma última questão que eu julgo que me foi posta directamente, que é assim: bom, as condições, o horário que se pratica, etc. - isto compatibiliza-se com o art. 3.º da Carta Social Europeia? A Carta Social Europeia vem de 1961, mas foi revista muito recentemente e foi ratificada por Portugal, suponho que em Outubro do ano transacto. Quer o art. 2.º, quer o art. 3.º se referem a uma questão muito importante, que no fundo são as condições de higiene e segurança. E julgo saber que o Comité de Peritos do Conselho da Europa tem sido confrontado, várias vezes, com problemas desta natureza. Sei que eles têm discutido isso. A Carta nesse artigo fala em fixar o limite máximo razoável de trabalho diário. Mas também se diz assim: mas como é que se fixa? Quem fixa? Tendo em conta o quê? E como é que se sabe qual é o limite razoável? Eles têm, de facto, respondido a estas questões e até têm dito uma coisa que pode ser útil, como orientação para nós, para o futuro, que é esta: a questão da determinação do que é razoável nunca pode deixar de ter alguns referentes que têm a ver também com o nosso ritmo de vida, com o ritmo biológico. Isto é, não basta dizer que, por exemplo, uma pessoa, por ano, não pode trabalhar mais do que, vamos supor 1670 horas - não sei se o número é muito disparatado ou não, até julgo que não é, mas podia ser. Não. É preciso, depois, que por cada unidade de referência, que do ponto de vista médico tem um significado especial, se respeitem certos limites. E as unidades de referência que têm sido estabelecidas - e foram sempre - são o dia e a semana. 75 76 2.º Painel - Debate Isto é muito importante! As leis, de facto, neste aspecto, dão uma grande importância àquilo que se chama, não apenas os limites de trabalho diário ou semanal, mas também ao ritmo, isto é à sucessão tempo de trabalho/ /tempo de repouso e a tendência é para considerar que 6 horas são o limite máximo. Ao fim de 6 horas a gente tem que descansar, tem que interromper o trabalho. Isso também está numa directiva de 1993, da União Europeia - só que esta é uma directiva esquizofrénica!... Porquê? Porque afina esses princípios, mas depois permite alguns desvios. Eu entendo que nalguns casos, como no meu, por exemplo, que às vezes também trabalho mais de 6 horas consecutivas, que isso é uma violência. Mas eu estou numa posição muito mais privilegiada do que vocês, porque eu posso fazer isso em épocas especiais de exames ou coisas do género e se me sinto cansado sei que posso resolver o problema, por minha iniciativa. O limite máximo é 6 horas, mas admito que para alguns trabalhos ele deva ser inferior. Compreendo que isto não passa ser aplicado, sem desvio, a todas as actividades, será impossível. Agora, volto a sublinhar, mesmo assim tem que haver limites. Como concretizar esses limites? Quem me dera saber? Se eu soubesse já tinha posto essa sabedoria ao serviço de todos. Portanto, eu diria assim em termos muito telegráficos: aquilo que eu li nos 4 casos paradigmáticos coaduna-se? Respeita? Observa? Ou não observa? O tal art. 3.º e eu até juntaria o artigo 2.º, da Carta Social Europeia? Eu diria que é evidente que não. Agora, reparem bem, uma coisa é pensar um padrão normativo para aquilo que é uma actividade mais ou menos comum e outra coisa é adequar esses padrões (onde ate poderá haver alguns desvios), a actividades que fogem por completo à generalidade das actividades. É um bocado difícil, não é fácil dar respostas muito concretas e acima de tudo eu não as sei dar. Porquê? Porque eu precisava de estudar o vosso caso e ver de facto quais são os limites. Com a ajuda dos médicos do trabalho seria possível saber quais são os limites da capacidade humana e a partir de quando é que se entra numa fase de autêntica agressão inexigível a qualquer pessoa. E esses limites, teriam que ser respeitados. A não ser em situações excepcionais, excepção à excepção, se poderia exigir um sacrifício mais, porque podem estar bens sociais, públicos, fundamentais em jogo. Imaginem que estávamos a perseguir alguém que ia envenenar as águas, ou... Em situações de estado de necessidade quais são os limites? Quais são? Se formos nós como cidadãos a responder, como é que responderíamos? Mas isso também não é, felizmente, uma situação normal. No fundo, é um pouco este balanceamento entre bens jurídicos e bens sociais fundamentais em jogo, que nos tem que orientar na resposta a estes 2.º Painel - Debate problemas. Mas insisto, considero que os paradigmas que me foram fornecidos devem ser corrigidos, porque são excessivos e é criar um risco que, no tal balanceamento de valores, pode não se justificar. Bem gostaria de ser mais concreto, mas não posso. É claro que eu atirei aqui a questão da remuneração só para agitar, porque eu disse que não me queria meter nessa coisas. É claro, que a lei geral prevê formas de compensação do trabalho suplementar através do descanso compensatório, no art. 29, que também pode ser aplicado à Polícia Judiciária, mas não me vou alongar mais. Bom, mas os tribunais servem para alguma coisa, e servem, principalmente, para firmar jurisprudência em áreas em que a aplicação dos regimes convivem com uma grande indefinição. Então, porque não recorrer aos tribunais para saber quando é que é legítima a recusa, a partir de 24? 32? Às vezes até, ao fim de 16 horas? Pode ser legítima a recusa em continuar a trabalhar. Eu acho que os tribunais têm aí um papel importante para clarificar o regime. A Lei Orgânica da Polícia Judiciária peca por alguma omissão. De facto, estabelece um regime especial, mas depois, em termos de duração e em termos de outras áreas, manda aplicar a Lei Geral, o que parece ser um contra-senso. Quer dizer, considera que o regime é especial e, depois, em quase tudo, manda aplicar o regime geral, quando devia, para evitar e para obviar alguns problemas, criar ou estabelecer um regime de duração de trabalho específico que já contemplava alguns destes problemas relacionados com o excesso de tempo de trabalho... João Rouxinol Inspector na Polícia Judiciária do Porto Presidente da Direcção Regional Norte da ASFIC/PJ Antes de mais, queria agradecer a presença de todos os nossos convidados, que vieram enriquecer este debate. Eu não duvido que é com o contributo cruzado de todos estes saberes científicos que uma associação sindical pode melhor defender os direitos dos seus associados. Gostaria até, se isso fosse possível, de convidar o senhor Doutor Jorge Leite a acompanhar o trabalho diário da brigada onde tenho trabalhado, pois estou certo que assim compreenderia melhor a razão desta conferência e a necessidade de se encontrar soluções de organização do trabalho para a Polícia Judiciária. Queria então fazer 2 perguntas: Todos sabemos que a Polícia Judiciária não tem funcionários que cheguem para suprir todo o trabalho que é necessário fazer. Certo? O serviço é de carácter permanente. Certo? 77 78 2.º Painel - Debate A sociedade tem que contar com a polícia 24 horas sobre 24 horas. Certo? Mas o funcionário não é nenhuma máquina que possa trabalhar 24 sobre 24 horas. Certo? A polícia não tem como evitar o trabalho para além das horas normais de serviço. Certo? A investigação criminal não tem horas e todos os casos investigados têm imponderáveis. Certo? Mas a Polícia não quer aplicar a lei geral. Aqui desconfio que esta decisão já não será assim tão certa. Se calhar não é mesmo. Agora de uma coisa tenho eu a certeza não é com soluções inventadas à medida das conveniências do serviço e sempre contrárias aos direitos dos funcionários que se resolvem os problemas. A Polícia quer actual emente compensar o trabalho extraordinário com descanso, isto é com tempo, o que é extraordinário, porque o nosso problema é precisamente o tempo, ou melhor, a falta dele. Não temos tempo para fazer todo o serviço que é necessário, nem sequer para descansar. Será que esta solução não passa de mais uma manobra enganosa para não pagar o trabalho extraordinário? Na prática, o que têm dito é o seguinte: «têm direito à compensação temporal só que para já não se paga» ou «foi pedido extemporaneamente», quando o funcionário, até por razões de serviço, se atrasou uma semana a pedir a compensação temporal! Eu pergunto, que resposta é que podemos dar a uma administração que mostra não ter o mínimo respeito nem pelo funcionário, nem pela própria lei?! Professor Jorge Leite Muito rapidamente. Obrigado pelo convite, que naturalmente não pode ser aceite, nem o pode fazer oficialmente; além disso, eu também já não tenho idade para essas coisas e também não sei se teria vocação. Agora, há uma coisa que eu tenho como certa: a lei diz que o serviço é permanente, mas isto não quer dizer que a disponibilidade de cada funcionário seja permanente, são coisas distintas. Se não há meios humanos que permitam aos serviços responder a esta exigência legal de serviço permanente, bom, a culpa não é de certeza dos funcionários. De quem é? Ora bem, isso já é outra questão. O Doutor Liberal Fernandes fez bem essa distinção. Uma coisa é o serviço que é permanente - e bem me parece que ele tem que ser permanente, aliás há muitos serviços que têm que ser permanentes, por exemplo, o 2.º Painel - Debate fornecimento de água tem que ser permanente, senão era um problema terrível - outra coisa é que todos os funcionários estejam em sistema de auto-disponibilidade permanente e aí eu entendo, como já disse, que não pode ser. O problema dos imponderáveis é que é um dos grandes problemas, isso pude-me eu aperceber, embora, enfim, não tenha um grande conhecimento do quotidiano da Polícia Judiciária e em especial dos investigadores. No vosso serviço, os imponderáveis, as exigências, as reclamações sociais podem aparecer de um momento para o outro e elas podem ter consequências graves. Mas, vamos lá ver, se são assim muito excepcionais, como, por exemplo, no caso de um acidente, com proporções muito graves, que pode ter que mobilizar muitos médicos, para estar em serviço permanente, durante muito tempo. Estas situações são, na verdade, situações de verdadeira excepção, de quase estado de emergência. Ora, não me parece que seja esta a vossa situação. Isto é, os tais imponderáveis de que vocês falam podem não ter uma gravidade que justifique aquela permanência excepcional. Mas admitindo que são imponderáveis importantes, excepcionais e que se verificam com alguma frequência. Bom, mas a exigências especiais como essas só é possível responder com equipas suficientes. Mas também sei que nada é ilimitado e que os recursos também não são ilimitados. Lembrei-me agora da saudosa Ivone Silva: a Ivone que paga impostos diz: «Oh, diabo! Isso é demais», mas a Ivone que quer beneficiar do sistema de segurança, diz: «Oh, diabo! Isso é de menos». Portanto, o equilíbrio é importante em todas as situações. O equilíbrio é que dá a ideia de uma sociedade adulta e estável. Mas há áreas em que as reclamações de equilíbrio são muito maiores. Este é um problema de que se tem ocupado o Comité do Conselho da Europa, como eu já referi. Não basta que se limite o tempo de trabalho numa unidade de referência muito ampla, entendem? Não me podem obrigar, por exemplo, a trabalhar durante três meses, enfim, já estou a exagerar, como é evidente, 15 horas por dia, com o pretexto de que eu depois, nos três meses seguintes, quase não trabalho nada. Não, porque isso afecta, agride na mesma, põe na mesma em risco direitos e, portanto, as tais unidades de tempo, os tais limites por unidades de referência mais curtas, são absolutamente necessários. Neste aspecto, o Doutor Carlos Sobral melhor do que eu o diria, não é? Como é que se pode compensar com tempo se não há tempo para compensar? Bom, esse, digamos, é um paradoxo, tudo bem ou tudo mal. Mas, mesmo que fosse possível, não é uma boa solução. Porquê? Porque não se podem ultrapassar, sem riscos desnecessários, determinados limites em unidades de referência mais baixas. Trabalhar vinte ou trabalhar, por 79 80 2.º Painel - Debate exemplo, 72 horas consecutivas, não é a mesma coisa que trabalhar 72 horas ao longo duma semana. Tem que haver aqui uma distribuição equilibrada, equitativa, que tenha em conta o tal ritmo biológico, até porque o limite é 35 horas. Se eu concentrar ainda mais esse tempo de trabalho semanal ou o tempo de trabalho dum mês ou o tempo de trabalho dum ano, num período mais curto, é evidente que estou a criar riscos desnecessários e obviamente que não estou a organizar devidamente o trabalho, a harmonizar a organização do trabalho com todos os textos nacionais e internacionais que eu referi. E aqui não tenho dúvida nenhuma, todos eles apontam na mesma direcção. Mas deixem-me também dizer o seguinte: muitos dos textos internacionais permitem aos estados que se desvinculem, isto é, que ratifiquem uma convenção, mas que se desvinculem da sua aplicação em relação a determinados serviços. Eu confesso que não vi essa desvinculação, por exemplo, em relação aos serviços da Polícia Judiciária. Não, não vi. Mesmo a resolução e o decreto do presidente que ratificam a Carta Social Europeia não contêm ressalvas, no sentido de não ser aplicada a carta aos vossos serviços. Para responder directamente e terminar é assim: trabalho suplementar com compensação sim, mas obrigatoriamente com limites, sob pena de violação de direitos fundamentais, como o direito à vida, à saúde, ao tal espaço de auto-disponibilidade, etc. Dr. Teodósio Jacinto O senhor Doutor Liberal Fernandes quer acrescentar algo mais? Não?... Então, o adiantado da hora, o bom senso elementar, o tal equilíbrio com que as coisas devem ser tratadas obriga-me a dar por terminada esta parte dos trabalhos. Mas primeiro não quero deixar de me congratular com esta notável manhã de trabalho, com a profundidade e a serenidade com que os temas foram abordados, desígnio que constava aliás do panfleto de divulgação da ASFIC e que julgo que foi plenamente conseguido. É verdade que a falta de quadros existe, mas não é má vontade de ninguém. No que me diz respeito posso dizer que o instituto não dá mais formação porque não pode, porque não existem meios financeiros, quer para alargar a formação, quer para abrir mais concursos. O curso que lá temos neste momento está demasiado comprimido, está no limite e não vou aqui narrar, porque não o devo fazer publicamente, a pressão que foi necessário fazer para este curso se iniciar. Recordo que esperamos cerca de 3 anos para este curso se iniciar. Porquê? Apenas por falta de meios financeiros. 2.º Painel - Debate A intervenção do professor Jorge Leite aponta como caminho o bom senso, o equilíbrio, o balanceamento que tem que se fazer entre os interesses em jogo, entre o interesse público e os interesses pessoais, mas na certeza que há limites que não podem ser ultrapassados. Isto parece-me óbvio e elementar, porque se queremos ter profissionais de qualidade, uma Polícia Judiciária eficiente, como é absolutamente fundamental, então temos que ter quadros bem preparados e em boa forma, que repousem adequadamente e que vivam a vida em toda a sua plenitude, pois a vida não pode ser só trabalho. Bom almoço, continuamos às 15H30, muito obrigado. 81 82 3.º Painel - Dr.ª Cristina Soeiro 83 3.º Painel Dr.ª Cristina Soeiro Gabinete de Psicologia e Selecção do ISPJCC Quero agradecer este convite, em especial porque me dá a oportunidade de mostrar o que é que eu faço com os questionários que vos peço para preencher. E, já agora, aproveito para lhes pedir que tomem consciência que estes estudos só são possíveis com o vosso contributo. Este estudo sobre o stresse profissional na polícia de investigação criminal foi iniciado pelo gabinete de psicologia do Instituto (ISPJCC), há 3 anos e baseia-se nas respostas de uma amostra de inspectores de investigação criminal, com experiências representativas de algumas das vossas realidades de trabalho. Hoje já se abordaram aqui algumas questões relacionadas com a selecção, que me interessam particularmente, no sentido em que são questões que se situam na minha área de trabalho e que me preocupam todos os dias; falou-se também no stresse, no nível óptimo de stresse, no stresse negativo e nas especificidades individuais. Muitas destas questões estão interligadas e é preciso estudá-las muito bem se quisermos realizar uma selecção adequada. No fundo, o tipo de trabalho que desenvolvemos no Gabinete de Psicologia do Instituto tem a ver com a necessidade de se saber exactamente o que é que é que se deve fazer para seleccionar pessoas para o desempenho desta função específica, que é a investigação criminal. Não é fácil. Eu diria mesmo que é uma matéria complexa porque não basta ter testes que são aferidos para as populações em geral, não basta garantir que esses testes também são usados por outras polícias, porque cada polícia tem a sua realidade específica. Em primeiro lugar é necessário identificar as competências necessárias ao desempenho da função. Em segundo lugar é preciso apurar exactamente quais são os incidentes críticos que esta vida profissional provoca, para se poder concluir sobre os factores de resistência necessários ao desempenho profissional e assim escolher um certo tipo de pessoas. 84 3.º Painel - Dr.ª Cristina Soeiro Como é evidente, os nossos problemas não terminam com a selecção. Depois é necessário ajudar as pessoas que trabalham na organização a resolverem da melhor maneira os incidentes críticos do dia a dia. Uma das formas que temos de ajudar as pessoas, sendo elas novas ou indo elas à formação permanente é, por exemplo, trabalhar esta questão do stresse de forma preventiva, identificando com precisão os factores do stresse e falando sobre eles. Porque é que este tema do stresse é pertinente para o trabalho de polícia? Em primeiro lugar, o stresse é um conceito que abarca muitas realidades. O stresse é algo que faz parte da nossa vida e é algo que nos faz funcionar bem. Só a partir de determinado limite é que ele deixa de nos ajudar a trabalhar ou a funcionar bem. O que significa que todos nós precisamos de um nível mínimo de stresse para conseguirmos funcionar. A reacção ao stresse negativo varia de indivíduo para indivíduo mas existem contextos organizacionais que potenciam reacções de stresse que acabam por ser partilhadas por um grande grupo de pessoas. O trabalho de polícia surge no ranking das profissões mais stressantes. As pessoas que trabalham com o nível mais elevado de stresse são as pessoas que trabalham na emergência médica, seguindo-se os polícias e os professores. Os factores de stresse associados a cada uma destas profissões serão obviamente diferentes. De qualquer modo, todas elas desenvolvem indicadores de stresse negativo, com problemas de vários níveis, nomeadamente físicos, psicológicos, sociais e comportamentais. Este estudo centra-se na noção de stresse ocupacional, que é uma área de trabalho que foi desenvolvida precisamente para dar resposta aos problemas dos funcionários, nos respectivos contextos de trabalho. Neste estudo articulamos dois tipos de questões que são importantes, uma que é a reacção que os 3.º Painel - Dr.ª Cristina Soeiro indivíduos têm aos problemas, a sua capacidade de resistência a factores adversos e a outra que é identificar as práticas profissionais que podem potenciar, só por si mesmas, determinado tipo de reacções negativas. No fundo, temos aqui dois problemas: o problema das capacidades que os indivíduos têm de reagir e depois, por outro lado, as próprias dinâmicas organizacionais que podem, também, provocar, só por si, determinado tipo de reacções nos indivíduos. Basicamente, o que é que provoca stresse nas pessoas? Nós trabalhamos com a noção de acontecimento de vida. O que é que é um acontecimento de vida? É algo que nós fazemos ou um conjunto de actividades, de experiências e de relacionamentos que nós desenvolvemos, que podem promover nas pessoas reacções de difícil adaptação ao meio. Existem experiências de vida em contexto profissional e não só, que pressionam negativamente o indivíduo, funcionando como factores indutores de stresse. Basicamente o que fizemos neste estudo foi tentar identificar quais são os acontecimentos de vida do polícia que dificultam a sua prática profissional. Mas antes fiquem a saber que relativamente ao trabalho do polícia existem muitos estudos feitos sobre o stresse nas polícias uniformizadas e poucos sobre o stresse nas polícias de investigação criminal. Associadas à prática profissional existem quatro grandes áreas de acontecimentos de vida do trabalho do polícia que promovem stresse: • Um primeiro grupo de factores de stresse tem a ver com as práticas rotineiras do dia a dia, com o circuito de papéis, com a complexidade burocrática associada à profissão que é desencadeadora de determinados indicadores de stresse. • Um segundo grupo de factores de stresse está associado à gestão de situações imprevisíveis que terão, portanto, mais a ver com o contexto dito operacional. 85 86 3.º Painel - Dr.ª Cristina Soeiro • As práticas e as políticas de gestão associadas ao contexto organizacional também são uma fonte forte de stresse. • E por último, a gestão de aspectos extra profissionais que têm a ver com as relação familiares e com os outros contextos sociais de vida dos polícias. Percebeu-se muito rapidamente que com os instrumentos desenvolvidos para as outras polícias, que são bastantes, não iria conseguir esclarecer ou obter a informação pretendida para estudar a realidade da Polícia Judiciária Portuguesa. Numa primeira fase foi necessário elaborar um questionário à realidade da PJ, que permitissem listar e identificar os acontecimentos de vida da prática profissional da investigação criminal considerados mais relevantes pelo grupo de funcionários que responderam a este instrumento (questionário). Numa primeira fase foi pedido aos profissionais para indicarem o que achavam ser positivo e negativo no seu trabalho e para descreverem incidentes críticos que tivessem experienciado. A segunda fase consistiu num trabalho de análise de conteúdo e tratamento estatístico. Foi construída uma escala que depois foi reenviada não para os mesmos funcionários, mas para outros, para se testar e confirmar a avaliação da importância que era dada a cada um desses acontecimentos de vida apresentados como stressantes. (Aproveito esta oportunidade para mais uma vez agradecer à ASFIC, que se encarregou de distribuir e recolher os questionários, facilitando assim a concretização da segunda fase deste estudo). Construiu-se também uma escala de sintomas para ver qual a relação que existia entre os factores de stresse e os sintomas psicológicos e físicos detectados. Na primeira fase o que fizemos foi essencialmente listar ocorrências, situações ou tarefas percepcionadas como indutoras de stresse. 3.º Painel - Dr.ª Cristina Soeiro A segunda fase, consistiu numa avaliação da magnitude dos factores de stresse e da sua correlação com uma lista de sintomas, para tentar identificar quais as sintomatologias que as pessoas apresentavam nos últimos 6 meses. As amostras são sempre um problema. Conseguimos numa primeira fase obter 89 questionários bons para trabalho, completos, mas só para o nível de inspector. As variáveis que foram alvo de controlo foram os anos de experiência, o estado civil, o género, o tipo de crime investigado e o local de trabalho. Sobre esta fase temos bastante informação detalhada, até relativamente às diferenças entre directorias e departamentos de investigação criminal. Na segunda fase obtivemos cerca de 80 questionários, bons para trabalho. Nesta fase trabalhamos as mesmas variáveis para ver se existiam diferenças entre as pessoas que trabalhavam em directorias, entre departamentos centrais, diferenças entre homens e mulheres, diferenças entre os diferentes tipos de crime investigados etc. Como já referi elaboramos um questionário com 3 questões abertas, onde pedíamos às pessoas para referenciarem o que é que mais as incomodava no seu trabalho, o que é que mais gostavam e, depois, realizou-se uma análise de conteúdo. Na segunda fase a par da escala de acontecimentos de vida utilizamos uma escala de sintomas, elaborada com base no «Dicionário de Doenças Mentais Psiquiátricas», norte-americano, onde estão listados todos os sintomas de stresse, inclusive pós traumático, que vão desde a simples dor de cabeça a problemas comportamentais, como a agressividade. Da primeira fase, para além dos resultados mais específicos, obtivemos um conjunto vasto de factores de stresse que agrupamos em 4 grupos de categorias: A - Factores de stresse associados à rotina - desempenho das actividades diárias e rotineiras do trabalho do agente de investigação criminal B - Factores de stresse associados a situações de contexto operacional - detenções, buscas, seguimentos, confrontos, … C - Factores de stresse associados ao contexto extra-profissional desempenho das actividades relativas à vida pessoal do agente de investigação criminal D - Factores de stresse associados à gestão e contexto organizacional - factores relacionais entre colegas e chefias, com a própria organização, relacionamento com a sociedade em geral e com instituições externas. 87 88 3.º Painel - Dr.ª Cristina Soeiro Vou agora apresentar os resultados da segunda fase que são aqueles que identificam coisas mais específicas. Nesta listagem dos factores mais relevantes, o funcionário tinha que classificar de zero a cem a importância que aquele acontecimento podia ter em termos de o prejudicar na sua vida profissional. Como vocês podem ver, no topo está «a morte ou ferimentos de um colega durante uma operação», situação que, apesar de não ocorrer com muita frequência na nossa organização, não deixa de ser um dos maiores receios sentido pela maioria dos profissionais que respondeu ao questionário. Depois desse aparecem outro tipo de indicadores: Itens Média Desvio Padrão P50 - Morte ou o ferimento de um colega durante uma operação 84,97 26,56 P41 - Ferir ou matar alguém durante uma operação 75,29 31,98 P61 - Mau ambiente de trabalho 73,16 31,01 P75 - Abuso sexual de crianças e trabalho infantil 69,77 31,16 P62 - A falta de confiança na equipa de trabalho 66,52 35,80 P44 - Confronto com arguidos que por vezes estão armados 65,73 30,84 P71 - Mau relacionamento com os colegas 65,71 33,26 P45 - Ser ferido durante uma operação 65,31 34,40 P64 - Falta de recursos materiais/técnicos 61,98 28,51 P70 - Mau trabalho de equipa 61,04 32,53 P63 - O não reconhecimento do trabalho desenvolvido 60,65 31,18 P29 - Elevado volume de carga processual 58,75 32,50 P40 - Operações com risco e perigo físico 57,88 32,31 P25 - Trabalho muito envolvente e emocionalmente desgastante 55,33 31,24 P80 - Recordação de experiências salientes, p.e. a morte de um familiar num acidente horrível ou num homicídio 54,46 33,84 P28 - Envolvimento excessivo no trabalho 52,90 29,85 P58 - Isolamento social e da família 51,26 33,43 P59 - Conflitos familiares 50,69 32,37 3.º Painel - Dr.ª Cristina Soeiro P72 - Limitações impostas pelo funcionamento do sistema de justiça: M.P. e tribunais 50,19 30,99 P66 - A indefinição do objectivo de uma investigação 49,13 26,66 P52 - Momentos que antecedem uma operação 48,82 31,84 Podemos concluir então, que no topo dos factores mais stressantes para o trabalho dos funcionários de investigação criminal da PJ, estão factores associadas não ao contexto operacional ou à rotina, como é frequente aparecer nas outras polícias, mas sim factores de stresse associados à gestão de contexto organizacional, aos problemas que têm a ver com as práticas internas da organização. Só a seguir é que aparecem as questões associadas ao contexto operacional traduzidas em vários indicadores. Em terceiro lugar aparece então a rotina e só em último nível o contexto extra profissional que no caso da PJ, curiosamente, surge na base, ou seja, um indicador que se posiciona com diferença relativamente às outras polícias, onde não surge tão em baixo. Relativamente à escala de sintomas devo referir que fiquei agradavelmente surpreendida porque os resultados em termos de verbalizações de sintomas não foram muito elevados, ou seja, a maior parte dos funcionários responderam não ter sentido nenhum sintoma particular nos últimos 6 meses. Ainda assim aqui estão listados os sintomas que apareceram com alguma frequência: % de respostas por cada item Itens Presente 102 Sinais crescentes de fadiga ou de ausência de motivação 30,0 121 Crescente irratibilidade 25,0 125 Queixa-se de crescentes dificuldades em adormecer ou de acordar frequentemente durante a noite 21,3 127 Queixa-se de dores de cabeça intensas e frequentes 16,3 104 Abandona o local de trabalho ou a família por períodos de tempo cada vez mais longos 15,0 105 Crescentes perdas de memória ou de dificuldades em recordar pormenores ou prazos 15,0 89 90 3.º Painel - Dr.ª Cristina Soeiro 106 Crescente apatia, desinteresse ou insensibilidade 15,0 108 Crescente desinteresse por actividades (desporto, caça ou pesca) a que se dedicava 15,0 110 Isola-se cada vez mais frequentemente de colegas, amigos ou familiares 15,0 113 Súbitas e repentinas explosões de raiva ou de fúria, totalmente desajustadas às situações 12,5 Estes são os sintomas que surgiram, que não são muitos, atendendo à lista apresentada, que é muito mais extensa. Agrupando os sintomas em comportamentais, sociais, biológicos e físicos, há nitidamente um maior número de referências a sintomas de natureza comportamental do que a problemas de natureza biológica. Parece assim que os sintomas comportamentais são aqueles que mais preocupam os funcionários que responderam ao questionário. Tentei verificar a existência de algumas relações relevantes entre os factores de stresse e os sintomas, mas não obtive nada de especial, a não ser, por exemplo, que as pessoas que apresentam níveis de stresse mais elevados na categoria extra profissional são aquelas que estão associadas a um maior número de sintomas. Relativamente a esta problemática do que é que faz um polícia ser mais adaptado ou menos adaptado às situações do seu próprio trabalho, os trabalhos de investigação feitos nesta área e este não é excepção, demonstram que um dos factores mais importantes é o equilíbrio e a saúde mental. Quer isto dizer, que os polícias que se adaptam melhor são aqueles que constróem uma rede de apoio afectivo fora do seu próprio espaço de trabalho - extra colegas de trabalho. Ou seja, têm um modelo familiar próprio, têm um círculo de amigos que foge à prática da polícia. O tipo de trabalho que vocês realizam conduz a um comportamento a que os americanos dão um nome que eu não gosto muito: «o síndroma do John Wayne, o cowboy solitário». Em termos psicológicos, chamamos a isso o isolamento emocional, ou seja, executam um trabalho difícil, que tem um grau de confidencialidade muito alto, que vos obriga a construir à volta da informação de que são detentores, um muro que ninguém que não pertença ao vosso círculo restrito profissional pode passar. Ora, sem se aperceberem, tendem a estender esse muro à vossa parte afectiva e vão deixando de partilhar fora do vosso contexto profissional certas emoções. Este comportamento com o tempo pode levar a uma crescente dificuldade de adaptação. 3.º Painel - Dr.