Anais do X Encontro do CELSUL – Círculo de Estudos Linguísticos do Sul UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná Cascavel-PR | 24 a 26 de outubro de 2012 | ISSN 2178-7751 A SINTAXE INOVADORA DO OBJETO INDIRETO NO PORTUGUÊS 1 BRASILEIRO Manoel Bomfim PEREIRA2 RESUMO: Pesquisas linguísticas vêm demonstrando diminuição da frequência da preposição a e aumento da preposição para, como introdutora do objeto indireto (OI) no Português do Brasil (PB) (cf. BERLINCK, 1999; NASCIMENTO, 2007 entre outros). Este trabalho examina construções de OI no PB, considerando sua relação com as construções causativas perifrásticas. Adotando a Teoria de Princípios e Parâmetros (CHOMSKY, 1981; e seguintes), mostraremos que o causee deixa de ser licenciado como dativo no PB (*Maria mandou comer o bolo [ao João]), por haver restrição ao licenciamento do OI pela preposição a – inversamente, para não pode ocorrer nesse contexto (*Maria mandou comer o bolo [para o João]) (cf. BORGES, 2008). Igualmente, questionamos a explicação de Cyrino (2010), que se baseia na perda da reestruturação de predicados no PB, com implicações para a subida do clítico (e para a ocorrência do causee como dativo), diante da ocorrência de dados como ”Maria me mandou comer o bolo”, em que a subida do clítico é obrigatória. Os dados sugerem um tipo de cisão pronominal, em que a 3ª pessoa, mas não a 1ª (e a 2ª), manifesta restrição quanto à possibilidade de ocorrer como um clítico dativo. Tal propriedade pode estar associada à ocorrência de predicados complexos no PB, sem que a reestruturação seja um fato condicionante para a ocorrência da causativa. Concluímos que a inovação na sintaxe do OI trouxe implicações para o mapeamento das estruturas causativas do PB. PALAVRAS-CHAVE: Causativas; Dativo; Reestruturação. ABSTRACT: Linguistic research have demonstrated decreased frequency of the preposition a and increase the preposition para, as the introducer of the indirect object (IO) in Brazilian Portuguese (BP) (see BERLINCK, 1999, NASCIMENTO, 2007; among others). This paper examines constructions of IO in BP, considering its relationship with the periphrastic causative constructions. Adopting the Principles and Parameters Theory (CHOMSKY, 1981; and following), show that the causee is no longer licensed as dative in BP (*Maria mandou comer o bolo [ao João]), be restricted by the licensing of IO by the preposition a conversely, para not occur in this context (*Maria mandou comer o bolo [para o João]) (see BORGES, 2008). Also, we question the explanation Cyrino (2010), which is based on loss of restructuring predicates in BP, with implications for the rise of clitic (and for the occurrence of such dative causee), before the occurrence of data as “Maria me mandou comer o bolo”, where the ascent of the clitic is obligatory. The data suggest a kind of split pronoun in the 3rd person, but not the 1st (and 2nd), expresses the possibility of restriction occur as a dative clitic. This property can be associated with the occurrence of complex predicates in BP, without the restructuring is actually a condition for the occurrence of the causative. We conclude that innovation in the syntax of IO has brought implications for the mapping of 1 Este trabalho faz parte das atividades do projeto de Mestrado Verbos causativos e a sintaxe inovadora do objeto indireto no Português Brasileiro contemporâneo, desenvolvidas no do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade de Brasília – UnB. O trabalho conta com o apoio da Fundação de Apoio á Pesquisa do Distrito Federal – FAP/DF. 2 Aluno do Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade de Brasília – UnB e bolsista DS CAPES, sob orientação da Profª. Drª. Heloisa Moreira Lima de Almeida Salles. 1 Anais do X Encontro do CELSUL – Círculo de Estudos Linguísticos do Sul UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná Cascavel-PR | 24 a 26 de outubro de 2012 | ISSN 2178-7751 causative structures of BP. KEYWORDS: Causative; Dative; Restructuring. 