HOMILIA (Procissão do Senhor dos Passos)
“Eis o caminho, eis o caminho da salvação”, cantamos nós na
matriz, no início da celebração da Palavra que antecedeu a nossa
caminhada com o “Homem das dores”, o Senhor dos Passos.
Colocamo-nos com Ele a caminho, recordando a caminhada da
dor naquela que foi a primeira Sexta-feira Santa da história. E,
carregando aos ombros a cruz da ingratidão, ouvimos o “verme e não um
homem”, o “Servo Sofredor” profetizado por Isaías balbuciar:
Eu sou o homem que conheceu a miséria,
sob a vara da sua ira.
Conduziu-me e fez-me caminhar
nas trevas e não na luz.
Dirige contra mim a sua mão
todos os dias, sem cessar.
Consumiu a minha carne e a minha pele,
partiu os meus ossos.
Edificou e levantou um cerco
de dores e amargura em meu redor.
Fez-me morar nas trevas
como os mortos para sempre.
Cercou-me com um muro,
e não tenho saída,
carregou-me de pesados grilhões.
Mesmo quando grito e imploro socorro,
Ele rejeita a minha prece.
Bloqueou-me o caminho com pedras,
fez-me seguir por estrada errada.
Fez cravar nos meus rins
as setas da sua aljava.
Tornei-me o escárnio de todo o meu povo,
o seu gozo de todos os dias.
Fartou-me de amargura,
embriagou-me de fel.
Quebrou-me os dentes com uma pedra
e mergulhou-me na cinza.
A paz foi desterrada da minha alma,
já nem sei o que é a felicidade.
E exclamei: “Falta-me a força,
e a esperança que tinha no Senhor”.
Lembra-te dos meus tormentos e misérias,
que são fel e amargura.
Ao pensar nisto, sem cessar,
a minha alma desfalece.
Isto, porém, guardo no meu coração;
por isso, mantenho a esperança:
É que a misericórdia do Senhor não acaba,
não se esgota a sua compaixão.
Cada manhã ela se renova;
é grande a tua fidelidade.
“O Senhor é a minha herança”,
disse a minha alma.
Por isso espero nele.
O Senhor é bom para os que nele confiam,
para a alma que o procura.
Bom é esperar em silêncio
a salvação do Senhor. (Lamentações 3, 1-26)
Mas eis que, não sabemos bem ao certo o local, numa das
encruzilhadas das ruas da Cidade Santa, um vulto sofredor de Mulher
detém os passos vagarosos do condenado. Ei-los, frente a frente.
Finalmente, cumpriu-se a palavra profética do velho Simeão: “uma
espada de dor trespassará a tua alma!” Ao olharmos para ela, a Mãe das
Dores, recordamos imediatamente o grito do Livro das Lamentações:
Desapareceu da filha de Sião
todo o seu esplendor.
Os teus príncipes ficaram como veados
que não encontraram pastagens
e fogem esgotados
diante dos perseguidores. (Lamentações 1, 6)
Mãe e Filho “conversam” em silêncio. Aquele encontro serve para
Jesus retemperar as poucas forças que lhe restam. Ao contemplar a Mãe
silenciosa, Jesus “lê” os seus pensamentos. Na dor estampada no seu
rosto está impresso o grito do Livro das Lamentações:
Ó vós todos que passais pelo caminho,
olhai e vede se existe dor igual
à dor que me atormenta,
pois o Senhor feriu-me
no dia da sua ardente cólera.
Do alto lançou um fogo
que penetrou nos meus ossos.
Estendeu a meus pés uma rede
que me fez cair para trás;
lançou-me na desolação,
numa aflição contínua.
O Senhor dispersou todos os meus guerreiros
que viviam aqui comigo.
Convocou contra mim um exército,
a fim de abater os meus soldados.
O Senhor pisou, como num lagar,
a virgem filha de Judá.
É por isso que eu choro;
desfazem-se em lágrimas meus olhos,
porque não há quem me console
e reanime a minha alma.
Vivem consternados os meus filhos,
porque triunfa o inimigo.
Ó vós todos que passais pelo caminho,
olhai e vede se existe dor igual
à dor que me atormenta… (Lamentações 1, 12-16)
Continuemos a nossa caminhada rumo ao monte de São Roque,
que nos recorda, nesta tarde, o Monte da Caveira. Aí chegados, façamos
silêncio e escutemos estas tão sugestivas palavras:
Estava a Mãe dolorosa
Junto da cruz lacrimosa,
Enquanto Jesus sofria.
Uma longa e fria espada,
Nessa hora atribulada,
O seu coração feria.
Oh quão triste e tão aflita
Padecia a Mãe bendita,
Entre blasfémias e pragas,
Ao olhar o Filho amado,
De pés e braços pregado,
Sangrando das Cinco Chagas!
Quem é que não choraria,
Ao ver a Virgem Maria,
Rasgada em seu coração,
Sem poder em tal momento
Conter as fúrias do vento
E os ódios da multidão!
Firme e heróica no seu posto,
Viu Jesus pendendo o rosto,
Soltar o alento final.
E que, no fim da nossa caminhada com Cristo, o Senhor dos
Passos, ao fitarmos o olhar na Mulher das Dores, seja esta a nossa
súplica:
Ó Cristo, por Vossa Mãe,
Que é nossa Mãe também,
Dai-nos a palma imortal.
Maria, fonte de amor,
Fazei que na vossa dor
Convosco eu chore também.
Fazei que o meu coração
Seja todo gratidão
A Cristo de quem sois Mãe.
Do vosso olhar vem a luz
Que me leva a ver Jesus
Na sua imensa agonia.
Convosco, ó Virgem, partilho
Das penas do vosso Filho,
Em quem minha alma confia.
Mãos postas, à vossa beira,
Saiba eu, a vida inteira,
Guiar por vós os meus passos.
E quando a morte vier,
Eu me sinta adormecer
No calor dos vossos braços.
Virgem das Virgens, Rainha,
Mãe de Deus, Senhora minha,
Chorar convosco é rezar.
Cada lágrima chorada
Lembra uma estrela tombada
Do fundo do vosso olhar.
No Calvário, entre martírios,
Fostes o Lírio dos lírios,
Todo orvalhado de pranto.
Sobre o ódio que o matava,
Fostes o amor que adorava
O Filho três vezes santo.
A cruz do Senhor me guarde,
De manhã até à tarde,
A minha alma contrita.
E quando a morte chegar,
Que eu possa ir repousar
À sua sombra bendita.
Continuemos a nossa caminhada. “Eis o caminho, eis o caminho
da salvação”!...
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