ª Cristina Soeiro Depois tentamos verificar se conseguíamos obter alguns resultados interessantes, diferenciando algumas das variáveis que referi anteriormente. As únicas variáveis que se mostraram com algum interesse foram, o género, a idade e os anos de experiência profissional e o local de trabalho: Género: as investigadoras apresentam indicadores de stresse mais elevados, do que os investigadores Local de trabalho: os investigadores que trabalham nas Directorias apresentam indicadores de stresse mais elevados Idade: O grupo etário entre os 41 e os 50 anos apresentam indicadores de stresse mais elevados. Anos de experiência profissional: os investigadores com mais anos de experiência profissional apresentam indicadores de stresse mais elevados. Verificamos que as mulheres, as investigadoras, apresentam indicadores de stresse mais elevados do que os homens. Porque é que isso acontece? Acontece porque fazem mais trabalho de rotina do que os homens e menos trabalho operacional? Esta questão fica em aberto.... Relativamente aos factores extra profissionais e de gestão de contexto organizacional, não se identificam diferenças significativas para as variáveis estudadas. O que é que isto quer dizer? Quer muito simplesmente dizer que estes resultados são partilhados por todos os grupos e não especificamente mais por um grupo que por outro. Vou agora abordar sumariamente as estratégias de intervenção para fazer face a este tipo de problemas. Sem me querer repetir, ficamos a saber que o trabalho de polícia tem as suas próprias dinâmicas e as suas próprias características e que estas são elas próprias indutoras de stresse menos positivo e que as pessoas reagem diferentemente consoante os respectivos níveis de resistência. As estratégias de intervenção compreendem em termos gerais duas vertentes: a da prevenção e a da intervenção propriamente dita. Em termos de prevenção, a componente mais trabalhada é a da formação. Uma boa formação científica, técnica e comportamental ajuda o indivíduo a superar este tipo de problemas. Uma boa formação ao nível do planeamento do trabalho, a valorização de um bom trabalho de equipa e o acompanhamento sistemático dos problemas individuais são instrumentos que resultam de forma muito positiva na resolução deste tipo de problemas. Existem ainda outros instrumentos preventivos importantes, como seja o suporte extra profissional que deve ser assegurado pela própria organização, ao nível de apoio médico, apoio psicológico, apoio familiar e tudo o mais. 91 92 3.º Painel - Dr.ª Cristina Soeiro A intervenção passa por instrumentos também específicos, por exemplo, de «Debriefing de incidentes críticos traumáticos», sem deixar passar nenhum em branco; é extremamente importante que se torne uma prática na organização, ou seja, que se transforme num procedimento normal, a análise de todos os incidentes críticos, não apenas numa perspectiva meramente técnica, mas sim psicológica. A análise técnico profissional é certamente importante, mas não é dessa que eu estou aqui a falar, mas sim do impacto psicológico que esses incidentes, que estão geralmente associados ao uso de armas de fogo, causam nas pessoas; usar uma arma de fogo, mesmo com treino, sabendo qual é a sua utilidade, deixa sempre as suas marcas. Existem modelos de trabalho já desenvolvidos para lidar com este tipo de situações, mas não chega. É preciso criar um suporte organizacional que depois aplique esses mesmos modelos e que mostre que existe uma resposta institucionalizada clara, de modo que os funcionários saibam que em certas situações podem contar com o apoio da organização. Muitas vezes essas respostas têm que extravasar o próprio meio policial, nomeadamente através do acompanhamento familiar. As famílias são muitas vezes a chave para resolver uma dada situação. São o melhor elo de socorro a que se pode recorrer. Existem hoje muitas organizações policiais que já têm um acompanhamento individual médico e psicológico, extensivo às próprias famílias. Isto era resumidamente o que eu tinha para vos dizer. Quero agradecer uma vez mais aos que colaboraram nos questionários e, já agora, aproveito esta oportunidade para antecipadamente agradecer aos que irão a partir de hoje colaborar nos próximos. Tenham isto que vos vou dizer como certo: sem a vossa colaboração seria impossível melhorar, quer a selecção, quer a formação. É claro que aproveitei para fazer também um bocadinho de marketing... Muito obrigado. 3.º Painel - Dr.ª Cristina Soeiro Dr. Teodósio Jacinto Muito obrigado Senhora Dr.ª Cristina. O marketing que fez foi muito bem feito, porque foi feito no interesse de todos, não só do interesse do gabinete de psicologia e selecção do nosso Instituto ou no seu interesse pessoal. Já tivemos um homem da casa que tem larguíssimos conhecimentos, uma larguíssima experiência de vida e profissional, que tem hoje a grande responsabilidade de dirigir a DCCB. Já tivemos os eminentes Professores de Direito que nos trouxeram aqui a sua visão. Já tivemos a vertente da medicina e acabamos de ter a vertente da psicologia. Mais uma vez quero salientar o facto de este painel ter sido concebido com um notável cuidado e rigor. Vamos ter agora uma visão essencial, que foi aqui muitas vezes salientada pelo Professor Jorge Leite e que é também uma das meninas dos meus olhos, que é a vertente europeia. A Polícia Judiciária tem feito muito ao nível da cooperação europeia, mas é preciso fazer ainda muito. O próprio ISPJCC está também muito envolvido na Academia Europeia de Polícia, que vai ser um instrumento absolutamente essencial. Os problemas que aqui abordamos hoje também certamente ocorrem nas outras polícias europeias, com esta ou com aquela diferença, assim como, eventualmente, com soluções diferentes. Quem melhor que o Secretário-geral do Conselho Europeu dos Sindicatos de Polícia poderá abordar esta matéria? O Senhor Gerard Greneron tem de facto condições privilegiadas para falar da realidade laboral nas polícias europeias, não apenas por ter as funções importantes que tem no CESP, mas também por poder falar com a autoridade de alguém que também acumulou uma enorme experiência no terreno como investigador criminal. 93 94 A Realidade Laboral nas Polícias Europeias Gérard Greneron Secretário-Geral do CESP Apresentar um estudo sintético sobre as normas de trabalho relativas às polícias de investigação europeias é algo de muito complexo. Por essa razão, vou limitar a minha intervenção aos seguintes aspectos: 1. A actividade profissional e os seus horários constrangedores. 2. Os impactos sobre a vida profissional e privada do polícia. 3. As compensações existentes (Horas extras e descansos compensadores). A actividade profissional e os seus horários constrangedores Uma polícia de investigação deve forçosamente adaptar a sua actividade profissional à do seu alvo - a actividade criminal. Podemos facilmente comparar a actividade policial à laboração dos SERVIÇOS DE URGÊNCIAS, dos hospitais. É um facto que os polícias estão subordinados ao acontecimento e é sabido que os delinquentes não praticam os seus delitos nas horas regulares de expediente. Razões que explicam que o polícia, como funcionário do Estado, seja regido por leis específicas que em muitos aspectos derrogam o estatuto geral da função pública. Este estatuto confere-lhe poderes legais importantes mas, por outro lado, submete-o a imperativos constrangedores. Esta actividade particular impele-me naturalmente a esboçar um rápido retrato do polícia de investigação europeu: “é um Homem apaixonado pelo seu trabalho e o seu investimento está à altura da sua paixão”. Constata-se igualmente que a administração usa e abusa desta paixão para o submeter a horários de trabalho excessivos. Chegamos a um paradoxo: o polícia que tem como missão velar pelo cumprimento das leis e dos regulamentos está submetido a constrangedores horários que o põem à margem das leis aplicadas aos outros cidadãos! - Os garantes da lei estão fora da lei! 3.º Painel - Gerard Greneron Os impactos sobre a vida profissional e privada do polícia • A vida profissional: Como explanou a Dra. Cristina SOEIRO, psicóloga do ISPJCC, na sua exposição “Os factores stressantes na investigação criminal", a acumulação de horas conduz as pessoas, sujeitas a tais efeitos, a uma fadiga e a um stress que lhes é prejudicial. Com efeito, o stress é prejudicial ao polícia mas também o pode ser para o cidadão que ele tem por missão proteger. Os médicos, unanimemente, aclaram com provas científicas que os efeitos negativos sobre o organismo se materializam por desequilíbrios físicos e psicológicos. Esses desequilíbrios diminuem o potencial profissional das pessoas a cargo da investigação criminal. A qualidade dos processos tem assim um desfecho diminuído, prejudicando a demonstração da verdade sob o aspecto de erros processuais ou de uma falta de lucidez na condução das investigações. Por outro lado nas situações de intervenção urgente que são bastante triviais no exercício da profissão policial - flagrante delito, detenções, etc. - a tensão e o nervosismo são abundantes e adicionam-se aos efeitos negativos engendrados pela fadiga. O stress daí resultante pode conduzir a situações prejudiciais para o policia e, nalguns casos, para o cidadão - má apreciação do perigo, utilização intempestiva de armas, assunção de riscos desproporcionados, etc. • A vida privada: A fadiga é um fenómeno que gera uma falta de disponibilidade e um nervosismo frequentemente nefasto ao equilíbrio familiar. As ausências do seio familiar, intrinsecamente relacionadas com os ritmos de trabalho que um polícia tem de suportar, são frequentemente males também vividos pelo meio familiar que o rodeia. Esta falta de disponibilidade, de diálogo no seio familiar intensifica esta incompreensão que muitas vezes é ressentida reciprocamente. NB: O número de divórcios verificados nos elementos desta profissão, é disso um elemento comprovante. As tensões que surgem no seio familiar alimentam, por sua vez, o nível de stress suportado pelo polícia e constatamos, desta forma, o levantamento de um fenómeno de "espiral infernal" contra o qual é difícil de lutar e no qual encontramos os mesmos ingredientes: - fadiga - stress - falta ou ausência de audição - nervosismo - incompreensão - stress … 95 96 3.º Painel - Gerard Greneron As compensações existentes • O pagamento de horas extras: Nos países que optaram pelo pagamento de horas extras, tais como a Alemanha, a Bélgica e a Itália constatamos que a taxa horária fixada pela administração é largamente abaixo da taxa horária praticada para as horas ditas normais. De notar que não existe taxa horária no sentido concreto do termo mas que se trata de uma extrapolação baseada no seguinte cálculo: vencimento mensal dividido pelo número de horas prestados. O resultado deste cálculo demonstra que as horas extras são pagas a uma tarifa horária situada entre 1,28€ e 3,30€. É costume comparar, nos polícias europeus, a taxa horária que lhes atribuída àquela que habitualmente é paga a uma empregada de limpeza. Cada um estará, certamente, convenientemente capacitado para comparar e verificar se a polícia é equitativamente paga, atendendo ao seu nível de formação, qualificação técnica e suas responsabilidades. Todavia, a legislação europeia e mais concretamente a « Charte Sociale Européenne » prescreve no artigo 4: " …O exercício efectivo do direito a uma remuneração equitativa, o direito a uma remuneração justa, o direito dos trabalhadores a uma taxa de remuneração ampliada pelas horas de trabalho extra… O exercício destes direitos deve ser assegurado quer por via de convenções colectivas, livremente concluídas, quer por métodos legais de fixação dos salários, ou então, por qualquer outra forma apropriada às condições nacionais". Recordo a este propósito que Portugal assinou e ratificou a «Charte Sociale Européenne» e os seus protocolos adicionais, entre os quais aquele que prevê um sistema de reclamações colectivos. • Os descansos compensadores: Outra solução veiculada nalguns países, entre os quais a França, é o princípio da compensação horária. Esta compensação pode ser de 100, 150, ou 200 % em função das características do dia laborado: dia de semana, descanso legal, descanso semanal, feriado ou horário nocturno. À luz da realidade dos serviços de polícia e dos seus constrangimentos este princípio dos descansos compensadores rapidamente atinge os seus limites. 3.º Painel - Gerard Greneron Na maior parte dos serviços de investigação o "acontecimento" torna, frequentemente, difícil ou impossível usufruir o gozo desses dias de descanso. É frequente constatar que as horas extras acumuladas ultrapassam largamente a possibilidade que é oferecida ao policia - durante o ano - de as recuperar. Desta forma e como exemplo, em França o número acumulado de horas a recuperar eleva-se a vários milhões! Para terminar, diria que é indispensável encontrar o melhor equilíbrio entre o interesse da sociedade e o interesse dos profissionais de polícia, e que, nesse sentido, se torna urgente encontrar soluções. Tais soluções, se devem ter em conta os imperativos profissionais ligados à função investigadora, não podem, contudo, esquecer, que é impensável que os polícias aceitem sem reacção, o sacrifício dos seus direitos sociais legítimos - Antes que a corda parta! 97 98 Adaptação do Trabalho na Investigação Criminal à Lei e às suas Especificidades - Soluções possíveis Dr. A. Jorge Braga Jurista especializado em Direito do trabalho, na área da Administração Pública É com muita satisfação que aqui estou hoje para, com todos vós, reflectir sobre a problemática da polícia judiciária no cruzamento jurídico-legal da sua acção, numa perspectiva jus laboral. Obviamente, que a minha intervenção desde logo aparecerá como que ofuscada pelas ilustres prelecções que a antecederam, desde logo, pela "maturidade", idoneidade e reconhecido estatuto dos seus autores. De igual forma, alguns assuntos terão já sido aflorados nessas intervenções, embora entenda que o terão sido em contexto diverso. Por outro lado, o tema que nos é proposto "ADAPTAÇÃO DO TRABALHO NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL À LEI E ÀS SUAS ESPECIFICIDADES - SOLUÇÕES POSSIVEIS" poderia deixar-nos aqui a falar durante um tempo de que não dispomos nesta conferência, tanto mais que se prevê de seguida um debate sobre os temas abordados neste período da tarde. Estamos assim limitados no tempo, único aspecto comum a todos os oradores e imbuídos na expectativa do debate que se irá seguir, onde poderemos aclarar alguns aspectos da tese que defendemos. Quando comecei a pensar o tema que me foi proposto desenvolver, desde logo me deparei com a impossibilidade de uma qualquer adaptação sobre o trabalho na Investigação criminal com uma qualquer forma das existentes, tanto mais que foi preocupação nossa encontrar referenciais que permitissem um solução interna e, portanto, fora de uma situação de direito comparado a que os nossos governantes dão mais crédito quando se trata de cobrar e não de pagar. Acresce que, dada a imensidão do tema, haveria ab initio que curar de um rumo e assunto sob pena de nos perdermos e, o que seria mais grave, de nos cortarem a palavra. Assim, e sem me querer repetir em relação ao que os ilustres oradores que me antecederam já afirmaram, mas pegando na própria LEI ORGNICA DA POLICIA JUDICIÁRIA, enquanto "…corpo superior de policia criminal auxiliar da administração da justiça…" centrarei esta intervenção em torno da desadequação do regime de horários à prestação do serviço. Desde logo, 3.º Painel - Dr. A. Jorge Braga I - a dicotomia patente no art. 79.º entre a disponibilidade funcional e o carácter permanente e obrigatório enquanto condicionantes da politica de trabalho na investigação criminal como se de anamnese se tratasse; II - A revogação e a repristinação de normas no mesmo diploma legal, como sinais da dificuldade de abordagem temática nesta área (regulamentação dos tempos de trabalho e sua remuneração) a) Trabalho extraordinário; b) Unidades de prevenção passiva; c) A prevenção activa como evolução no estágio da prevenção passiva III - O nosso entendimento como contributo para uma possível solução negocial que dignifique a Polícia Judiciária enquanto auxiliar da administração da justiça. I - Vejamos então como entendemos a dicotomia - disponibilidade funcional (prevista no n.º 6) / carácter permanente e obrigatório (prevista no n.º 1) ambas do art. 79.º da Lei Orgânica da Policia Judiciária - uma anamnese sobre os direitos que os funcionários de investigação criminal têm enquanto funcionários e agentes do Estado. Temos para nós que o pessoal de investigação criminal não pode ter as mesmas regras sobre horários de trabalho como os demais funcionários e agentes do Estado, mas, isso não pode significar que não haja que criar regras, e que essas, não possam dimanar da lei geral. Lei geral que não será mais o decreto-lei 187/88, base em que assentam os despachos e alguns regulamentos de horários na sua maioria mas sim o decreto-lei 259/98 (claro está que aqui incluímos os bem conhecidos despachos 68/91 alterado pelo 248/MJ/96, e naturalmente os despachos internos 7/SEC-DG de 31 /01/97, 06/2002-SEC/DN, de 15 de Fevereiro, o 11/2002-SEC/DN, de 20 de Março, 24/2002-SEC/DN e naturalmente o Desp. Normativo 18/2002, perfeitamente incompleto). A observação destes pressupostos será o desígnio do respeito pelas normas constitucionais que nos impõe direitos de que se não pode dispor, quer se esteja perante acto legislativo quer perante a sua omissão. Contudo, a omissão legislativa não pode de forma alguma significar que os funcionários afectos à investigação não possam gozar dos seus direitos constitucionais designadamente quanto "à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar" - art. 59.º, n.º 1 al. b). Ora, É este esquecimento que está de facto em causa já que a falta de regulamentação nesta matéria é de per se bastante elucidativa. Tenhamos como referencia o que nos diz o art. 178.º da LOPJ, que no n.º 1 refere que no prazo de 180 dias serão publicados os diplomas regulamentadores da lei 99 100 3.º Painel - Dr. A. Jorge Braga orgânica mas, no n.º 3 prevê que enquanto não for publicada a legislação a que se referem os n.º anteriores continuarão a aplicar-se, com as necessárias adaptações, os regulamentos actualmente em vigor. No fundo diz-se que em matéria da prestação de trabalho nada se altera, tudo será mantido de forma quase que imutável. Por isso mesmo, ou talvez não, o regulamento de horários aprovado pelo Despacho Normativo n.º 18/2002 apenas se refere à duração de trabalho, período de funcionamento e atendimento ao público, não curando da especificidade dos horários como deveria ter feito. Diríamos assim que embora com uma LEI ORGNICA que data de 9 de Novembro de 2000 e que no seu art. 179.º revoga toda a legislação anterior, com excepção dos regulamentos, como vimos por força do n.º 3 do art. 178, os funcionários da Policia Judiciária vivem alguns momentos em nada abonatórios para o desenvolvimento do seu trabalho. Começamos por constatar que dos regulamentos a aprovar apenas um foi publicado - Despacho Normativo n.º 18/2002 respeitante ao horário de trabalho. Ora, certo apenas é que até à data apenas um regulamento foi aprovado e, adaptações ou despachos internos não podem significar ou justificar a criação de direito novo, como parece ser intenção da Direcção da Polícia Judiciária. Em boa verdade, fazia de todo sentido que fosse publicado um novo regulamento de horários, tanto mais que o então em vigor, face à publicação do decreto-lei 259/98, não estava já em conformidade com a lei, pelo que se impunha a sua revogação e substituição por outro regulamento. Porém, na prática, este limita-se a definir períodos de funcionamento e de atendimento, controlo de assiduidade e pontualidade, e regimes de prestação de trabalho com especial enfoque nos horários flexíveis e turnos. Não há, ainda, nada publicado que de forma clara expresse o funcionamento dos piquetes, prevenção passiva e activa e trabalho extraordinário. Isto é, o regulamento de serviços de piquete e de unidades de prevenção e turnos não está ainda em lei, porquanto o n.º 3 do art. 178 ex vi do art. 179.º ambos da LOPJ, mantém o regulamento aprovado pelo Despacho 248/MJ/96 precisamente aquele que de certa forma define os Serviços de Piquete, Unidades de Prevenção e Turnos de Funcionários, e que por aquela apontada razão se mantém em vigor. Quanto ao trabalho extraordinário nada se diz, pelo que é nosso entendimento que a omissão de uma regulamentação específica deste trabalho para a Policia Judiciária acarreta um pesado fardo que de todo se regulamenta, exclusivamente, no decreto-lei 259/98 Por isso defendemos que de pouco valem as interpretações paradoxalmente confusas dadas à prestação de trabalho extraordinário. Isto vale por dizer que um funcionário que não esteja de piquete ou de prevenção terá, obviamente, de receber a respectiva compensação pelo trabalho que vier a prestar para além do seu horário normal. 3.º Painel - Dr. A. Jorge Braga Compensação de trabalho que terá de ser efectuada segundo a livre escolha do funcionário e nunca por decisão unilateral da chefia, que nesta matéria não alvitra, mas insiste em querer alvitrar. É nossa convicção que nesta matéria terá de ser aplicado o previsto no decreto-lei 259/98, designadamente, no n.º 1 do art. 28.º que em nada colide com a disponibilidade funcional e o carácter permanente e obrigatório do art. 79.º. II - A revogação e repristinação de normas no mesmo diploma legal, como sinal da abordagem temática Aquilo a que pacificamente se vem assistindo, não é de forma alguma abonatório deste importantíssimo corpo de investigação criminal. Efectivamente, o dizer-se que findo o horário de trabalho o funcionário entra em regime de prevenção activa ou, para dizer com o despacho 11/ 2002 entram em reforço às unidades de prevenção, carece no mínimo de uma interrogação quanto à legalidade de tão abrupta afirmação. Efectivamente, não podemos de forma alguma concordar com o que se vem praticando à luz deste despacho interno que, vigora apenas por se não ter regulamentado como deveria o trabalho em regime de prevenção passiva, activa e extraordinário. E, como veremos, não se nos afigura difícil a destrinça. Eventualmente, só no pagamento e por razões de cariz financeiro ou económico, não por dificuldade de precisão jurídica quanto às respectivas classificações. Mas, não se pode também, por inverosímil, com arremesso de teses centradas na disponibilidade e ou carácter obrigatório do serviço, obrigar um funcionário a estar ao serviço mais de 72 horas consecutivas sem dormir e/ou retirar um pouco de tempo para o seu descanso e recuperação física e psíquica. Não é uma questão de horários que aqui se coloca, outrossim, uma questão humanitária e de ciência que um qualquer dirigente tem obrigação de conhecer e respeitar. Temos até dúvidas quanto à obrigatoriedade de obediência em ordens como esta, já que a mesma, pelo risco, poderá em si conter elementos típicos de crime, isentando assim de responsabilidade disciplinar o funcionário conforme resulta do n.º 2 do art. 11.º do Regulamento disciplinar da Policia Judiciária (DL 196/94, de 21 de Julho). Isto apenas acontece por ser enorme a indefinição legislativa que graça no seio da Policia Judiciária e por se estar a viver com despachos internos, ilegais por incompetência absoluta dos seus autores para o efeito, desde logo por estarem a criar direito novo. Ou seja, classificar trabalho extraordinário como prevenção activa se não é direito novo não sabemos o que será. Naturalmente que entendemos necessário cobrir esta e outras lacunas, se é que de lacuna aqui se poderá falar já que se vem insistindo pelo não pagamento como extraordinário do trabalho que efectivamente o é e, com a agravante de se efectuar o pagamento apenas através da compensação e 101 102 3.º Painel - Dr. A. Jorge Braga não no pagamento em numerário como o define a lei. Muito há por fazer nesta matéria, importando uma regulamentação que não deixe em aberto estas questões pois que não será mais aceitável que um regulamento seja substituído por um despacho da Direcção Nacional. E, não deve, nem pode ser aceite, na exacta medida em que há uma incompetência em razão da matéria por parte deste órgão de polícia já que foi intenção do legislador, que apenas o Ministro da Justiça alvitrasse em tão complexa matéria. Quer isto significar que continuamos a defender uma posição de refutação do despacho produzido pelo Director Nacional da Policia Judiciária com o n.º 6/2002-SEC/DN - Logicamente aqui inserimos todos os despachos posteriores que pretenderam esclarecer este, designadamente os despachos 11/2002-SEC/DN, e, por maioria de razão, o despacho 24/2002-SEC/DN - Que entendemos ser nulo por se encontrar ferido de vicio de incompetência absoluta. Efectivamente, o art. 79.º da LOPJ atribui competência exclusiva ao Ministro da Justiça para elaborar e aprovar os regulamentos o que este apenas fez com o Despacho Normativo 18/2002 de 13 de Março. Vejamos, o despacho 6/2002-SEC/DN é, em nosso entender, ilegal por, entre outros, tentar criar direito novo, na exacta medida em que vem dar uma definição de prevenção activa e passiva que não estão plasmadas na lei e por não resultar desta. Se neste último caso o vicio é de erro na interpretação, no caso da prevenção activa há de facto uma tentativa de criar direito novo. Na verdade, a definição de prevenção passiva que o despacho comporta, e os despachos n.º 11/2002-SEC/DN e 24/2002-SEC/DN corroboram, não só não constam da lei como acaba por dar justificação ao que injustificado fica. Efectivamente, quer se queira, quer não, a única definição válida para a prevenção passiva será a constante do art. 14.º do Despacho 248/MJ/96. Ou seja, através da definição de unidade de prevenção se alcança que a prevenção passiva será aquela em que o pessoal não está obrigado a permanecer fisicamente nas instalações, fica permanentemente contactável e disponível para acorrer às necessidades de serviço…". Mas, deste normativo não se alcança o conceito de prevenção activa que retiramos apenas da sua conjugação com a Portaria n.º 98/97, de 13 de Fevereiro, quando entende diversificar o pagamento do serviço de prevenção consoante o funcionário seja ou não chamado à prestação efectiva de trabalho - O n.º 4 da portaria a que se faz referência diz expressamente "A prestação efectiva de trabalho por parte do pessoal que integra o serviço de unidades de prevenção ..." enquanto que o n.º 3 quando se refere a "O suplemento de prevenção é fixado em..." pretende de facto e de direito assegurar a percepção de uma importância pelo facto do funcionário estar escalado e como tal retido sem poder ausentar-se, mas sem que tenha sido chamado à prestação efectiva. Mais grave ainda quando se pretende e se afirma que apenas há "... lugar ao pagamento da prestação de trabalho para além da sua duração normal (prevenção activa) quando esta tiver lugar entre as 20horas e as 08horas.", 3.º Painel - Dr. A. Jorge Braga quando bem se sabe que enquanto não houver alterações, sobre a matéria, funciona o despacho 248/MJ/96 do qual se conclui que o serviço de unidades de prevenção será sempre feito - quer se trate de prevenção passiva quer activa - "...durante o espaço de tempo não abrangido pelo horário de trabalho diário.". E, sendo certo que o período de trabalho diário é o que decorre do despacho normativo 18/2002, sempre se dirá que não há qualquer fundamento para o que vem sendo definido pelo Director Nacional. Ou seja, um funcionário que não estando integrado em unidade de prevenção careça - enquanto conceito novo que terá de ser observado como especificidade ao trabalho extraordinário do pessoal de investigação - ou lhe seja exigido a continuidade de funções para além do seu horário de trabalho, tem de ser remunerado como trabalho extraordinário. Eventualmente, os despachos a que nos vimos referindo estarão vocacionados apenas para a tentativa de não remuneração do trabalho extraordinário, pelo menos assim se nos afigura. Propendemos porém, para análise algo diversa daquela, pois que sendo nosso entendimento que as unidades de prevenção funcionam por escala, não se pode remunerar de igual forma um funcionário que não estando escalado seja chamado ao serviço. Neste caso, temos uma situação de trabalho extraordinário que, na ausência de regulamentação terá de obedecer, na íntegra, ao estipulado no decreto-lei 259/98, designadamente quanto à forma de remuneração. O Despacho n.º 6/2002-SEC/DN constitui, assim, e em nosso entendimento, um acto administrativo nulo por estar a criar direito novo, em área para a qual tem competência exclusiva o Ministro da Justiça, tal como melhor se alcança do art. 79.º da LOPJ. Entendemos desta feita, independentemente do conceito que se use de acto administrativo não ser pacífica a questão, tanto mais que à luz do art. 123.º do CPA faltar-lhe-iam elementos, mas, com a inequívoca certeza da sua ilegalidade. De facto, e a titulo de parêntesis podemos verificar que além do conceito de acto administrativo decorrente do art. 120.º do Código de Procedimento Administrativo e dos conceitos formulados pela doutrina - para Rogério Soares - Direito Administrativo, Coimbra, 1978, pág. 76 - o acto administrativo "é uma estatuição autoritária, relativa a um caso individual, manifestada por um agente da Administração no usos dos poderes de Direito Administrativo, pelo qual se produzem efeitos jurídicos externos, positivos e negativos". Para Freitas de Amaral - Direito Administrativo, Vol. III, pág. 66 - o acto administrativo será "o acto jurídico unilateral praticado por um órgão da administração no exercício do poder administrativo e que visa a produção de efeitos jurídicos sobre uma situação individual num caso concreto". E, por fim e para não ser fastidioso, Alves Correia - alguns conceitos de Direito Administrativo, 1998, pág. 7 e segs. - comunga da opinião de Rogério Soares. Diremos assim que o aspecto individual terá in casu, de ser entendido como uma aplicação casuística sob pena de termos de considerar aqueles actos como verdadeiros regulamentos. Não concorre por isso o entendimento de Freitas do Amaral quando afirma que a individualidade do acto terá de ser levada ao pormenor de que "é 103 104 3.º Painel - Dr. A. Jorge Braga preciso individualizar o destinatário pelo seu nome e morada para que haja acto administrativo", pois que no nosso entendimento este será antes um acto geral e como tal resignados a uma situação concreta mas com plurimos destinatários. De qualquer das formas, e mesmo que de forma diversa se entenda, estaremos eventualmente sobre um conflito entre o que nos diz o art. 120.º e o 114.