PERSPECTIVAS DA DANÇA COMO CONTEÚDO ESTÉTICO-EXPRESSIVO
DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Gustavo de Oliveira Duarte – UFSM
Marcia G.F. Almeida – UFSM
Ingrid M. Baecker – UFSM
RESUMO - O Movimento Humano é compreendido como um fenômeno sócio-cultural de expressão da
relação do homem com o outro, com o contexto e consigo mesmo. Desta forma, desenvolveu-se sugestões
de prática pedagógica no âmbito escolar, embasadas em pressupostos teóricos que permeiam um
conhecimento capaz de propiciar o desenvolvimento de competências de ação na formação profissional.
Com este entendimento, pretendemos intervir nas práticas educativas através de oficinas com professores
de Educação Física da rede municipal de Santa Maria/RS, abordando a cultura do movimento da dança
como uma possibilidade de experiência estética no "se-movimentar". A partir deste objetivo investigamos
quais seriam as possibilidades de tematização da dança como experiência corporal. Foram sugeridas
temáticas que contemplassem diferentes sentidos e significados durante as situações de movimento. Os
professores improvisaram, interpretaram e concretizaram experiências de movimento, encenando
movimentos conforme os significados atribuídos nos grupos. As experiências foram filmadas e
interpretadas através do método hermenêutico de resenha crítica. As competências trabalhadas foram
sensibilização, reflexão, interação e resignificação a partir das encenações, também foi ampliada a
compreensão sobre a dança pelos professores. Concluímos que há possibilidades de desenvolver a dança
no processo de aquisição de competências de ação do professor de Educação Física, embasado no âmbito
estético-expressivo.
INTRODUÇÃO
Compreendendo que a sociedade está em constante processo de movimento e
mudança em campos sociais, políticos e econômicos, acredita-se que a Educação, como
parte deste contexto, também encontra-se sujeita a mudanças em suas estruturas e
formas de atuação e intervenção. Nesta perspectiva, faz-se necessário repensar as
problemáticas inerentes à educação para que se possa concretizar práticas pedagógicas
com possibilidades de intervenção e transformação da sociedade, na busca de sujeitos
emancipados.
Na construção deste processo, cabe à Educação Física, como campo de
investigação do corpo e movimento humano, buscar práticas pedagógicas orientadas por
valores que contribuam com uma formação crítica e emancipada dos alunos, tornandoos sujeitos de seus próprios movimentos. O "se movimentar" na dança deslumbra
possibilidades de ampliar o campo do conhecimento tematizado pela Educação Física,
em busca de competências para formação humanizadora. De acordo com Tamboer apud
TREBELS (1992), o Movimento Humano é resultado de uma compreensão de mundo
através de sua ação, é fruto de uma intenção e de uma interpretação e apresentação desta
no mundo. "Se movimentar" é entendido então como o homem sujeito de seu
movimento.
As aulas de dança como conteúdo da Educação Física tem se constituído mais no
saber-fazer, saber-ensinar do que o sentir , o refletir, o imaginar e transformar o
conhecimento experenciado. A instrumentalização não pode ser o único objetivo da
prática pedagógica, o espaço do tempo de aula deve propiciar além de executar
movimentos, uma compreensão deste enquanto cultura de movimento historicamente
2
construída. Segundo BAECKER (2001,p.2) "(...) a construção curricular deveria
objetivar a aprendizagem dos conteúdos culturalmente construídos aos alunos e alunas
nas escolas, considerando que o processo de conhecer significa aprender a compreender
a sua realidade, o seu contexto de vida, de forma a ser capaz refleti-la".
Dentro da cultura de movimento, a dança, sobretudo no espaço escolar, deve
proporcionar experiências de movimento nos âmbitos corporal, material e de interação
social (BAECKER, 2001) capazes de contribuir para o conhecimento sensível dos
alunos, do outro e do contexto. A educação, neste prisma, está interessada "(...) na
promoção de identidade (desenvolvimento do ser humano emancipado) fortalecida e
também de sujeitos capazes de ação, desenvolve-se como uma ação comunicativa, onde
o diálogo, a verdade, a autenticidade, a espontaneidade e a criatividade estejam
presentes" (p.03). Autores como KUNZ (1991) e HILDEBRANDT (1994) admitem
uma relação dialética entre homem e mundo através do "se-movimentar", entendido
como um diálogo entre ambos. Nesta visão, o homem é o sujeito de seu próprio
movimento, é o ator/autor da situação a ser vivenciada de uma forma mais consciente e
relevante, não simplesmente mecânica ou instrumental.
