i Universidade Camilo Castelo Branco Instituto de Engenharia Biomédica RAFAEL PEREIRA DE PAULA CONTRIBUIÇÃO DAS BANDAS DE FREQUÊNCIA SUB-100 Hz DO SINAL ELETROMIOGRÁFICO PARA ESTUDOS EM FISIOLOGIA NEUROMUSCULAR São José dos Campos, SP 2012 ii Rafael Pereira de Paula CONTRIBUIÇÃO DAS BANDAS DE FREQUÊNCIA SUB-100 Hz DO SINAL ELETROMIOGRÁFICO PARA ESTUDOS EM FISIOLOGIA NEUROMUSCULAR Orientador: Prof. Dr. Osmar Pinto Neto Tese de doutorado defendida no Programa de Pós-Graduação em Engenharia Biomédica da Universidade Camilo Castelo Branco, como complementação dos créditos necessários para obtenção do título de Doutor em Engenharia Biomédica. São José dos Campos, SP 2012 iii iv v DEDICATÓRIA Dedico este trabalho a meus pais José Luiz e Rosangela que nunca mediram esforços na minha educação e formação. A meus irmãos Luiz Felipe e Gustavo pelo apoio, a Lud por pacientemente entender minhas ausências e me apoiar em todos os momentos. Ao amigo Marco Machado, responsável direto por meu interesse científico. Ao Prof. Osmar Pinto Neto pela dedicação e paciência na orientação, fundamentais para a construção desta tese. vi AGRADECIMENTOS Minha eterna gratidão ao Prof. Osmar Pinto Neto por acreditar em mim e dar suporte em todos os momentos que precisei. Aos amigos João Paulo Alves do Couto, Allison Gustavo Braz, Rogério Ramos Figueiredo pelo companheirismo ao longo do curso. A Nidia Almeida pela paciência e presteza no atendimento. Aos professores Dr. Luis Mochizuki, Dra. Sônia Cavalcanti Corrêa, Dr. Egberto Munin, Dra. Luciana Baltatu, Dr. Ovidiu Constantin Baltatu, Dr. Renato Amaro Zângaro pelos importantes comentários e sugestões para construção desta tese. Ao professor Dr. Antonio Guillermo Jose Balbin Villaverde pelo apoio para a conclusão desta etapa acadêmica. A Deus por me conceder força e sabedoria para chegar até aqui. vii “O que vale a pena ser feito, vale a pena ser bem feito” Nicolas Poussin viii RESUMO Há evidências de que as bandas sub-100 Hz que compõe o sinal eletromiográfico (EMG) estão relacionadas aos comandos corticais descentes para os motoneurônios medulares. Estes, através de mecanismos ainda não totalmente esclarecidos, traduzem os comandos corticais em potenciais de ação direcionados ao músculo que por final geram os potenciais de ação registrados no sinal EMG. A contribuição das bandas alfa (~5-13 Hz), banda beta (~13-30 Hz), banda low-gamma (~30-60 Hz) e high-gamma (~60-100 Hz) na estrutura do espectro do sinal EMG pode ser modificada de acordo com as características da tarefa motora estudada, como o tipo de contração, intensidade da contração, tipo de feedback envolvido, entre outros. Apesar do crescente conhecimento produzido acerca do significado fisiológico destas bandas. Por esta razão a presente tese buscou estudar o conteúdo das bandas sub-100 Hz que compõe o espectro do sinal EMG de diversos musculos em duas condições experimentais distintas, porém complementares. Para isto investigou-se o conteúdo das bandas de frequência sub-100 Hz do sinal EMG em duas tarefas diferentes: (1) durante a realização de uma tarefa de flexão plantar seguindo a cadência de um sinal sonoro conduzidas até a exaustão muscular; (2) durante a realização de uma tarefa de preensão manual com feedback visual realizadas pelos membros dominante e não-dominante de destros e canhotos. Os resultados dos dois experimentos permitiram aumentar o conhecimento acerca do conteúdo das bandas sub-100 Hz do sinal EMG, corroborando conhecimentos prévios sobre a influência do comando cortical descendente sobre o espectro do sinal EMG. O experimento 1 permitiu postular que as bandas beta (~13-30Hz) e lowgamma (~30-60Hz) estão diretamente relacionadas ao comando cortical descendente, sendo que, a banda low-gamma reflete ainda informações sobre a integração sensoriomotora. Adicionalmente, foram observadas diversas estratégias neuromusculares empregadas por músculos agonistas, antagonista e sinergista ao longo das fases concêntrica e excêntrica do movimento de uma tarefa conduzida até a falha na tarefa. Já o experimento 2, através de informações da banda low-gamma, suportou hipóteses prévias a respeito da especialização do hemisfério cerebral esquerdo no controle visuomotor. Palavras-chave: eletromiografia, transformada wavelet, fisiologia neuromuscular. ix ABSTRACT There are evidences that the sub-100Hz bands from electromyographic (EMG) signals are related to descending cortical commands to the spinal cord motor neurons. These neurons translate these commands into action potentials that reach the skeletal muscles and generate new action potentials that compose the EMG