O PROFISSIONAL DE ENFERMAGEM E OS RISCOS NO TRABALHO: acidentes
com materiais perfurocortantes
Mel DAVID
I
RESUMO
Este trabalho procura caracterizar os acidentes de trabalho com materiais
perfurocortantes no âmbito da prática de Enfermagem. Assim, procura abordar este
tema delicado, com uma maior preocupação, no que diz respeito às ações
preventivas a serem adotadas no trabalho, de forma que evitem acidentes e
contaminações e que garantam maior segurança aos profissionais do cuidar.
Pretende-se descobrir quais condições favorecem ainda mais a incidência de
acidentes de trabalho entre os profissionais de Enfermagem. Portanto, o estudo visa
analisar tanto as possíveis causas dos acidentes com perfurocortantes, como também o
contexto do processo de trabalho no qual está inserido o trabalhador de Enfermagem.
São levantados aspectos do trabalho do enfermeiro, os riscos de acidentes e as
medidas de prevenção. São abordadas as condições dadas para a execução do
trabalho, levando em conta um processo de trabalho coletivo, realizado por diversos
trabalhadores ao mesmo tempo.
Palavras-chave: Acidentes de Trabalho. Materiais Perfurocortantes. Enfermagem.
1 INTRODUÇÃO
Os profissionais dos serviços de saúde estão expostos a perigos no trabalho,
principalmente em relação aos acidentes com materiais biológicos. Deste modo, há
o risco de se contrair doenças infectocontagiosas, através da utilização de
dispositivos perfurocortantes.
Segundo Schiesari Júnior (2009), os trabalhadores da área da Enfermagem
são os que mais sofrem acidentes com exposições biológicas. Órgãos nacionais e
internacionais têm procurado elaborar normas com o objetivo de tornar o ambiente
mais seguro, enfatizando principalmente os aspectos de prevenção de acidentes. No
Brasil, a Norma Regulamentadora para segurança e saúde no Trabalho em Serviços
I
Graduada em Enfermagem pela Faculdade Objetivo/IESRIVER. Especialista em Saúde Pública, com
ênfase em Saúde da Família pela UNINTER.
49 de Saúde (NR-32) é a primeira normatização específica sobre a segurança dos
trabalhadores de saúde (SCHIESARI JÚNIOR, 2009).
Sabe-se que a organização do trabalho de Enfermagem pode se configurar
de modo a afetar negativamente a saúde de quem nela trabalha, sendo objeto de
estudo em estreita relação com a saúde do trabalhador (SCHERLOWSKI et al.,
2009). Desse modo, o objeto deste trabalho é a saúde do trabalhador de
Enfermagem, no que diz respeito aos riscos de trabalho a qual está exposto no
ambiente hospitalar. Um tipo de acidente significativo que ocorre entre os
enfermeiros é resultado de erros no manuseio de materiais perfurocortantes.
No campo da saúde do trabalhador, a recente publicação pelo Ministério do
Trabalho da Norma Regulamentadora 32 (NR-32) evidencia a importância social do
trabalho de saúde. Entre os objetivos estão, o controle das condições de risco para a
saúde e melhoria dos ambientes de trabalho, visando: identificação das condições
de risco para a saúde presentes no trabalho; caracterização da exposição e
quantificação das condições de risco; discussão e definição das alternativas de
eliminação ou controle das condições de risco; implementação e avaliação de
medidas a serem adotadas (MAURO, 2004).
A implantação da NR-32 tem sido debatida quase que exclusivamente pelas
organizações hospitalares, já que seu conteúdo expressa, em detalhes, aspectos
relevantes e objetivos para a segurança e proteção do trabalhador hospitalar,
passíveis de submissão a padrões técnicos e operacionais.
2 OS RISCOS NA PROFISSÃO DE ENFERMAGEM
De acordo com Bolick (2000), os profissionais de saúde correm grandes
riscos de sofrer lesões provocadas por condições que variam de manuseio de
equipamentos perigosos e riscos de incêndio, até à exposição a doenças
infecciosas, aos riscos de saúde reprodutiva e a lesões físicas, causadas pela
transferência dos pacientes impossibilitados de locomoverem.