A Educação Estética, advinda do campo da Arte, partiu originariamente, em
busca do homem ideal, perfeito, embasada em princípios Kantianos (SCHILLER,
1995). Para a maioria dos autores, a Estética consiste na observação, leitura e crítica
das obras de arte, embasada na relação artista-público, artista-platéia, mas não na sua
simples contemplação, mas apoiada em uma relação de descoberta, informação e
análise, onde a capacidade expressiva e impressiva estão sempre presentes. Para HÖGE
(2000), Estética se refere aos "(...) fundamentos de pensar e escrever explicitamente
sobre o campo de estudo que diz respeito à beleza, às artes, ao receptor e ao artista"
(p.29). Desta forma, encontra-se baseada na experiência sensorial e significativa do
humano como via de acesso à aquisição de conhecimento. O mesmo autor cita-nos
como primeira referência, a Estética de Baumgarter (1750 e 1758) como "ciência da
cognição sensível" (Aesthetica).
A dança, embasada em experiêncais estético-expressivas, consiste no
desvelamento e na interpretação do "eu", do mundo sensível dos alunos, expressadas em
situações de movimento num constante processo de comunicação intra e interpessoal
(FEIJÓ, 1996). Neste sentido, ARNOLD apud Feijó (1996,p.14), "(...) a estética é uma
atitude, um modo particular de consciência, uma maneira de perceber algo. Cada Ser
Humano tem seus próprios parâmetros de estética conforme sua cultura e sensibilidade,
que na ação determinam sua forma de ser, sentir e julgar o mundo".
METODOLOGIA
Na compreensão de que a prática pedagógica do professor de Educação Física
encontra-se dentro de uma realidade dinâmica, fruto do contexto histórico-social que
está sempre em transformação, acredita-se que esta pode ser compreendida através de
uma abordagem qualitativa, onde a preocupação centra-se sobre o processo e não sobre
o produto, na compreensão dos fatos e fenômenos e sua futuras formas de
transformação da realidade.
O presente trabalho foi desenvolvido através de oficinas orientadas a professores
de Educação Física da rede Municipal de ensino da cidade de Santa Maria/RS, por
ocasião do "I Seminário Municipal de Lazer, Esporte e Educação Física Escolar",
ocorrido no mês de setembro de 2001.
Dentro das oficinas ministradas, trabalhou-se a dança, como conteúdo da cultura
de movimento embasada na Experiência Estética do movimento humano, na perspectiva
3
de uma educação que propicie experiências significativas a partir da subjetividade
humana. GONÇALVES (1994) entende que a relação entre o homem e o mundo "(...)
tem como ponto de partida uma experiência singular, originária, que é a experiência do
ser - experiência fundamental que abarca o homem na sua totalidade existencial : como
ser no mundo" (p.73). Para KUNZ (1994), subjetividade é entendida " (...) como este
processo por meio do qual o homem se desenvolve no contexto social concreto, numa
relação tensa entre um 'ser social' e um 'ser individual'" (p.103).
As oficinas seguiram a seguinte estrutura: foram sugeridas duas temáticas: que
contemplassem as funções do movimento e seus diferentes significados (SCHERLER,
1975), são eles: significado exploratório; produtivo; comunicativo; comparativo;
expressivo e adaptativo. Estas funções foram desenvolvidas através de experiências 1 em
três âmbitos: experiência material, experiências de interação social e experiência
corporal.
As temáticas sugeridas foram as seguintes:
* "Rituais Africanos"
1º) momento : Experiência dos movimentos característicos da temática;
2º) momento : Improvisação livre a partir dos movimentos experenciados;
3º) momento : Divisão em grupos, onde os mesmos escolheram, interpretaram e
concretizaram idéias através de construções cênicas sobre ritos experenciados
(celebração, guerra, colheita, etc...)
4º) momento: Avaliação dos sentidos e significados das cenas de movimento e
suas diferentes interpretações.