1 Introdução Neste trabalho investigamos a sintaxe do objeto indireto no Português do Brasil (PB), considerando, em particular, a sua relação com as construções causativas perifrásticas (com os verbos causativos ‘mandar’, ‘deixar’ e ‘fazer’). Nossa discussão mostrará que o causee Objeto Indireto (OI) dativo preposicionado deixa de ser licenciado na gramática do PB, conforme se observa em (1), por haver na língua uma restrição maior para o licenciamento do OI pela preposição a, e seu correlato morfológico lhe(s) - inversamente, a preposição para não pode ocorrer nesse contexto, conforme se observa em (2) (cf. BORGES, 2008). Igualmente, questionamos a hipótese defendida por Cyrino (2010), que se baseia na perda da reestruturação de predicados no PB, com implicações para a subida do clítico (e para a ocorrência do causee como dativo), diante de dados como (3), em que a subida do clítico é obrigatória. (1) a) *Maria mandou comer o bolo [ao João]. b) *Maria mandou-[lhe] comer o bolo. (2) *Maria mandou comer o bolo [para o João]. (3) Maria me mandou comer o bolo. Na análise, tomaremos por base o quadro teórico da gramática gerativa, mais especificamente o programa minimalista e a teoria de Princípios e Parâmetros (P&P) (CHOMSKY, 1981; CHOMSKY, 1995, e seguintes). Consideraremos, para o trabalho, as construções que ocorrem com verbos bitransitivos na cláusula subordinada, cujos complementos indiretos estejam fonologicamente realizados. Neste estudo, exploramos a hipótese de que a inovação na sintaxe do OI trouxe implicações para o mapeamento sintático das estruturas causativas do PB (cf. BITTENCOURT, 1995; BORGES, 2008; SALLES, 2010). O trabalho encontra-se estruturado como descrito a seguir: na seção 2, descrevemos as propriedades do OI no PB, a partir de estudos variacionistas; na seção 3, s ã o s istematizadas as propriedades do OI a partir dos postulados da Teoria Gerativa; na seção 4, discutimos e analisamos os dados, e, por último, são apresentadas as considerações finais. 2 O Objeto Indireto no PB: perspectiva variacionista. No que se refere ao uso da preposição introdutora do OI, Berlinck (1999) revela uma diminuição progressiva da frequência da preposição a no PB e o aumento da preposição para, ao longo dos séculos XVIII, XIX e XX, a partir da análise de um corpus escrito (que inclui peças teatrais, cartas, relatos de viagem e outros inquéritos dos séculos XVIII e XIX) e outro corpus de língua falada, do século XX. A autora afirma que a e para são as únicas preposições presentes nos OI oblíquos dos corpora do séc. XIX e as mais frequentes nos dados do PB moderno. Berlinck observa que “a diminuição no uso do pronome clítico dativo se inseriria num quadro mais amplo de mudanças no sistema pronominal do PB, que o distanciam tanto de estágios anteriores da língua, como da variedade europeia atual.” (p. 2). 2 Anais do X Encontro do CELSUL – Círculo de Estudos Linguísticos do Sul UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná Cascavel-PR | 24 a 26 de outubro de 2012 | ISSN 2178-7751 Torres Morais e Berlinck (2007) levantam a hipótese de que o PB teria sofrido uma reanálise na expressão morfológica do dativo, e, como consequência, passou a apresentar configurações gramaticais diferentes do Português Europeu (PE) (cf. RAMOS, 1992; e SALLES, 1997; para abordagem preliminar desta análise). Conforme as autoras, ''o PB se distância do PE, de forma marcante na língua falada, não só pelo uso preferencial da preposição para, como também pela ausência dos pronomes lhe/lhes em seu uso como 3ª pessoa'' (p.39) 3. Com base em Torres Morais (2006), defendemos que a gramática inovadora do PB consiste na substituição do clítico dativo de 3a pessoa pela configuração preposicionada com os pronomes ele/ela e flexões. Nascimento (2007) considera como dativas as construções com verbos que denotam transferência, material ou não, e atos comunicativos (verbos de elocução) e que, semanticamente, são completados com três argumentos: um emissor (ou transmissor), um objeto (ou mensagem) transferido e um destinatário (ou receptor) da ação expressa pelo verbo. Conforme o autor, esses argumentos semânticos são expressos na sintaxe, respectivamente, pelo que tradicionalmente se conhece como sujeito, objeto direto (OD) e objeto indireto (OI), conforme ilustrado em (4). (4) a) Maria deu o bolo para João. b) Maria declarou ao juiz que era inocente. A partir de um estudo sobre a variação na expressão do dativo, em comunidades rurais goianas, Nascimento identificou que o OI dativo é licenciado pela preposição para. Nos dados analisados por ele, esta preposição licenciadora do OI dativo, aparece disputando espaço com as variantes a, clíticos e Ø. A preposição para aparece em 70% dos dados analisados, ao passo que a preposição a ocorre em 1% dos dados, apresentando menos casos que clítico e a variável Ø, que representam, respectivamente, 37% e 15%. O autor chega à conclusão de que a variação observada nas comunidades rurais goianas segue a mesma tendência estrutural geral do português do Brasil, que indica uma mudança em direção ao uso exclusivo de para na expressão do dativo, preposição esta, conforme o autor, mais clara quanto ao seu conteúdo semântico e já disponível no sistema português desde fases arcaicas da língua. Barros e Ribeiro (2011), estudando a variação das preposições introdutoras de DP dativo no dialeto de Helvécia – BA, demonstram a ocorrência da preposição para em 84% dos dados analisados, ao passo que a variante a ocorre em apenas 16% dos casos. De acordo com as autoras, a preposição a foi pouco frequente ao analisarem o quadro geral das ocorrências na comunidade, mas foi mais frequente na fala dos informantes mais velhos, em oposição à preposição para, que foi a variante escolhida pelos informantes mais jovens. Para as autoras, um dos fatores que determinam a escolha da preposição é a ordem do dativo na estrutura VP, sendo a preposição a favorecida pela estrutura em que o DP dativo aparece adjacente ao verbo. A preposição para, por seu turno, é mais frequente nas estruturas nas quais o DP não é adjacente ao verbo. Barros (2011), ao analisar o uso de preposições de DP dativos na escrita de dois exescravos brasileiros em atas do século XIX, afirma, baseando-se em Lucchesi e Mello (2009), 3 Conforme Salles & Scherre (2003), em alguns dialetos nordestinos, a preposição ‘a’ mantém incidência maior do que em outras regiões, embora a preposição ‘para’ também ocorra nesses dialetos. No entanto, todos os dialetos compartilham a perda do pronome lhe de 3ª pessoa. Veja-se Torres Morais (2006), Torres Morais e Salles (2010) para uma discussão desses fatos em termos da hipótese de que a sintaxe inovadora do PB esteja crucialmente associada à ocorrência do pronome de 3ª pessoa ‘ele/ela’ na estrutura preposicionada (sem redobro pelo clítico lhe), independentemente de a preposição ser ‘a’ ou ‘para’. 3 Anais do X Encontro do CELSUL – Círculo de Estudos Linguísticos do Sul UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná Cascavel-PR | 24 a 26 de outubro de 2012 | ISSN 2178-7751 que a mudança da expressão de caso no PB configura um processo de simplificação morfológica, com a perda das marcas exclusivas de dativo, acompanhadas da expansão do uso de uma preposição multifuncional, neste caso, a preposição para. Conforme Barros, no PB é recorrente o uso das preposições a, para e de4; sendo as duas primeiras introdutoras principalmente de DP, desempenhando papel de beneficiário e meta, e a última de DP, desempenhando o papel de fonte. Neste trabalho, a autora analisa um corpus (editado por Oliveira, 2006) constituído por atas do século XIX, escritas por exescravos brasileiros. Barros