É importante constatar alguns tipos de riscos a que estão submetidos os
trabalhadores de Enfermagem, baseando-se na pesquisa de Marziale et. al. (2002).
50 Entre eles, aparecem os riscos químicos, de ambiente, físicos, psicossociais e
mecânicos.
Os riscos químicos referem-se ao manuseio de gases e vapores anestésicos,
antissépticos e esterilizantes, drogas citostáticas, entre outros. A exposição aos
riscos químicos está relacionada à área de atuação do trabalhador, ao tipo de
produto químico e tempo de contato, além da concentração do produto. Isso pode
ocasionar sensibilização alérgica, aumento da atividade mutagênica e até
esterilidade (JANSEN, 1997 apud MARZIALE, et. al, 2002).
Os riscos do ambiente de trabalho são classificados em real (de
responsabilidade do empregador), suposto (quando se supõe que o trabalhador
conhece as causas que o favorecem) e residual (de responsabilidade do
trabalhador). Os riscos físicos referem-se à temperatura ambiental (elevada nas
áreas de esterilização e baixa em centro cirúrgico), radiação ionizante, ruídos e
iluminação em níveis inadequados e exposição do trabalhador a incêndios e
choques elétricos (MARZIALE et. al, 2002).
Dentre os riscos psicossociais, está a sobrecarga advinda do contato com o
sofrimento de pacientes, com a dor e a morte, o trabalho noturno, rodízios de turno,
ritmo de trabalho, realização de tarefas múltiplas, fragmentadas e repetitivas, o que
pode levar à depressão, insônia, suicídio, tabagismo, consumo de álcool e drogas e
fadiga mental. (ESTRYN-BEHAR, 1997 apud MARZIALE et. al, 2002).
Entre os riscos mecânicos, estão as lesões causadas pela manipulação de
objetos cortantes e penetrantes e as quedas (SILVA, 1988 apud MARZIALE et. al,
2002). Jansen (1997 apud MARZIALE et. al, 2002) fala dos riscos biológicos, que se
referem ao contato do trabalhador com microorganismos (principalmente vírus e
bactérias) ou material infectocontagiante, os quais podem causar doenças como:
tuberculose, hepatite, rubéola, herpes, escabiose e AIDS.
No Brasil, o Ministério da Previdência Social divulgou dados alarmantes,
mostrando que o setor da saúde é o quinto no ranking de acidentes ocupacionais e,
assim como em outros países, a maioria dos acidentes ocupacionais nos serviços de
saúde são decorrentes de instrumentos perfurocortantes (SCHIESARI JÚNIOR,
2009).
Mas, de acordo com Canini et. al. (2002), em nosso país há escassez de
dados sistematizados sobre acidentes ocupacionais, envolvendo material biológico
51 e, mais especificamente, material perfurocortante. Isto não nos permite conhecer a
magnitude desse problema, dificultando, assim, a implementação e a avaliação das
medidas preventivas.
Os
acidentes
com
agulhas,
escalpes
e
outros
objetos
perfurantes
contaminados constituem um risco contínuo à segurança dos profissionais de saúde
(BOLICK, 2000). Acima de tudo, todo profissional deve seguir as normas relativas ao
uso e ao descarte seguros, propostas pela instituição, e notificar todos os acidentes
por picadas de agulha e objetos perfurocortantes.
São considerados acidentes graves aqueles que envolvem o paciente-fonte
com AIDS em estágios avançados da doença ou com infecção aguda pelo HIV
(viremias elevadas); lesões profundas provocadas por material perfurocortante;
presença de sangue visível no dispositivo invasivo; agulhas previamente utilizadas
em veia ou artéria do paciente-fonte (ex: flebotomias ou gasometrias), dentre outros
decorrentes de exposição às áreas cutâneo-mucosas (MS, 1997 apud BRAGA,
2000).