º do Código de Procedimento Administrativo. Mas, de qualquer das formas perante a ilegalidade destes despachos enquanto regulamentos feridos que estão de nulidade. Em suma, a dificuldade de abordagem da questão que nos toma o tempo nesta altura, centra-se apenas em termos de um duplo prejuízo para os funcionários da investigação, porque não são remunerados pelo trabalho executado como o deveriam ser e, porque se lhe cria um entrave presumivelmente legal que obsta ao seu direito de remuneração pelo trabalho efectivamente prestado nem ao descanso devido entre o terminus da prestação e o inicio do período seguinte. Em boa verdade, com esta revogação de diplomas e sua repristinação por outro, é conseguido que o trabalho seja executado com todo um conjunto de prejuízos quer económicos quer físicos e psíquicos. Mesmo assim, como veremos de seguida, importa desde já que esforços sejam desenvolvidos no sentido de uma dignificação do trabalho de polícia, ao nível das correctas definições e balizamentos do trabalho extraordinário, de prevenção passiva e activa e consequente remuneração sem limitações, que a todos importa quer como funcionários de investigação quer como cidadãos deste país. III - O nosso entendimento como contributo para uma possível solução É para nós líquido que aos funcionários de investigação em matéria de horários de trabalho lhe terá de ser aplicado o disposto no decreto-lei 259/98, de 18 de Agosto - aliás, na senda do que admite o Ministério da Justiça no âmbito do despacho 18/2002. Reconhecemos também que dificilmente aquele diploma poderá ser aplicado tout court sob pena de paralisação da investigação. Efectivamente, não será possível conceber a investigação sujeita a limites temporais, designadamente por aqueles que são impostos pelos art. 27.º (duas horas por dia/120 por ano e com o limite de 9 horas diárias de trabalho) e 30.º (receber mais de um terço do índice remuneratório respectivo). Aliás, a este último limite se refere o art. 7.º da Portaria 98/97, de 13 de Fevereiro. Contudo, a imperatividade deste limite poderá levar à paralisação dos serviços, ou pelo menos funcionará, naturalmente, como elemento de clivagem na organização e funcionamento daqueles por nítida falta de incentivos, e não como catalizador de esforços no agilizar do serviço. 3.º Painel - Dr. A. Jorge Braga Por outro lado, deverá vingar a definição de unidade de prevenção, de onde decorre o conceito de prevenção passiva - que pugnamos de forma clara e definitiva faça prevalecer a ideia de que as unidades de prevenção passiva são constituídas por funcionários de investigação, para estarem alerta e em situação de inteira disponibilidade, sempre fora do período normal de trabalho. Por esta situação deverá ser atribuído um suplemento remuneratório (que a actual lei já prevê) e que, desta decorrerá a prevenção activa. Ou seja, só poderá passar à situação de prevenção activa o funcionário de investigação que se encontra integrado na respectiva unidade de prevenção. Quer isto significar que a prevenção activa, terá de ser considerada unicamente como um estádio da prevenção passiva. Por seu turno, todas as situações de trabalho para além destas e das dos piquetes devem ser consideradas como trabalho extraordinário. Este deverá ainda não estar sujeito à regra rígida de ordem expressa do superior hierárquico mediato mas do imediato. Finalmente, não entendemos como será possível conceber toda esta carga de trabalho com limite de 1/3 da remuneração base, que em alguns casos será rapidamente esgotada. Impõe-se assim, sem necessidade de reclamar os direitos decorrentes da lei 23/98, de 26 de Maio, que o governo, através do Ministério da Justiça, ouça as organizações representativas do pessoal de investigação sobre esta matéria e ponha assim cobro ao vazio, ou se quisermos, à repristinação de normas revogadas neste momento obsoletas. Este diploma a aprovar, deveria consagrar não apenas os conceitos mas essencialmente as regras de aplicação (períodos máximo de trabalho, descanso semanal, descanso complementar, etc) e valores a atribuir às diferentes situações em que pode decorrer o trabalho extra horário (piquete, prevenção passiva, prevenção activa e extraordinário). É ainda nosso entendimento que estas disposições surjam através de regulamento e sem limite de pagamento – já que situações menos reclamantes deste princípio já existem no seio da Administração Pública (motoristas, etc.), com a indicação expressa de que este poderá ser efectuado por compensação ou em numerário, mas sempre por opção unilateral do funcionário. Deverá ainda ser fixado um número máximo de horas de trabalho consecutivo para obstar a situações de violência sobre os funcionários, que em nada aproveitam ao serviço e os coloca em risco. Afigura-se-nos assim urgente a publicação deste diploma como forma de por cobro a situações menos claras e, sobretudo a atropelos da lei. Pela nossa parte, com o que nos for solicitado por tal pugnaremos, já que entendemos que a solução é possível e dignificante da Polícia Judiciária mas, acima de tudo, do Estado Português. 105 106 3.º Painel - Debate Debate Dr. Teodósio Jacinto Estas propostas não serão o milagre de que falava o Sr. Gérard, mas serão certamente um contributo muito válido. Quem é que se inscreve em primeiro lugar? Faça favor... Dr. Carlos Ribeiro (Psicólogo) A minha questão vai directamente para o Dr. Jorge Braga. Eu tenho duas coisas para lhe dizer: em primeiro lugar, quero agradecer-lhe, porque me tirou dos ombros o peso der ser o contestatário de serviço,... Dr. Teodósio Jacinto Desculpe interromper, isto é uma discussão franca e aberta, não há contestatário de serviço... Dr. Carlos Ribeiro As palavras não são minhas..., em segundo lugar devo-lhe dizer que me assustou e assustou-me porquê? Eu já tinha percebido há cerca de dois anos, a partir da análise, quer do regulamento de classificações de serviço, quer do regulamento de carreiras da PJ, que a tutela da PJ não era propriamente constituída por "expert’s", quer em gestão de recursos humanos, quer em psicologia do trabalho. Hoje fiquei a perceber que, pasme-se, também não é constituída por "expert’s" em Direito! Dr. Teodósio Jacinto Se me permite... a Direcção da Polícia não está aqui para responder e é das regras do jogo que se estabeleça o contraditório. Quem me conhece sabe bem que não é do meu feitio coarctar a palavra a ninguém. Mas aprendi no Direito Romano que é preciso ouvir a outra parte e como penso que quem está aqui não está mandatado para esse efeito, devemos prosseguir o debate evitando acusações a quem não esteja presente para se defender... João Rouxinol Queria colocar uma questão à Dr.ª Cristina Soeiro: sendo certo que já foi testado ou pelo menos foram feitos estudos dentro da Polícia e no quadro dos investigadores que apontam no sentido de que um dos principais factores indutores do stress é a má gestão organizacional da polícia, com consequências negativas nas condições de trabalho, em injustiças permanentes, no não reconhecimento do mérito, no crescendo de 3.º Painel - Debate burocratização e de formulários, nos concursos com irregularidades e ilegalidades, etc., etc., etc., pergunto-lhe claramente se os resultados desses estudos são transmitidos à Direcção da Polícia.... Porque se realmente a Direcção da Polícia tem acesso a estes dados e não faz nada para modificar este estado de coisas, alguém está a cometer uma falha muito grave... Miguel Freitas (Inspector no DIC da Guarda) Eu queria fazer duas perguntas. Não sei se me é permitido aqui interpelar também a ASFIC... A primeira era para a Dr.ª Cristina Soeiro e era para saber se existe um perfil de polícia, para a Polícia Judiciária, se esse perfil é aplicado nos concursos. Penso que há aqui uma clara contradição entre a teoria e a realidade: por um lado o gabinete de psicologia da Polícia vem-nos dizer que o polícia bem adaptado é aquele que tem uma vida equilibrada fora da polícia, que tem oportunidade de conviver com a família e com os amigos, mas a realidade, que aliás estamos hoje precisamente a discutir aqui, é rigorosamente o contrário, ou seja, a Polícia exige que trabalhemos quase em permanência. Por outro lado estamos vinculados ao segredo profissional e ao segredo de justiça... eu pergunto como é que nós podemos contar as nossas angústias e os nossos problemas concretos à nossa mulher ou à nossa família? A família não percebe nem aceita que passemos tanto tempo fora a trabalhar e por outro lado é muito difícil para nós dar-lhe uma explicação sem entrar em pormenores... A outra questão é para a ASFIC, mas é mais um alerta que uma questão. Eu queria que a ASFIC ficasse agora mais alerta depois de ouvir a opinião dos juristas que aqui vieram falar no que concerne aos horários de trabalho e à compensação. Julgo que perspectiva deles deve passar a ser também a nossa. É preciso que se diga também que o trabalho de investigação criminal incide quase exclusivamente sobre o inspector e é por isso mesmo que ele tem problemas de horário de horário de serviço e de compensação e sofre com isso. Porque é claro, se um inspector tem de estudar o processo, nomeadamente as implicações penais e processuais penais, tem de estabelecer um plano de trabalho, se tem de fazer as inquirições, os interrogatórios, as vigilâncias, os exames, as buscas, as capturas, se ainda tem de fazer os ofícios à máquina, conduzir as viaturas, preencher as fichas das viaturas, mudar as mobílias quando há mudanças... Bom, eu vou parar por aqui... É claro que se coloca aqui uma questão de tempo e de horas que muitas vezes não é compatível, nem com a dignidade do investigador, nem com a qualidade da investigação. 107 108 3.º Painel - Debate António Pedro (Inspector na Polícia Judiciária do Porto) Queria colocar uma questão ao Dr. Jorge Braga, relativamente aos Piquetes: fazemos um piquete de vinte e quatro horas, que pode acontecer prolongar-se por mais cinco, sete, dez horas... há dias um colega fez quarenta e quatro horas consecutivas. A questão concreta que eu coloco é esta: para além das vinte e quatro horas como é que deve ser contabilizado este tempo excedente? Prevenção activa ou trabalho extraordinário? Dr.ª Cristina Soeiro Eu vou responder ali ao...como é que se chama o Sr.?... Eu acho que percebeu mal a minha explicação, entendeu claramente mal o que eu disse e eu vou explicar melhor, está bem? A primeira é relativamente à questão do perfil de polícia da PJ. Eu costumo dizer que não gosto de trabalhar com a noção de perfil. O perfil é para outras coisas. Quando estamos a seleccionar profissionais que trabalham nesta área, em primeiro lugar tentamos saber o que é que caracteriza esta realidade profissional. Bom, nós não precisamos do perfil de um certo tipo de pessoa. Como vocês sabem melhor que eu, este trabalho é composto por diferentes tipos de realidade. Na verdade, a realidade é tão vasta que a PJ precisa de pessoas com diferentes formações, com diferentes apetências e até diferentes fisicamente. O que há de certeza é um conjunto de características que as pessoas têm que ter para poderem desempenhar este trabalho. De resto, este estudo contribuiu para identificar um conjunto de competências para nós trabalharmos na selecção, para podermos fazer uma melhor triagem das pessoas que terão potencialidades para se adaptar melhor à função e levamos isso muito a sério. Neste aspecto a resposta é sim, tudo isso é trabalhado e é utilizado na selecção. E temos em conta também as experiências das outras polícias que têm o mesmo tipo de trabalho, para saber como é que resolvem estes problemas. Na verdade, não há um perfil de polícia, mas sim um conjunto de competências que são extremamente importantes ao desempenho da função. Quero com isto dizer, que nem todas as pessoas podem ser polícias se não tiverem determinadas competências, como por exemplo o controlo emocional, a capacidade de resposta em situações imprevisíveis, etc. Há pessoas que de facto não têm essas capacidades de resposta, e outras que não as conseguem treinar. Algumas destas competências podem ser treinadas e aperfeiçoadas na formação e depois na experiência profissional, mas outras não e, portanto, nós temos de saber escolher as pessoas levando em linha de conta tudo isso. 3.º Painel - Debate Julgo que não é preciso contarem os casos que têm em mãos em pormenor para conseguirem explicarem às pessoas o que é que os preocupa. Quando não se fala o que acontece frequentemente é que os familiares imaginam que estão a realizar trabalhos altamente secretos, com um risco muito superior ao risco real. É que se os vossos familiares e amigos não perceberem exactamente o que é que fazem ganham um estereótipo muito mais acentuado, o que dificulta a capacidade deles para vos perceber e dar-vos o apoio que precisam, foi só isso que eu quis dizer. Relativamente à segunda questão o que eu quis dizer foi o seguinte: o estudo detectou e listou os factores de stress identificados pelas pessoas que responderam aos questionários. A partir dele podem-se tirar conclusões sobre o que ajuda e não ajuda a facilitar o desempenho da vida profissional do investigador criminal, que é complexa e de facto origina situações de elevado nível de stress. Relativamente à questão que o Rouxinol me colocou, posso dizer que a informação que resultou deste trabalho está a ser utilizada em várias vertentes e que este encontro que vocês promoveram é mais uma forma de passar esta informação para todos os níveis da organização. Dr. Jorge Braga Bom, vamos lá ver se eu consigo responder. Antes de mais eu, enquanto advogado, primo e defendo a cem por cento o contraditório, aliás eu vivo do contraditório, não é?... Eu tive o cuidado de deixar o texto que escrevi à ASFIC, que passa a ser proprietária dele e que fará dele aquilo que muito bem entender. Quanto à questão dos piquetes de vinte e quatro horas, quero para já dizer-vos o seguinte: um dos aspectos que se prende com esta questão é a questão de sabermos qual será o número máximo de horas de trabalho diário. Já vimos de manhã que eventualmente terá que haver aqui o envolvimento da área médica e eventualmente da área da psicologia que permita definir qual será o número de horas máximo de trabalho para o pessoal de investigação criminal. De qualquer das formas posso dizer-vos uma coisa: nove horas poderão não ser o máximo. Nós já temos neste momento na administração pública horários de doze horas; se vocês forem aos hospitais, as noites são de doze horas; portanto não seria impossível, por exemplo, que o serviço de prevenção ultrapassasse as doze ou até as vinte e quatro horas, mas em serviço de prevenção passiva, entendamo-nos. É óbvio que a prevenção passiva implica uma organização da estrutura e do tempo de trabalho e isso já é aqui com o colega da frente que eu não sei o nome. 109 110 3.º Painel - Debate De qualquer das formas, relativamente à questão que me coloca directamente do Piquete ao fim das vinte e quatro horas, o que é que acontece se eu não for rendido no Piquete? É óbvio que a lei diz que tem de continuar no exercício de funções e isso compreende-se. Isso também acontece no regime de turnos. Portanto, quem termina um Piquete ou quem termina um turno terá que aguardar a sua rendição. Como é que vai ser remunerado? Não tenho quaisquer dúvidas! Eu não tenho aqui dúvidas nenhumas, tem que ser remunerado como trabalho extraordinário... Prevenção activa, não. Como é que podia entrar em prevenção activa se nem sequer estava escalado para a prevenção? Para este e para outros casos o que está implícito num esclarecimento ou despacho, salvo erro o 11/2002, é que o funcionário entraria numa situação de reforço à unidade de prevenção, portanto entraria em prevenção activa. Aqui, como disse, levanta-se logo esta questão: como é que eu posso reforçar uma coisa se eu nem sequer lá estou? Como é que eu posso ser considerado de prevenção activa se eu nem sequer faço parte da escala de prevenção, isto é, se eu não estou em prevenção passiva? Há aqui incongruências graves e lamentáveis entre os conceitos. É como se quisessem impingir uma interpretação que de antemão sabem que é... Bom, no fundo isto não é uma interpretação, mas sim uma aplicação que, em cada caso concreto, gera uma nulidade, que vocês podem e devem individualmente atacar, certo? Nunca esquecendo que o acto de processamento de vencimento constitui um acto administrativo e portanto esse é que é o acto a atacar, atenção a isso... Portanto, no caso concreto que foi aqui indicado haverá, sem qualquer dúvida, lugar à prestação de trabalho extraordinário e como tal à respectiva compensação, compensação esta que deve ser feita por opção do funcionário e não por decisão unilateral de um despacho que diz que é por compensação em tempo. Como é que nós pagamos a alguém com uma coisa de que não dispomos? Se o trabalho é muito e não temos funcionários suficientes, se não temos tempo para lhes dar como compensação? Bom, como diziam há pouco, qualquer dia vocês têm um ano de férias para gozar, não é? Não pode ser. Dr. Reis Martins (...) Dr. Jorge Braga É a portaria Sr. Dr. 3.º Painel - Debate Dr. Reis Martins (...) Dr. Jorge Braga É a portaria Dr. Reis Martins (...) Dr. Jorge Braga Está previsto na portaria na 97/98... Dr. Reis Martins (...) Tavares Rijo (Inspector-Chefe na Polícia Judiciária do Porto) Se me permitem, eu queria, não propriamente fazer uma pergunta directa a nenhum dos elementos da mesa, mas fazer aqui uma ligeira reflexão, porque vejo a conversa encaminhar-se num sentido que eu penso não se coadunar com o alto nível que esta conferência teve até aqui. Já agora cabe-me aqui felicitar todos os palestrantes e acima deles a ASFIC pela realização desta tão importante e oportuna iniciativa. A julgar por algumas intervenções até pode parecer que os funcionários da Polícia Judiciária estão aqui a pedir esmola ou a discutir tostões. A polícia Judiciária no seu todo é formada na generalidade por gente de grande dignidade e é por isso mesmo uma instituição reconhecida nacional e internacionalmente. O que eu ouvi aqui defendido por vozes de mérito inquestionável, se é que percebi bem e não me enganei é que, em toda e qualquer circunstância, deve ser sempre preservado o primado da pessoa humana. Foi isto que eu percebi e creio que percebi bem. No fundo o que todos nós temos vindo aqui a condenar é o modo como se tem tentado o sucesso da instituição PJ, à custa da degradação da pessoa humana, dos seus funcionários, em especial da investigação criminal... este é que é o cerne principal da questão. Não há nenhuma razão para alguém se sentir beliscado com as criticas que aqui são feitas que, tenho a plena convicção, são feitas com intuitos positivos e não negativos. Há que ter alguma serenidade para que isto termine com o nível com que começou. 111 112 3.º Painel - Debate Eu fiquei deliciado com a intervenção do Sr. Dr. Jorge Braga, que não tinha o grato prazer de conhecer. O Senhor Doutor modestamente disse logo no início da sua intervenção que não tinha certezas, mas percebi rapidamente ao longo da sua intervenção que essa falta de certezas era compensada pelo facto de haver direitos, haver deveres, haver dados científicos e acima de tudo haver uma lei, acima da qual ninguém pode querer estar, tenho dito. Manuel Rodrigues Bom, eu queria resumidamente fazer aqui uma referência, sem pretender aumentar o conflito e, obviamente, agradeço ao colega Tavares Rijo o ponto da situação que fez neste momento. Mas se me permitem, gostava de lembrar o seguinte: o Dr. Reis Martins afirmou que a "casa", a Direcção da polícia, tentou com os normativos em questão, melhorar ou aperfeiçoar situações. Gostava de lhe dizer, com a franqueza com que sempre falamos, que se a intenção tivesse sido essa, poderia ter procurado um espaço que permitisse, pelo menos, o diálogo com a ASFIC como representante da maioria dos trabalhadores da investigação criminal, e não o fez. E quero acrescentar ainda o seguinte: as soluções que neste momento estão em vigor, foram na realidade impostas, e não fruto de um diálogo ou pelo menos de um pedido de opinião a uma organização que tem tentado ao longo do tempo, através de um diálogo construtivo e de uma postura participativa, resolver graves problemas dentro da instituição. Joaquim Conceição (Inspector na DCCB) Tenho uma questão para o Dr. Jorge Braga: tive o grato prazer de o ouvir e concordo consigo, aliás acho que a maioria das pessoas aqui presentes concordaram com a sua dissertação. Estamos numa altura do debate em que se procuram soluções para esta situação. O estudo que fiz em relação a esta matéria, que não é tão profundo quanto o do senhor vai exactamente na mesma esteira. A questão é a seguinte: vê alguma solução que passe pela isenção do horário de trabalho? Dr. Jorge Braga Não quis de forma alguma com a minha intervenção ser polémico, apenas trazer aqui a minha análise, o meu ponto de vista estritamente jurídico-legal, só e mais nada; não alimento outro tipo de focos. Em relação ao Dr. Reis Martins, com quem tive o grato prazer de almoçar na mesma mesa, digo-lhe que eu nem sequer sabia que era membro da direcção da Polícia Judiciária. 3.º Painel - Debate Bom, eu entendo que tenho razão! Peço desculpa! E sem querer aumentar polémica nenhuma, com o devido respeito pelo trabalho que foi feito e por todas as opiniões diversas da minha, não posso deixar de reagir criticamente, quando, por exemplo, leio a definição ou a tentativa de aclaramento de definição de prevenção activa constante no despacho 11/2002. Só posso reforçar mais uma vez aquilo que disse na intervenção anterior. Diz-se aqui (no despacho) que a prevenção activa é considerada prestada em regime de serviço à unidade de prevenção, considerando-se prevenção activa o serviço que deva ser realizado fora do horário normal de trabalho. Ora, estamos aqui a meter no conceito de prevenção activa situações que são claramente de trabalho extraordinário. Mais: a definição de prevenção activa retiro-a da portaria 98/97 onde ao contrário se entende que a prevenção activa é um estádio da prevenção passiva. Aquilo que eu defendo é tão-somente isto: mantenhamos a definição de prevenção passiva e em relação à prevenção activa digamos claramente que é um estádio da prevenção passiva, o que portanto obriga uma forma de regulação diferente. As situações que caírem fora do âmbito destas duas situações serão obviamente tidas como trabalho extraordinário; é tão simples quanto isto! Não estou a tirar o coelho da cartola, esta é uma solução evidente. É óbvio que também tive o cuidado de dizer que os problemas aqui são mais do foro económico-financeiro, do que propriamente jurídico ou de interpretação de conceitos. Até admito que a Polícia Judiciária e a Direcção da Polícia Judiciária tenham problemas financeiros até dizer basta! Não é? Principalmente quando chega ao fim do mês e tem de gerir a crise e a forma de vos pagar a todos. De qualquer das formas, os recursos como dizia, e bem, aliás é um principio que aprendemos logo nas primeiras lições de faculdade, os recursos são sempre escassos, por muito que tenhamos temos sempre pouco. A questão que se me coloca em relação à isenção do horário de trabalho, é de saber se ela será solução para o vosso caso. Na minha opinião nunca seria solução na forma em que ela existe hoje formulada, porque a fórmula em que ela está hoje formulada implica apenas a atribuição de um subsídio e a possibilidade de não respeitarmos horas de entrada e de saída, há ali uma plataforma fixa. Ora eu penso que isto não se coaduna com o serviço de investigação, pelo menos numa forma de transposição automática. Se optássemos e a discussão poderá ser essa, se optássemos eventualmente por uma situação de isenção de horário teríamos que regulamentar bem esta isenção de horário, porque ainda hoje temos isenção de horário de vinte e quatro sobre vinte e quatro horas e este é um risco que eu entendo que vocês não devem correr; eu dou-vos um exemplo: os funcionários das direcções regionais de educação que exercem funções nas residências de 113 114 3.º Painel - Debate estudantes têm isenção de horário, para trabalhar vinte e quatro sobre vinte e quatro horas. Acabam por dormir com os filhos na própria residência de estudantes, porquê? Porque têm uma isenção de horário que lhes dá mais trinta por cento da remuneração, sendo o horário normal das oito às vinte. Só que, a partir das vinte entram no regime de isenção; está escrito, é um tipo de isenção que eu não compreendo nos dias de hoje e que vai dentro de dias evoluir para tribunais internacionais de certeza absoluta. A pensar nessa solução teriam que ter o máximo de cuidado na sua regulamentação para não cair na situação de o simples subsídio de isenção implicar que a todo o momento vocês devessem estar ao serviço. De qualquer modo, parece-me a mim que é com aquilo que temos hoje que devemos trabalhar, ou seja com as noções de prevenção passiva, prevenção activa e trabalho extraordinário. Teríamos era que regulamentar tudo isto convenientemente. Por outro lado, reparem que eu tive o cuidado de não dizer quais os valores que entendia que deveriam figurar, porque também entendo que não devem ser os mesmos da lei geral. Agora quais serão? Isso é uma questão que só a discussão fará nascer; só depois de muito bem discutidos os conceitos. Quando se optar por uma solução é que se deve partir para os números que devem estar por detrás; admito perfeitamente que os valores do trabalho extraordinário sejam inferiores aos da lei geral desde que tenhamos em atenção por exemplo a questão dos limites. É assim que eu entendo, não sei se a ASFIC entende assim ou não porque nunca conversei com eles sobre isso, nem tenho que o fazer. De qualquer das formas, parece-me a mim que dentro do actual quadro é perfeitamente possível encontrar uma solução. Agora, também digo muito claramente uma coisa: a forma como se está a fazer hoje na Polícia Judiciária não é solução, nem sequer tem validade jurídica. Dr. Reis Martins (...) Miguel Freitas (Inspector no DIC da Guarda) Eu peço desculpa por estar a incomodar os colegas com particularidades de um departamento pequeno, como o da Guarda, mas queria aproveitar esta oportunidade para colocar uma questão ao Dr. Jorge Braga, que é a seguinte: por exemplo, no DIC da Guarda, não existe, apesar de ser obrigatório, um serviço de prevenção, ou seja, todos temos que estar, todos os dias, de prevenção passiva, mas sem receber nada por estar de prevenção passiva. 3.º Painel - Debate Pura e simplesmente não há funcionários, não há serviço de prevenção, não há escalas de prevenção, não há nada. Eu peço desculpa por estar a colocar estes problemas, mas a Polícia Judiciária não é uma realidade homogénea. Se as Directorias e as Direcções Centrais têm problemas, os departamentozitos como o DIC da Guarda têm problemas idênticos, só que acrescidos. Interveniente que não se identificou Eu só gostaria que me explicassem, por favor, se existe alguma incompatibilidade na lei orgânica, que impeça a percepção de horas extraordinárias. Nós não podemos ter horas extraordinárias? Qual é o fundamento legal para isso? Interveniente que não se identificou Eu só queria colocar a seguinte questão: até há pouco tempo a prevenção era feita vinte e quatro horas, entretanto, no último despacho passamos a fazer prevenção de sete dias seguidos. Eu ainda não percebi porque razão é que passamos de vinte e quatro horas para sete dias seguidos. São sete dias que uma pessoa não consegue dormir ou não pode dormir descansado, era só isso. Interveniente que não se identificou É só para aclarar a questão do meu colega: é que para além de serem sete dias, no meu caso é só um funcionário de prevenção! Dr. Jorge Braga Dr. Reis Martins efectivamente estou de acordo, de facto criaram direito novo, ainda bem que o admite. Mas permita-me: eu tive o cuidado de dizer que o onze visava interpretar aquilo que o seis não conseguiu fazer. De qualquer das formas e eu tive o cuidado de o referir no início da minha intervenção, a questão que se coloca é esta: é que eu penso precisamente ao contrário do que pensa o professor Liberal Fernandes. Eu entendo que, em primeira-mão, à Policia Judiciária se aplica "tout court" a legislação da função pública. Na administração pública central e não só existem mais serviços, como o da Polícia Judiciária, que têm legislação específica e que, ao contrário dos outros, é essa a sua lei base, ou seja, a lei geral passa para eles a ser o regime supletivo. É assim que eu entendo de facto o art. 172 da LOPJ. Ou seja, quando a lei específica da Polícia judiciária nada refere, resta-me o art. 172, que por sua vez me remete para a lei geral. 115 116 3.º Painel - Debate Em termos de lei geral o que funciona é o 259/98, mas reparem, eu não estou para aqui a dizer nenhuma inverdade ou extravagância, porque é o próprio Ministro da Justiça, que no despacho 18/2002 o refere, quando diz: no que cá não estiver funciona o 259/98. Isto para lhe dizer que eu compreendi perfeitamente aquilo que disse, mas se me permite, a limitação ao pagamento do trabalho extraordinário só vem aparecer no despacho 13/2002. É o despacho 13/2002 que diz que o trabalho extraordinário é compensado em tempo e não remunerado. À luz desse despacho se passássemos à prevenção activa eu recebia, senão, recebia em tempo e em tempo já se sabe que não recebo coisa nenhuma. Eu entendo o que se pretende e como tal também não posso deixar de entender isto como um subterfúgio infeliz. Não posso deixar de entender enquanto advogado, colaborador da justiça, não sei se está aí a Sr.ª Procuradora-Adjunta, que todos nós, operadores da justiça, tudo devemos fazer para aplicar correctamente a lei e para assegurar que esta esteja de acordo com a realidade, porque senão não andamos aqui a fazer nada. No vosso caso é necessário ajustar a lei, mais do que tentarem fazer remendos. Quando me dizem que no DIC da Guarda não há unidades de prevenção, bom, se não houver unidades de prevenção terá que haver trabalho suplementar. Penso que aqui o Dr. Reis Martins já tomou nota para ver o que se passa lá na Guarda. A última questão está mais ou menos respondida, tem a ver com o facto de se saber se a lei orgânica prevê ou não o pagamento de trabalho extraordinário. É óbvio que sim, o art. 79 não tem qualquer limitação. O art. 79, aquilo nos diz é que o serviço permanente é assegurado fora do horário normal por... mas não diz que todo o serviço fora do horário normal seja permanente, não é isso que a lei diz, nem podia dizer. O que a lei diz é que o serviço permanente é assegurado, fora do horário normal, por piquetes de atendimento, por unidades de prevenção ou turnos de funcionários. Portanto, quando eu não estou numa coisa, nem noutra, eu estou em trabalho extraordinário. Vamos lá a ver, vamos cortar a direito: eu hoje saio às 17h30 e não estou integrado em nenhuma unidade de prevenção passiva. Logo não posso passar à prevenção activa. No entanto, exigem a continuação da minha prestação de trabalho, logo eu vou entrar em trabalho extraordinário. É tão simplesmente como isto. É isto o que está previsto na lei. Se a LOPJ não regula e a lei geral também não é adequada, vamos então regulamentar criar regras novas justas e equilibradas, independentemente 3.