afirma que no português, o dativo de 3ª pessoa pode ser realizado sob a forma do pronome clítico lhe(s), do sintagma nominal ou do pronome (nulo ou realizado fonologicamente). Considerando Torres Morais e Berlinck (2007), a autora assume que, devido a uma reanálise morfológica, no PB, a realização do clítico de terceira pessoa não é muito frequente. Estes são alguns dos trabalhos que apontam inovações na sintaxe do OI do PB, embora não representem a totalidade da literatura sobre o assunto, sua contribuição é de suma importância para a discussão que aqui é proposta. Em particular, destacamos os resultados dos estudos variacionistas em relação ao papel da variável independente ‘faixa etária’. Constatouse que os informantes mais idosos apresentam maior incidência da preposição a. Tal situação confirma a existência, no dialeto rural, de uma gramática em que a preposição ‘a’ licencia produtivamente OI, o que sugere não haver relação entre a situação social dos falantes (vinculação ao meio rural) e a escolha da preposição na codificação do OI. Defende-se, na literatura, que há uma relação entre a sintaxe do OD e OI e as estruturas causativas do PB, uma vez que nesta língua o causee tem uma realização particular. Diferentemente de outras línguas românicas, no PB, o causee não é realizado como dativo (cf. BORGES, 2008), sendo adotada a configuração em que ocorre anteposto ao verbo (com implicações para o licenciamento como acusativo ou nominativo), conforme se observa em (5). Quando há dois argumentos internos, o que se refere ao DP-meta é licenciado pela preposição para, conforme se observa em (6). Na próxima seção sistematizamos as propriedades do OI a partir dos postulados da Teoria Gerativa. (5) Maria mandou Pedro/ele comer o bolo. (6) Maria mandou Pedro/ele dar o bolo para João. Na próxima seção sistematizamos as propriedades do OI a partir dos postulados da Teoria Gerativa, relacionando-as a sua manifestação na estrutura causativa. 3 Sistematização das propriedades de OI no quadro teórico gerativista e sua relação com a estrutura causativa perifrástica Conforme postulado da Teoria Gerativa, a preposição aparece nos contextos de dativo com a tarefa de atribuir Caso inerente ao DP beneficiário ou ao argumento meta/recipiente (cf. CHOMSKY, 1986). Em relação ao PB, Torres Morais (2006) afirma que a e para são covariantes quando aparecem como argumentos de verbos bitransitivos de transferência verbal ou perceptual, conforme ilustrado em (7); transferência material, conforme ilustrado em (8); de movimento físico, conforme ilustrado em (9); e de movimento abstrato, conforme ilustrado em (10). 4 Para este trabalho, limitamo-nos a considerar a ocorrência das preposições a e para, bem como seu mapeamento sintático, haja vista que estas duas preposições estão intimamente vinculadas à problemática proposta. 4 Anais do X Encontro do CELSUL – Círculo de Estudos Linguísticos do Sul UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná Cascavel-PR | 24 a 26 de outubro de 2012 | ISSN 2178-7751 (7) Eu vou mostrar a quantia para/a você. (8) Posso emprestar este livro para/a Joana? (9) Eu levei uma maça para/a ela. (10) Ela oferece emprego para/a todos seus amigos. Tal propriedade é associada à sintaxe pronominal, sendo o clítico de 3ª pessoa (lhe, e flexões) considerado o correlato morfossintático da configuração com a preposição introdutora do sintagma nominal pleno. Essa implicação é crucialmente associada à preposição a, o que se confirma por seu uso obrigatório nas estruturas de redobro do clítico (sendo excluída a preposição para), conforme ilustrado em (11): (11) Ofereceu-lhe um emprego a ela/ *para ela. 3.1 Construções causativas: a realização do causee Em estudo sobre o (PE), Gonçalves (1999) caracteriza como propriedades gerais de predicados complexos o fato de (i) no domínio encaixado ocorrer uma forma não finita do verbo; (ii) a forma