Para Bolick (2000), torna-se necessário observar estabelecer regras e normas
que podem ajudar a evitar acidentes por picadas de agulhas e objetos
perfurocortantes. Os empregados podem aumentar sua margem de segurança,
participando dos programas educativos e mantendo atualizados seus conhecimentos
sobre doenças transmitidas pelo sangue e medidas de segurança mais modernas.
3 SEGURANÇA E PROTEÇÃO NO TRABALHO
De acordo com Bolick (2000), um dos procedimentos potencialmente mais
perigosos, que os profissionais de saúde realizam é a utilização e o descarte das
agulhas e dos instrumentos perfurocortantes. As lesões provocadas por picadas de
agulhas constituem um importante risco de infecção, principalmente pelo vírus da
hepatite B e pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV).
Hoje em dia, as instituições que prestam serviços de saúde estão
conscientes desse risco potencial e reforçam a proteção, proporcionando
dispositivos seguros tais como seringas sem agulhas e seringas com
agulhas retráteis - todos desenvolvidos para evitar as lesões provocadas
por picadas com agulhas. (BOLICK, 2000, p. 250).
52 As recomendações relativas aos microrganismos transmitidos pelo sangue
afirmam que as agulhas não devem ser entortadas ou quebradas antes do descarte
e que as agulhas, seringas e quaisquer instrumentos perfurocortantes usados
devem ser descartados em recipiente resistente à perfuração. Todos os intrumentos
usados devem ser considerados contagiosos e sempre devem ser descartados em
recipientes para instrumentos perfurocortantes.
Para Secco (2006), a adesão da equipe de Enfermagem às precauções
universais (PU), com a incorporação da prática de utilização do descarte adequado
de seringas e agulhas, uso de calçados fechados, manuseio adequado do lixo
perfurocortante e o definitivo abandono da prática de reencape de agulhas é
fundamental para a prevenção dos eventos. Assim novas estratégias de abordagem
educativa com vistas à efetiva conscientização dos trabalhadores de Enfermagem
sobre os riscos que correm pela possibilidade de contaminação por material
biológico devem ser implementadas em todas as instituições que prestam
assistência à saúde.
A questão da segurança e proteção aos trabalhadores em serviços de saúde
vem ganhando importância no Brasil. Desde 1999 está em funcionamento, no
Estado de São Paulo, o Sistema de Notificação de Acidentes Biológicos (SINABIO),
que é voltado para a análise das circunstâncias em que ocorrem os acidentes, além
de ajudar na padronização do atendimento, do seguimento desses acidentes e na
elaboração de medidas preventivas (SCHIESARI JÚNIOR, 2009).
O acidente de trabalho no Brasil deve ser comunicado imediatamente após
sua ocorrência. De acordo com Bolick (2000), o processo de notificação dos riscos à
segurança inclui quatro etapas: identificação dos riscos potenciais à segurança,
notificação dos riscos aos membros da equipe, investigação dos riscos e eliminação
dos riscos. Na visão da autora, todos os riscos à segurança e acidentes devem ser
notificados em um formulário padronizado. Embora algumas instituições exijam que
os membros da equipe notifiquem apenas os incidentes mais graves. Essas "falhas
parciais" podem ser um indício de que uma situação vigente poderia, por fim, levar a
um acidente significativo.
Todos os membros da equipe precisam estar envolvidos na notificação das
informações relativas aos riscos à segurança. Além de possibilitar informações mais
precisas, “essa abordagem dá poder aos trabalhadores e estimula-os a
53 compartilharem a responsabilidade de notificar os riscos à segurança (BOLICK,
2000, p. 75).”
Para sua melhor eficiência, os profissionais de Enfermagem devem atuar em
ambientes que reconheçam a importância de reduzir erros e aumentar a segurança
através de uma abordagem não punitiva, que se preocupe em analisar de perto os
erros e enganos cometidos, mesmo que pareçam pequenos (FERREIRA et. al,
2007).
