(re)ensaio
Lucas de Meira
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Reedição produzida pela poEsix, editora virtual, criada por leitores anônimos,
que visa a publicação e a divulgação da cena contemporânea brasileira.
Lucas de Meira
“(re)ensaio”, 2000
terceira edição eletrônica, 2015
A distribuição das cópias eletrônicas do livro é permitida. Mas, qualquer utilização dos poemas,
fotografias ou ilustrações, que fuja do formato aqui apresentado, precisará de autorização prévia do
autor.
para Yandra Rossi,
Marcos Prado
& (novamente)
Gabriela
chama
fardo-mor,
soldado
:
sou o dado que se joga
e se afoga
no fogo d'tualma
no calor do desespero
onde espero
por te ver
(sou aquele que se salva
pra depois salvar
você)
11/3/1998
smells like old spirit
se knowledge fede
quando imóvel,
então faça.
crie
enquanto os cantos do mundo
(co)existem
enquanto o céu indazul
(que quando cinza
é d'armadura
nuvem)
pois de que adianta ler
joyce, rosa, kant ou pessoa,
ver chaplin ou picasso,
se o fazer for nu
num prazer enrustido
d'amargura
ou ter nervos de aço
e por tê-los
teimar ao termo
e se dizer
incompreendido?
ah, vá!
já furei o pé num prego
enfiei o dedo onde não se deve
& o nariz onde não chamado
já tive um cachorro cego
ainda não vi neve
mas tenho amado
(ha ha ha ha)
na verdade
pra mim já basta
ter o medo que me afasta
de estar
parado.
18/3/1998
a verdade é que
:
não há nenhuma
pra dizer
11/4/1998
perhaps dream
:
o meu desejo
de um último
último beijo
14/4/1998
acossado
:
nouvelle vague
me faz
um acordado
17/4/1998
em curto
durmo pouco
pois sonho
muito
30/4/1998
sideral
A tua ausência
me atirou na solidão
de um imenso
buraco negro.
E, nele,
permaneço.
Não importa
para onde o tempo
queira me levar
:
não poderei tê-la,
pois ainda caminho
entre os mortais.
É certo que, apesar da poeira,
ainda vejo teu brilho.
Mas é só o teu brilho.
Pois você,
minha estrela,
já há um ano,
sem luz,
não existe mais.
26/6/1998
vigiando luas
O louco galo anuncia:
- Nos é hora de dormir!
Chega o dia.
18/7/1998
praça osório
passo pelo relógio parado
procurando a menininha
do braço quebrado
que me pediu esmola
- um reá a frôr de prástico!
seu perfume
é o cheiro da cola
também na mente da piazada
pseudofeliz
que vai tirando a armadura de craca
na verdágua do
c
h
a
f
a
r
i
z
!
25/7/1998
lips, like, sugar
há tanta coisa perdida
mutações
metapoemas
papel amassado no frio da vida
...
porém
novas frases ainda nascem
quando me escondo
no estrondo
do silêncio
...
(então
ela cruza as pernas
acende um cigarro
como quem entende
se rende
logo
disfarça o pigarro
quando percebe
que não tenho dinheiro
não bebo champagne
e nem tenho carro)
31/7/1998
"Fui."
será
que não há mesmo um jeito
de fazê-la parar
fazê-la olhar para mim
e dizer
onde foi que eu errei?
pois se cometi um crime
ele foi tão
mas tão
perfeito
que nem eu
dele sei
2/8/1998
dia gnóstico
doutor,
quando eu era pequeno
o sol era ameno
movido à canção
da cigarra
no pinheiro
e quando o eu era pequeno
Ela,
à lua à vênus,
já me apertava o coração
que gritava pela noite
tempo inteiro...
- sinto,
não existe remédio
pra esse tipo de tosse
: sofre de sonho
& velhice
precoce
5/8/1998
agosto
dos ares
eu tiro é onda
:
de ser eu mesmo
nem chego
à sombra
10/8/1998
saudades de kyoto song
Eu não sei mais
o que ela
(ou o uísque)
quer dizer
nisso que dá
papo de boteco
ideografado
em guardanapo
amassado
lambuzado
de batom
,
importado
(Garota:
antes tu, antes
eras eras
mais & mais
marota.)
13/8/1998
dívida
Há uns dez minutos,
ouvi dois tiros.
Os cães trataram de latir.
O trem, os trilhos, sacudir.
