PODER J U D I C I Á R I O TRIBUNAL DE J U S T I Ç A DE SÃO PAULO TRIRUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO A C Ò R S à O / D E C I S à O MONOCRAT1CA ^ ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes ^ ^ ^ autos ^ de APELAÇÃO CÍVEL COM REVISÃO n° 572.172-5/0-00, da Comarca de AVARÉ, em que é recorrente o JUÍZO "EX OFFICIO", sendo apelante PREFEITURA MUNICIPAL DA ESTÂNCIA TURÍSTICA DE AVARÉ sendo apelado SILVANO PORTO RODRIGUES: ACORDAM, Tribunal em Oitava de Justiça Câmara de Direito do Estado de São Paulo, Público do proferir a seguinte decisão: "NEGARAM PROVIMENTO AOS RECURSOS, V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação Desembargadores RUBENS RIHL e CELSO BONILHA. São Paulo, 30 de abril de 2008. PAULO DIMAS MASCARETTI Presidente e Relator dos PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO VOTO 8.446 Comarca Avaré Apelação Cível n° 572 172 5/0-00 Recurso: Juízo Ex Offiao. Apelante Prefeitura Municipal de Avaré. Apelado Silvano Porto Rodrigues Ementa AÇÃO ORDINÁRIA - Autor que exerceu o cargo em comissão de Secretário Municipal, reclamando o pagamento das verbas referentes a férias, acrescidas do terço constitucional, bem como do 13° salário - Procedência do pedido pronunciada corretamente em primeiro grau - Cargos públicos de provimento em comissão que também são regidos pelo Estatuto dos Funcionários Públicos local (LM n° 315/95), na forma do art 6o da LM n° 274/95 - Estatuto em causa que, por sua vez, assegura a todos os funcionários o direito a férias, acrescidas de um terço, e à gratificação natalina (arts 76, "caput" e § 3o, e 141, IV) - Vedação contida no § 4o do art 39 da CF, com a redação dada pela LC n° 19/98, que não arreda o direito a determinadas vantagens que contam igualmente com fundamento constitucional (v § 3o do citado art 39) - Carta Magna que deve ser interpretada de forma sistematizada, de modo a conciliar o regime de subsídio com a percepção de verbas que correspondem a direitos sociais, assegurados a todos os trabalhadores - Reexame necessário e apelo da Municipalidade não providos Trata-se de ação de rito ordinário movida por Silvano Porto Rodrigues em face da Prefeitura Municipal de Avaré, objetivando o recebimento da quantia de R$ 26 095,49, referente às férias vencidas e não gozadas, às suas dobras, acrescidas de um terço, ao 13° salário e às cestas básicas, com acréscimo de juros e correção monetária. Sustenta, em síntese, que: foi nomeado para exercer os cargos de provimento em comissão, junto à Prefeitura Apelação Cível n° 572 172 5/0-00 Pr PODER JUDICIÁRIO TRÍBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Municipal de Avaré, de Secretário Municipal de Desenvolvimento Econômico, no período de 02 de janeiro de 2001 a 08 de janeiro de 2003, e de Secretário Municipal de Governo, no período de 08 de janeiro de 2003 a 31 de dezembro de 2004, quando então foi confeccionado o termo de rescisão do contrato de trabalho, durante o período laborado deixou de receber da Municipalidade as verbas relativas às férias e à gratificação natalina, ao argumento de que o artigo 2o da Lei Municipal n° 01/01, em total afronta ao disposto no artigo 7o, VIII e XVII, c.c. o artigo 39, § 3°, da Constituição Federal, veda o pagamento de tais vantagens aos Secretários Municipais, tal situação não pode subsistir, pois o artigo 6o da Lei Municipal n° 274/95 determina que os cargos públicos de provimento em comissão sejam regidos pelo Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de Avaré, o qual, em seus artigos 76 e 141, V, lhes garante o recebimento de férias e do 13° salário; a corroborar tal entendimento, o artigo 6o da Lei Complementar n° 50/05 acabou por revogar o citado artigo 2o da LM n° 01/01, faz jus também ao pagamento em dobro das férias, nos termos do artigo 137 da Consolidação das Leis do Trabalho e ao recebimento de cestas básicas, de acordo com o artigo I o da Lei Municipal n° 363/95 A r. sentença de fls. 87/89 julgou procedente o pedido, para o fim de "reconhecer o direito do autor ao percebimento das férias vencidas e proporcionais e do respectivo