É importante ressaltar que a atuação dos enfermeiros pode minimizar
significativamente os riscos e evitar danos, se o trabalho for realizado com a
eficiência necessária. Por outro lado, profissionais sem conhecimento e sem
habilidades suficientes podem causar complicações e danos importantes.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, ressalta-se a importância de que, para garantir maior qualidade no
atendimento, é preciso primeiramente possibilitar boas condições de trabalho nos
serviços de saúde. A exploração da força de trabalho na Enfermagem, os baixos
salários e as possíveis condições adversas de trabalho, a que estão sujeitos, são
fatores que podem contribuir para o aumento progressivo dos riscos de acidentes.
Hoje em dia, há uma pressão cada vez maior no sentido de realizar mais
tarefas em menos tempo e, com menos ajuda, é um fator que contribui para os
riscos enfrentados pelos profissionais de saúde na Instituição de assistência à
saúde. O estresse gerado nesse ambiente aumenta as chances de acidentes, assim
como, a frequência a qual eles ocorrem (BOLICK, 2000).
Acidentes de trabalho são as mais visíveis mostras do desgaste do
trabalhador. Dada a ocorrência repentina, permitem associação imediata com efeitos
destrutivos no corpo do trabalhador. As cargas de trabalho a que estão submetidos
os trabalhadores geram um processo de desgaste. (RIBEIRO, 2007).
Com este trabalho, espera-se contribuir para a garantia de um trabalho digno
para os enfermeiros. Para que haja resultados positivos, é preciso que toda a equipe
de trabalhadores de Enfermagem esteja unida no propósito de cobrar por melhorias
e por ações educativas que visem condições mais dignas de trabalho. É necessário
54 identificar qual é a necessidade de cada unidade de saúde, e só então implantar as
medidas necessárias.
REFERÊNCIAS
BOLICK, Dianna. Segurança e Controle de Infecção. – Rio de Janeiro: Reichmann &
Affonso Editores, 2000.
BRAGA, Daphne. Acidente de trabalho com material biológico em trabalhadores da
equipe de enfermagem do Centro de Pesquisas Hospital Evandro Chagas.
[Dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública - Fundação Oswaldo Cruz;
2000.
BRASIL, Ministério da Saúde. Manual de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de
Saúde. Agencia Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA. Brasília, 2006.
CANINI SRMS, GIR E, M, MACHADO AA. Acidentes perfurocortantes entre trabalhadores
de enfermagem de um hospital universitário do inteiror paulista. Rev Latino-am
Enfermagem, 2002.
FERREIRA, Oranice; MARTINEZ, Edson Z. Celso; MOTA A.; SILVA, Antônio. Avaliação do
conhecimento sobre hemoterapia e segurança transfusional de profissionais de
enfermagem. Rev. Bras. Hematol. Hemoter. vol.29 no. 2 São José do Rio Preto, 2007.
MARZIALE, Maria Helena Palucci; RODRIGUES, Christiane Mariani. A produção científica
sobre os acidentes de trabalho com material perfurocortante entre trabalhadores de
enfermagem. Rev. Latino-Am. Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 10, n.4, jul. 2002.
MAURO, Maria Yvone; MUZI, Camila Drumond; Guimarães, Raphael Mendonça; MAURO,
Carla Christina Chaves. Riscos ocupacionais em saúde. Rev. Enferm UERJ, 2004.
RIBEIRO EJG, SHIMIZU HE. Acidentes de trabalho com trabalhadores de enfermagem. Rev
Bras Enferm 2007.
SCHERLOWSKI LEAL DAVID, Helena Maria; CHAVES MAURO, Maria Yvone; GOMES
SILVA, Viviane; SOUZA PINHEIRO, Michely Alexandrino de y HENRIQUES DA SILVA,
Fernanda. Organização do trabalho de enfermagem na atenção básica: uma questão para a
saúde do trabalhador. Texto & Contexto Enfermagem, 2009, vol. 18.
SCHIESARI JÚNIOR. Acidentes com materiais biológicos em Serviços de Saúde.
Prática Hospitalar. Ano XI, nº 65, 2009.
55 SECCO, Iara Aparecida de Oliveira. Acidentes e cargas de trabalho dos trabalhadores
de enfermagem de um hospital universitário do norte do Paraná. [Tese]. Ribeirão Preto:
Escola de Enfermagem – USP; 2006.
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