verbal encaixada não exibir marcas de concordância, o que parece indicar a ausência de um DP na posição básica de sujeito e (iii) o domínio infinitivo ser selecionado pelo verbo matriz, sendo seu complemento. A autora afirma que os predicados complexos podem ser reconhecidos mediante a identificação de quatro fenômenos, a saber: (i) Subida do clítico; (ii) Movimento longo de Objeto; (iii) Posição de operador de negação frásica e (iv) Interrupção da adjacência verbal por material lexical diverso. Gonçalves analisa a sentença do PE, em (12), como instância de ECM. Por essa razão, o causee é o sujeito do verbo infinitivo e tem acesso aos traços de Caso acusativo do verbo mais alto e não pode ser substituído pela forma nominativa do pronome pessoal, tipicamente associada à relação gramatical de sujeito, conforme se observa em (13), sendo, antes, cliticizável em acusativo no verbo mais alto, conforme se observa em (14): (12) O professor mandou os meninos sair. (13) *O professor mandou eles sair. (14) O professor mandou-os sair. De acordo com Gonçalves, o PE além de possuir construções de ECM, possui também construções fazer-Inf – (FI) 5. Um dos aspectos que as diferencia é que, enquanto nas construções de ECM, o causee precede o verbo; nas construções FI, ele o sucede. Este contraste pode ser verificado em (15) e (16), respectivamente, em que o causee é representado pelo DP ‘os mecânicos’. (15) Os pilotos mandaram os mecânicos arranjar o carro. (16) Os pilotos mandaram arranjar o carro aos mecânicos. 5 O rótulo FI abrevia a expressão ‘faire-Infinitif’, a qual descreve a estrutura causativa em francês, em que estão presentes as categorias também encontradas no PE (e outras línguas românicas), particularmente o causee realizado como dativo. A configuração FI contrasta com a chamada faire-PAR, também do francês, em que o causee é introduzido pela preposição par, não sendo, porém, associado ao dativo. 5 Anais do X Encontro do CELSUL – Círculo de Estudos Linguísticos do Sul UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná Cascavel-PR | 24 a 26 de outubro de 2012 | ISSN 2178-7751 Outra diferença entre os dois tipos de estruturas encontradas no PE, segundo Gonçalves, refere-se ao que segue: na construção FI, o causee, se cliticizado, ocorre adjacente ao verbo causativo e manifesta o Caso acusativo se o verbo encaixado for intransitivo, ou o Caso dativo se esse verbo for transitivo, como se verifica em (17) e (18). Por outro lado, na construção de ECM, o mesmo constituinte, quando cliticizado, apresenta-se apenas sob a forma acusativa, como se verifica em (19) e (20): (17) O professor mandou-os sair. (18) Os pilotos mandaram-lhes arranjar o carro. (19) Os pilotos mandaram-nos sair. (20) Os pilotos mandaram-nos arranjar o carro. Cyrino (2010), discutindo a perda da subida do clítico no PB, sugere que o PB tinha construções do tipo FI, mas, com a perda dessas construções, perdeu-se também a subida do clítico. Considerando alguns autores, como, por exemplo, Martins (2006), Pagotto (2002), entre outros, no que se refere à história do PB, a linguista nos mostra que as estruturas causativas foram as primeiras a passarem por mudança, no que diz respeito à perda da subida dos clíticos. Deste modo, conforme a autora, as construções causativas do PB não são mais estruturadas como predicados complexos, na forma 'verbo causativo finito' + 'verbo infinitivo'. A autora mostra que a perda de FI afeta sentenças causativas do tipo (21) e (22). Em consequência, no PB moderno, ao invés de causativas FI, encontramos apenas a chamada “make- causatives”. O fato interessante é que, de acordo com a autora, nessas sentenças, não se observa o fenômeno de ECM. Partindo das propostas de Farrell (1995) e de Hornstein (2003), a instância de “backward control” é referida como outro tipo de construção, diferente das construções de ECM e FI que se caracteriza, em síntese, pela