º Painel - Debate dos montantes, porque isso para mim é sempre suplementar. Para mim o importante é começar por definir com rigor os conceitos de forma a coadunar, por um lado, um serviço da Polícia Judiciária eficiente, que sirva bem os cidadãos, e por outro, que tenha ao mesmo tempo em atenção que vocês, tal como eu, são cidadãos com plenos direitos, são seres humanos e portanto carecem de ser tratados como tal. É isto que me preocupa e que deve preocupar-vos, a forma de pagamento virá por arrasto, isso é acessório, convençam-se disso. Agora o que nós não podemos fazer, como tem sido feito pela Polícia Judiciária é chamar burro ao cavalo e cavalo ao burro... No Direito temos que ser precisos nos conceitos que utilizamos; a precisão de conceitos é elementar no direito e portanto nós não podemos classificar como prevenção activa situações que são claramente de trabalho extraordinário, entendido? De qualquer das formas a lei orgânica prevê o pagamento de trabalho extraordinário, O que acontece agora é que o despacho normativo 18/2002 quando vem regulamentar o horário de trabalho na polícia Judiciária acaba, salvo erro no art. 13, por dizer que a compensação deste trabalho é feita em tempo e isto é que me parece que está profundamente errado. A lei geral 259/98 aquilo que diz é que o trabalho extraordinário é pago em tempo ou em numerário, por opção do funcionário e este tem de exercer esse direito no prazo de oito dias após a realização do trabalho. Parece-me que é isso que deve funcionar também no vosso caso, porque se vamos dizer que a compensação é feita apenas por compensação em tempo vamos cair no laxismo de mandar fazer porque sabemos que nunca mais vamos pagar esse tempo. Este é que é o círculo vicioso que deve ser evitado. Interveniente que não se identificou Não é nenhuma questão, é só um esclarecimento. Antes de se pagarem prevenções activas havia uma figura que fazia com que nos pagassem as horas de trabalho, digamos as extraordinárias, ou seja a continuação de um serviço que se prolongava para além das 17h30, que tinha este título pomposo: "extensão de Piquete". Isto existia desde os anos 80 e o valor era exactamente igual ao que hoje existe para a prevenção activa, com as devidas actualizações, porque inicialmente eram trezentos e tal escudos à hora e agora já são quinhentos escudos. Dr. Reis Martins (...) 117 118 3.º Painel - Debate João Rouxinol Eu não quero acreditar no que ouvi, mas infelizmente todos ouvimos. O que se pretende dizer é o que não foi dito, ou seja, havia um pagamento que sempre foi feito entre as 17h30 e as 20h como qualquer outro que era feito, só que a partir do dia um de Junho a direcção entendeu unilateralmente que o pagamento pelo trabalho prestado entre as 17h30 e as 20 horas passaria não a ser remunerado em dinheiro mas sim em compensação temporal. Portanto a remuneração passou de remuneração em dinheiro para a compensação temporal. E querem que consideremos esta solução como um acto normal cheio de boa fé... Dr. Jorge Braga Bom, ainda bem que há limites porque senão... Eu vou muito rapidamente, até porque sou mais parco em palavras do que o Professor Jorge Leite. Infelizmente não tenho a possibilidade de falar como ele fala, nem todos somos dotados desse dom. Mas só para dizer ao Dr. Reis Martins isto: entrar às oito ou entrar fora das oito horas, ou sair às dezanove ou sair às vinte, não é isso o que conta, o que conta é se eu ou vou para a modalidade A, ou para a modalidade B, das plataformas fixas, ou seja, dentro do horário flexível há um hiato de tempo em que eu tenho que estar ao serviço e portanto esse hiato vai-me permitir aferir do horário de trabalho que eu estou a praticar. Agora vou repetir aquilo que disse o Professor Dr. Jorge Leite, assunto sobre o qual ele escreveu muitas páginas: é que, efectivamente, o horário de trabalho tem que ser aferido ao dia, e do dia à semana, e portanto é nesta base e é com esta base que nós temos que trabalhar. Por isso é que, na intervenção que fiz eu me referi ao descanso e ao descanso semanal. Pegando agora numa questão, mesmo para terminar, tendo em atenção que somos um país tradicionalmente católico, apostólico romano, que fazemos como Cristo, «ao sétimo pararás». Isto significa que a nossa semana tem que ter sete dias e desses sete, dois são de descanso, portanto é nestes cinco que eu tenho que aferir o horário das trinta e cinco horas, é esta a questão que se coloca. Portanto, se eu nestes sete, retiro dois para descanso e descanso complementar, se já cumpri as trinta e cinco, nas restantes horas só posso estar em Prevenção ou em Piquete ou então em trabalho extraordinário. É tão simples quanto isto! Peço desculpa, mas continuo ainda com a minha bitola. 3.º Painel - Debate Gérard Greneron (Secretário-Geral do CESP) No seguimento de toda esta discussão quero apenas fazer um pequeno reparo: constatei que o representante da Direcção da PJ, aqui presente, construiu uma autêntica barreira de considerações, pelos vistos sem qualquer fundamento legal, às questões e às preocupações que aqui foram tratadas de um modo muito técnico e científico. Desculpem-me agora, porque eu vou fazer o mesmo que ele: proponho como solução destes problemas todos, que numa futura candidatura para o ingresso de Inspectores, nos critérios de selecção se passe a incluir, como requisito eliminatório, que os candidatos não saibam fazer contas. Pelo que ouvi, até fico surpreendido de ainda não terem ainda encontrado essa solução. Dr. Teodósio Jacinto Antes do encerramento e de dar a palavra ao Presidente da ASFIC/PJ quero sublinhar que aqui ficou mais vez reafirmado o papel essencial que a Polícia Judiciária desempenha numa sociedade democrática, onde é seguramente um dos pilares mais fortes do Estado de Direito. Hoje este Corpo Superior de Polícia que é a PJ defronta-se com uma realidade altamente complexa, com uma criminalidade cada vez mais grave e cada vez mais sofisticada. Por outro lado, temos também cidadãos cada vez mais exigentes, que querem que a PJ dê respostas não só eficazes, mas também céleres. Como é evidente tudo isto nos confronta com um problema de difícil resolução, que é o miolo e a essência do que estivemos aqui a tratar. Foi sublinhado muitas vezes e bem, que isto de resultados rápidos e em cima da hora não pode ser feito e conseguido há custa dos investigadores, tendo sido apontado como limite a dignidade da pessoa humana. Pessoalmente também considero que para ter bons resultados o polícia, como qualquer cidadão, tem que ter a sua vida pessoal garantida e organizada. O grande Jorge Luís Borges dizia uma coisa parecida: para bem desempenharmos a nossa profissão temos que estar felizes. Se formos felizes conseguimos resultados. É com muito agrado que eu noto que quem vem para a Polícia Judiciária vem com um sentido de opção muito forte. Aqui há dias uma aluna partiu uma clavícula num acidente e a primeira coisa que ela perguntou foi se isso a ia fazer perder a frequência do curso. Recordo também um jovem Inspector licenciado que foi connosco à Universidade Nova falar do acesso à carreira do investigador criminal responder, a dada altura, que sendo licenciado já não punha a hipótese de desempenhar outra profissão. 119 120 3.º Painel - Debate O nosso colega Gérard Greneron também falou da paixão de ser polícia e todos sabemos que a paixão é essencial ao desempenho desta actividade. A Polícia Judiciária porque é grande, vai continuar a dar a resposta que o cidadão exige, ao mesmo tempo que vai resolver os problemas que hoje foram aqui debatidos e clarificados, para que esse combate contra a criminalidade não seja efeito à custa dos direitos dos investigadores. Isto para mim é muito elementar. Para terem resultados têm que estar em boa forma, a todos os níveis. Como é que vamos resolver o problema dos horários de trabalho? Como é que vamos enquadrar a disponibilidade funcional? Como é que esta deve ser compensada? O Gérard Greneron também aqui disse que a solução tem sido muito difícil de encontrar e que continua a ser um problema pendente nos outros países europeus. Eu acredito com o contributo de todos e de cada um de nós, não apenas da Direcção, que a solução vai rapidamente ser encontrada. A grandeza da PJ não é da Direcção A ou B é de todos os seus quadros que são a sua maior riqueza. São problemas complexos para resolver, mas ficou também aqui dito que as soluções podem e devem ser encontradas no tal balanceamento entre os diferentes interesses em jogo, o interesse público, por um lado e os direitos legalmente consagrados dos funcionários que têm de ser respeitados. Termino a felicitar mais uma vez a ASFIC, por esta notável organização e pela escolha de um painel tão extraordinário. Manuel Carneiro Rodrigues (Presidente Nacional da ASFIC) Muito obrigado Sr. Presidente. Eu não vou fazer as conclusões deste encontro, vou apenas dizer que as conclusões vão ser divulgadas no mais breve espaço de tempo possível num livro que a ASFIC/PJ irá publicar e comprometemo-nos a fazê-lo porque penso ser do maior interesse de todos nós. Não posso deixar de agradecer a forma como os trabalhos de hoje decorreram, o nível dos oradores, a sua disponibilidade, a forma superior como foi moderada pelo Dr. Teodósio Jacinto. Penso que na realidade a ASFIC/PJ está de parabéns e ousava ainda dizer, que a Polícia Judiciária está de parabéns também. Queria informar que estão disponíveis no secretariado, certificados de presença na conferência, os quais serão levantados individualmente. 3.º Painel - Debate Queria enviar um agradecimento especial a toda a comissão organizadora desta conferência, porque demonstrou um nível muito acima do amadorismo que nos é exigido, por terem feito o possível e o impossível para permitir que os trabalhos decorressem da forma e nas condições em que decorreram. Queria agradecer à representante da Ordem dos Médicos, e permitam-me este aparte, porque esteve estoicamente a acompanhar-nos o dia inteiro, com uma atenção completa ao que aqui se passou, e obviamente merece por isso uma referência muito especial. Sr.ª Dr.ª muito obrigado. Queria agradecer ao Dr. Reis Martins, porque heroicamente compareceu neste encontro e eu penso que ele sabe que todos nós lhe atribuímos a responsabilidade dos despachos que estão em vigor e, por isso mesmo, a sua presença aqui merece ser registada e dignificada. Sr. Dr. muito obrigado. Por último, queria agradecer também ao Gérard Greneron, que penso ter sido prejudicado pela dificuldade da tradução, mas acho que acompanhou os trabalhos de um modo geral, o que lhe permitiu algumas observações com importante significado. Concluo, oferecendo ao Dr. Teodósio Jacinto, na qualidade de moderador da Conferência, uma pequena lembrança da ASFIC/PJ, como forma de agradecimento pela sua disponibilidade e superior participação. A todos, muito obrigado pela vossa presença, um bom regresso a casa, convidamo-vos como já disse a tomar um café e a conversarmos mais um bocado. Obrigado a todos, espero que este dia como disse no início, não tenha sido um dia perdido, antes pelo contrário, tenha sido um dia bastante útil para todos nós. A ASFIC/PJ vai oferecer também aos oradores uma lembrança igual à que foi oferecida ao Dr. Teodósio Jacinto. Muito obrigado a todos. 121 122 Conclusões Conclusões Foi-me solicitado pela organização da Conferência a elaboração das conclusões finais dos trabalhos ali apresentados. É por demais óbvio que tal tarefa constitui um desafio ao qual a minha qualidade de Presidente da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal da Polícia Judiciária em exercício, me obriga a não declinar. Não fosse essa circunstância e certamente procuraria alguém mais avalizado uma vez que a complexidade do tema objecto de análise, o elevado nível dos oradores e a qualidade técnica e científica das intervenções, não se compadecem com uma leitura precária efectuada por um leigo na matéria. Assim, espero conseguir a clarividência necessária para que a síntese conclusiva que irei efectuar não prejudique de alguma forma todo o trabalho desenvolvido em 21 de Março do corrente ano, o qual seguramente constitui um marco significativo na vida da ASFIC/PJ. Procurou-se com a realização desta Conferência, promover um espaço de estudo, análise e debate, suportado num rigoroso contexto técnico e científico, que possibilitasse a abordagem das questões inerentes ao Regime de Trabalho na Investigação Criminal, uma vez que as diferentes perspectivas de tratamento destas questões, essencialmente ao longo dos últimos anos, apenas contribuíram para a criação de um indesejável nível de desestabilização organizacional da instituição, traduzido pelo surgimento de situações de conflito entre Investigadores e Direcção, entre Direcção e Ministério da Justiça, entre Investigadores e Ministério e, mais grave ainda pela repercussão quotidiana negativa que representa, entre Investigadores e Chefias directas. Quando aludo às diferentes perspectivas de tratamento destas questões, refiro-me em primeiro lugar aos diversos normativos internos que surgiram, os quais desde a primeira hora, na opinião da ASFIC/PJ, não conduziriam à resolução dos problemas existentes no que concerne a uma justa compensação das muitas horas que os investigadores trabalham para além do horário normal de serviço. De forma simples e directa, porque creio que argumentação excessiva só serve quem pretende contornar as questões fundamentais, torna-se necessário para uma abordagem abrangente da questão, a referência a três vectores fundamentais: O trabalho extraordinário na Polícia Judiciária nunca foi reconhecido pela tutela como tal; O mesmo sempre foi parcamente pago com recurso a fórmulas compensatórias inadequadas; Conclusões A denominada compensação temporal, imposta unilateralmente, contraria as leis do Trabalho e da Administração Pública vigentes, com a agravante de ser impossível a sua aplicação aos investigadores criminais, por força da natureza e condições específicas das funções que desempenham. Embora possa à primeira vista parecer inadequado estabelecer um paralelo relativamente a outras medidas tomadas pela tutela no passado, os normativos internos aplicados a esta questão resultaram inequivocamente negativos, seguindo uma linha de pensamento idêntica à do Regulamento de Piquete em vigor, no qual para furtar-se ao pagamento justo de tal serviço, a Administração optou pela compensação em folga, poupando aparentemente dinheiro mas falhando na não efectivação de um estudo previsional que permitisse calcular o impacto que tal medida iria ter na organização do trabalho, na produtividade e na eficiência da instituição. Em termos de gestão, as polícias não são comparáveis a empresas vocacionadas para a produção de lucro. As polícias constituem uma obrigação estatal para defesa do cidadão, das instituições e da sociedade em geral. O cidadão comum, que cumpre com as suas obrigações legais, tais como o pagamento de impostos, respeitador do seu semelhante e da ordem jurídica, tem absoluto direito a viver numa sociedade livre de crime e consequentemente, segura, sendo esta uma das regras basilares da democracia. A gestão economicista das polícias, aplicada salvo honrosas excepções pelos sucessivos governos, só contribuiu para que estas se tornassem instituições obsoletas, compostas por quadros com deficiente formação, mal apetrechadas de meios humanos técnicos e científicos. Tal fórmula é constatada na realidade, pelo reconhecimento unânime que a criminalidade evolui salvo raríssimas excepções mais rapidamente do que as polícias e se encontra melhor apetrechada tecnologicamente, dificultando acentuadamente as vertentes essenciais de prevenção e combate. Voltando à essência da Conferência realizada pela ASFIC/PJ, convirá relembrar que o tema no qual se centra, tem vindo a ser objecto de sucessivas tentativas de solução que se arrastam no tempo sem que seja encontrada uma posição consensual entre trabalhadores e tutela, bem como, contribua para os pressupostos e objectivos da própria instituição. Em reunião de trabalho efectuada a 08 de Outubro de 2002 no Ministério da Justiça, foi unânime entre a ASFIC/PJ, o Director Nacional da Polícia Judiciária e Ministra da Justiça, a constatação que, o trabalho desenvolvido para além das horas normais de serviço na instituição não era devidamente compensado, sendo urgente encontrar-se uma formula consensual entre as partes que traduzisse ponderado reconhecimento e justeza. 123 124 Conclusões Na reunião em causa, foi solicitado pela Sr.ª Ministra da Justiça à ASFIC/PJ, que contribuísse para a resolução deste problema apresentando uma solução viável, enquanto o Ministério se iria igualmente empenhar no estudo de uma solução a apresentar em curto prazo para discussão. A Direcção da ASFIC/PJ assumiu o desafio proposto com a mesma postura de sempre relativamente a qualquer problema que urge solucionar, e decidiu que a discussão de uma questão desta natureza, não se deveria circunscrever ao núcleo restrito dos órgãos dirigentes da Associação, mas sim, alargada a todos os associados, para que estes se pudessem pronunciar e contribuir activamente para que a desejada solução consensual e justa fosse encontrada. Para que esse caminho fosse percorrido de forma sensata, correcta e sustentada em argumentação rigorosa, a Direcção da ASFIC/PJ entendeu necessário que o estudo desta problemática englobasse uma análise profunda sobre as diversas vertentes relacionadas com a especificidade das funções que o investigador criminal desempenha, razão pela qual, solicitou a colaboração de especialistas de diversas áreas, possibilitando dessa forma uma abordagem científica que constituiu um complemento à vertente sindical, amplamente reconhecida por diversas personalidades, comunicação social e pela generalidade dos participantes. Poder-se-á então questionar. Mas o que está em causa não se trata de uma mera reivindicação sindical relacionada com o pagamento das horas de trabalho que os investigadores efectuam para além do horário normal? O que eles querem não será mensalmente uns euros a mais? Francamente, eles que até já ganham bem..., para quê todo esta panóplia de questões técnicas e científicas que a Associação Sindical insiste em apresentar? Esta é normalmente a perspectiva como os problemas relacionados com o mundo do trabalho são analisados por um número infelizmente significativo de individualidades ou equipas dirigentes, sobre quem recai o dever e responsabilidade não só moral mas também de tutela, relativamente àqueles que prestam serviços, perspectiva que no caso de organismos de Estado se revela ainda mais comum. Mas também acreditamos naqueles que têm consciência plena de que uma gestão eficaz e moderna, deve obrigatoriamente ter em consideração um conjunto de factores directos e indirectos, de formação, de meios, sejam eles técnicos, científicos ou humanos, de higiene, de segurança, de instalações, de condições psíquicas e físicas, etc... factores estes que necessitam de tratamento específico e individualizado, orientados na perspectiva dos objectivos finais perseguidos pela instituição ou organismo, fórmula única que permite a obtenção de resultados eficazes, evitando desperdícios materiais, temporais, doenças profissionais, desmotivação, enfim, um sem número de consequências prejudiciais que dispensam explicação pormenorizada, mas que caracterizam o universo do trabalho no Conclusões nosso país e cuja responsabilidade, por conveniência, ou por incapacidade de realização de estudos especializados das causas, são frequentemente, de forma insustentada, atribuídas aos trabalhadores. Pelas razões expostas, a ASFIC/PJ procurou trazer a debate os circunstancialismos que revestem a vida profissional de um investigador criminal, possibilitando uma visão alargada e clara, dos riscos não só físicos e da própria vida, directamente interligados com a profissão, mas também procurar percepcionar a existência de riscos de outra índole, tais como psicossociais, físico-patológicos que se desenvolvam ou agravem como consequência do desempenho profissional. Assim, consideramos que o grande objectivo da Conferência era o de tornar perceptível a existência ou não desses riscos, e em caso afirmativo sensibilizar as instâncias de decisão para a necessidade e até, obrigatoriedade legal, de uma atitude preventiva desses mesmos riscos, numa perspectiva de gestão de recursos humanos. Simultaneamente, tendo como pano de fundo o regime de trabalho na Função Pública (definido pelo DL 259/98) onde se prevê a possibilidade de restrições de direitos através de leis especiais (regulamentos de trabalho) para os considerados "Corpos Especiais" (polícias, médicos, enfermeiros, bombeiros, etc...), o outro objectivo desta conferência era o de saber até onde essas restrições de direitos podem afectar o corpo de funcionários de investigação criminal da Polícia Judiciária, os quais são frequentemente sujeitos a cargas horárias de intenso trabalho, sem limites de horário, sem pausas para descanso ou mesmo refeições, com rotinas de jornadas de trabalho contínuo por vezes superiores a 24 horas. Em suma, com esta Conferência, a ASFIC/PJ pretendeu proporcionar condições para uma reflexão serena, séria e multidisciplinar, sobre o Regime de Trabalho na Investigação Criminal, e as suas condições de prestação, visando encontrar soluções a aplicar num futuro próximo que compatibilizem o interesse público com os direitos dos funcionários. Assim, julgo chegado o momento de extrair as ideias chave das sábias intervenções com que os brilhantes oradores enriqueceram a Conferência, complementadas pelo debate vivo que o conjunto de participantes proporcionou, enriquecimento esse que resultou da participação não só de profissionais da Polícia Judiciária, mas também de magistrados do ministério público, médicos, sociólogos e advogados. Tentarei desenvolver esta síntese conclusiva em quatro vectores diferenciados, embora consciente de que todos eles convergem para uma finalidade. Seguro que o recurso ao analogismo me será perdoado, teremos quatro secções instrumentais que trabalham individualmente as respectivas partes melódicas, para num segundo momentos já reunidos em orquestra interpretarem a melodia no seu todo. 125 126 Conclusões Teremos assim as vertentes: 1. Médica (medicina do trabalho); 2. Psicossocial (factores stressantes, de risco, psicológicos); 3. Direito do trabalho (Regime de trabalho da função pública, limites às normas especiais que o excepcionam, regulamentação interna da P.J.); 4. Laboral (especificidades e exigências da Investigação Criminal, realidade laboral das polícias europeias). 1. Médica A comunidade científica e médica, conforme sublinhou o Dr. Carlos Sobral, na sua intervenção, não duvida que da sujeição prolongada a horários de trabalho nocturnos ou a horários irregulares, compreendendo períodos de privação do sono, poderão resultar consequências gravíssimas para o desempenho, resultantes de alterações da coordenação motora, com reflexos em todas as áreas com ela directamente implicadas. Alertou para a existência de estudos científicos recentes que provam que os efeitos da privação do sono em tarefas que envolvam coordenação, é equivalente ao efeito provocado pela intoxicação por álcool. Exemplificando através do desempenho de uma tarefa de coordenação motora com duração de 24 horas sem dormir, referiu ser equivalente a uma taxa de álcool no sangue de 1 grama por litro. Demonstrou a existência de factores lesivos para a saúde resultantes da desregulação do ritmo circadiano normal, em resultado do trabalho por turnos, trabalho nocturno, horários irregulares. Referiu ainda, ser com base nestes conhecimentos, que os médicos do trabalho procuram nos exames de admissão ou pré-colocação, identificar características individuais associadas à redução da tolerância ao trabalho nocturno, de forma a estabelecer estratégias de impedimento, vigilância particular ou aconselhamento de factores de higiene psico-fisiológica. O Professor Doutor Martins da Silva complementou a intervenção do colega, referindo uma síntese de vários estudos efectuados em universidades americanas e europeias, incidindo sobre voluntários sujeitos a horários nocturnos e frequentes fases de privação do sono. Desses estudos, resultou que os voluntários, se queixaram de sinais e apresentavam sintomas em tudo semelhantes a quem realiza uma viagem transoceânica ou transcontinental, nas quais se estabelece uma dessincronização entre o relógio biológico interno e as condições ambientais externas à chegada (jet lag). Esses sinais e sintomas incluem a sonolência diurna, fadiga, dificuldade em adormecer, baixa concentração, reflexos diminuídos, irritabilidade, queixas digestivas e mesmo sintomas depressivos. Conclusões Realçou, que estes problemas são uma realidade e por isso devem ser tidos em consideração na gestão de recursos humanos, pois, na sua opinião, as organizações (sociais e profissionais) devem pugnar para que os seres humanos vivam em harmonia, incluindo por maioria de razão a harmonia biológica. (ponderando-se as especificidades da função de investigação criminal, nomeadamente a necessidade de utilização de armas de fogo, de condução por vezes em situações limite, a perigosidade de inúmeras intervenções, a concentração exigível na realização audições ou de interrogatórios, é óbvio que a reflexão sobre os dados apresentados deverá constituir motivo de preocupação). 2. Psicossocial A Dr.ª Cristina Soeiro, psicóloga com extensa experiência na problemática e condicionantes relativas à Investigação Criminal, face à sua larga experiência de docente no Instituto Superior de Polícia Judiciária e Ciências Criminais, incidiu a sua intervenção sobre os problemas específicos dos polícias. Começou por considerar a investigação criminal como uma das profissões mais stressantes, por se tratar de uma actividade extremamente absorvente que conduz frequentemente a quadros de grande cansaço e até de depressão. Fez referência ao designado "Síndroma de John Waine", ou seja "cowboy solitário" o qual se constata existir em muitos investigadores da Polícia Judiciária, e que se traduz por um comportamento evolutivo de isolamento familiar e social. Concluiu através de um estudo recentemente efectuado, que muitos investigadores criminais não se apercebem que já estão a conviver em circuitos fechados, fortemente inibidores das relações familiares e de amizade, consequência do exercício de uma actividade profissional fortemente exigente e muito condicionada pela discrição e pelo sigilo profissional. Destacou como principal fonte de pressão negativa e de stress nos Inspectores da Polícia Judiciária, os factores relacionados com a organização interna da Instituição, nomeadamente, o relacionamento com as chefias, as condições de trabalho, a falta de pessoal, o excesso de trabalho, etc... Conclui assim que na P.J., os problemas de natureza organizacional têm mais impacto negativo no dia a dia do investigador, do que os perigos inerentes à actividade profissional. No topo dos medos expressos pelos investigadores, surgem duas situações directamente relacionadas com a actividade operacional e concretamente com o uso de armas de fogo: Atingir alguém acidentalmente no decurso de uma operação; Ver um colega ferido ou morto. 127 128 Conclusões Dado curioso nos investigadores da P.J., refere-se ao receio de ser morto ou ferido, factor que surge na escala de avaliação do estudo efectuado, somente em oitavo lugar. A curiosidade deste resultado resulta da comparação com os resultados dos factores de preocupações de polícias congéneres de outros países, nos quais surge no topo da tabela. Por último, outro dado que surpreendeu a Psicóloga por também contrariar a tendência observada em polícias congéneres, prende-se com a desvalorização do factor "rotina", o qual surge como factor de stress, numa terceira grandeza de importância. NOTA: Este resultado (e não pretendendo de modo algum alterar os resultados obtidos) poderá traduzir alguma dificuldade de identificação de causa, facto que, consequentemente, não permitirá uma análise perfeitamente correcta das consequências resultantes deste factor, numa perspectiva abrangente. 3. Direito do Trabalho Na sua intervenção, o Professor Doutor Jorge Leite da Faculdade de Direito da Faculdade de Coimbra, indicou as instâncias internacionais que produziram normas supranacionais interligadas com a problemática da Polícia Judiciária, destacando duas dessas normas: A Organização Internacional de Trabalho (OIT), que produziu importante documentação sobre os problemas de duração de jornadas de trabalho, de organização e gestão do tempo de trabalho, e: O Conselho da Europa, sobretudo através da Carta Social Europeia. Sublinhou que não existe nenhum princípio no Direito Internacional relativamente às questões que afectam os profissionais da Polícia Judiciária, que não tenha tradução na ordem jurídica portuguesa. Referiu que, independentemente do estatuto de serviço permanente e obrigatório a que os investigadores da Polícia Judiciária estão sujeitos, o qual, no seu entendimento, é mais dirigido à instituição do que ao indivíduo, existe um conjunto de princípios fundamentais do Direito Internacional que não podem nem devem estar vedados a qualquer ser humano, incluindo obviamente os polícias, entre os quais se poderão destacar: • Princípio da preservação da vida e da promoção da saúde, que tem por base a ideia de que todos os responsáveis institucionais têm o dever de adoptar medidas que acautelem e diminuam eventuais riscos para a vida e saúde das pessoas. No exercício de algumas profissões, como a de polícia, existem riscos inerentes à própria profissão os quais devem estar sempre sujeitos ao princípio de os reduzir ao mínimo possível. Conclusões • Princípio de que todos nós temos direito a um espaço de auto disponibilidade, o qual é insuperável e inultrapassável e que significa que ninguém pode estar relativamente a coisa alguma em situação de disponibilidade permanente, em virtude de todos terem direito a ter tempo e espaço para a vida e obrigações extra profissionais. Considerou a este propósito, que uma grande e sistemática carga de trabalho como a que existe na Polícia Judiciária, não pode ser uma regra de vida porque viola este princípio básico de liberdade pessoal. A conciliação entre a vida profissional e a vida extra profissional tem tradução jurídico-constitucional recente em Portugal (1997), mas consta há mais tempo no Direito Internacional, em Convenções da OIT e no Direito Comunitário. Dissertou ainda sobre o Princípio de Adaptação do Trabalho ao Homem, hoje também inserido nos grandes textos nacionais e internacionais. Explicou este princípio como contraponto à ideia Taylorista e mesmo Fordista de considerar o homem como uma espécie de prolongamento da máquina, obrigando-o a uma adaptação a esta. Este princípio veio inverter por completo a ideia de que a máquina é que controla o homem, determinando que o elemento fundamental é, e será sempre o homem, e que todas as formas de organização do trabalho que se revelem particularmente agressivas em relação à vida e à saúde das pessoas devem ser alteradas. O Professor Doutor Liberal Fernandes, da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, iniciou a sua intervenção defendendo que os Inspectores da Polícia Judiciária beneficiam do estatuto da Função Pública, embora com algumas limitações que a Lei Orgânica contempla. Entenderse o contrário seria atribuir um estatuto jurídico de menoridade ao Inspector da Polícia Judiciária comparativamente com o normal trabalhador da função pública, o que não seria justo, correcto, nem mesmo viável do ponto de vista legal. Relativamente à questão do trabalho prestado na instituição ser de carácter permanente e obrigatório, bem como à disponibilidade funcional, considerou que uma interpretação literal destes conceitos colidiria desde logo com um conjunto de direitos constitucionais, nomeadamente o direito ao repouso, o direito ao lazer, o direito à conciliação da vida profissional com a vida familiar, etc... Na sua perspectiva, a interpretação conjugada dos conceitos referidos, traduzse do ponto de vista jurídico, apenas e somente, num dever acrescido de disponibilidade para o serviço por parte do Inspector da Polícia Judiciária relativamente aos outros agentes do estado. Significa assim, em sua opinião, que pode ser exigível ao inspector da Polícia Judiciária a disponibilidade para ocorrer a uma chamada a qualquer hora ou mesmo a disponibilidade para períodos de tempo contínuos de trabalho 129 130 Conclusões superiores a outros trabalhadores da função pública, disponibilidade essa que deriva directamente da própria natureza do serviço que a P.J. presta, ou seja, de um corpo policial apto a responder de forma imediata e permanente às necessidades da investigação criminal. Contudo, na sua opinião, a Lei Orgânica da Polícia Judiciária, não resolve e deveria resolver o problema de saber a partir de que momento é que cessa esse dever de disponibilidade, ou seja, ao fim de quantas horas de serviço consecutivo pode o Inspector da P.J. recusar-se a prosseguir um serviço. E como a Lei Orgânica não resolve e não regula esta situação, será obrigatório procurar soluções no regime geral da função pública, no qual porventura também não serão encontradas as mais ajustadas à realidade concreta da investigação criminal. A questão que não oferece qualquer dúvida é a de que, o Inspector da P.J. está sujeito a um regime de horário normal de trabalho de 7 horas por dia, 35 horas semanais, como a restante função pública, o que significa em seu entender que todo o trabalho desenvolvido pelo Inspector da P.J. para além das 7 horas diárias ou das 35 horas semanais, só pode ser considerado como trabalho extraordinário, mais uma vez à luz do regime geral da função pública, pois trata-se de outra matéria não regulamentada no Lei Orgânica da Polícia Judiciária. Em matéria de compensação pelo trabalho extraordinário, também não tem qualquer dúvida, que do ponto de vista normativo, serão de aplicar na Polícia Judiciária as regras vigentes para os outros trabalhadores da função pública, mesmo que isso se traduza em pagar 5 vezes mais do que actualmente se está (ilegalmente) a pagar. 