signal. The contribution of the alfa (~5-13 Hz), beta (~13-30 Hz), low-gamma (~30-60 Hz) and high-gamma (~60-100 Hz) bands to the structure of EMG signal spectrum changes according to the motor task characteristics, such as contraction type and intensity, type of feedback available, and others. Despite the growing knowledge about the physiological meaning of these bands, the meaning is still unclear. Therefore, this thesis quantified the sub-100Hz bands from the EMG signal spectrum obtained from several muscles in two distinct, but complementary, experimental conditions: (1) during a plantar flexion task conducted to failure and following a metronome signal cadence; (2) during a visual guided handgrip constant force task with dominant and non-dominant hands from right and left-handed subjects. The results obtained from the two experiments helped augment the knowledge about the sub-100Hz bands from EMG signals, corroborating with previous reports about the influence of cortical descending commands to the EMG signal spectrum. With the results from experiment 1, it was possible to postulate that the beta and low-gamma bands are directly related to the cortical descending commands and that the lowgamma band may reflect sensoriomotor integration. In addition, it was possible to demonstrate numerous neuromuscular strategies employed by the agonist, antagonist and synergistic muscles along both, concentric and eccentric phases of the movement. In addition, the results from experiment 2 regarding the low-gamma band supported previous hypothesis about the left brain hemisphere specialization to visuomotor control. Key-words: electromyography, wavelet transform, neuromuscular physiology. x LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1. Componentes da unidade motora .......................................................... 21 Figura 2. Somatotopia sensorial (A) e motora (B) representada nas áreas S1 (área sensorial primária) e M1(área motora primária) respectivamente........... 30 Figura 3. Trajeto do trato cortico-espinhal. Notar o cruzamento dos axônios em nível bulbar (decussação das pirâmides), o que justifica o controle cruzado exercido pelo córtex cerebral, formando um “sistema” membro/hemisfério.................................................................................. 31 Figura 4. Coerência do espectro de potência entre dois pares de sinais simulados por 10 segundos cada............................................................................. 38 Figura 5. Espectro de potência normalizado, obtido pela aplicação da transformada wavelet, entre dois pares de sinais simulados por 10 segundos cada........................................................................................ 41 Figura 6. Ilustração dos Músculos gastrocnêmio medial (GM), gastrocnêmio lateral (GL), soleus (SOL), fibular longo (FL) e tibial anterior (TA).....................45 Figura 7. Aparato desenvolvido por Haber et al. (2004) para padronizar o movimento de flexão plantar................................................................... 45 Figura 8. Sinal EMG bruto dos músculos gastrocnêmio medial (A), gastrocnêmio lateral (B), soleus (C), fibular longo (D) e tibial anterior (E) durante 3 ciclos de movimento de elevação e descida do calcanhar no início (coluna da esquerda) e na pré-falha na tarefa (coluna da direita)......... 49 Figura 9. Exemplo de espectro de potência wavelet normalizado do músculo gastrocnêmio lateral nas fases de elevação (linha superior) e descida (linha inferior) do calcanhar nos momentos de início (coluna esquerda) e pré-falha (coluna direita) na tarefa.......................................................... 53 Figura 10. Aparato para coleta da força de preensão manual................................. 55 Figura 11. Ilustração dos músculos flexor superficial (FSD) dos dedos e extensor dos dedos (ED)........................................................................................56 xi Figura 12. Ilustração do procedimento experimental. (A) posicionamento dos voluntários em relação ao aparato com o transdutor de força. (B) posicionamento do voluntário em relação ao valor da força projetado em tela........................................................................................................... 57 Figura 13. Exemplos da atividade EMG dos músculos flexores e extensores do membro dominante coletados durante a tarefa isométrica submáxima e o espectro de potência cross-wavelet normalizado correspondente. A escala de cores representa a importância relativa (0-100%) das oscilações comuns entre os sinais EMG dos flexores e extensores em diferentes frequências............................................................................. 