seguinte propriedade: “se um pronome está presente na oração encaixada, e é marcado como nominativo, está ligado anaforicamente a uma categoria nula na oração principal” 6. Essa proposição é representada pela estrutura em (23). (21) Pedro mandou-o sair. (22) Pedro mandou-lhe abrir a porta. (23) A menina mandou Øi [elei sair]. A ocorrência da configuração ‘backward control’ (ou controle reverso) é determinada pela ausência de reestruturação dos predicados – que origina a configuração do predicado complexo. Na proposta de Cyrino, a reestruturação pressupõe que a categoria T do predicado encaixado seja defectiva. Assim, na gramática inovadora do PB, o T encaixado deixa de ser defectivo. 4 Discussão e análise dos dados. Borges (2008) constata que as propriedades das construções causativas do PB estão associadas (i) com a sintaxe do dativo e (ii) com a reanálise do complexo verbal que dá lugar a uma estrutura bi-oracional, com dois verbos independentes sintaticamente. Conforme o autor, no PB atual identifica-se um uso preferencial da oração infinitiva, 6 Conforme Cyrino (2010): “(…) if a pronoun is present in the lower clause: it is nominative marked, and it is anaphorically bound by a null category in the matrix clause”. (p. 1). 6 Anais do X Encontro do CELSUL – Círculo de Estudos Linguísticos do Sul UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná Cascavel-PR | 24 a 26 de outubro de 2012 | ISSN 2178-7751 com o verbo da oração subordinada no infinitivo, com ou sem flexão, sendo o causee realizado categoricamente sem preposição, em posição anteposta ao verbo (SV). Cyrino (2010) defende que o PB perdeu a reestruturação dos predicados complexos e sugere que o PB perdeu as construções do tipo FI junto com a perda da subida do clítico. Considerando, portanto, a sentença em (24) questionamos a hipótese de Cyrino, na medida em que observamos que a perda da subida do clítico no PB se restringe à 3ª pessoa, conforme se observa em (25), não sendo, portanto, um fenômeno que afeta todos os clíticos, como sugere a autora. (24) a) Maria me mandou comer o bolo. b) João te deixou jogar bola? (25) *Maria mandou comprar-lhe um livro. Diante desses dados, levantamos a hipótese de que a presença da subida do clítico de 1ª e 2ª pessoa indica a ocorrência de predicados complexos no PB, o que permite concluir que a reestruturação não é um fato condicionante para a ocorrência da causativa perifrástica no PB. Galves, Ribeiro e Torres Morais (2005) propõem que o comportamento diferente de clíticos em PE e PB resulta da interação de duas propriedades diferentes: (i) uma propriedade sintática: no PE, os clíticos são Infl-clíticos e no PB são V-clíticos; e (ii) outra fonológica: o requisito fonológico força os clíticos a estarem numa posição não inicial com respeito a alguma fronteira: este requisito é ativo no PE, mas não em PB. Esta análise permite reforçar a correlação entre a colocação de clíticos em PB e a redução do paradigma dos clíticos acusativos / dativo. Para as autoras, além das diferenças no posicionamento, o PE e o PB também diferem na utilização dos clíticos. Conforme mencionado, no PB, o pronome clítico lhe, por exemplo, tende a desaparecer como um pronome de 3ª pessoa, e, quando ocorre, é, normalmente, usado para se referir à 2ª pessoa do discurso, correspondendo à forma você. Isto é ilustrado em (26) e (27), em que o pronome lhe corresponde sistematicamente no PE ao pronome de 2ª pessoa, te, conforme se observa em (28) e (29). A seguir, discutiremos o fenômeno da Subida de clítico, fator relevante para a análise que aqui é proposta. (26) Exatamente como seu avo lhe ensinou. (PB) (27) Entretanto, quero lhe pedir um favor. (PB) (28) Exactamente como o teu avo te ensinou. (PE) (29) Entretanto, quero pedir-te um favor. (PE) 4.1 A Subida do clítico. O fenômeno da subida de clíticos consiste na manifestação de um clítico pronominal dependente