4. Laboral Pelo Dr. Jorge Braga, jurista especializado em Direito do Trabalho, na área da Administração Pública, foi explicado que o pessoal de investigação criminal não pode ter as mesmas regras sobre horários de trabalho que os demais funcionários e agentes do Estado, mas que isso não pode significar que haja que criar regras e que essas não possam dimanar da lei geral. Em seu entender é inultrapassável o respeito pelas normas constitucionais que a todos impõe direitos de que não se pode dispor, quer se esteja perante acto legislativo, quer perante a sua omissão. Nesse sentido, a omissão legislativa (caso da PJ) não poderá significar um prejuízo no tocante aos direitos constitucionais relativamente aos funcionários de investigação criminal, designadamente quanto "à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes de forma a facultar a sua realização pessoal". Conclusões Considerar que, finda a jornada de trabalho diário e sendo necessário prosseguir qualquer tipo de trabalho de investigação, o trabalhador entra em regime de "reforço às unidades de prevenção" ou "regime de prevenção activa" (como é classificado pelas normas internas emanadas pela Direcção), carece no mínimo de uma interrogação quanto à ilegalidade de tão abrupta afirmação. Mas também não se pode, por inverosímil, sublinhou, com recurso a teses centradas na "disponibilidade", ou no "carácter obrigatório do serviço", obrigar um funcionário a estar ao serviço 24, 48 ou 72 horas consecutivas sem dormir e/ou retirar um pouco de tempo para o seu descanso e recuperação física ou psíquica. Não se trata de uma questão de horários que aqui está em causa, mas sim uma questão humanitária e de ciência que qualquer dirigente tem obrigação de respeitar e pugnar para que não suceda. Surgem até dúvidas quanto à obrigatoriedade de obediência a ordens como esta. Isto apenas sucede, por ser enorme a indefinição legislativa que graça no seio da Polícia Judiciária e por se estar a viver com despachos internos, ilegais por incompetência absoluta dos seus autores para o efeito, e desde logo por estarem a criar direito novo. Classificar trabalho extraordinário como prevenção activa, se não é direito novo, não se sabe o que será. E desta indefinição, resulta em sua opinião, um duplo prejuízo para os funcionários de investigação criminal, porque não são remunerados pelo trabalho executado como o deveriam ser, e porque se cria um entrave ao descanso devido entre o terminus da prestação e o início do período seguinte. Uma das intervenções aguardadas com especial expectativa por se tratar de um dirigente da Instituição era, como aliás se mostra compreensível, a do Dr. Ferreira Leite, Director Nacional Adjunto da Polícia Judiciária, responsável actualmente pela Direcção Central de Combate ao Banditismo (departamento que combate o terrorismo e outras formas de crime violento). Porque se trata de um resumo conclusivo, irei limitar-me a sublinhar as grandes linhas apontadas na referida intervenção, as quais na opinião do orador, são consideradas essenciais para possibilitar alcançar um equilíbrio entre os interesses pessoais e organizacionais inerentes à Polícia Judiciária. Preencher o mais rapidamente possível os quadros previstos na Lei Orgânica da Polícia Judiciária, (o que na prática significa aumentar os actuais efectivos de 1326 para os 2450 previstos na L.O.), por considerar que muito embora a conjuntura não seja a mais adequada para as despesas públicas, os custos resultantes do continuado não preenchimento do quadro, acabam por ser significativamente elevados, conduzindo à crónica falta de recursos humanos, à insatisfação e redução de eficácia. 131 132 Conclusões Pagar de forma efectiva o trabalho extraordinário, considerando que se devem afastar liminarmente teses que se baseiam num alegado incumprimento reiterado e generalizado do período normal de trabalho e em que a compensação temporal assume foros de punição e não de retribuição. Dentro da mesma linha de raciocínio, opõe-se a visões de controlo burocrático e formal dos funcionários de investigação criminal pois, até prova em contrário, os investigadores da P.J. são pessoas de bem, que procuram dar o melhor de si próprios na realização das tarefas que à Polícia Judiciária incumbe realizar. Estabelecer limites obrigatórios e vinculativos para o trabalho contínuo, criticando as situações reais e muito frequentes de prolongamento de trabalho em contínuo que foram trazidas à conferência pela ASIC/PJ, considerando que as mesmas não são claramente adequadas aos tempos em que vivemos. Não sendo técnico para poder dizer quais são os limites, tem, contudo, a consciência de que eles existem, limites a partir dos quais se está a exercer uma autêntica violência sobre o funcionário. Gérard Greneron, Secretário-Geral do Conselho Europeu de Sindicatos de Polícia (CESP), alicerçou a sua intervenção numa abordagem aos aspectos profissional e humano, encontrados nas Polícias Europeias. 1. A actividade profissional e as suas contrariedades horárias. 2. As incidências sobre a vida profissional e privada do polícia. 3. As compensações existentes (horas extraordinárias e descanso "compensatório"). 1. A actividade profissional e os condicionalismos horários: Os serviços de polícia de investigação devem forçosamente adaptar a sua actividade profissional à do seu alvo - a actividade criminal. Pode-se facilmente comparar a actividade policial à dos "Serviços de Urgências" em meio hospitalar. Assim, os polícias são tributários do acontecimento e os delinquentes não praticam os delitos às horas normais dos empregados de escritório. É por essa razão que o polícia é um funcionário do Estado regido por leis específicas que divergem do estatuto geral da função pública. Este estatuto confere-lhe poderes legais importantes mas, em contrapartida, submete-o a obrigações constrangedoras. Esta actividade característica, leva naturalmente a que se possa esboçar um rápido retrato do polícia de investigação europeu: "É um Homem apaixonado pela sua profissão e o seu empenhamento está à altura da sua paixão". Conclusões Constata-se também que a Administração usa e abusa desta paixão submetendo-o a horários de trabalho excessivos. Chega-se a um paradoxo: o polícia que tem por missão velar pelo respeito das leis e regulamentos é submetido a cargas horárias que o colocam à margem das leis aplicadas aos demais cidadãos! - Os garantes da lei são foras-da-lei! 2. As incidências sobre a vida profissional e privada do polícia: • Sobre a vida profissional: Tal como sublinhou a Dr.ª. CRISTINA SOEIRO, psicóloga do ISPJCC, na sua exposição "Os factores stressantes na investigação criminal", a acumulação de horas origina uma fadiga e um stress prejudicial à pessoa de quem o sofre. De facto, sendo o stress prejudicial para o polícia também o pode ser para o cidadão a quem é seu dever proteger. O corpo médico traz provas científicas de que os efeitos negativos sobre o organismo se materializam através de desequilíbrios físico e psicológico. Estes desequilíbrios diminuem o potencial profissional do pessoal que realiza a investigação criminal. A qualidade no desempenho resulta também ela diminuída, prejudicando a manifestação da verdade, quer através de erros processuais quer de uma falta de lucidez na condução das investigações. Por outro lado, em casos de intervenção urgente, inúmeras vezes encontrados no exercício da profissão de polícia - intervenções em flagrante delito, detenções, etc. - é elevada a tensão nervosa, somando-se aos efeitos negativos gerados pelo cansaço. O stress daí decorrente pode gerar situações prejudiciais para o polícia e, em certos casos, para o cidadão - defeituosa avaliação do perigo, uso intempestivo de armas de fogo, tomada de riscos desproporcionados, etc. • Sobre a vida privada: O estado de fadiga é um fenómeno que gera uma falta de disponibilidade e um nervosismo muitas vezes nocivos ao equilíbrio familiar. As ausências do polícia enquanto pai, aliadas aos ritmos de trabalho que este tem de suportar, são inúmeras vezes mal vividas pelo seu meio familiar. Esta falta de disponibilidade, de "escuta do outro" no seio da família, intensifica a incompreensão que é, com frequência, sentida reciprocamente. NB: O número de divórcios registados entre os membros desta profissão é disso exemplo notório. 133 134 Conclusões As tensões que aparecem na célula familiar alimentam por seu turno o nível de stress suportado pelo polícia, e constata-se o surgimento de um fenómeno de "espiral infernal" contra o qual é difícil lutar e onde se encontram os mesmos ingredientes: cansaço - stress - falta ou ausência de escuta - nervosismo - incompreensão - stress... 3. As compensações existentes: • O pagamento das horas extraordinárias: Nos países que optaram pelo pagamento das horas extraordinárias, Alemanha, Bélgica, Itália, constata-se que a taxa horária fixada pela Administração está muito abaixo da taxa horária praticada relativamente às horas ditas "ordinárias". Note-se que não existe nenhuma taxa horária propriamente dita, tratando-se antes de uma extrapolação a partir da base de cálculo seguinte: rendimento mensal dividido pelo número de horas efectuadas. É usual comparar, entre polícias europeus, a taxa horária que lhes é aplicada, àquela que é habitualmente atribuída a uma empregada de limpeza. Qualquer um poderá comparar e constatar se o polícia é equitativamente pago, tendo em conta o seu grau de formação académica e técnico-profissional e as suas responsabilidades. No entanto, a legislação europeia, e mais precisamente a Carta Social Europeia estipula no seu artigo 4.º: "...o exercício efectivo do direito a uma remuneração equitativa, O Direito a uma remuneração equitativa, a reconhecer o direito dos trabalhadores a uma taxa de remuneração acrescida para as horas extraordinárias..." O exercício destes direitos deve ser assegurado quer por via de convenções colectivas livremente acordadas, quer por métodos legais de fixação dos salários, quer ainda de qualquer outra forma apropriada às condições nacionais". Lembrou a propósito que Portugal assinou e ratificou a Carta Social Europeia e os seus protocolos adicionais, entre os quais aquele que prevê um sistema de reclamações colectivas. • Os descansos compensatórios: Outra solução adoptada em certos países, como a França, é o princípio da compensação horária. Esta compensação pode ser de 100, 150, ou 200% em função do dia de trabalho em causa: dia útil, descanso legal, descanso semanal, feriado ou hora nocturna. Conclusões À luz da realidade dos serviços de polícia e dos seus ónus, este princípio de descanso compensatório atinge rapidamente os seus limites. Em grande número de serviços de investigação, o "acontecimento" torna muito frequentemente difícil o gozo destes dias de descanso. É comum constatar que as horas extraordinárias acumuladas ultrapassam em muito a possibilidade oferecida ao polícia (durante o ano) de as recuperar. Assim, por exemplo em França, o cúmulo de horas por gozar ascende a vários milhões! Comparando os diversos regimes aplicados nas Polícias dos países membros do Conselho Europeu dos Sindicatos de Polícia (CESP), ressalta a não existência de um regime uniforme ou equivalente, que tenha em conta os imperativos profissionais ligados à função de investigador, sendo todavia impensável que se aceite sem reagir o sacrifício dos legítimos direitos sociais do polícia; - Antes que a corda parta! Do teor das intervenções anteriormente resumidas, tornam-se evidentes três pontos fundamentais: 1. Todas elas foram produzidas, cada uma na sua área, por pessoas sobre as quais não recai qualquer sombra de dúvida relativamente à qualidade do seu saber, à sua experiência profissional e ao seu rigor e independência; 2. Todas são unânimes em reconhecer que a legislação aplicada no caso concreto à Polícia Judiciária, levanta no mínimo sérias dúvidas no tocante à sua legalidade, carecendo de rectificação urgente; 3. Urge efectuar um trabalho de reformulação da legislação referente à forma de compensação do trabalho extraordinário produzido pelos profissionais de investigação criminal, minimizando simultaneamente os prejuízos que resultam para a saúde dos profissionais, bem como, o transtorno a nível organizacional da própria instituição e balizando as jornadas de trabalho contínuo com duração extremamente excessiva. A ASFIC/PJ, julga que as conclusões resultantes desta Conferência, ultrapassaram as expectativas e contribuíram para um esclarecimento aprofundado de uma matéria essencial para a realização diária do trabalho produzido pela, e na, Polícia Judiciária. Faremos chegar aos responsáveis que tutelam o Ministério da Justiça e a Polícia Judiciária o resultado desta conferência, esperando que o mesmo contribua para alcançar as soluções que se impõem com manifesta urgência. 135 136 Conclusões Prosseguiremos simultaneamente junto dos Tribunais competentes com as acções que seguem já seus trâmites, nomeadamente a de Acção de Reconhecimento de Direitos, bem como, as avulsas, que forem surgindo no decorrer do tempo. Divulgaremos através do CESP o presente livro a todos os polícias europeus, por entendermos com toda a modéstia, que o seu conteúdo poderá contribuir para melhor compreensão de problemas que são sentidos pelos profissionais, que em qualquer parte, desenvolvem a investigação criminal, problemas esses que sabemos serem transversais a várias polícias de diversos países. À Sr.ª Ministra da Justiça atrevo-me a retribuir-lhe o desafio que nos lançou. Cumprimos com a nossa parte efectuando uma reflexão aprofundada sobre a matéria em causa, apontando causas, desenvolvimento e consequências. Fizemo-lo, recorrendo a bases rigorosas e científicas, permitindo que a reivindicação sindical fosse suportada por bases praticamente indiscutíveis. Continuamos, como sempre estivemos, abertos ao diálogo, mas exigimos que o mesmo se desenvolva com celeridade com o objectivo de servir a Instituição, os funcionários e o cidadão, em virtude estarmos na presença de vectores que interagem e são obviamente interdependentes. Para além do mais, julgo não existirem dúvidas de que, o Ministério da Justiça deve ser, em toda e qualquer circunstância, o espelho da aplicação da mesma. Se a algumas das partes compete apresentar uma proposta concreta, é lógico que será ao Ministério. A nós competirá estudá-la, apreciar da sua justeza, dialogar no sentido de que a solução encontrada seja justa e viável para ambas as partes. Queremos evitar que se torne realidade a figura base de apresentação da nossa Conferência, ou seja, queremos evitar que a corda parta... NOTA: Em nome da ASFIC/PJ, seria uma enorme injustiça não dirigir uma simples palavra de agradecimento, pelo empenhamento e dedicação demonstrada, a todos os que trabalharam afincadamente na realização desta Conferência e em todos os trabalhos colaterais que permitiram a sua divulgação. O Presidente Nacional da ASFIC/PJ MANUEL CARNEIRO RODRIGUES 137 Legislação Citada na Conferência 138 Despacho 248/MJ/96 Despacho 248/MJ/96 (Regulamento dos Serviços de Piquete e de Unidade de Prevenção) O sistema de funcionamento dos serviços da Polícia Judiciária baseado em piquetes de atendimento e em unidades de prevenção não voltou a ser reequacionado, de forma global e integrada, desde a aprovação do despacho conjunto publicado no DR, 2.ª, de 4-11-83. Já o sistema de trabalho por turnos, também regulado nesse despacho, passou a ser enquadrado pelo regime estabelecido na lei geral. Os crimes e os seus agentes não conhecem horários de trabalho ou dias de descanso semanal, pelo que o serviço de polícia criminal é, desde sempre, de carácter permanente e obrigatório, garantindo vinte e quatro horas por dia a prossecução das atribuições da Polícia Judiciária. Esta característica da actividade policial determina a adopção de modalidades específicas de organização do serviço e de prestação de trabalho que obstem à duplicação de efectivos sem sujeitarem os funcionários a um regime de trabalho excessivamente penoso. Se há acções que devem ser imediatamente desencadeadas, exigindo-se, por isso, a permanência, a todo o instante, dos meios operacionais indispensáveis, outras actividades há, porém, que só ocasionalmente têm de ser asseguradas fora do horário normal de prestação de serviço. O serviço de piquete e os turnos de funcionários cumprem o objectivo primeiramente enunciado, sendo o segundo assegurado pelo serviço de unidades de prevenção. Embora não se justifiquem, para já, alterações profundas do regime vigente, importa todavia moldá-lo de forma a adaptar os serviços de piquete e de unidades de prevenção ao actual sistema de articulação das diferentes unidades orgânicas que integram a instituição, reflectindo os novos modelos estratégicos de combate à criminalidade. O trabalho por turnos não apresenta, na Polícia Judiciária, qualquer especialidade que determine o seu afastamento do regime acolhido na lei geral. Assim, atento o disposto no n.º 4 do art. 13.º do Dec.-Lei 295-A/90, de 21-9, o Ministro da Justiça determina: 1 - É aprovado o Regulamento dos Serviços de Piquete e de Unidades de Prevenção ou Turnos de Funcionários da Polícia Judiciária, que se publica em anexo. 2 - É rovogado o despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Justiça, publicado no DR, 2.ª, de 4-11-83, bem como os n.os 4 e 5 do art. 2.º e o n.º 1 do art. 5.º do Desp. 68/91, do Ministro da Justiça, publicado no DR, 2.ª de 14-8-91. 3 - O Regulamento a que se refere o n.º 1 entra em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao da sua publicação. 10-12-96. – O Ministro da Justiça, José Eduardo Vera Cruz Jardim. Despacho 248/MJ/96 Regulamento dos Serviços de Piquete e de Unidades de Prevenção ou Turnos de Funcionários I - Serviço de Piquete Artigo 1.º - Definição e organização 1 - Designa-se por Serviço de Piquete o sistema organizado de meios humanos e materiais que assegura, em regime de permanência, o funcionamento dos serviços operacionais e de atendimento da Polícia Judiciária. 2 - O Serviço de Piquete é organizado em função das necessidades e dos meios disponíveis, no âmbito da Directoria-Geral e de cada directoria, inspecção e subinspecção, sendo constituído por elementos dos grupos de pessoal de investigação criminal e de apoio à investigação criminal. 3 - Em Lisboa, o Serviço de Piquete é comum à Directoria-Geral e à respectiva directoria, funcionando na directa dependência do director-geral. Artigo 2.º - Competência do Serviço de Piquete 1 - Ao Serviço de Piquete compete: a) Tomar conta das ocorrências que, por qualquer forma, lhe sejam comunicadas e providenciar pelo seu devido encaminhamento; b) Formalizar queixas e informações; c) Acorrer prontamente aos apelos que lhe sejam dirigidos em matéria criminal ou suspeita de o ser, realizando as diligências de investigação de carácter urgente; d) Estabelecer a ligação com as secções de investigação e outras autoridades sempre que as acções a desenvolver se revistam de importância, urgência ou complexidade notória; e) Proceder a diligências de prevenção ou investigação, ou quaisquer outras com elas relacionadas, que lhe sejam superiormente ordenadas; f) Canalizar para as secções de investigação as queixas que requeiram tratamento imediato e não possam ser, por si, efectuadas; g) Assegurar o funcionamento dos serviços de atendimento fora do horário normal de prestação de serviço. Artigo 3.º - Funções do inspector 1 - Compete ao inspector de Piquete dirigir, coordenar e orientar superiormente o respectivo Serviço e, em especial: a) Apreciar e decidir sobre o destino a dar aos detidos em flagrante delito pelo Piquete ou neste apresentados por qualquer cidadão; b) Decidir, nos termos das leis de processo, sobre a detenção fora de flagrante delito de indivíduos suspeitos da prática de infracções directamente denunciadas ao Piquete; 139 140 Despacho 248/MJ/96 c) Decidir sobre o procedimento a adpotar relativamente a indivíduos procurados em processos pendentes cuja localização o Piquete tenha obtido; d) Controlar a legalidade dos actos de investigação criminal, nomeadamente no âmbito das medidas cautelares e de polícia; e) Esclarecer as dúvidas que lhe sejam expostas pelo subinspector na recepção de denúncias pelo Piquete, designadamente no que se refere ao carácter jurídico-penal dos factos que se pretendem denunciar; f) Dar pronto conhecimento superior de todas as ocorrências ou factos que, pela sua natureza, gravidade ou especial interesse, devam ser transmitidos; g) Ordenar a intervenção dos elementos do grupo de pessoal de apoio à investigação; h) Até às 9 horas, visar o relatório que lhe será apresentado pelo subinspector após o termo do período de Piquete e dar destino ao expediente elaborado. 2 - Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a decisão será tomada pelo inspector da secção competente sempre que se encontre nas instalações ou seja possível contactá-lo. Artigo 4.º - Obrigatoriedade e prioridade O Serviço de Piquete é obrigatório e tem prioridade sobre qualquer outro serviço, função ou actividade. Artigo 5.º - Escalas do Serviço de Piquete 1 - Em cada um dos departamentos em cujo âmbito é organizado o Serviço de Piquete serão estabelecidas duas escalas de piquete, uma ordinária e outra extraordinária. 2 - A escala extraordinária aplica-se ao serviço prestado nas vésperas e dias de Ano Novo, Páscoa e Natal. Artigo 6.º - Horário 1 - O Serviço de Piquete funciona, diariamente, durante vinte e quatro horas. 2 - O início de cada período de serviço do pessoal que integra o Piquete terá lugar às 8 horas e 30 minutos e o seu termo às 8 horas e 30 minutos do dia seguinte. 3 - O pessoal que termine o período de Serviço de Piquete não pode abandonar o serviço sem que se apresente aquele que o deva substituir. Despacho 248/MJ/96 Artigo 7.º - Permanência do Inspector 1 - O inspector que integra o Serviço de Piquete conservar-se-á nas instalações até às 20 horas, salvo o disposto nos numeros seguintes. 2 - Aos sábados, o período normal de permanência obrigatória termina às 12 horas e 30 minutos. 3 - Nos domingos e feriados considera-se dispensada a presença do inspector. 4 - Nos períodos em que não permaneça nas instalações, o inspector de Piquete deverá manter-se contactável, de modo a garantir a sua imediata comparência logo que necessária. Artigo 8.º - Ausência 1 - O pessoal que inicie o Serviço de Piquete não pode ausentar-se das intalações, salvo no exercício de funções próprias do Serviço ou por outros motivos de carácter urgente, precedendo autorização do respectivo inspector ou subinspector. 2 - O subinspector designa sempre o funcionário que o substitui na sua ausência. Artigo 9.º - Alimentação Ao pessoal que integre o Serviço de Piquete são fornecidas duas refeições, correspondentes ao jantar e a uma ceia ligeira. Artigo 10.º - Relatório do Serviço de Piquete Diariamente é apresentado o relatório do Serviço de Piquete ao dirigente do departamento em cujo âmbito é organizado. Artigo 11.º - Folgas 1 - O pessoal que tenha integrado o Serviço de Piquete folga no primeiro dia útil imediato ao do termo da prestação daquele serviço. 2 - Quando as disponibilidades de pessoal do departamento não permitam a observância do disposto no número anterior, e sem prejuízo do gozo de folga nas vinte e quatro horas seguintes ao termo da prestação do Serviço de Piquete, os dias de folga não gozados são contados como dias de descanso para serem gozados conjuntamente com o período de férias anual. Artigo 12.º - Faltas As faltas ao Serviço de Piquete são consideradas faltas ao serviço. 141 142 Despacho 248/MJ/96 Artigo 13.º - Regulamentos de execução 1 - Os departamentos em cujo âmbito seja organizado o Serviço de Piquete elaboram e submetem à aprovação do director-geral, no prazo de dois meses, as normas necessárias à execução do presente Regulamento, definindo a composição e o modo de funcionamento do Serviço, as funções de cada um dos elementos que o integra, o regime de substituições, permutas e dispensas, o modelo de escalas e quaisquer outras matérias que devam ser especialmente reguladas. 2 - As normas referidas no número anterior revestem a forma de instrução permanente de serviço (IPS). 3 - Os actuais regulamentos dos piquetes cessam a sua vigência quatro meses após a entrada em vigor do presente Regulamento, se antes não tiverem sido substituídos pelos regulamentos de execução a que se refere o n.º 1. II - Serviço de Unidades de Prevenção Artigo 14.º - Definição Entende-se por Serviço de Unidades de Prevenção aquele em que o pessoal, não estando obrigado, permanecer fisicamente nas instalações, fica permanentemente contactável e disponivel para acorrer às necessidades do serviço quando para tal seja solicitado. Artigo 15.º - Horário de funcionamento O Serviço de Unidades de Prevenção funciona durante o espaço de tempo não abrangido pelo horário normal de trabalho diário. Artigo 16.º - Organização 1 - O Serviço de Unidades de Prevenção é organizado no âmbito da Directoria-Geral e de cada directoria, inspecção e subinspecção, encontrando-se a ele sujeito todo o pessoal, independentemente da sua categoria, em funções no departamento. 2 - As áreas funcionais abrangidas pelo Serviço de Unidades de Prevenção serão definidas por despacho do director-geral, a publicar em todas as ordens de serviço, mediante proposta fundamentada dos dirigentes dos departamentos em cujo âmbito aquele Serviço é organizado. Artigo 17.º - Designação e contacto com o pessoal 1 - A designação do pessoal que, no âmbito de cada departamento, integra o Serviço de Unidades de Prevenção bem como a gestão da respectiva escala competem ao dirigente do departamento. Despacho 248/MJ/96 2 - Tendo em vista potenciar a eficácia do Serviço, provilegiar-se-á a utilização de meios electrónicos no contacto com o pessoal que o integre, os quais lhe serão fornecidos na medida das disponibilidades logísticas e orçamentais dos respectivos departamentos. Artigo 18.º - Alimentação Quando o pessoal que integra o Serviço de Unidades de Prevenção presta efectivamente serviço entre as 20 e as 22 horas, bem como aos sábados, domingos e feriados entre as 12 e as 14 horas tem direito ao fornecimento de uma refeição em termos idênticos aos do pessoal do Serviço de Piquete. Artigo 19.º - Faltas Ao pessoal que integre o Serviço de Unidades de Prevenção e que não se encontre contactável ou não compareça ao serviço quando solicitado para tal será averbada uma falta, sem prejuízo da responsabilidade disciplinar que venha a ser apurada. Artigo 20.º - Gestão administrativa do Serviço 1 - O responsável por cada uma das áreas funcionais abrangidas pelo Serviço de Unidades de Prevenção remeterá ao sector ou núcleo com competências de administração financeira, até ao dia 10 de cada mês, a relação do pessoal que, no mês anterior, se encontrou integrado naquele Serviço. 2 - O responsável pelo serviço que tenha efectivamente utilizado pessoal integrado no Serviço de Unidades de Prevenção remeterá ao sector ou núcleo com competências de administração financeira uma relação do pessoal que utilizou, da qual constará a hora em que foi feita a convocatória, bem como as horas de início e do termo do serviço prestado. III - Turnos de funcionários Artigo 21.º - Remissão Quando as características de um serviço o justifiquem, poderá ser adoptada a modalidade de trabalho por turnos nos termos da lei geral. 143 144 Despacho 07-SEC/DG Regime de folgas decorrente da prestação de serviço efectivo por parte dos funcionários em regime de prevenção 1. Serviço efectivo de prevenção prestado nos dias úteis 1.1. Os funcionários de prevenção que prestem serviço efectivo: a) Por seis horas, contadas depois das 20 horas, b) ou que se prolongue para além das 02 horas, c) ou que se inicie entre as 02 horas e as 06 horas, têm direito a folga, a gozar nesse dia, salvo se necessidades de serviço impuserem a sua conveniência em dia diverso. 1.2. Os funcionários de prevenção que prestem serviço efectivo que não ultrapasse as 02 horas e que tenha duração mínima de quatro horas, contadas a partir das 20 horas, terão direito a folga durante a manhã seguinte. 2. Serviço efectivo de prevenção prestado aos sábados, domingos e feriados. 2.1. Terá direito ao gozo da manhã do dia útil imediato ao da prestação efectiva do serviço, o funcionário que o tenha efectuado nas noites de sexta-feira para sábado, de sábado para Domingo ou da véspera de feriado para o feriado, sempre que esse serviço tenha cessado entre as 23 horas e as 02 horas e tenha havido uma prestação laboral, no mínimo de 4 horas; 2.2. Terá direito ao gozo da manhã e tarde do dia útil imediato ao da prestação efectiva do serviço, o funcionário que o tenha efectuado nas noites de sexta-feira para sábado, de sábado par Domingo ou da véspera de feriado para o feriado, sempre que esse serviço se prolongue para lá das 02 horas ou que se inicie entre estas e as 07 horas; 2.3. Terá direito ao gozo da manhã e tarde do dia útil imediato ao da prestação efectiva do serviço, o funcionário que o tenha efectuado, por mais de sete horas, ao sábado, Domingo ou feriado. Lisboa, 31 de Janeiro de 1997 O Director-Geral (Fernando Negrão) Portaria n.