adicional constitucional de 1/3 sobre as férias, bem como da gratificação natalina porventura não pagas por ocasião da rescisão do contrato de trabalho firmado entre as partes, devidamente acrescidas de correção monetária a partir do ajuizamento da ação e juros legais de mora, desde a Apelação Cível n° 572 172 5/0-00 Pr 3 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO citação, devendo mencionada quantia ser apurada em liquidação, facultando-se à Municipalidade a comprovação documental do integral pagamento no momento oportuno", carreou-lhe, ainda, o pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor da causa Foram opostos embargos de declaração, acolhidos em parte, para o fím de fazer constar do dispositivo o "indeferimento da pretensão de indenização de férias dobradas e pagamento de cestas básicas, visto que a relação entre as partes não se submete à CLT", ficando mantida, no mais, a r sentença (v. fls. 95/96) Ordenada a remessa dos autos à Superior Instância para o reexame necessário, sobreveio, no prazo legal, apelação da Municipalidade alegando, em essência, que. o artigo 2o da LM n° 01/01 veda o percebimento da remuneração de férias e 13° salário para o ocupante do cargo de Secretário Municipal, tal vedação veio corroborar disposição contida no artigo 39, § 4°, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional n° 19/98, estabelecendo que os ocupantes daquele cargo serão remunerados através de subsídio, em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, no mesmo sentido dispôs o parágrafo único do artigo 76 da Lei Orgânica local; por fim, cumpre assentar que os Secretários Municipais são agentes políticos e não servidores públicos, porque são auxihares diretos do Prefeito, e em razão disso recebem remuneração maior, ou seja, fixada em duas referências 12 da escala de vencimentos do Município, justamente por não terem direito a férias, acrescida do terço Apelação Cível n° 572 172 5/0-00 °r 4 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO constitucional e ao 13° salário Pede daí a reforma do decisum e a inversão do ônus da sucumbência Contra-razões a fls 115/119. É o relatório. Emerge dos autos que o autor foi nomeado, através do Decreto n° 04/01, para exercer o cargo de Secretário Municipal de Desenvolvimento Econômico, no período de 02 de janeiro de 2001 a 08 de janeiro de 2003, tendo sido nomeado nesta mesma data para o cargo de Secretário Municipal de Governo, em razão do Decreto n° 424/03, com exoneração a partir do dia 30 de dezembro de 2004 (v fls. 09/11 el4). E os cargos de Secretários Municipais foram criados pela Lei Municipal n° 01, de 04 de janeiro de 2001, sendo de provimento em comissão (v artigo 2o) e de livre nomeação e exoneração pelo Prefeito Municipal (v. artigos 5o e 6o da Lei Municipal n° 274/95). De outro lado, a Lei Municipal n° 315/95 (Estatuto dos Funcionários Públicos do Mumcípio de Avaré) considera funcionário público a pessoa legalmente investida em cargo público de provimento efetivo ou em comissão (v. artigo 2o, inciso I) O artigo 6o da citada LM n° 274/95 estabelece que os cargos públicos de provimento em comissão, que é a hipótese dos autos, são regidos pelo Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de Avaré. Referido Estatuto assegura a todos os funcionários o direito a férias, acrescidas de um terço, bem como à Apelação Cível n° 572 172 5/0-00 / °r 5 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÂO PAULO gratificação natalina (v artigos 76, caput e § 3o, e 141, IV), fazendo, então, o autor jus ao recebimento de tais verbas, desde que não tenham sido eventualmente pagas pelo Município Nem colhe, na espécie, a alegação de que o artigo 2o da LM n° 01/01 (posteriormente revogado pela Lei Complementar n° 50/05), ao estabelecer que os ocupantes dos cargos de Secretários Municipais não têm direito a remuneração de férias e 13° salário, veio confirmar a vedação expressa contida no artigo 39, § 4o, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional n° 19/98. Reza o dispositivo constitucional supra aludido que. u O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, Xe