de um predicado não-finito junto a um verbo regente, normalmente finito, em contexto de predicado complexo, no caso em estudo, as FI. Conforme amplamente ressaltado na literatura, os clíticos no PB são proclíticos ao verbo, diferentemente do que ocorre no PE. Quanto à subida obrigatória do clítico de 3ª pessoa, em Andrade (2010), propõe-se que se o clítico é promovido ao domínio superior, ele segue os mesmos princípios válidos em predicados simples, orientados pelos seguintes contextos: de próclise categórica (quando há um elemento com estatuto de operador afetivo que c-comanda o verbo); de ênclise categórica (quando o 7 Anais do X Encontro do CELSUL – Círculo de Estudos Linguísticos do Sul UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná Cascavel-PR | 24 a 26 de outubro de 2012 | ISSN 2178-7751 verbo ocupa a posição inicial da sentença, no PCl; e também quando um sujeito não vinculado a um proclisador está em posição pré-verbal, no PE); e de variação. Se o clítico não é alçado, são requisitos prosódicos que determinam a colocação. (p. 34) Ainda, conforme o autor, “a presença de uma partícula selecionada pelo verbo finito, e sua constituição fonológica determinam as opções de colocação. [...] Em sentenças em que o verbo regente seleciona a preposição a, os padrões de colocação são em tudo semelhantes aos contextos não preposicionados.” (ANDRADE, 2010, p. 34). Andrade afirma que outras preposições, como para, barram a subida de clítico. Com a perda da subida do clítico dativo de 3ª pessoa, conforme se observa em (30), uma opção disponível na língua seria a subida do clítico acusativo o, conforme se observa em (31), porém, a língua também perdeu este clítico. Desta forma, uma segunda opção seria o uso do pronome forte ele como causee, cliticizado no verbo superior, conforme se observa em (32), semelhante ao que ocorre na sentença “Eu vi ele”. (30) *Maria mandou dar-lhe um livro. (31) *Maria o mandou comprar um livro. (32) Maria mandou - ele comprar um livro Conforme mencionado, Cyrino (2010) afirma que o PB tem um sistema C-T que deixa de ser defectivo, o que permite a ocorrência de DP sujeito interveniente entre os verbos. A defectividade do T do PB, de acordo com a autora, refere-se à manutenção de apenas um traço, a saber, o traço de número. Pressupomos, então, que para Cyrino, a sentença encaixada das construções causativas no PB é um CP, e a evidência para isto é o fato de a autora não discutir a segunda opção disponível para a realização do causee. Em linhas gerais, CPs são barreiras para movimento de constituintes e, por conta disto, não é possível propor que um pronome forte seja alçado da sentença subordinada para o verbo da matriz. Assim, ao que parece, a solução encontrada por Cyrino é propor a existência das construções de “backward control”. Defendemos, neste trabalho, que o PB possui dois tipos de construções causativas: uma que é instância de ECM, e a outra, instância de ‘backward control’, conforme proposto por Cyrino (2010). A evidência para isto reside no fato de haver na língua dados como (33) e (34), respectivamente. (33) Maria me mandou comprar um livro. (34) Maria mandou ele comprar um livro. A mudança na configuração das construções causativas no PB não diz respeito, portanto, à perda da restruturação de predicados e nem à perda generalizada da subida do clítico, como afirma Cyrino (2010), mas sim a um conjunto de fatores, entre eles, a reanálise na sintaxe do OI e a perda dos clíticos de 3ª pessoa (uma situação de cisão pronominal, que não afeta os pronomes de 1ª e 2ª pessoas). Tomados em conjunto, a perda do clítico acusativo de terceira pessoa o/a e o uso do clítico de 3º pessoa dativo lhe como objeto indireto/dativo e como objeto direto de 2ª pessoa nos permitem alinhar o clítico lhe(s) com os clíticos dativo/acusativo de 1ª e de 2ª pessoas, me e te, confirmando-se a cisão no sistema pronominal. Uma