º 98/97 Portaria n.º 98/97 de 13 de Fevereiro Os serviços de piquete e de unidades de prevenção visam assegurar a prossecução das atribuições da Polícia Judiciária em regime de permanência. Os montantes da retribuição destas formas específicas de prestação de trabalho foram fixados, pela última vez, em 1993, tendo, desde então, sofrido uma depreciação, que importa corrigir, sobretudo tendo em conta que o incremento do nível qualitativo da criminalidade tem correspondentemente gerado uma elevação das exigências da prestação de trabalho naquelas modalidades. De notar, ainda, que, tendo em vista garantir uma actualização anual automática dos montantes da retribuição em causa, se abandona o sistema de fixação do seu concreto montante em favor da afinação de uma percentagem do índice 100 da escala salarial do pessoal de investigação criminal. Por outro lado; e finalmente; importa transpor para regulamento assinado pelos Ministros das Finanças e da Justiça o regime retributivo do trabalho por turnos em vigor na Polícia Judiciária. Assim, tendo em conta o disposto no n.º 3 do artigo 13.º e no n.º 1 do artigo 100.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21 de Setembro: Manda o Governo, pelos Ministros das Finanças, da Justiça e Adjunto, o seguinte: 1.º O suplemento de piquete a que tem direito o pessoal da Polícia Judiciária é fixado nas seguintes percentagens do índice 100 da escala salarial do pessoal de investigação criminal: a) Dias úteis: Inspectores - 4,8%; Subinspectores - 4,4%; Agentes e outro pessoal - 4,3%; b) Sábados, domingos e feriados: Inspectores - 6%; Subinspectores - 5,5 %; Agentes e outro pessoal - 5,4%. 2.º Os montantes resultantes do cálculo das percentagens fixadas no número anterior são arredondados para a centena de escudos imediatamente superior. 3.º O suplemento de prevenção é fixado em 40% dos valores obtidos nos termos dos números anteriores. 4.º A prestação efectiva de trabalho por parte do pessoal que integra o serviço de unidades de prevenção é remunerada em função do valor-hora calculado da seguinte forma: Valor do suplemento de piquete 12 145 146 Portaria n.º 98/97 5.º O valor da hora de trabalho prestado a partir das 24 horas sofre um acréscimo de 100% relativamente ao fixado no número anterior. 6.º Em caso algum o montante total auferido em função do disposto nos n.ºs 3.º, 4.º e 5.º pode exceder o do correspondente suplemento de piquete. 7.º O montante mensal dos suplementos referidos nos números anteriores, auferido por qualquer funcionário, não pode ultrapassar um terço da respectiva remuneração base. 8.º O pessoal da Polícia Judiciária que trabalha em regime de turnos tem direito a um suplemento correspondente a um acréscimo de remuneração calculado sobre a sua remuneração base, de acordo como as seguintes percentagens: a) Regime de turnos permanente, parcial e total - respectivamente 22% e 25%; b) Regime de turnos semanal prolongado, parcial e total - respectivamente 20%, e 22%; c) Regime de turnos semanal, parcial e total - respectivamente 15% e 20%. 9.º Os encargos resultantes da execução do disposto nos n.ºs 1.º a 7.º serão satisfeitos, na medida em que excederem as disponibilidades das correspondentes dotações inscritas no Orçamento do Estado, pelos cofres administrados pelo Gabinete de Gestão Financeira do Ministério da Justiça. 10.º Os valores ora fixados vigoram a partir do mês imediato ao da publicação da presente portaria. 11.º São revogados a Portaria n.º 447/93; de 28 de Abril, e o n.º 2 do artigo 5.º do Despacho n.º 68/91 do Ministro da Justiça, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 14 de Agosto de 1991. Presidência do Conselho de Ministros e Ministérios das Finanças e da Justiça. Assinada em 28 de Janeiro de 1997. Pelo Ministro das Finanças, Maria Manuela de Brito Arcanjo Marques da Costa, Secretária de Estado do Orçamento. - O Ministro da Justiça, José Eduardo Vera Cruz Jardim. - O Ministro-adjunto, Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho. Decreto-Lei n.º 275-A/2000 Decreto-Lei n.º 275-A/2000 (Lei Orgânica da Polícia Judiciária) Artigo 79.º - Serviço Permanente 1. O serviço na Polícia Judiciária é de carácter permanente e obrigatório. 2. O horário normal de trabalho é definido por despacho do Ministro da Justiça. 3. O serviço permanente é assegurado fora do horário normal, por piquetes de atendimento e unidades de prevenção, ou turnos de funcionários, tendo os funcionários direito a suplementos de piquete, de prevenção e de turno. 4. A regulamentação de serviço de piquete e do serviço de unidades de prevenção ou turnos de funcionários é fixada pelo despacho do Ministro da Justiça. 5. Mediante despacho do Director Nacional, sempre que tal se revele necessário, podem ser estabelecidos serviços, em regime de turno, destinados a acções de prevenção e de investigação de crimes, sem prejuízo do regime geral da função pública. 6. Com excepção do disposto no número seguinte, 25% da remuneração base corresponde ao factor de disponibilidade funcional. 7. Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do presente artigo, o pessoal operário e auxiliar tem direito a um suplemento de prevenção, de modo a ser assegurado o carácter permanente e obrigatório do serviço da Polícia Judiciária, de montante a fixar por portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça, sendo devido a partir da data de entrada em vigor do presente diploma. 147 148 Despacho n.º 006/2002-SEC/DN Despacho n.º 006/2002-SEC/DN ("Serviço de Prevenção/ /Trabalho extraordinário/ /Pagamento") Considerando, - que, nos termos do Dec. Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro, o serviço prestado fora do horário normal é assegurado por unidades de prevenção ou piquete. - que é perceptível a falta de uniformidade quer na autorização quer no pagamento da prestação de trabalho efectivo fora do horário normal de trabalho, - que o atraso na publicação da legislação complementar referida no art. 79.º do Dec. Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro, não deve impedir a adopção de critérios de uniformização, - que o serviço prestado para além do horário normal, quando não assegurado por funcionários que integrem tais unidades, poderá ser remunerado nos termos dos arts. 4.º, 5.º, 6.º e 7.º da Portaria n.º 98/97, de 13 de Fevereiro, - ainda o disposto no Regulamento do Horário de Trabalho do Pessoal da Polícia Judiciária, de 9 de Julho de 1991 e as limitações à prestação de trabalho extraordinário previstas no Dec. Lei n.º 259/98, de 18 de Agosto, Determino: 1. Serviço de Prevenção 1.1. O Serviço que à Polícia Judiciária compete assegurar em regime de permanência é regularmente prestado, fora do horário normal, por serviços de unidades de prevenção (prevenção passiva) ou piquete, para o efeito previamente escalados. 1.2. Considera-se de carácter permanente o serviço que, correspondendo à necessidade de assegurar a realização, ou continuação da realização, de actos de prevenção, investigação ou apoio à investigação, de cujo adiamento, ou interrupção da prestação, resultaria irremediável prejuízo para o sucesso da investigação. 1.3. O serviço que, nos termos do número anterior, se deva realizar fora do horário normal de trabalho e não possa ser assegurado pelas unidades de prevenção ou piquete, será prestado em regime de reforço às unidades de piquete ou prevenção (prevenção activa) e remunerado nos termos dos arts. 4.º, 5.º, 6.º e 7.º da Portaria n.º 98/97, de 13 de Fevereiro. 1.4. Compete ao dirigente da unidade orgânica, suportado no juízo de imprescindibilidade referido em 1.2, a decisão de prestação de trabalho fora do período normal (prevenção activa), não estando por isso na disponibilidade do funcionário que o presta. Despacho n.º 006/2002-SEC/DN 1.5. Do trabalho realizado nas circunstâncias dos números anteriores, bem como da prestação efectiva de trabalho quando integrando o serviço de unidades de prevenção, será elaborado, individualmente, um "Mapa do Serviço de Prevenção e Prestação Efectiva de Trabalho", cujo impresso modelo se encontra disponível na rede, o qual, depois de visado pelo superior hierárquico, será submetido a despacho do dirigente da unidade. 2. Trabalho Extraordinário 2.1. A prestação de trabalho extraordinário nos termos do art. 25.º e seguintes do Dec. Lei n.º 259/98, de 18 de Agosto, apenas terá lugar quando necessidades do serviço imperiosamente o exigirem, em virtude de acumulação anormal ou imprevista do trabalho e, fundamentadamente, não seja possível, aconselhável ou adequado o recurso ao mecanismo previsto nos números anteriores. 2.2. Sempre que seja prestado trabalho extraordinário, deverá o dirigente da unidade orgânica: a) Remeter aos serviços de administração financeira, até ao dia cinco do mês seguinte a que respeita, "Mapa de Prestação de Trabalho Extraordinário", cujo impresso modelo se encontra disponível na rede; b) Remeter mensalmente ao Director Nacional cópia do referido mapa, com a fundamentação exigida no número anterior, bem como informação actualizada sobre os limites ao trabalho extraordinário referidos no art. 27.º do Dec. Lei 259/98, de 18 de Agosto. 3. Gestão e Controlo Administrativo 3.1. Para além da fundamentação atrás referida, porque a prestação de trabalho fora do horário normal se reveste de carácter excepcional, o recurso a tal prestação apenas deverá ter lugar para a execução de tarefas que não possam e/ou não devam ser realizadas dentro do período normal de trabalho ou pelas unidades que têm por finalidade assegurar o trabalho fora deste período; 3.2. Como consequência do pressuposto referido no número anterior, sobre as chefias nos diversos níveis da cadeia hierárquica, em geral, e sobre os dirigentes, em particular, impende um duplo dever de garantir a plena execução da missão de cada unidade dentro do período normal de trabalho e o de garantir o rigoroso cumprimento do horário de trabalho. 149 150 Despacho n.º 006/2002-SEC/DN 3.3. Para efeitos de controlo e avaliação da gestão, deverão os responsáveis pelas unidades orgânicas sediadas fora da cidade de Lisboa, remeter ao Departamento de Administração Financeira e Patrimonial: a) Relação dos funcionários que integraram os serviços de unidades de prevenção (prevenção passiva) organizada mensalmente e por áreas funcionais abrangidas; b) Relação dos funcionários que, integrando os serviços de unidades de prevenção, prestaram efectivo trabalho (prevenção activa), organizada mensalmente, por áreas funcionais abrangidas e número de horas de trabalho prestado; c) Relação dos funcionários que, não integrando os serviços de unidades de prevenção, prestaram efectivo trabalho fora do período normal (prevenção activa) organizada mensalmente, por áreas funcionais abrangidas, valores e número de horas de trabalho prestado. 4. As dúvidas resultantes da interpretação a aplicação do presente despacho serão resolvidas pelo Director Nacional. 5. O presente despacho entra imediatamente em vigor. Lisboa, 15 de Fevereiro de 2002 O Director Nacional (LUÍS BONINA) Despacho Normativo n.º 18/2002 Despacho Normativo N.º 18/2002 Nos termos do disposto no N.º 2 do artigo 79.º do Decreto-Lei N.º 275-A/ /2000, de 9 de Novembro, e ouvidas as associações sindicais representativas do pessoal da Polícia Judiciária, determino o seguinte: 1 - É aprovado o Regulamento do Horário de Trabalho do Pessoal da Polícia Judiciária, anexo ao presente despacho e do qual faz parte integrante. 2 - É revogado o despacho N.º 68/1991, de 9 de Julho, publicado no Diário da República, II.ª série, de 14 de Agosto de 1991. 3 - O presente despacho entra em vigor no dia 1 do mês seguinte ao da sua publicação. Ministério da Justiça, 13 de Março de 2002. - Pelo Ministro da Justiça, Diogo Campos Barradas Lacerda Machado, Secretário de Estado da Justiça. ANEXO Artigo 1.º - Âmbito Regulamento do Horário de Trabalho do Pessoal da Polícia Judiciária O presente Regulamento aplica-se a todos os funcionários e demais pessoal ao serviço da Polícia Judiciária, qualquer que seja o vínculo e natureza das suas funções. Artigo 2.º - Natureza do serviço na Polícia Judiciária O disposto no presente Regulamento não prejudica o carácter permanente e obrigatório do serviço, de acordo com o previsto no N.º 1 do artigo 79.º do Decreto-Lei N.º 275-A/2000, de 9 de Novembro. Artigo 3.º - Duração do trabalho 1 - A duração semanal do trabalho é, nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei N.º 259/1998, de 18 de Agosto, de trinta e cinco horas semanais. 2 - A semana de trabalho é, em regra, de cinco dias, tendo os funcionários direito a um dia de descanso semanal acrescido de um dia de descanso complementar, que devem, em princípio, coincidir com o domingo e o sábado, respectivamente. Artigo 4.º - Período de funcionamento dos serviços 1 - O período de funcionamento dos serviços da Polícia Judiciária é das 8 às 20 horas dos dias úteis, sem prejuízo da duração normal do trabalho estabelecida no artigo anterior. 2 - A definição em concreto do período de prestação de trabalho dos funcionários, dentro daquele período de funcionamento, será determinada pelas necessidades do serviço. 3 - Se nada for determinado, o período normal de prestação de trabalho, dentro do período de funcionamento dos serviços, é das 9 horas às 12 horas e 30 minutos e das 14 horas às 17 horas e 30 minutos. 151 152 Despacho Normativo n.º 18/2002 4 - O período de prestação de trabalho referido no número anterior não pode ser alterado sem que seja a seu pedido, ou com o seu consentimento, relativamente aos funcionários: a) Que tenham a seu cargo descendentes, afins na linha recta descendente, adoptandos ou adoptados menores de 12 anos que desejem orientar directa e pessoalmente; b) Que necessitem de cuidar de descendentes, afins na linha recta descendente, adoptandos ou adoptados cuja enfermidade ou situação específica exija cuidados e acompanhamento directo do ascendente; c) Que necessitem de cuidar de descendentes, afins na linha recta descendente, adoptandos ou adoptados portadores de deficiência e que se encontrem nas situações previstas no artigo 5.º do Decreto-Lei N.º 170/1980, de 29 de Maio; d) Que pretendam assistir o cônjuge, ou pessoa com quem vivam em condições análogas à dos cônjuges, ascendente ou afim na linha recta ascendente, na sequência de acidente ou doença grave, o seu estado exigir a presença de uma terceira pessoa; e) Quando sejam portadores de deficiência ou sofram de doença grave e sempre que a junta médica competente recomende o exercício de funções em tempo parcial. 5 - A prestação do trabalho fora do período de funcionamento dos serviços será assegurada por unidades dos serviços de piquete e prevenção ou turnos de funcionários. 6 - A prestação de trabalho durante o período de funcionamento dos serviços, por períodos que ultrapassem a duração normal do trabalho, será objecto de correspondente compensação temporal. 7 - O disposto no número anterior não é aplicável ao trabalho prestado em serviço de piquete. Artigo 5.º - Atendimento ao público 1 - O período de atendimento decorre, de segunda-feira a sexta-feira, das 9 horas às 12 horas e 30 minutos e das 14 horas às 17 horas e 30 minutos. 2 - Fora do período referido no número anterior, o atendimento ao público é assegurado, com carácter permanente, pelo serviço de piquete. Artigo 6.º - Controlo da assiduidade e pontualidade 1 - A verificação do cumprimento dos deveres de pontualidade e assiduidade, bem como do período normal de trabalho, é feita nos termos da lei geral. Despacho Normativo n.º 18/2002 2 - O pessoal dirigente e de chefia, embora isento de horário de trabalho, está obrigado à observância do dever geral de assiduidade, bem como ao cumprimento da duração semanal de trabalho legalmente estabelecida. 3 - Face à especificidade das funções do pessoal de investigação criminal e dos funcionários de segurança, os respectivos deveres de assiduidade e pontualidade ficam exclusivamente sujeitos ao controlo da hierarquia. Artigo 7.º - Regime de prestação de trabalho 1 - Compete ao director nacional, tendo em conta a natureza e complexidade das tarefas a executar, determinar o regime de prestação de trabalho e os horários a praticar. 2 - Em casos especiais, devidamente fundamentados, poderão ser adoptados diferentes regimes de trabalho, diferentes modalidades de horário ou horários diferenciados dentro de uma mesma unidade orgânica, ou relativamente a funcionários de uma mesma categoria, carreira ou grupo profissional. Artigo 8.º - Horário flexível 1 - O horário flexível rege-se pelos seguintes princípios. 2 - A prestação decorre entre as 8 e as 20 horas, com plataformas fixas (períodos de presença obrigatória), de harmonia com as modalidades que a seguir se descrevem: Modalidade A Manhã Tarde Entrada Saída Entrada Saída 9 Horas 11 Horas e 30 minutos 14 Horas 16 Horas e 30 minutos Modalidade B Manhã Tarde Entrada Saída Entrada Saída 10 Horas 12 Horas e 30 minutos 15 Horas 17 Horas e 30 minutos 153 154 Despacho Normativo n.º 18/2002 3 - A flexibilidade não pode afectar o regular e eficaz funcionamento dos serviços, especialmente no que respeita ao atendimento do público e ao apoio à investigação criminal. 4 - No que se refere ao número anterior e sempre que a natureza das actividades desenvolvidas por um serviço o exija, podem ser fixados pelo director nacional, directamente ou por delegação, sem prejuízo dos princípios gerais previstos neste Regulamento, regimes de flexibilidade mais adequados àquelas situações. 5 - O regime de horário flexível não dispensa o funcionário de comparecer no respectivo local de trabalho, sempre que seja convocado para tal, dentro do período normal de funcionamento dos serviços. 6 - Regras de assiduidade e faltas: a) As entradas e saídas serão registadas de harmonia com o previsto no artigo 14.º do Decreto-Lei N.º 259/1998, de 18 de Agosto; b) O débito de horas, apurado no final de cada período de aferição afixado, dá lugar à marcação de uma falta que deve ser justificada nos termos da legislação aplicável, por cada período igual ou inferior à duração média diária do trabalho; c) As faltas dadas nos termos da alínea anterior serão reportadas ao último dia em que não foi prestado o tempo de trabalho normal diário e aos que imediatamente o precedem, consoante o número de faltas; d) As ausências ao serviço no período das plataformas fixas referidas no Nº 2 do presente artigo não são compensáveis e implicam a perda total do tempo de trabalho normal correspondente ao dia em que verificaram, dando origem à marcação de uma falta. 7 - Controlo da assiduidade: a) Sem prejuízo do disposto na alínea a) do número anterior, compete aos superiores hierárquicos a verificação da observância dos deveres de pontualidade e assiduidade; b) O cômputo das horas de serviço prestadas será efectuado pelo serviço responsável pelo assunto de pessoal; c) Qualquer reclamação de contagem será apresentada no prazo de cinco dias contados a partir da data do seu conhecimento ou do dia em que o funcionário regressar ao serviço, caso este se encontre em situação de ausência; d) As correcções a introduzir, resultantes de reclamação, serão efectuadas, sempre que possível, no período seguinte àquele a que respeitem. Despacho Normativo n.º 18/2002 8 - Regime de compensação: a) Sem prejuízo do normal e eficaz funcionamento do trabalho, é concedido, dentro do respectivo período de aferição, o regime de livre compensação dos tempos das plataformas móveis, salvaguardados que se mostrem os limites fixados na alínea c) do N.º 2 do artigo 16.º do Decreto-Lei N.º 259/1998, de 18 de Agosto; b) Quando, por necessidade do serviço, venham a ser prestadas mais horas do que as consideradas obrigatórias e o saldo positivo seja confirmado pela respectiva hierarquia, poderá o mesmo ser utilizado como crédito nas margens móveis, transitando para o período de aferição seguinte, no caso de absoluta impossibilidade de a compensação ser efectuada no período a que se reporta. Artigo 9.º - Regime de turnos 1 - Sempre que as necessidades prementes de serviço assim o aconselhem, pode ser adoptado um regime especial de turnos, com as particularidades previstas no número seguinte. 2 - É admitida uma coincidência parcial nos horários dos turnos, por forma a concentrar o esforço do trabalho em períodos de maior solicitação de serviço. 3 - O disposto no N.º 1 não impede o estabelecimento pelo director nacional, de acordo com o previsto no artigo 79.º, N.º 5, do Decreto-Lei N.º 275-A/ /2000, de 9 de Novembro, do regime de turnos previsto na lei geral. 4 - Em casos especiais, devidamente fundamentados, poderão ser adoptados dentro de uma mesma unidade orgânica, ou relativamente a funcionários de uma mesma categoria, carreira ou grupo profissional, um ou, simultaneamente, mais do que um dos regimes de turno previstos neste artigo. Artigo 10.º - Protecção à maternidade e paternidade Na fixação da prestação de serviço dos funcionários procurará acautelar-se, sempre que possível, a situação daqueles que tenham a seu cargo menores de 12 anos, ou portadores de deficiência que careçam de acompanhamento pelos progenitores. 155 156 Despacho n.º 011/2002-SEC/DN Despacho n.º 011/2002-SEC/DN (Aclaramento ao Despacho n.º 06/2002-SEC/DN) A ocorrência e exposição de algumas dúvidas suscitadas pela aplicação do despacho em epígrafe impõe que se proceda a algumas precisões por forma aumentar o espaço interpretativo comum e, desta forma, contribuir para a sua uniforme aplicação. As principais dúvidas têm surgido na definição dos pressupostos do estipulado no 1.2 e 1.3 - prevenção activa - e 2.1 - trabalho extraordinário - do referido despacho, bem como na distinção entre as situações de prevenção passiva e activa. Assim, nos termos do n.º4 do Despacho em epígrafe, procede-se ao esclarecimento seguinte. 1. Prevenção activa 1.1. Os 1.2 e 1.3 consideram prestado em regime de reforço às unidade de prevenção - prevenção activa - o serviço que deva ser realizado fora do horário normal de trabalho e que corresponda à necessidade de assegurar a realização, ou continuação da realização, de actos de prevenção, investigação ou apoio à investigação, de cujo adiamento ou interrupção da prestação resulte prejuízo para o sucesso da investigação. 1.2. Formulada deste modo, parece não suscitarem dúvidas quanto à aplicação do regime de prevenção activa ao pessoal de investigação criminal. Contudo, o mesmo parece não acontecer quando se trate de pessoal de apoio à investigação. 1.3. A dúvida estabelece-se porque entre os actos de apoio investigação e o sucesso da mesma se não vislumbra, em regra, uma directa ou material relação. 1.4. Mas, sob pena de se desvirtuar o sistema em que assenta a construção orgânica e funcional da Polícia Judiciária, não é possível deixar de considerar a área do apoio à investigação como precioso contribuinte para o sucesso da investigação, quer se trate uma investigação em concreto, quer da investigação em abstracto, vista como a finalidade da Organização. 1.5. Na verdade, se um acto de apoio à investigação ou, dito de outro modo, praticado por funcionários de apoio, poderá, pela sua natureza, encontrar-se numa especial e directa relação com o sucesso da mesma - por exemplo, a intervenção no sistema de telecomunicações no decurso de uma operação - outros haverá que, não se encontrando embora em tão especial relação - por exemplo o tratamento administrativo e distribuição do expediente - não poderão também deixar de o ser contribuintes para tal sucesso. 1.6. A diferença está no grau ou na intensidade dessa participação ou contribuição para tal sucesso. Despacho n.º 011/2002-SEC/DN 1.7. Donde, lançando mão dos exemplos referidos, o insucesso da investigação (ou das investigações) tanto pode advir da ausência de comunicações ou da suspensão da necessária intervenção, como do atraso no recebimento da devida correspondência, na medida em que esta contenha ou veicule informações úteis. 1.8. Deste modo o regime previsto nos 1.2 e 1.3 do despacho n.º 06/2002-SEC/DN, de 15/02/2002, desde que se trate de serviço realizado fora do horário normal de trabalho, tanto se aplica ao pessoal de investigação criminal como ao pessoal de apoio à investigação criminal. 2. Trabalho Extraordinário 2.1. A prestação de trabalho extraordinário, nos termos da Lei n.º 259/98, de 18 de Agosto, apenas terá lugar em situações que imperiosamente o exijam, tal como a acumulação anormal ou imprevista de trabalho ou realização de tarefas especiais, afastando-se assim a possibilidade de recurso a tal regime para a realização de tarefas regulares e constantes do plano de actividades da respectiva unidade orgânica. 2.2. Deste modo e tendo em conta o considerado a propósito do regime de reforço à prevenção - prevenção activa - o trabalho extraordinário apenas poderá ter lugar sob fundamento de impreterível necessidade inerente ao próprio serviço, isto é, sem relação com a investigação (embora se destine a criar condições para um melhor desempenho), que inculque a ideia de trabalho de empreitada, temporalmente definida e com referências de partida e objectivos de chegada. 2.3. Visto por outro ângulo, trata-se de desenvolver um trabalho acrescido que, atentas as razões de partida e os objectivos de chegada, não justifica o recurso ao aumento de efectivos. 2.4. Caberão neste quadro, por exemplo, o esforço de diminuição de pendências no LPC (instalada que foi a situação de completo descontrolo), o trabalho decorrente da informatização de determinado serviço que em simultâneo terá de continuar a dar resposta às necessidades correntes, ou uma bem definida empreitada como o esvaziamento de um armazém de automóveis apreendidos e a sua transferência para outro lugar. 2.5. Em consequência, o envio ao Director Nacional da fundamentação referida em 2.1 e 2.2 alínea b) do Despacho n.º 06/2002-SEC/DN, de 15 de Fevereiro, deverá ser prévio à autorização da prestação do trabalho extraordinário. 3. Prevenção Passiva e Prevenção Activa 3.1. Importa finalmente esclarecer a relação entre "prevenção passiva" e "prevenção activa" bem como as situações a que cada um dos respectivos regimes se aplicará. 157 158 Despacho n.º 011/2002-SEC/DN 3.2. Embora não expressa na lei a "prevenção passiva" tem vindo a assumirse como sendo a situação em que se encontra o funcionário escalado para integrar as unidades de prevenção, independentemente de, nessa qualidade, prestar ou não serviço efectivo. 3.3. Donde, nos termos da regulamentação em vigor - Portaria n.º 98/97, de 13 de Fevereiro - encontrar-se-ão em tal situação e, consequentemente, remunerados nos termos do art. 3.º do mesmo diploma, apenas os funcionários pertencentes às áreas funcionais definidas no Despacho n.º 09/00-SEC/DG, de 12 de Abril. 3.4. Igualmente ausente da letra lei o conceito de "prevenção activa" resulta da necessidade de, simplificadamente, distinguir a situação e respectivo regime aqueles que, integrando as unidades de prevenção, são chamados à prestação efectiva de trabalho, daqueles que, integrando também tais unidades, o não são. 3.5. Assim, considerar-se-ão de prevenção activa e, consequentemente, remunerados nos termos dos arts. 4.º, 5.º, 6.º e 7.º da Portaria referida, todos os funcionários que, integrando unidades de prevenção - prevenção passiva - forem chamados à prestação efectiva de trabalho e aqueles que, não integrando tais unidades, prestarem serviço nos termos dos 1.2 e 1.3 do despacho em epígrafe - reforço às unidades de prevenção. 3.6. Do exposto resulta a possibilidade de ocorrência de três regimes diferentes para remunerar três diferentes situações: os regimes de "prevenção passiva", de "prevenção passiva e activa" e o de "prevenção activa", consoante os funcionários, respectivamente, integrem as unidades de prevenção mas não sejam chamados à prestação efectiva de trabalho, integrem as unidades de prevenção e sejam chamados à prestação efectiva de trabalho ou não integrem a unidades de prevenção e sejam, nos termos do despacho em epígrafe, chamados à prestação de serviço fora do horário normal de trabalho. Lisboa, 20 de Março de 2002 O Director Nacional (LUÍS BONINA) Despacho n.º 024/2002-SEC/DN Despacho n.º 024/2002-SEC/DN (Serviço de prevenção, ajudas de custo e trabalho extraordinário) Considerando: - A recente entrada em vigor (no dia 1 de Maio de 2002) do Regulamento do Horário de Trabalho dos Funcionários da Polícia Judiciária aprovado pelo Despacho Normativo n.º18/2002; - a necessidade de determinar o início e o termo do serviço de prevenção bem como proceder à elaboração de escalas de serviço; - o aumento da capacidade de controlo, decorrente da informatização em curso do processo de contabilização do serviço de prevenção e de ajudas de custo; - a verificação de alguma falta de rigor na aplicação das disposições regulamentares e despachos relativos ao serviço de prevenção e trabalho extraordinário; - a necessidade de assunção da competência, por parte dos dirigentes das unidades orgânicas, para autorizar a prestação efectiva de trabalho (prevenção activa); Para aplicação em todas as unidades orgânicas da Polícia Judiciária, determino: 1. Serviço de prevenção 1.1. A participação dos funcionários nas unidades de prevenção far-se-á por escala de serviço de duração semanal a organizar nas unidades orgânicas abrangidas, com início às 08H00 de segunda feira e termo às 08H00 da segunda feira seguinte. 1.2. A escala de serviço referida no número anterior será, no final de cada semana, remetida ao DAFP/AAF para efeito de processamento. 1.3. Apenas haverá lugar ao pagamento da prestação de trabalho para além da sua duração normal (prevenção activa) quando esta tiver lugar entre as 20H00 e as 08H00. 1.4. Contudo, sempre que a compensação temporal não seja materialmente possível, poderá o dirigente da unidade orgânica, em caso da prestação de trabalho dentro do período de funcionamento dos serviços, autorizar o pagamento referido no número anterior. 1.5. Competindo ao dirigente da unidade orgânica o "juízo de imprescindibilidade" da prestação do trabalho fora do período normal - prevenção activa - referido em 1.4 do despacho n.º 06/2002-SEC/DN, de 15 de Fevereiro de 2002, sobre ele recai a responsabilidade pela manutenção efectiva da natureza rigorosamente excepcional deste tipo de prevenção. 1.6. O "mapa de serviço de prevenção e prestação efectiva de trabalho" referido em 1.5 do mesmo despacho é substituído pelo "mapa mensal de prevenção activa", cujo modelo se junta em anexo e se encontra disponível na rede. 159 160 Despacho n.º 024/2002-SEC/DN 1.7. A fim de promover e facilitar o efectivo controlo da prevenção activa, será instituída a utilização do "boletim diário" cujo modelo se encontra disponível na rede, devendo ser obrigatoriamente preenchido em todos os campos (junto a título identificativo). 1.7.1. O campo referente à identificação do expediente (b)) deverá conter a identificação do Processo, AI, Referência ou Outro. 1.7.2. O campo "Relato sumário da diligência" (c)) deverá compreender a descrição sucinta da natureza do serviço e dos actos, em concreto, praticados. 