* "Figura Plástica"
1º) momento: Exposição de uma figura plástica (quadro do autor Monet) para ser
contemplada e interpretada antes das movimentações cênicas;
2º) A partir das interpretações individuais, os participantes reuniram-se em
grupos, por afinidades de significações;
3º) Os alunos criaram ritmos para a encenação dos movimentos, com o uso de
um instrumento (coquinho): lento, forte, fraco, moderado, rápido, etc...;
4º) Construção de cenas a partir dos ritmos que representaram os sentidos
elaborados a cerca da obra observada.
As oficinas foram filmadas e, após, elaboraram-se os protocolos das mesmas
através do método de resenha crítica. As análises foram feitas através do "Porträit", que
para Berg e Dietrich/Landau (apud Baecker, 1996 a) é uma descrição do ocorrido que
fica apenas em nível do fenômeno. O segundo passo da análise ocorreu em forma de
resenha, fundamentando-se em Berg e Dietrich/Landau, apud Baecker (1996 a).
Segundo a autora, o método de resenha constitui-se num procedimento hermenêutico
que é utilizado para avaliação crítica de encenações de teatro, filmes e livros. A partir
do Porträit, fez-se a resenha, que eleva o fenômeno ao grau de conceito, no momento
em que busca a compreensão de sentidos e significados expressos em cada momento ou
parte da aula, relacionando-se à matriz teórica deste trabalho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao término das experiências estético-expressivas de movimento, podemos
elencar as seguintes constatações em relação ao objetivo proposto deste trabalho:
1
Experiência para Funke se caracteriza como a lembrança de uma percepção que está contida em nossa
memória (...) tornando-se assim o próprio meio de percepção pela formação de um esquema. Experiência
é um processo, com o qual se procura, aprender com o passado algo para o futuro ( 1992,p.21).
4
-
-
-
Verificamos que há possibilidades diferentes de práticas pedagógicas da
dança centrada não somente no conhecimento do saber-fazer, saber-ensinar.
Podemos constatar que experiências em dança podem possibilitar ao sujeito
que dança, o desenvolvimento da sensibilização, reflexão, interação e
transformação do significado do dançar.
A experiência, numa proposta estético-expressiva, pode proporcionar
competências de ação: objetiva (instrumental), social (contexto) e
comunicativa (subjetividade) à formação humana dos professores de
Educação Física, como também de seus alunos considerados sujeitos de seus
movimentos.
Após as experiências, os professores relataram que houve uma ampliação no
seu entendimento e campo de atuação da dança enquanto conteúdo e prática
educativa.
Compreendemos então, que a experiência da dança, na perspectiva estéticoexpressiva, como conteúdo da Educação Física escolar, pode promover uma ampliação
do conhecimento do "se-movimentar", na medida em que considera as experiências
subjetivas dos alunos na construção das aulas e na promoção da formação da identidade,
interessada na emancipação humana.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
BAECKER, Ingrid Marianne. Vivência de Movimento e Educação Física. Anais do I
Seminário Municipal de Lazer, Esporte e Educação Física Escolar. Secretaria
Municipal da Educação/Diretoria de Esporte e Eventos. Santa Maria/RS, 2001.
FEIJÓ, Marcia Gonzalez. A Dança como conteúdo integrante da Educação Física
escolar enquanto corporeificação do mundo sensível. (Dissertação de Mestrado),
UFSM, Santa Maria/RS, 1996.
FUNKE, Jürgen; TREUTLEIN, Gerhard; SPERLE, Nico. Köerpererfahrung im
Sport. Aachen, 1992.
GONÇALVES, Maria Augusta. Sentir, Pensar, Agir - Corporeidade e Educação.
Campinas, SP: Papirus, 1994.
HILDEBRANDT-STRAMANN, Reiner. Textos pedagógicos sobre o ensino da
Educação Física. Ijuí: Ed. UNIJUÌ, 2001.
HÖGE, Holger. Estética Experimental: origens, experiências e aplicações. In.:
Educação Estética e Artística - Abordagens Transdisciplinares. FRÓIS (org.).
Fundação CALOUSTE G., Lisboa, 2000.
KUNZ, Elenor. Educação Física: ensino e mudanças. Ijuí: Ed. UNIJUÌ, 1991.
____________ Transformação Didático-Pedagógica do Esporte. Ijuí: Ed. UNIJUÌ,
1994.
SCHILLER, F. A Educação Estética do Homem. Tradução Roberto Schwarz e Marcio
Suzuki. 3º ed. São Paulo: SP, editora Iluminuras, 1995.
Download

perspectivas da danca como conteúdo estético