XI". Por sua vez, o artigo 39, § 3o, com a redação dada pela EC n° 19/98, dispõe que "Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art 7o IV, VIL VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo, a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir". Apelação Civel n° 572 172 5/0-00 Ps PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÂO PAULO Ora, embora o § 4° do artigo 39 tenha disposto acerca da proibição do pagamento de "qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratóna". é certo que, por força do § 3° desse artigo, o ocupante de cargo público, ainda que em caráter de confiança, tem direito à percepção do 13° salário (artigo 7o, VIII) e das férias, acrescidas de 1/3 a mais (artigo 7°, XVII) A respeito do tema, leciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro, que "Embora o dispositivo fale em parcela única, a intenção do legislador fica parcialmente frustrada em decorrência de outros dispositivos da própria Constituição, que não foram atingidos pela Emenda. Com efeito, mantém-se, no artigo 39, §3°, a norma que manda aplicar aos ocupantes de cargo público o disposto no artigo 7o, IV VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX Com isto, o servidor que ocupe cargo público (o que exclui os que exercem mandato eletivo e os que ocupam emprego público, já abrangidos pelo artigo 7°) fará jus a. décimo terceiro salário, adicional noturno, salário-famíha, remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, a 50% à do normal, adicional de férias, licença à gestante, sem prejuízo do emprego e salário, com duração de cento e vinte dias Poder-se-ia argumentar que o § 4o do artigo 39 exclui essas vantagens ao falar em parcela única; ocorre que o § 3o refere-se genericamente aos ocupantes de Apelação Cível n° 572 172 5/0-00 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO cargo púbico, sem fazer qualquer distinção quanto ao regime de retribuição pecuniária Quando há duas normas constitucionais aparentemente contraditórias, tem-se que adotar interpretação conciliatória, para tirar de cada uma delas o máximo de aplicação possível. No caso, tem-se que conciliar os §§ 3o e 4o do artigo 39, de modo a entender que. embora o segundo fale em parcela única, isto não impede a aplicação do outro, que assegura o direito igualmente a determinadas com fundamento vantagens, constitucional" portanto, (v "Direito Administrativo", Atlas, 18a edição, p 463/464) Na mesma linha, realça Hely Lopes Meirelles que "como a Carta Política deve ser interpretada de forma sistematizada, deve-se concluir que os valores correspondentes aos direitos por ela assegurados no § 3o do art. 39 — como. para ilustrar, do décimo-terceiro salário e do terço de férias - não são atingidos pela proibição de qualquer acréscimo " (v. "Direito Administrativo Brasileiro", Malheiros Editores, 33 a edição, p 482) Em caso análogo, já decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, que "AÇÃO DE COBRANÇA - 13° SALÁRIO E ABONO DE FÉRIAS ATRASADOS - SECRETARIO MUNICIPAL - O FATO DE SECRETÁRIO MUNICIPAL RECEBER SUBSÍDIOS EM PARCELA ÚNICA NÃO EXCLUI O SEU DIREITO A RECEBER TAMBÉM 13° SALÁRIO E ABONO DE FÉRIAS - REEXAME NECESSÁRIO PREJUDICADO O RECURSO NÃO VOLUNTÁRIO - PROVIDO, DECISÃO UNANIME - A aparente contradição entre os §§ 3o e 4o do art Apelação Cível n° 572 172 5/0-00 9 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 39 da Constituição Federal o segundo determinando que o Secretário Municipal receberá subsídio em parcela única, o primeiro garantindo-lhe o recebimento de 13° salário e abono de férias, se desfaz adotando-se uma interpretação conciliatória, para que ambas normas constitucionais tenham aplicação (v AC n° 95.762-2, relator o Juiz Eduardo Augusto Paura Peres) Flagrante, nesse contexto, a ineficácia da vedação estabelecida pela lei local invocada no apelo, por vício de inconstitucionalidade, tanto que foi revogada em 2005. Posto isto, nega-se provimento ao reexame necessário e ao apelo da Municipalidade. PA ULO DTfrlAS MASCARETTI Relator Apelação Civel n° 572 172 5/0-00