1.8. O referido "boletim diário" serve de suporte ao "mapa mensal de prevenção activa", o qual, juntamente com os boletins diários correspondentes, deverá ser entregue no DAFP/AAF até ao dia cinco do mês imediato àquele a que respeite. 2. Ajudas de custo 2.1. O "boletim diário" referido em 1.7 aplicar-se-á também às deslocações em serviço, sendo o seu preenchimento obrigatório, nos termos referidos em 1.7.1 e 1.7.2, sempre que estas dêem lugar ao pagamento de ajudas de custo. 2.2. O impresso referido no numero anterior servirá de suporte ao "boletim de itinerário de ajudas de custo". 3. Trabalho extraordinário 3.1. Assumindo o trabalho extraordinário, no quadro da regulamentação legal do horário de trabalho dos funcionários da Polícia Judiciária, carácter excepcional, reafirma-se a sua prestação sob autorização prévia do Director Nacional e nos estritos termos definidos nos despachos n.ºs 06/02-SEC-DN e 11/02-SEC-DN, de 15 de Fevereiro de 2002 e 20 de Março de 2002, respectivamente. 4. Processamento e entrada em vigor 4.1. Não será processado o serviço de prevenção, ajudas de custo ou trabalho extraordinário que, do controlo efectuado no DAFP/AAF, venha a ser considerado em desconformidade com o regulamentado. 4.2. O presente despacho entra em vigor em 1 de Julho de 2002 Lisboa, 26 de Junho de 2002 O Director Nacional (ADELINO SALVADO) Constituição da República Portuguesa Constituição da República Portuguesa Artigo 13.º (Princípio da igualdade) V Revisão Constitucional 2. ———— 1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. Artigo 18.º (Força jurídica) 1. ———— 2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. 3. –––––––– Artigo 21.º (Direito de resistência) Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública. Artigo 22.º (Responsabilidade das entidades públicas) O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem. Artigo 59.º (Direitos dos trabalhadores) 1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito: a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna; b) A organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar; c) A prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde; 161 162 Constituição da República Portuguesa d) Ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas; e) –––––––– f) –––––––– 2. Incumbe ao Estado assegurar as condições de trabalho, retribuição e repouso a que os trabalhadores têm direito, nomeadamente: a) –––––––– b) A fixação, a nível nacional, dos limites da duração do trabalho; c) –––––––– d) –––––––– e) –––––––– f) –––––––– 3. Os salários gozam de garantias especiais, nos termos da lei. Lei n.º 23/98 Lei n.º 23/98 de 26 de Maio Estabelece o regime de negociação colectiva e a participação dos trabalhadores da Administração Pública em regime de direito público. A Assembleia da República decreta, nos termos dos artigos 161.º, alínea c), 165.º, alínea b), e 166.º, n.º 3, e do artigo 112.º, n.º 5, da Constituição, para valer como lei geral da República, o seguinte: Artigo 1.º - Objecto 1. O presente diploma regula as condições do exercício dos direitos de negociação colectiva e de participação dos trabalhadores da Administração Pública em regime de direito público. 2. Os direitos de negociação colectiva e de participação têm por objecto, no âmbito do presente diploma, a fixação ou alteração do estatuto dos trabalhadores da Administração Pública, bem como o acompanhamento da sua execução. 3. Os direitos de negociação colectiva e de participação dos trabalhadores da Administração Pública, em regime de direito privado, regem-se pela legislação geral referente à regulamentação colectiva das. relações de trabalho. Artigo 2.º - Legitimidade Os direitos de negociação colectiva e de participação, no que respeita às organizações sindicais, apenas podem ser exercidos através daquelas que, nos termos dos respectivos estatutos, representem interesses de trabalhadores da Administração Pública e se encontrem devidamente registadas. Artigo 3.º - Princípios 1. A Administração e as associações sindicais respeitam os princípios da boa fé, nomeadamente respondendo com a máxima brevidade quer aos pedidos de reunião solicitados, quer às propostas mútuas, fazendo-se representar nas reuniões destinadas à negociação ou participação e à prevenção ou resolução de conflitos. 2. As consultas dos representantes da Administração e dos trabalhadores, através das suas organizações sindicais, não suspendem ou interrompem a marcha do procedimento de negociação ou participação, salvo se as partes nisso expressamente acordarem. 3. Cada uma das partes pode solicitar à outra as informações consideradas necessárias ao exercício adequado dos direitos de negociação colectiva e de participação, designadamente os estudos e elementos de ordem técnica ou estatística, não classificados, que sejam tidos como indispensáveis à fundamentação das propostas e das contrapropostas. 163 164 Lei n.º 23/98 Artigo 4.º - Cláusula de salvaguarda A Administração e as associações sindicais devem assegurar a apreciação, discussão e resolução das questões colocadas numa perspectiva global e comum a todos os serviços e organismos e aos trabalhadores da Administração Pública no seu conjunto, respeitando o princípio da prossecução do interesse público e visando a dignificação da função pública e a melhoria das condições sócio-económicas dos mesmos trabalhadores. Artigo 5.º - Direito de negociação colectiva 1. É garantido aos trabalhadores da Administração Pública em regime de direito público o direito de negociação colectiva do seu estatuto. 2. Considera-se negociação colectiva a negociação efectuada entre as associações sindicais e a Administração das matérias relativas àquele estatuto, com vista à obtenção de um acordo. 3. O acordo, total ou parcial, que for obtido consta de documento autónomo subscrito pelas partes e obriga o Governo a adoptar as medidas legislativas ou administrativas adequadas ao seu integral e exacto cumprimento, no prazo máximo de 180 dias, sem prejuízo de outros prazos que sejam acordados, salvo nas matérias que careçam de autorização legislativa, caso em que os respectivos pedidos devem ser submetidos à Assembleia da República no prazo máximo de 45 dias. Artigo 6.º - Objecto de negociação colectiva São objecto de negociação colectiva as matérias relativas à fixação ou alteração: a) Dos vencimentos e das demais prestações de carácter remuneratório; b) Das pensões de aposentação ou de reforma; c) Das prestações da acção social e da acção social complementar; d) Da constituição, modificação e extinção da relação de emprego; e) Das carreiras de regime geral e especial e das integradas em corpos especiais, incluindo as respectivas escalas salariais; f) Da duração e horário de trabalho; g) Do regime das férias, faltas e licenças; h) Do regime dos direitos de exercício colectivo; i) Das condições de higiene, saúde e segurança no trabalho; j) Da formação e aperfeiçoamento profissional; k) Do estatuto disciplinar; l) Do regime de mobilidade; m) Do regime de recrutamento e selecção; n) Do regime de classificação de serviço. Lei n.º 23/98 Artigo 7.º - Procedimento de negociação 1. A negociação geral anual deverá iniciar-se a partir do dia 1 de Setembro, com a apresentação, por uma das partes, de proposta fundamentada sobre qualquer das matérias previstas no artigo anterior, procedendo-se seguidamente à calendarização das negociações, de forma que estas terminem tendencialmente antes da votação final global da proposta do Orçamento, nos termos constitucionais, na Assembleia da República. 2. As matérias sem incidência orçamental constantes do artigo anterior podem ser objecto de negociação a qualquer momento, desde que as partes contratantes nisso acordem, e desde que não tenham sido discutidas na negociação geral anual precedente. 3. As partes devem fundamentar as suas propostas e contrapropostas, impendendo sobre elas o dever de tentar atingir, em prazo adequado, um acordo. 4. Das reuniões havidas são elaboradas actas, subscritas pelas partes, donde constará um resumo do que tiver ocorrido, designadamente os pontos em que não se tenha obtido acordo. 5. As negociações sectoriais iniciam-se em qualquer altura do ano e têm a duração que for acordada entre as partes, aplicando-se-lhes os princípios constantes dos números anteriores. Artigo 8.º - Convocação de reuniões A convocação de reuniões dentro do procedimento negociai tem de ser feita sempre com a antecedência mínima de cinco dias úteis, salvo acordo das partes. Artigo 9.º - Resolução de conflitos 1. Terminado o período da negociação sem que tenha havido acordo poderá abrir-se uma negociação suplementar, a pedido das associações sindicais, para resolução dos conflitos. 2. O pedido para negociação suplementar será apresentado no final da última reunião negocial, ou por escrito, no prazo de cinco dias úteis, contado a partir do encerramento de qualquer dos procedimentos de negociação previstos no artigo 7.º, devendo dele ser dado conhecimento a todas as partes envolvidas no processo. 3. A negociação suplementar, desde que requerida nos termos do número anterior, é obrigatória, não podendo a sua duração exceder 15 dias úteis, consiste na tentativa de obtenção de um acordo e tem como consequência que não pode ser encerrado qualquer procedimento negociai em curso sobre as mesmas matérias com qualquer outra entidade. 165 166 Lei n.º 23/98 4. Na negociação suplementar a parte governamental será constituída por membro ou membros do Governo, sendo obrigatoriamente presidida pelo que for responsável pela Administração Pública e, no caso das negociações sectoriais, pelo que for responsável pelo sector. 5. Finda a negociação suplementar sem obtenção de acordo, o Governo toma a decisão que entender adequada, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 5.º. Artigo 10.º - Direito de participação 1. É garantido aos trabalhadores da Administração Pública o direito de participarem, através das suas associações sindicais: a) Na elaboração de programas de emprego; b) Na fiscalização e implementação das medidas relativas às condições de higiene, saúde e segurança no trabalho; c) Na gestão das instituições de segurança social dos trabalhadores da função pública e de outras organizações que visem satisfazer o interesse dos trabalhadores, designadamente as obras e serviços sociais, a ADSE e a Caixa Geral de Aposentações; d) Nas alterações ao Estatuto da Aposentação; e) Na definição da política de formação e aperfeiçoamento profissional da Administração Pública; f) No controlo de execução dos planos económico-sociais; g) No domínio da melhoria da qualidade dos serviços públicos; h) Nas auditorias de gestão efectuadas aos serviços públicos; i) Na elaboração dos pedidos de autorização legislativa sobre matéria sujeita à negociação ou participação; j) Na elaboração da regulamentação interna relativa às condições específicas de trabalho de cada serviço; l) Na definição do regime de acidentes de serviço e doenças profissionais; m) Na elaboração da legislação respeitante ao regime geral ou especial da função pública que não for objecto de negociação. 2. A participação na elaboração de programas de emprego tem a natureza de consulta e tem como referência o plano anual de actividades previsto no Decreto-Lei n.º 183/96, de 27 de Setembro. 3. A participação na fiscalização das medidas relativas às condições de higiene e segurança faz-se nos termos da lei. Lei n.º 23/98 4. A participação nas instituições de segurança social dos trabalhadores da função pública e de outras organizações que visem satisfazer o interesse dos trabalhadores consiste no direito de ser informado sobre a gestão daquelas instituições pelos respectivos órgãos e no de lhes fazer recomendações visando a melhoria dos serviços prestados, regendo-se, quanto ao mais, pelo disposto na lei. 5. A participação na definição da política de formação e aperfeiçoamento profissional faz-se, designadamente, no âmbito da comissão intersectorial de formação e dos conselhos consultivos. 6. A participação no controlo da execução dos planos económico-sociais faz-se de acordo com o disposto na lei. 7. A participação na melhoria da qualidade dos serviços públicos envolve a consulta das associações sindicais sobre a elaboração dos programas de qualidade e o acompanhamento da sua execução. 8. A participação nas auditorias de gestão faz-se através da consulta dos respectivos relatórios finais e emissão de sugestões, podendo as associações sindicais propor fundadamente a realização daquelas auditorias. 9. A participação nas alterações ao Estatuto da Aposentação e na elaboração da legislação respeitante ao regime geral ou especial da função pública, que não for objecto de negociação, tem a natureza de consulta, oral ou escrita, pressupondo, caso a iniciativa seja do Governo, a existência de documento escrito a apresentar por este. 10. A participação na legislação prevista nas alíneas i) a m) do n.º 1 tem a natureza de consulta, oral ou escrita, podendo para o efeito constituirse comissões técnicas especializadas, segundo regulamento a adoptar caso a caso. 11. Das reuniões das comissões técnicas especializadas que vierem a ser constituídas serão lavradas actas nos termos do n.º 4 do artigo 7.º. 12. O prazo para apreciação escrita dos projectos de diploma por parte das associações sindicais nunca pode ser inferior a 20 dias a contar da sua recepção por parte da associação sindical, salvo acordo expresso em contrário. 13. O prazo previsto no número anterior é, porém, contado a partir do dia útil imediatamente seguinte ao do recebimento das informações solicitadas ao abrigo do n.º 3 do artigo 3.º Artigo 11.º - Casos especiais Ao pessoal com funções de representação externa do Estado, bem como ao que desempenhe funções de natureza altamente confidencial, é aplicado, em cada caso, o procedimento negociai adequado à natureza das respectivas funções, sem prejuízo dos direitos reconhecidos no presente diploma. 167 168 Lei n.º 23/98 Artigo 12.º - Matérias excluídas A estrutura, atribuições e competências da Administração Pública não podem ser objecto de negociação colectiva ou de participação. Artigo 13.º - Informação sobre política salarial As associações sindicais podem enviar ao Governo, até ao fim do 1.º semestre de cada ano, a respectiva posição sobre os critérios que entendam dever orientar a política salarial a prosseguir no ano seguinte. Artigo 14.º - Interlocutor da Administração nos processos de negociação e participação 1. O interlocutor pela Administração nos procedimentos de negociação colectiva e de participação que revistam carácter geral é o Governo, através daquele dos seus membros que tiver a seu cargo a função pública, que coordena, e do Ministro das Finanças, os quais intervêm por si ou através de representantes. 2. O interlocutor pela Administração nos procedimentos de negociação colectiva e de participação que revistam carácter sectorial é o Governo, através do ministro responsável pelo sector, que coordena, do Ministro das Finanças e do membro do Governo que tiver a seu cargo a função pública, nos quais intervêm por si ou através de representantes. 3. Compete à Direcção-Geral da Administração Pública apoiar o membro do Governo que tiver a seu cargo a função pública nos procedimentos de negociação colectiva e de participação referidos nos números anteriores. Artigo 15.º - Representantes das associações sindicais 1. Consideram-se representantes legítimos das associações sindicais: a) Os membros dos respectivos corpos gerentes portadores de credencial com poderes bastantes para negociar e participar; b) Os portadores de mandato escrito conferido pelos corpos gerentes das associações sindicais, do qual constem expressamente poderes para negociar e participar. 2. A revogação do mandato só é eficaz após comunicação aos serviços competentes da Administração Pública. Artigo 16.º - Transcrição oficiosa do registo das associações sindicais A Direcção-Geral da Administração Pública deve requerer ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade a transcrição oficiosa do registo das associações sindicais que representem interesses dos trabalhadores da Administração Pública e comunicá-la às Regiões Autónomas. Lei n.º 23/98 Artigo 17.º - Aplicação à administração regional autónoma 1. O presente diploma aplica-se a todo o território nacional. 2. Os órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira observam, relativamente às administrações regionais e no âmbito das suas competências, o regime previsto no presente diploma. Artigo 18.º - Revogação É revogado o Decreto-Lei n.º 45-A/84, de 3 de Fevereiro, com excepção do artigo 10.º. Artigo 19.º - Entrada em vigor A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação. Aprovada em 2 de Abril de 1998. O Presidente da Assembleia da República, António de Almeida Santos. Promulgada em 8 de Maio de 1998. Publique-se. O Presidente da República, JORGE SAMPAIO. Referendada em 14 de Maio de 1998. O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres. 169 170 Decreto-Lei n.º 259/98 Decreto-Lei n.º 259/98 de 18 de Agosto Com a publicação do Decreto-Lei n.º 187/88, de 27 de Maio, consagrou-se, pela primeira vez na Administração Pública, um instrumento legal que, de modo sistemático, reuniu os princípios fundamentais enformadores do regime jurídico da duração de trabalho. Decorridos cerca de 10 anos sobre a sua aplicação, impõe-se adaptar este regime às transformações sócio-laborais que se têm vindo a verificar, bem como às alterações que a experiência vem ditando, no sentido de melhorar o funcionamento e a operacionalidade dos serviços e organismos da Administração Pública, tendo em vista a sua adequação às necessidades e à disponibilidade dos cidadãos. De entre as alterações introduzidas merecem realce: a distinção entre o período de funcionamento e o período de atendimento, com a obrigatoriedade de afixação pública deste, a uniformização da duração do horário de trabalho, sem prejuízo da fixação de um período transitório, a consagração da audição dos trabalhadores, através das suas organizações representativas, na fixação das condições de prestação de trabalho, a faculdade da abertura dos serviços em dias de feiras e mercados relevantes, a criação do regime de prestação de trabalho sujeito apenas ao cumprimento de objectivos, situação que facilita a concretização do designado «teletrabalho», o alargamento do âmbito de aplicação do trabalho a meio tempo e a atribuição dos dirigentes máximos dos serviços da responsabilidade de gestão dos regimes de prestação de trabalho, entre outras. As alterações, ora propostas, foram negociadas com as organizações representativas dos trabalhadores da função pública, no quadro do acordo salarial para 1996 e compromissos de médio e longo prazos. Foram ouvidos os órgãos de Governo próprio das Regiões Autónomas e a Associação Nacional de Municípios Portugueses. Assim: No uso da autorização legislativa concedida pelo n.º 1 do artigo único da Lei n.º 11/98, de 24 de Fevereiro, e nos termos do n.º 5 do artigo 112.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte: CAPÍTULO I Artigo 1.º - Objecto e âmbito Objecto, âmbito e princípios gerais 1. O presente diploma estabelece as regras e os princípios gerais em matéria de duração e horário de trabalho na Administração Pública. 2. O regime instituído no presente diploma aplica-se a todos os serviços da Administração Pública, incluindo os institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos. Decreto-Lei n.º 259/98 Artigo 2.º - Período de funcionamento 1. Entende-se por período de funcionamento o período diário durante o qual os serviços exercem a sua actividade. 2. Sem prejuízo do disposto no artigo 10.º, o período normal de funcionamento dos serviços não pode iniciar-se antes das 8 horas, nem terminar depois das 20 horas, sendo obrigatoriamente afixado de modo visível aos funcionários e agentes. Artigo 3.º - Período de atendimento 1. Entende-se por período de atendimento o período durante o qual os serviços estão abertos para atender o público, podendo este período ser igual ou inferior ao período de funcionamento. 2. O período de atendimento deve, tendencialmente, ter a duração mínima de sete horas diárias, abranger o período da manhã e da tarde e ter obrigatoriamente afixadas, de modo visível ao público, nos locais de atendimento, as horas do seu início e do seu termo. 3. Na definição e fixação do período de atendimento deve atender-se aos interesses dos utentes dos serviços e respeitar-se os direitos dos respectivos funcionários e agentes. 4. Os serviços podem estabelecer um período excepcional de atendimento, sempre que o interesse do público fundamentadamente o justifique, designadamente nos dias de feiras e mercados localmente relevantes, ouvindo-se as organizações representativas dos trabalhadores e sem prejuízo do disposto nos artigos 26.º e 33.º. 5. Fora dos períodos de atendimento, os serviços colocam ao dispor dos utentes meios adequados a permitir a comunicação, através da utilização de tecnologias próprias que permitam o seu registo para posterior resposta. Artigo 4.º - Regimes de prestação de trabalho O trabalho pode, de acordo com as atribuições do serviço ou organismo e com a natureza da actividade desenvolvida, ser prestado nos seguintes regimes: a) Sujeito ao cumprimento do horário diário; b) Sujeito ao cumprimento de objectivos definidos. Artigo 5.º - Fixação e compatibilização dos períodos de funcionamento e de atendimento com os regimes de prestação de trabalho Compete ao dirigente máximo dos serviços fixar os períodos de funcionamento e atendimento dos serviços, assegurando a sua compatibilidade com a existência de diversos regimes de prestação de trabalho, de forma a garantir o regular cumprimento das missões que lhes estão cometidas. 171 172 Decreto-Lei n.º 259/98 Artigo 6.º - Responsabilidade da gestão dos regimes de prestação de trabalho 1. Compete ao dirigente máximo do serviço, em função das atribuições e competências de cada serviço ou organismo: a) Determinar os regimes de prestação de trabalho e horários mais adequados; b) Aprovar o número de turnos e respectiva duração; c) Aprovar as escalas nos horários por turnos; d) Autorizar os horários específicos previstos no artigo 22.º. 2. As matérias constantes nas alíneas a) e b) do número anterior devem ser fixadas em regulamento interno após consulta prévia dos funcionários e agentes, através das suas organizações representativas. 3. Compete ao pessoal dirigente e de chefia autorizar os funcionários e agentes hierarquicamente dependentes a ausentar-se do serviço durante o período de presença obrigatória. CAPÍTULO II SECÇÃO I - Regime geral da duração de trabalho Duração do trabalho Artigo 7.º Duração semanal do trabalho 1. A duração semanal do trabalho nos serviços abrangidos pelo presente diploma é de trinta e cinco horas. 2. O disposto no número anterior não prejudica a existência de regimes de duração semanal inferior já estabelecidos, nem os que se venham a estabelecer mediante despacho conjunto do membro do Governo responsável pelo serviço e do membro do Governo que tiver a seu cargo a Administração Pública. Artigo 8.º - Limite máximo do período normal de trabalho 1. O período normal de trabalho diário tem a duração de sete horas. 2. O limite previsto no número anterior não é aplicável no caso de horários flexíveis. Artigo 9.º - Semana de trabalho e descanso semanal 1. A semana de trabalho é, em regra, de cinco dias. 2. Os funcionários e agentes têm direito a um dia de descanso semanal, acrescido de um dia de descanso complementar que devem coincidir com o domingo e o sábado, respectivamente. Decreto-Lei n.º 259/98 3. Os dias de descanso referidos no número anterior podem deixar de coincidir com o domingo e o sábado nos seguintes casos: a) Pessoal. dos serviços que encerrem a sua actividade noutros dias da semana; b) Pessoal dos serviços cuja continuidade de actividade não possa ser interrompida; c) Pessoal dos serviços de limpeza e de outros serviços preparatórios ou complementares que devem necessariamente ser efectuados nos dias de descanso do restante pessoal; d) Pessoal dos serviços de inspecção de actividades que não encerrem ao sábado e ao domingo; e) Pessoal de outros serviços em que o interesse público o justifique, designadamente nos dias de feiras ou de mercados. 4. Quando a natureza do serviço ou razões de interesse do público o exijam, pode o dia de descanso complementar ser gozado, segundo opção do funcionário, do seguinte modo: a) Dividido em dois períodos imediatamente anteriores ou posteriores ao dia de descanso semanal; b) Meio-dia imediatamente anterior ou posterior ao dia de descanso semanal, sendo o tempo restante deduzido na duração normal de trabalho dos restantes dias úteis, sem prejuízo da duração semanal de trabalho. SECÇÃO II - Regimes especiais da duração de trabalho Artigo 10.º - Regime dos serviços de funcionamento especial 1. Nos serviços de regime de funcionamento especial, a semana de trabalho é de cinco dias e meio, sendo reconhecido ao respectivo pessoal o direito a um dia de descanso semanal, acrescido de meio-dia de descanso semanal complementar. 2. Consideram-se serviços de regime de funcionamento especial: a) Os serviços de laboração contínua; b) Os estabelecimentos de ensino; c) Os serviços de saúde e os serviços médico-legais; d) Os mercados e demais serviços de abastecimento; e) Os cemitérios; f) Os serviços de luta contra incêndios e de ambulâncias; 173 174 Decreto-Lei n.º 259/98 g) Os serviços de recolha e tratamento de lixos; h) Os museus, palácios, monumentos nacionais, sítios e parques arqueológicos, salas de espectáculo e serviços de produção artística, dependentes do Ministério da Cultura; i) Os serviços de leitura das bibliotecas, arquivos e secções abertos ao público dependentes do Ministério da Cultura; j) Os postos de turismo. 3. Nos serviços de regime de funcionamento especial, o meio dia de descanso complementar é sempre gozado no período imediatamente anterior ou posterior ao dia de descanso semanal o qual, por determinação do dirigente máximo do serviço, pode deixar de coincidir com o domingo. 4. Relativamente a certos grupos profissionais que exerçam funções nos serviços de regime de funcionamento especial, pode, em alternativa, ser determinada a adopção do regime previsto nos n.ºs 2 a 4 do artigo anterior por despacho do dirigente máximo do serviço. 5. O regime da semana de cinco dias deve ser progressivamente estendido aos serviços com regime de funcionamento especial, por portaria do membro do Governo competente, do Ministro das Finanças e do membro do Governo que tutela a Administração Pública, desde que daí não resulte o encerramento dos serviços aos utentes nem agravamento dos encargos com o pessoal. Artigo 11.º Regime do trabalho a meio tempo 1. Os funcionários ou agentes com mais de três anos de serviço efectivo podem requerer redução a meio tempo da duração de trabalho, por um período mínimo de trinta dias e máximo de dois anos, podendo esta ser autorizada desde que não implique qualquer prejuízo para o serviço e as características da actividade desenvolvida pelos requerentes o permitam. 2. O trabalho a tempo parcial a que se refere o número anterior tem a duração de metade do horário normal de trabalho e pode ser prestado diariamente, de manhã ou à tarde, ou três vezes por semana, conforme houver sido requerido. 3. O requisito de tempo de serviço efectivo estabelecido no n.º 1 não é exigido aos funcionários e agentes que se encontrem nas seguintes situações: a) Tenham a seu cargo descendentes, afins na linha recta descendente, adoptandos ou adoptados menores de 12 anos que desejem orientar directa e pessoalmente; b) Necessitem de cuidar de descendentes, afins na linha recta descendente, adoptandos ou adoptados cuja enfermidade ou situação específica exija cuidados e acompanhamento directo do ascendente; Decreto-Lei n.º 259/98 c) Tenham a seu cargo descendentes, afins na linha recta descendente, adoptandos ou adoptados portadores de deficiência e que se encontrem nas situações previstas no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 170/80, de 29 de Maio; d) Pretendam assistir o cônjuge, ou pessoa com quem vivam em condições análogas às dos cônjuges, ascendente ou afim na linha recta ascendente, na sequência de acidente ou doença grave, o seu estado exigir a presença de uma terceira pessoa; e) Quando sejam portadores de deficiência ou sofram de doença grave e sempre que a junta médica competente recomende o exercício de funções em tempo parcial; f) Frequentem com aproveitamento cursos de vários graus de ensino com vista à obtenção de habilitações académicas que Ihes permitam ingressar ou progredir nas carreiras da função pública. 4. O gozo de dois anos de redução da duração de trabalho a meio tempo, seguido ou interpolado num período de três anos, impede que se requeira nova redução no prazo de três anos, excepto nas situações previstas no número anterior. 5. As reduções de duração de trabalho a meio tempo superiores a três meses conferem aos serviços a possibilidade de contratar um trabalhador a termo certo, por período idêntico ao autorizado para a redução, com vista ao desempenho de funções no restante meio tempo. 6. O funcionário ou agente a quem tenha sido autorizada a redução de trabalho a meio tempo superior a três meses não pode requerer o regresso antecipado ao regime de duração de trabalho a tempo inteiro quando se tenha verificado a sua substituição nos termos do número anterior e só enquanto esta durar. 7. O trabalho a meio tempo conta, proporcionalmente, para efeitos de carreira e dos decorrentes da antiguidade, sendo a retribuição correspondente a 50% da remuneração base a que o funcionário ou agente tem direito no exercício de funções em tempo completo. 8. É vedado aos funcionários ou agentes referidos no n.º 1 a prestação de trabalho extraordinário. Artigo 12.º - Outros regimes especiais de duração de trabalho 1. Sempre que a política de emprego público o justifique, designadamente a renovação dos efectivos da Administração Pública, podem ser estabelecidos outros regimes de trabalho a tempo parcial. 2. Quando as características de risco, penosidade e insalubridade decorrentes da actividade exercida o exijam, devem ser fixados regimes de duração semanal inferiores aos previstos no presente diploma. 175 176 Decreto-Lei n.º 259/98 CAPÍTULO III SECÇÃO I - Princípios gerais Regimes de trabalho e condições da sua prestação Artigo 13.º - Horário de trabalho 1. Entende-se por horário de trabalho a determinação das horas do início e do termo do período normal de trabalho diário ou dos respectivos limites, bem como dos intervalos de descanso. 2. O período normal de trabalho diário é interrompido por um intervalo de descanso de duração não inferior a uma hora nem superior a duas, excepto em casos excepcionais devidamente fundamentados, de modo que os funcionários e agentes não prestem mais do que cinco horas de trabalho consecutivo, salvo no caso de jornada contínua. 3. Pode ser fixado para os funcionários e agentes portadores de deficiência, pelo respectivo dirigente máximo e a pedido do interessado, mais do que um intervalo de repouso e com duração diferente da prevista no número anterior, mas sem exceder no total o limite nele estabelecido. 