Eis o mundo,
quase duas da matina
: pulsações em disparada,
a vida, quase nada.
E o re-silêncio então
domina.
13/8/1998
sem fechar os olhos
O haikaimikaze,
arrependido,
voltou para casa.
Até pensou em virar um tanka,
mas a página, da vida,
insiste: branca.
20/8/1998
fim
ontem
lembrei de ontem
lembrei de ti
hoje não
amanheci
22/8/1998
previsão
bando de nuvens
contendo as lágrimas
: cinza o dia
7/10/1998
em libra
sozinho, na rua
encontro meu rosto
(poça d'água: é a lua)
7/10/1998
protocolo
nada consta
nos arquivos
sobre certa incerta
certa de certos
amores prestados
pesquisei
nas atas anteriores
nos possíveis porões
cheguei mesmo a encontrar
uns memorandos
mas as traças, a umidade...
bem, nada consta
no entanto,
peço que solicite uma guia
retire uma senha
e aguarde na fila
para que possamos
rever seu caso
nunca mais
: eis seu prazo
17/2/1999
ressuscitou o namorado e foi pra butique
não quero te ver na tevê
pois vou ficar com pena dos teus pais
pois depois vão entrevistá-los
perguntar por que você é assim
& assado
vão querer saber o porquê
do que você fez
e se não acredita mesmo
em deus...
(sei, sei
meu peito é uma velha jukebox
que só funciona
com moedas antigas
mas é a única que toca
a trilha sonora
da tua vida)
9/4/1999
ainda
trêmulo
à voz da lua
perambulo
procurando
a tua
e eis que o frio
frio me faz
entender
: certas noites
findam muito
muito antes
de amanhecer
11/4/1999
academices
é tanto ismo
que o céu virou
a
b
i
s
m
o
12/4/1999
mordi a língua
há muito
nada escrevo
fiquei à espera
de tempos mais gratos
do vento nas cortinas
da chuva fina
de tudo que me fizesse
real
vi a poeira
flutuante aos raios de sol
intrusos
pela janela de minhas manhãs
carentes da noite
e foi apenas um toque
dos meus dentes
no ventre da idéia
que me fez voltar à matéria
e ver o rosto
deste engano infinito
amadureço
feito fruta cadente
feito homem
maldito
e engrandeço
toda forma de vida
qu'inda possa ser
lida
15/4/1999
cwb
beijei-a
na boca
maldita
17/4/1999
mil poetas morreram num tango
foi a prótese da palavra,
a gota d'água
: os caras de pedra
dando lágrimas à gardel
dançando tormentas
& suas nuas vidas
cristalinas
sendo bebidas
nota a nota sedenta
naquela música pura
- latina
(um beijo
& arranco gemidos
da tu'alma menina
& ao fundo, todo o mundo
ao canto do amanhecer)
eis minha fome de amor
jam de meus sonhos
: você você você
e nem preciso rimar com flor
eu suponho
23/4/1999
a4
“o que antes
abrigava os pássaros
agora
mal abriga
esta tentativa
de poema”
21/7/1999
caso não, nos vejamos mais
disso
certeza tenho
:
pra esse mundo
não mais
venho
21/7/1999
um dia quero te dizer que
ando tão
sereno
...
depois que te encontrei
meu passado ficou
pequeno
28/7/1999
nemesislove
evasivamente
disse a que veio
com flores nos coldres
moldando prazeres
ao ouvir minhas palavras
podres
mandou procurar um padre
e confessar
meus acertos
juntou os sentimentos
numa trouxa
e, que pôxa...
ela foi pra não sei onde
só falou "até não sei quando"
(agora sim
acho que estamos
namorando)
16/9/1999
psycholovestory
ela disse
: bem-vindo ao front
para ela
nada mais era
que vanguarda
versus o belo
tipo
um novorizonte
no prelo
eu,
ga ga ga ga
ga gaguejava
copiosamente
& os goth ghosts do prédio
davam com as caras
quando davam com as caras
nas paredes
que tédio
she said
: te lasco um beijo
de meu vasto acervo
se me disser que horas são
- é primavera em ponto
pronto.