59 Figura 14. Amplitude média do sinal EMG dos músculos tríceps sural (média dos músculos soleus, gastrocnêmios medial e lateral), fibular longo, e tibial anterior nos momentos de início, meio, pré-falha e falha na tarefa divididos nas fases de elevação (coluna esquerda) e descida (coluna direita) do calcanhar................................................................................ 62 Figura 15. Espectro de potência normalizado das bandas 13-30Hz (linha superior) e 30-50Hz (linha inferior) obtidas dos músculos tríceps sural (média dos músculos soleus, gastrocnêmios medial e lateral), fibular longo e tibial anterior durante as fases de elevação do calcanhar (coluna esquerda) e descida do calcanhar (coluna direita)...................................................... 65 Figura 16. Espectro de potência normalizada da força dos membros dominante e não dominante de destros e canhotos a 30% (A) e 50% (B) do máximo. (C) Interação grupo (destros x canhotos) x bandas de frequência........ 67 Figura 17. Espectro de potência cross-wavelet normalizado dos músculos flexores e extensores dos membros dominante e não dominante de destros e canhotos obtidos durante a tarefa a 30% (A) e a 50% (B) do máximo. Interação grupo (destros x canhotos) x bandas de frequência............... 68 xii LISTA DE TABELAS Tabela 1. Média±erro padrão da amplitude do sinal EMG nas fases (elevação e descida do calcanhar) e momentos (início, meio, pré-falha e falha na tarefa) estudados..................................................................................... 61 Tabela 2. Média±erro padrão do espectro de potência normalizado do sinal EMG nas fases (elevação e descida do calcanhar) e momentos (início, meio, pré-falha e falha na tarefa) estudados .................................................... 63 Tabela 3. Média±erro padrão da força isométrica voluntária máxima (FIVM), média, desvio padrão (DV) e coeficiente de variação (CV) da força durante as tarefas isométricas a 30 e 50% do máximo dos membros dominante (DOM) e não dominante (NDOM) dos destros e canhotos estudados................................................................................................. 66 xiii LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ADP - Adenosina difosfato AMP - Adenosina monofosfato ATP - Adenosina trifosfato Ca++ - íon Cálcio Cl- - íon Cloreto CV - coeficiente de variação DV - Desvio padrão EMG – eletromiográfico FFT - Fast Fourier Transform Hz – Hertz IMP - inosina monifosfato K+ - íon potássio pH – Potencial hidrogeniônico Pi – fosfato inorgânico M1 - área motora primária Mg2+ - íon Magnésio Na+ - íon sódio NXWPS – Normalized cross-wavelet scale-averaged power spectrum (espectro de potência cross-wavelet normalizado) rms - root mean square SENIAM - Surface EMG for a Non-Invasive Assessment of Muscles XWPS – cross-wavelet Power spectrum (espectro de potência cross-wavelet) CEP – Comitê de ética em pesquisa xiv SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO....................................................................................................... 16 1.1. Objetivos gerais........................................................................................ 19 1.2. Objetivos específicos................................................................................ 19 2. REVISÃO DA LITERATURA.................................................................................. 20 2.1. Fisiologia Neuromuscular......................................................................... 20 2.1.1. Unidades motoras e o controle motor.................................................... 20 2.1.1.1. Controle motor de músculos agonistas, antagonistas e sinergistas....................................................................................................... 23 2.1.1.2. Controle motor em tarefas fatigantes................................................. 25 2.1.1.3. Controle motor e feedback sensorial disponível na tarefa................. 27 2.1.2. Comando cortical e controle do recrutamento das unidades motoras..29 2.1.2.1. Especialização hemisferial e dominância manual.............................. 32 2.2. Eletromiografia de superfície e extração de estratégias neurais de controle do motor............................................................................................. 34 2.2.1. Conteúdo das bandas de frequência do sinal eletromiográfico............ 37 2.3. Justificativa............................................................................................... 