explicação possível e, talvez, mais completa para esta mudança pode ser a seguinte: o PB perde os clíticos de 3ª pessoa. A opção para o clítico de 3ª pessoa é o licenciamento do dativo pela preposição a, contudo, isto não é possível, pois ocorre uma 8 Anais do X Encontro do CELSUL – Círculo de Estudos Linguísticos do Sul UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná Cascavel-PR | 24 a 26 de outubro de 2012 | ISSN 2178-7751 mudança na sintaxe do dativo, que passa a ser licenciado pela preposição para. Este problema afeta tanto a sintaxe do dativo quanto a sintaxe do acusativo. Assim, como consequência deste conjunto de fenômenos, sem a possibilidade de ser realizado como clítico de 3ª pessoa ou de ser licenciado pela preposição a, o causee no PB perde a possibilidade de ser realizado como dativo. Na literatura, defende-se que há quatro tipos de estruturas causativas nas línguas naturais, a saber: causativas do tipo ECM, FI, F-par7 e backward control. Neste trabalho, discutimos os tipos ECM, FI e backward control como se pode observar, respectivamente, em (35), (36) e (37). Ficou demonstrado que o PB possui causativas dos tipos ECM e backward control. Posto isto, e considerando que o PB e o PE possuem diferenças estruturais, como, por exemplo, o fato de diferirem no tipo de causativas que possuem, deixamos em aberto as seguintes questões: por que a sintaxe do PE, diferentemente da sintaxe do PB, licencia as causativas do tipo ECM e FI, mas não a causativa do tipo backward control? Quais propriedades estariam envolvidas no licenciamento deste tipo de causativa? (35) O professor mandou os meninos sair. (36) O professor mandou-os sair (37) Maria mandou ele comprar um livro. Conforme proposto em Cyrino (2010), a gramática inovadora do PB permite a realização do sujeito interveniente no predicado encaixado, nas construções causativas, em virtude da presença do traço formal de número em T. Esse traço está disponível, juntamente com o traço de pessoa, no PE, na categoria infinitivo flexionado. Tal distinção pode explicar a ausência do controle reverso no PE. Deixamos essa questão para investigação futura. 5 Considerações finais Discutimos a sintaxe do objeto indireto, examinando, em especial, a sua relação com as construções causativas perifrásticas. Mostramos que, na causativa, o causee realizado como OI preposicionado deixa de ser licenciado na gramática do PB (*Maria mandou comer o bolo [ao João]), por haver na língua uma restrição maior para o licenciamento do OI pela preposição a e seu correlato morfológico lhe (cf. BORGES, 2008). Questionamos a hipótese defendida por Cyrino (2010), em relação à perda dessa construção no PB, que se baseia na perda da reestruturação de predicados, com implicações para a subida do clítico (e para a ocorrência do causee como dativo), diante de dados como “Maria me mandou comer o bolo”, em que a subida do clítico é obrigatória. Nossa hipótese é a de que o PB possui construções de ECM, em que o causee recebe caso acusativo do verbo da matriz (e o predicado encaixado um TP), e de ‘backward control’, em que o causee é realizado no predicado encaixado, sendo controlado por uma categoria nula na posição de objeto do predicado da matriz. A conclusão a que chegamos é que a mudança na configuração causativa no PB não foi afetada pela restruturação de predicados, como afirma Cyrino. 7 Conferir a nota apresentada em (6). 9 Anais do X Encontro do CELSUL – Círculo de Estudos Linguísticos do Sul UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná Cascavel-PR | 24 a 26 de outubro de 2012 | ISSN 2178-7751 Referências ANDRADE, A. L. A subida de clíticos em português: Um estudo sobre a variedade europeia dos séculos XVI a XX. Campinas: UNICAMP, 2010. 360f. Tese (Doutorado em Lingüística). Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010. BARROS, I. J. F. 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