e fui só aquilo
por toda aquela
estação
23/9/1999
praça da ucrânia
li um poema
nos olhos da velhinha
chorando esmolas
outro
nos tabefes
dos garotos da pré-escola
brigando por causa
de mão molhada
no jogo de bafo
e, ainda,
alguns versos
no bom de papo
gesticulante
cantando para a mais bela
donzela
daquele instante
(caberia tudo num soneto
não fosse a regra
sumir com o vento)
3/10/1999
cabaret pagliacci, 1995
londres no sonho dos loucos
guitar bands & lonely hands
à adega lacrada
garoava, um pouco
: as palavras perdidas na hora h
perderam a hora de voltar
& nada de uau
& ela nem tchau
eu, mal
às moscas
as tentativas foram se tentando
até que,
como, não sei,
entendi
que não merecia
merecer
então
os céus se abriram
e o cinza
virou lembrança
os que viram?
dizem, que, eu,
nada
nada mesmo
feito criança
14/10/1999
era uma vez na vez da vez
na estação você
perdi todos
os bilhetes
26/10/1999
grades
muito em breve
serei do vento
deveras leve
sem talento
a menos que
não mais te sinta
no que se lê
(e como eu tento!)
23/11/1999
cantando em latim
meu dia finito
foi um beco
: quando a lua subiu
o camarada serviu
vinho seco
(sujeito esquisito)
na mesa do canto
a moça dormia
de cigarro aceso
no balcão, na cerveja
um velho, num pranto
comprava uns beijos
de tigresa
e eu, caricato
repudiava, no palco
toda a minha
absoluta & diminuta
certeza
5/1/2000
(re)ensaio
enfim
minha face
verdadeira
:
vivo a vida toda
esperando uma vida
inteira
20/1/2000
como se eu fosse lindolf bell
não abaixe
la cabeza
nem desista
dos teus sonhos
:
somos bem mais
do que tudo
que somos
21/3/2000
adeus!
Parto da ponta
da pena.
E, que pena,
perdi a conta
dos sonhos que não tive
num não
qu'inda vive
em cada tropeço
soluço
saxofone
café barato
.
No mais,
tudo ruço
:
furou meu sapato.
5/4/2000
à mais breve das brisas
muralho meus sonhos
com fino
concreto
quem dera eu fosse
anarquiteto
14/5/2000
garota de novembro
achar
um sentimento?
mas nem
com lupa
beijei beijei beijei
culpa
da culpa
15/7/2000
avenida iguaçu
anoitecência me prende
ao néctar das estrelas
(pólen polindo poses
,
luz
pra mariposas)
mas,
não preciso da noite
:
só dos sorrisos
refletidos
nos canecos
de chope
31/7/2000
agenda
os egonautas
& seus cajados d'ouro
(um café
na casa do dono da verdade)
os invertebrados
& suas almas de chumbo
(happy hour
no playground do vendedor de paraísos)
: aceito o coma induzido
pra minha morte sair de férias
6/9/2000
musical box
cancionei
o futuro
com um furo
no bolso
- mero ofício
dos ossos.
e quisera
aos berros
nomear meus erros
fósseis de um eu
que nem foi
suigeneris
não mais que,
pus o sonho
pra despertar
e o céu
pra desabar
(ao som
do genesis)
9/9/2000
mérito
antes fosse agora
aquele instante não
ia embora
10/9/2000
ainda te procuro
&
quebro
a barreira
do som
:
silêncio de lágrima
vida inteira
dá o tom
12/9/2000
azuis
vez mais
perco a paz
nas zonas mais abissais
do meu peito
tais mares murmuro
e dos males mais puros
me enfeito
13/9/2000
entardece
&
no cansaço
as pessoas se esquecem
invisível
passo pela avenida
ao som de um inaudível
sopro de vida
(sofro-me, cego
quanto mais nego
tal ferida)
15/9/2000
entre foras & formulários
longos poemas
de mim fugiram
sínteses
mil lapsos me deram
em flashes de coisas
e outras sem nome
que poliram meu pensar
e aqui estou eu
morto de fome
por aqui estar
neste cubículo
fechado
onde o certo
nem sempre é o correto
e demonstrar
quase nunca é
afeto
(às vezes
é escrevendo demais
que me sinto por perto
ou capaz)
16/9/2000
terceiro turno
cresce o vazio
e, à grandiosidade do nada
condeno-me
: de piadas fiz-me fruto
sereno medo
absoluto
(enquanto conto estrelas
nada faço
para tê-las)
20/9/2000
Ilustração da capa: também do autor. Título: “sideral”. De 1997.
O autor, e seu penúltimo dos moicanos semiocultos, em 1998.
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Nos é hora de dormir!