4. Ao pessoal encarregado da limpeza dos serviços deve ser fixado um horário especial que recaia apenas num dos períodos do dia e evite a completa coincidência do exercício das suas funções com os períodos normais do serviço ou plataformas fixas. Artigo 14.º - Modo de verificação dos deveres de assiduidade e de pontualidade 1. Os funcionários e agentes devem comparecer regularmente ao serviço às horas que Ihes forem designadas e aí permanecer continuamente, não podendo ausentar-se salvo nos termos e pelo tempo autorizados pelo respectivo superior hierárquico, sob pena de marcação de falta, de acordo com a legislação aplicável. 2. O cumprimento dos deveres de assiduidade e pontualidade, bem como do período normal de trabalho, deve ser verificado por sistemas de registo automáticos, mecânicos ou de outra natureza. 3. No caso de horários flexíveis, a verificação a que se refere o número anterior deve ser feita, no local de trabalho, através de sistemas de registo automáticos ou mecânicos. 4. Nos serviços com mais de 50 trabalhadores, a verificação dos deveres de assiduidade e de pontualidade é efectuada por sistemas de registo automáticos ou mecânicos, salvo casos excepcionais, devidamente fundamentados e autorizados pelo dirigente máximo do serviço, com a anuência do respectivo Ministro da tutela e do membro do Governo que tenha a seu cargo a Administração Pública, mediante despacho conjunto. Decreto-Lei n.º 259/98 SECÇÃO II - Modalidades de horário de trabalho Artigo 15.º - Modalidades de horário 1. Em função da natureza das suas actividades, podem os serviços adoptar uma ou, simultaneamente, mais do que uma das seguintes modalidades de horário de trabalho: a) Horários flexíveis; b) Horário rígido; c) Horários desfasados; d) Jornada contínua; e) Trabalho por turnos. 2. Para além dos horários referidos no número anterior, podem ser fixados horários específicos de harmonia com o previsto no artigo 22.º. Artigo 16.º - Horários flexíveis 1. Horários flexíveis são aqueles que permitem aos funcionários e agentes de um serviço gerir os seus tempos de trabalho, escolhendo as horas de entrada e de saída. 2. A adopção de qualquer horário flexível está sujeita às seguintes regras: a) A flexibilidade não pode afectar o regular e eficaz funcionamento dos serviços, especialmente no que respeita às relações com o público; b) É obrigatória a previsão de plataformas fixas da parte da manhã e da parte da tarde, as quais não podem ter, no seu conjunto, duração inferior a quatro horas; c) Não podem ser prestadas, por dia, mais de nove horas de trabalho; d) O cumprimento da duração do trabalho deve ser aferido à semana, à quinzena ou ao mês. 3. O débito de horas, apurado no final de cada período de aferição, dá lugar à marcação de uma falta, que deve ser justificada nos termos da legislação aplicável, por cada período igual ou inferior à duração média diária do trabalho. 4. Relativamente aos funcionários e agentes portadores de deficiência, o excesso ou débito de horas apurado no final de cada um dos períodos de aferição pode ser transportado para o período imediatamente seguinte e nele compensado, desde que não ultrapasse o limite de cinco e dez horas, respectivamente, para a quinzena e para o mês. 5. Para efeitos do disposto no n.º 3, a duração média do trabalho é de sete horas e, nos serviços com funcionamento ao sábado de manhã, a que resultar do respectivo regulamento. 177 178 Decreto-Lei n.º 259/98 6. As faltas a que se refere o n.º 3 são reportadas ao último dia ou dias do período de aferição a que o débito respeita. Artigo 17.º - Horário rígido 1. Horário rígido é aquele que, exigindo o cumprimento da duração semanal do trabalho, se reparte por dois períodos diários, com horas de entrada e de saída fixas idênticas, separados por um intervalo de descanso. 2. O horário rígido é o seguinte: a) Serviços de regime de funcionamento comum que encerram ao sábado: Período da manhã - das 9 horas às 12 horas e 30 minutos; Período da tarde - das 14 horas às 17 horas e 30 minutos; b) Serviços de regime de funcionamento especial que funcionam ao sábado de manhã: Período da manhã - das 9 horas e 30 minutos às 12 horas e 30 minutos de segunda-feira a sexta-feira, e até às 12 horas aos sábados; Período da tarde - das 14 horas às 17 horas e 30 minutos de segunda-feira a sexta-feira. 3. A adopção do horário rígido não prejudica o estabelecido no n.º 3 do artigo 13.º Artigo 18.º - Horários desfasados Horários desfasados são aqueles que, embora mantendo inalterado o período normal de trabalho diário, permitem estabelecer, serviço a serviço ou para determinado grupo ou grupos de pessoal, e sem possibilidade de opção, horas fixas diferentes de entrada e de saída. Artigo 19.º - Jornada contínua 1. A jornada contínua consiste na prestação ininterrupta de trabalho, salvo um período de descanso nunca superior a trinta minutos, que, para todos os efeitos, se considera tempo de trabalho. 2. A jornada contínua deve ocupar, predominantemente, um dos períodos do dia e determinar uma redução do período normal de trabalho diário nunca superior a uma hora, a fixar na regulamentação a que se refere o n.º 2 do artigo 6.º. 3. A jornada contínua pode ser adoptada nos casos previstos no artigo 22.º e em casos excepcionais devidamente fundamentados. Decreto-Lei n.º 259/98 Artigo 20.º - Trabalho por turnos 1. O trabalho por turnos é aquele em que, por necessidade do regular e normal funcionamento do serviço, há lugar à prestação de trabalho em pelo menos dois períodos diários e sucessivos, sendo cada um de duração não inferior à duração média diária do trabalho. 2. A prestação de trabalho por turnos deve obedecer às seguintes regras: a) Os turnos são rotativos, estando o respectivo pessoal sujeito à sua variação regular; b) Nos serviços de funcionamento permanente não podem ser prestados mais de seis dias consecutivos de trabalho; c) As interrupções a observar em cada turno devem obedecer ao princípio de que não podem ser prestadas mais de cinco horas de trabalho consecutivo; d) As interrupções destinadas a repouso ou refeição, quando não superiores a 30 minutos, consideram-se incluídas no período de trabalho; e) O dia de descanso semanal deve coincidir com o domingo, pelo menos uma vez em cada período de quatro semanas; f) Salvo casos excepcionais, como tal reconhecidos pelo dirigente do serviço e aceites pelo interessado, a mudança de turno só pode ocorrer após o dia de descanso. Artigo 21.º - Subsídio de turno 1. O pessoal em regime de trabalho por turnos, desde que um dos turnos seja total ou parcialmente coincidente com o período nocturno, tem direito a um subsídio correspondente a um acréscimo de remuneração. 2. O montante do subsídio de turno é variável em função do número de turnos adoptados, bem como do carácter permanente ou não do funcionamento do serviço. 3. As percentagens fixadas para o subsídio de turno incluem a remuneração devida por trabalho nocturno. 4. A prestação de trabalho em regime de turnos confere direito a atribuição de um subsídio correspondente a um acréscimo de remuneração calculada sobre o vencimento fixado no índice remuneratório da categoria onde o trabalhador estiver posicionado de acordo com as seguintes percentagens: a) A 22% quando o regime de turnos for permanente, total ou parcial; b) A 20% quando o regime de turnos for semanal prolongado, total ou parcial; c) A 15% quando o regime de turnos for semanal total ou parcial. 179 180 Decreto-Lei n.º 259/98 5. As percentagens de acréscimo de remuneração referidas no número anterior são estabelecidas no regulamento interno a que se refere o n.º 2 do artigo 6.º tendo em conta o regime de turnos. 6. O regime de turnos será permanente quando o trabalho for prestado em todos os sete dias da semana, semanal prolongado quando for prestado em todos os cinco dias úteis e no sábado ou domingo e semanal quando for prestado apenas de segunda-feira a sexta-feira. 7. O regime de turnos será total quando for prestado em, pelos menos, três períodos de trabalho diário e parcial quando for prestado apenas em dois períodos. 8. A percepção do subsídio de turno não afasta a remuneração por trabalho extraordinário e em dias de descanso semanal ou complementar, nos termos da lei geral, sempre que haja necessidade de prolongar o período de trabalho. 9. Só há lugar a subsídio de turno enquanto for devido o vencimento de exercício. 10. O subsídio de um turno está sujeito ao desconto da quota legal para a Caixa Geral de Aposentações e intervém no cálculo da pensão de aposentação pela forma prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 47.º do Estatuto da Aposentação. Artigo 22.º - Horários específicos 1. Os dirigentes dos serviços devem fixar aos trabalhadores-estudantes, nos termos da Lei n.º 116/97, de 4 de Novembro, horários de trabalho adequados à frequência das aulas e às inerentes deslocações para os respectivos estabelecimentos de ensino. 2. De igual modo, aos funcionários e agentes com descendentes ou afins na linha recta descendente, adoptandos ou adoptados a cargo, com idade inferior a 12 anos ou que sejam portadores de deficiência e se encontrem em alguma das situações previstas no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 170/80, de 29 de Maio, devem ser fixados, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 4/84, de 5 de Abril, alterada pela Lei n.º 17/95, de 9 de Junho, pelo Decreto-Lei n.º 194/96, de 16 de Outubro, e pela Lei n.º 102/97, de 13 de Setembro, horários de trabalho ajustados, na medida do possível, ao acompanhamento dos mesmos. 3. No interesse dos funcionários e agentes, podem ainda ser fixados horários específicos sempre que outras circunstâncias relevantes, devidamente fundamentadas, o justifiquem. 4. Os horários referidos nos números anteriores são fixados pelos dirigentes dos serviços, a requerimento dos interessados, e podem incluir, para além da jornada contínua, regimes de flexibilidade mais amplos, sem prejuízo da observância do disposto no artigo 13.º. Decreto-Lei n.º 259/98 5. Podem ainda ser fixados outros horários específicos sempre que circunstâncias relevantes relacionadas com a natureza das actividades desenvolvidas, devidamente fundamentadas e sujeitas a consulta prévia dos funcionários e agentes, através das suas organizações representativas, o justifiquem. SECÇÃO III - Não sujeição a horário de trabalho e isenção de horário de trabalho Artigo 23.º Não sujeição a horário de trabalho 1. Entende-se por não sujeição a horário de trabalho a prestação de trabalho não sujeita ao cumprimento de qualquer das modalidades de horário previstas no presente diploma, nem à observância do dever geral de assiduidade e de cumprimento da duração semanal de trabalho. 2. A adopção de qualquer regime de prestação de trabalho não sujeita a horário obedece às seguintes regras: a) Concordância expressa do funcionário ou agente relativamente às tarefas e aos prazos da sua realização; b) Destinar-se à realização de tarefas constantes do plano de actividades do serviço, desde que calendarizadas, e cuja execução esteja atribuída ao funcionário não sujeito a horário; c) Fixação de um prazo certo para a realização da tarefa a executar, que não eleve exceder o limite máximo de 10 dias úteis; d) Não autorização ao mesmo funcionário mais do que uma vez por trimestre. 3. O não cumprimento da tarefa no prazo acordado, sem motivos justificados, impede o funcionário ou agente de utilizar este regime durante o prazo de um ano a contar da data do incumprimento. 4. A não sujeição a horário de trabalho não dispensa o contacto regular do funcionário com o serviço, nem a sua presença no local do trabalho, sempre que tal se mostre necessário. Artigo 24.º - Isenção de horário de trabalho 1. Gozam da isenção de horário de trabalho o pessoal dirigente, bem como os chefes de repartição e de secção e o pessoal de categorias legalmente equiparadas, bem como o pessoal cujas funções não conferem direito a trabalho extraordinário. 2. A isenção de horário não dispensa a observância do dever geral de assiduidade, nem o cumprimento da duração semanal de trabalho legalmente estabelecida. 181 182 Decreto-Lei n.º 259/98 CAPÍTULO IV SECÇÃO I - Trabalho extraordinário Trabalho extraordinário, nocturno, em dias de descanso e em feriados Artigo 25.º - Noção 1. Considera-se extraordinário o trabalho que for prestado: a) Fora do período normal de trabalho diário; b) Nos casos de horário flexível, para além do número de horas a que o trabalhador se encontra obrigado em cada um dos períodos de aferição ou fora do período de funcionamento normal do serviço. 2. Não há lugar a trabalho extraordinário no regime de isenção de horário e no regime de não sujeição a horário de trabalho. Artigo 26.º - Prestação de trabalho extraordinário 1. Só é admitida a prestação de trabalho extraordinário quando as necessidades do serviço imperiosamente o exigirem, em virtude da acumulação anormal ou imprevista de trabalho ou da urgência na realização de tarefas especiais não constantes do plano de actividades e, ainda, em situações que resultem de imposição legal. 2. Salvo o disposto no número seguinte, os funcionários e agentes não podem recusar-se ao cumprimento de trabalho extraordinário. 3. Não são obrigados à prestação de trabalho extraordinário os funcionários ou agentes que: a) Sejam portadores de deficiência; b) Estejam em situação de gravidez; c) Tenham à sua guarda descendentes ou afins na linha recta, adoptandos ou adoptados de idade inferior a 12 anos ou que, sendo portadores de deficiência, careçam de acompanhamento dos progenitores; d) Gozem do estatuto de trabalhador-estudante; e) Invoquem motivos atendíveis. Artigo 27.º - Limites ao trabalho extraordinário 1. O trabalho extraordinário não pode exceder duas horas por dia, nem ultrapassar cento e vinte horas por ano. 2. A prestação de trabalho extraordinário não pode determinar um período de trabalho diário superior a nove horas. 3. Os limites fixados nos números anteriores podem, no entanto, ser ultrapassados: a) Em casos especiais, regulados em diploma próprio, a negociar com as associações sindicais; Decreto-Lei n.º 259/98 b) Quando se trate de motoristas, telefonistas e outro pessoal auxiliar que seja indispensável manter ao serviço; c) Quando se trate de pessoal administrativo e auxiliar que preste serviço nos gabinetes dos membros do Governo ou equiparados e de pessoal da Presidência da República destacado para, normal ou eventualmente, prestar apoio ao Gabinete do Presidente da República; d) Em circunstâncias excepcionais e delimitadas no tempo, mediante autorização do membro do Governo competente ou, quando esta não for possível, mediante confirmação da mesma entidade, a proferir nos 15 dias posteriores à ocorrência. 4. Nos casos das alíneas b) e d) a não oposição dos trabalhadores vale como assentimento à prestação do trabalho. 5. Na administração local, os limites fixados nos n.ºs 1 e 2 do presente artigo podem ser ultrapassados quando se trate de pessoal administrativo ou auxiliar que preste apoio às reuniões ou sessões dos órgãos autárquicos, bem como motoristas, telefonistas e outro pessoal auxiliar ou operário, cuja manutenção em serviço seja expressamente fundamentada e reconhecida como indispensável. Artigo 28.º - Compensação do trabalho extraordinário 1. As horas extraordinárias são compensadas, de acordo com a opção do funcionário ou agente, por um dos seguintes sistemas: a) Dedução posterior no período normal de trabalho, conforme as disponibilidades de serviço, a efectuar dentro do ano civil em que o trabalho foi prestado, acrescida de 25% ou de 50%, respectivamente, nos casos de trabalho extraordinário diurno e nocturno; b) Acréscimo na retribuição horária, com as seguintes percentagens: 25% para a primeira hora de trabalho extraordinário diurno, 50% para as horas subsequentes de trabalho extraordinário diurno, 60% para a primeira hora de trabalho extraordinário nocturno e 90% para as restantes horas de trabalho extraordinário nocturno. 2. Na remuneração por trabalho extraordinário só são de considerar, em cada dia, períodos mínimos de meia hora, sendo sempre remunerados os períodos de duração inferior como correspondentes a meia hora. 3. Quando o trabalho extraordinário diurno se prolongar para além das 20 horas, a meia hora que abranger o período de trabalho diurno e nocturno é remunerada como extraordinária diurna ou nocturna, consoante não haja ou haja efectiva prestação de trabalho para além daquele limite horário, conferindo, ainda, direito ao subsídio de refeição. 4. As percentagens referidas na alínea b) do n.º 1 para o trabalho extraordinário nocturno são mantidas quando, no prosseguimento daquele, se transitar para trabalho extraordinário diurno. 183 184 Decreto-Lei n.º 259/98 5. Nos primeiros oito dias do mês seguinte àquele em que foi realizado trabalho extraordinário, o funcionário ou agente deve comunicar aos serviços o sistema por que tenha optado. Artigo 29.º - Compensação por dedução do período normal de trabalho 1. O sistema previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior pode revestir uma das seguintes formas: a) Dispensa, até ao limite de um dia de trabalho por semana; b) Acréscimo do período de férias no mesmo ano ou no ano seguinte até ao limite máximo de cinco dias úteis seguidos. 2. Nos horários flexíveis, a compensação das horas extraordinárias faz-se, em regra, por dedução no período normal de trabalho, salvo quando se mostrar inviável por razões de exclusiva conveniência do serviço e nos casos previstos na alínea d) do n.º 3 do artigo 27.º, em que o pessoal mantém o direito de opção. 3. As horas extraordinárias que não possam ser compensadas nos termos dos números anteriores são remuneradas de acordo com o disposto na alínea b) do, n.º 1 do artigo anterior. Artigo 30.º - Limites remuneratórios 1. Os funcionários e agentes não podem, em cada mês, receber por trabalho extraordinário mais do que um terço do índice remuneratório respectivo, pelo que não pode ser exigida a sua realização quando implique a ultrapassagem desse limite. 2. Exceptua-se do disposto no número anterior o pessoal referido na alínea c) do n.º 3 do artigo 27.º, bem como os motoristas afectos a directores-gerais ou a pessoal de cargos equiparados, os quais podem receber pelo trabalho extraordinário realizado até 60% do vencimento do índice remuneratório respectivo. 3. O disposto nos números anteriores não prejudica os limites fixados para o pessoal operário e auxiliar afecto às residências oficiais do Presidente da República e do Primeiro-Ministro, nos termos da legislação em vigor. 4. Na administração local podem, ser abonadas importâncias até 60% do respectivo índice remuneratório do pessoal administrativo ou auxiliar que preste apoio a reuniões ou sessões dos órgãos autárquicos, bem como aos motoristas, telefonistas e outro pessoal auxiliar, afectos, por deliberação expressa, ao serviço da presidência dos órgãos executivos e ainda aos motoristas afectos a pessoal de cargos equiparados a director-geral. Decreto-Lei n.º 259/98 Artigo 31.º - Registo de horas extraordinárias Os serviços devem preencher e enviar mensalmente à Direcção-Geral do Orçamento em impresso próprio a indicação do número de horas extraordinárias por cada funcionário ou agente, o respectivo fundamento legal e as correspondentes remunerações. SECÇÃO II - Trabalho nocturno Artigo 32.º - Noção e regime 1. Considera-se trabalho nocturno o prestado entre as 20 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte. 2. O trabalho nocturno pode ser normal ou extraordinário. 3. A retribuição do trabalho normal nocturno é calculada através da multiplicação do valor da hora normal de trabalho pelo coeficiente 1,25. 4. O disposto no número anterior não se aplica às categorias cujas funções, pela sua natureza, só possam ser exercidas em período predominantemente nocturno, salvo casos excepcionais devidamente autorizados pelos Ministros da tutela, das Finanças e do membro do Governo responsável pela Administração Pública, mediante despacho conjunto. SECÇÃO III - Trabalho em dias de descanso semanal, de descanso complementar e em feriados Artigo 33.º - Regime 1. A prestação de trabalho em dia de descanso semanal, de descanso complementar e em feriado pode ter lugar nos casos e nos termos previstos no artigo 26.º, não podendo ultrapassar a duração normal de trabalho diário. 2. O trabalho prestado em dia de descanso semanal é compensado por um acréscimo de remuneração calculado através da multiplicação do valor da hora normal de trabalho pelo coeficiente 2 e confere ainda direito a um dia completo de descanso na semana de trabalho seguinte. 3. A prestação de trabalho em dia de descanso complementar ou feriado é compensada apenas pelo acréscimo de remuneração referido no número anterior. 4. Nos casos em que o feriado recaia em dia de descanso semanal aplica-se na íntegra o regime previsto no n.º 2. 185 186 Decreto-Lei n.º 259/98 5. O regime previsto nos n.os 2, 3 e 4 pode ser aplicado ao pessoal dirigente e de chefia, desde que a prestação de trabalho seja autorizada pelo membro do Governo competente. 6. O disposto no n.º 1 é aplicável aos funcionários e agentes que se deslocam ao estrangeiro em representação do Estado Português. 7. A prestação de trabalho efectuada nos termos do número anterior confere o direito a um dia completo de descanso, a gozar de acordo com a conveniência do serviço. SECÇÃO IV - Autorização e responsabilização Artigo 34.º - Autorização 1. A prestação de trabalho extraordinário e em dia de descanso semanal, descanso complementar e feriado deve ser previamente autorizada pelo dirigente do respectivo serviço ou organismo ou pelas entidades que superintendem nos gabinetes a que alude a alínea c) do n.º 3 do artigo 27.º. 2. Exceptuam-se do disposto no número anterior, quanto aos feriados, os serviços que, por força da actividade exercida, laborem normalmente nesse dia. 3. Os funcionários e agentes interessados devem ser informados, salvo casos excepcionais, com a antecedência de quarenta e oito horas, da necessidade de prestarem trabalho extraordinário e em dia de descanso semanal ou complementar e em feriado. Artigo 35.º - Responsabilização 1. Os dirigentes devem limitar ao estritamente indispensável a autorização de trabalho nas modalidades previstas no presente capítulo. 2. Os funcionários e agentes que tenham recebido indevidamente quaisquer abonos são obrigados à sua reposição, pela qual ficam solidariamente responsáveis os dirigentes des respectivos serviços. CAPÍTULO V Artigo 36.º - Cálculo da remuneração horária normal Disposições finais e transitórias A remuneração horária é calculada através da fórmula (Rx12) /(52xN), sendo R o vencimento mensal auferido e N o número de horas correspondente à normal duração semanal do trabalho. Decreto-Lei n.º 259/98 Artigo 37.º - Pessoal dirigente 1. As referências feitas no presente diploma aos dirigentes máximos dos serviços entendem-se reportadas aos secretários-gerais, directores-gerais e pessoal de cargos equiparados, bem como ao pessoal dirigente directamente dependente de qualquer membro do Governo. 2. As competências atribuídas no presente diploma aos dirigentes máximos dos serviços são, na administração local, cometidas: a) Ao presidente da câmara municipal - nas câmaras municipais; b) Ao presidente do conselho de administração - nas associações de municípios e nos serviços municipalizados; c) À junta de freguesia - nas juntas de freguesia; d) Ao presidente da mesa da assembleia distrital - nas assembleias distritais. Artigo 38.º - Pessoal docente, saúde e justiça Mantêm-se em vigor os regimes de trabalho e condições da sua prestação fixados em legislação especial para o pessoal docente e da saúde e, bem assim, para o sector da justiça, sem prejuízo do previsto artigo 15.º. Artigo 39.º - Pessoal dos grupos operário e auxiliar 1. Para o pessoal dos grupos operário e auxiliar, a duração semanal do trabalho é, transitoriamente, a seguinte: a) Em 1998: trinta e sete horas semanais; b) Em 1999: trinta e seis horas semanais. 2. A duração semanal de trabalho referida no número anterior produz efeitos a partir do dia 1 de Janeiro de cada ano. 3. O disposto no n.º 1 não prejudica a existência de regimes de duração semanal de trabalho inferiores já estabelecidos. 4. O limite máximo do período normal de trabalho diário é, em função da duração semanal, o constante do anexo A ao presente diploma, que dele faz parte integrante. 5. O horário rígido a que se refere o artigo 17.º do presente diploma é, nos anos de 1997 a 1999, o que consta dos anexos B e C ao presente diploma, que dele fazem parte integrante, consoante se trate de serviços de regime de funcionamento normal que encerrem ao sábado ou de serviços de regime de funcionamento especial que funcionam ao sábado de manhã, respectivamente. 187 188 Decreto-Lei n.º 259/98 6. Transitoriamente até à generalização da duração de trabalho de trinta e cinco horas semanais, no caso de horários flexíveis devem seguir-se as seguintes regras: a) É obrigatória a previsão das plataformas fixas da parte da manhã e da parte da tarde, as quais não podem ter, no seu conjunto, duração inferior a quatro horas, no caso de horários até trinta e sete horas, e de cinco horas, nos restantes casos; b) Não podem ser prestados, por dia, mais de nove horas de trabalho, no caso de horários até trinta e sete horas, ou de dez horas, nos restantes casos. 7. Para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 16.º, a duração média de trabalho é de sete ou oito horas para o pessoal abrangido por uma duração semanal inferior a trinta e sete horas, ou superior a este limite, respectivamente, e ainda a que resultar do respectivo regulamento, nos serviços com funcionamento ao sábado de manhã. 8. Em caso de jornada contínua, até à generalização da duração de trabalho de trinta e cinco horas semanais, a redução referida no n.º 2 do artigo 19.º do presente diploma não pode ser superior a uma hora ou a uma hora e trinta minutos por dia, conforme a duração semanal de trabalho seja, respectivamente, inferior, ou não, a trinta e sete horas. 9. Ao pessoal a quem, nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 159/ 96, de 4 de Setembro, foi concedido um crédito de não trabalho de três dias é mantido o direito ao subsídio de refeição durante o uso deste crédito. 10. O crédito de não trabalho de três dias, referido no número anterior, que não foi usado até ao termo do ano civil de 1996, por razões de conveniência de serviço ou interesse relevante do próprio trabalhador, deve ser gozado durante o ano civil de 1997. 11. Os créditos de não trabalho que não foram usados até ao termo do ano civil de 1996 podem ser gozados seguida ou interpoladamente, repartidos por meios-dias ou não, e ser associados ao gozo de férias ou a um período de faltas, de qualquer natureza, mantendo-se, também, o direito ao subsídio de refeição. Artigo 40.º - Revisão do regime de trabalho a meio tempo e da não sujeição a horário de trabalho Os regimes de trabalho a meio tempo e da não sujeição a horário de trabalho, constantes dos artigos 8.º e 23.º, serão obrigatoriamente revistos no prazo máximo de dois anos a contar da data da entrada em vigor do presente diploma. Decreto-Lei n.º 259/98 Artigo 41.º - Legislação revogada É revogada a Lei n.º 17/89, de 5 de Julho, e o Decreto-Lei n.º 167/80, de 29 de Maio, o Decreto-Lei n.º 235/81, de 6 de Agosto, o Decreto-Lei n.º 187/88, de 27 de Maio, o Decreto-Lei n.º 263/91, de 26 de Julho, e o Decreto-Lei n.º 159/96, de 4 de Setembro. Artigo 42.º - Entrada em vigor O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação. Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 14 de Maio de 1998. - António Manuel de Oliveira Guterres - José Veiga Simão - António Luciano Pacheco de Sousa Franco - Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho - Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho - João Cardona Gomes Cravinho - José Eduardo Vera Cruz Jardim - Joaquim Augusto Nunes de Pina Moura - Fernando Manuel Van-Zeller Gomes da Silva - Eduardo Carrega Marçal Grilo - Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina - Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues - Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira - Manuel Maria Ferreira Carrilho - José Mariano Rebelo Pires Gago - José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa. Promulgado em 31 de Julho de 1998. Publique-se. O Presidente da República, JORGE SAMPAIO. Referendado em 6 de Agosto de 1998. O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres. ANEXO A Limite máximo do período normal de trabalho diário Dias da Semana Ano Duração semanal Segunda-Feira Terça-Feira Quarta-Feira Quinta-Feira Sexta-Feira 1997 38 8 8 8 7 7´ 1998 37 8 8 7 7 7 1999 36 8 7 7 7 7 189 190 Decreto-Lei n.º 259/98 ANEXO B ANEXO C Dias da Semana 1997 1998 Segunda-Feira 8.30-12.30 8.30-12.30 9-12.30 14-18 14-18 14-18 Terça-Feira 8.30-12.30 9-12.30 9-12.30 14-18 14-18 14-18 Quarta-Feira 9-12.30 9-12.30 9-12.30 14-18 14-18 14-17.30 Quinta-Feira 9-12.30 9-12.30 9-12.30 14-18 14-17.30 14-17.30 Sexta-Feira 9-12.30 9-12.30 9-12.30 14-17.30 14-17.30 14-17.30 Dias da Semana Manhã Tarde 1999 1997 Manhã 1997 1998 1999 Tarde 1998 1999 1997 1998 1999 14-17.30 Segunda-Feira 9-12.30 9.30-12.30 9.30-12.30 14-17.30 14-17.30 Terça-Feira 9-12.30 9.30-12.30 9.30-12.30 14-17.30 14-17.30 14-17.30 Quarta-Feira 9-12.30 9-12.30 9-12.30 14-17.30 14-17.30 14-17.30 Quinta-Feira 9-12.30 9-12.30 9-12.30 14-17.30 14-17.30 14-17.30 Sexta-Feira 9-12.30 9-12.30 9-12.30 14-17.30 14-17.30 14-17.30 9-12 9-12 9-12 – – – Sábado 191 Apoio Científico: Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Faculdade de Direito da Universidade do Porto Instituto Superior de Polícia Judiciária e Ciências Criminais Ordem dos Médicos - Secção Regional Norte Polícia Judiciária Patrocínios: Agência Catorze Caixa Geral de Depósitos Companhia de Seguros Açoreana Fastrent Livraria Almedina 192 As especificidades e as exigências da prestação de trabalho na Investigação Criminal Dr. Ferreira Leite Director Nacional Adjunto da Polícia Judiciária (Director da DCCB) Medicina do trabalho na Investigação Criminal Dr. Carlos Sobral Médico de Medicina do Trabalho indicado pela Ordem dos Médicos Alterações do sono e alterações dos ritmos biológicos Prof. Dr. A Martins da Silva Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, do Porto O regime de trabalho na investigação criminal - Princípios de Direito Internacional Prof. Dr. Jorge Leite da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Regime de trabalho na função pública portuguesa - Limites às normas especiais que o excepcionem: o art. 79.º da LOPJ Prof. Dr. Liberal Fernandes da Faculdade Direito da Universidade do Porto Factores stressantes na Investigação Criminal: Dr.ª Cristina Soeiro Psicóloga, do Instituto Superior de Polícia Judiciária e Ciências Criminais A realidade laboral nas polícias europeias Gerard Greneron Comandante de Polícia e Secretário-geral do Conselho Europeu de Sindicatos de Polícia (CESP) Adaptação do Trabalho na Investigação Criminal à Lei e às suas especificidades - Soluções possíveis Dr. A. Jorge Braga Jurista especializado em Direito do Trabalho, na área da Administração Pública