43 3. MATERIAIS E MÉTODOS..................................................................................... 44 3.1. Experimento 1: Conteúdo das bandas sub-100 Hz durante tarefa dinâmica até a falha na tarefa......................................................................... 44 3.2. Experimento 2: Conteúdo das bandas sub-100 Hz durante tarefa isométrica submáxima com feedback visual utilizando os membros dominante e não dominante.............................................................................................. 54 4. RESULTADOS....................................................................................................... 61 4.1 Experimento 1: Conteúdo das bandas sub-100 Hz durante tarefa dinâmica até a falha na tarefa......................................................................................... 61 4.2. Experimento 2: Conteúdo das bandas sub-100 Hz durante tarefa isométrica submáxima com feedback visual utilizando os membros dominante e não dominante.............................................................................................. 66 5. DISCUSSÃO.......................................................................................................... 69 5.1. Experimento 1: Conteúdo das bandas sub-100 Hz durante tarefa dinâmica até a falha na tarefa........................................................................ 69 xv 5.2. Experimento 2: Conteúdo das bandas sub-100 Hz durante tarefa isométrica submáxima com feedback visual utilizando os membros dominante e não dominante............................................................................................. 76 6. CONCLUSÕES...................................................................................................... 81 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................... 82 Anexo A: Termo de aprovação do projeto pelo CEP (Experimento 1)...................... 91 Anexo B: Termo de consentimento livre e esclarecido (Experimento 1)................... 92 Anexo C: Termo de aprovação do projeto pelo CEP (Experimento 2)...................... 94 Anexo D: Termo de consentimento livre e esclarecido (Experimento 2)................... 95 16 1. INTRODUÇÃO O estudo da fisiologia neuromuscular compreende a aplicação de diversas ferramentas de pesquisa, como análises histológicas e moleculares de neurônios e músculos, ressonância nuclear magnética, tomografia computadorizada, estimulação magnética transcraniana, magnetoencefalografia, eletroencefalografia e eletromiografia, visando obter informações das estratégias empregadas pelo sistema nervoso no controle das ações musculares. Karlsson et al. (2009) afirmam que o eletromiograma de superfície contém informações sobre as características fisiológicas do controle exercido pelo sistema nervoso sobre os músculos. Desta forma, por ser uma ferramenta não invasiva e que provê informações sobre a fisiologia neuromuscular, a eletromiografia de superfície pode ser empregada de forma ampla no estudo da fisiologia neuromuscular. Diferentemente de recursos de alto custo e complexidade no que tange seu manuseio, como a estimulação magnética transcraniana (EMT), magnetoencefalografia (MEG) e a eletroencefalografia (EEG), a eletromiografia de superfície é um recurso de baixo custo e baixa complexidade. Apesar do baixo custo e complexidade, a eletromiografia de superfície pode viabilizar o acesso a importantes informações a respeito das estratégias empregadas pelo sistema nervoso durante o controle do movimento em condições de normalidade ou de doença (e.g., lesões neuronais) (BROWN, 2000; MIMA et al., 2001; SALENIUS et al., 2002; FANG et al., 2009). Estudos recentes têm mostrado, a partir do uso simultâneo de EMT, MEG ou EEG e eletromiografia, a viabilidade do uso do sinal eletromiográfico (EMG) para inferir estratégias neurais empregadas no controle do movimento (GROSSE et al., 2003; KILNER et al., 1999; RICHARDSON et al., 2006). Para este fim é fundamental o emprego de técnicas robustas de análise do sinal EMG. O processamento de sinais biológicos, como o sinal EMG, representa um campo fértil para produção de conhecimentos que vem crescendo devido, principalmente, aos centros de pesquisa em engenharia biomédica. Apesar da expansão dos conhecimentos na área de fisiologia neuromuscular e processamento de sinais de EMG, a maior parte da literatura científica que envolve 17 o uso deste sinal está restrita as análises realizadas com processamento no domínio do tempo, método de análise que não possibilita a fidedigna extração de informações neurais a partir da eletromiografia. A aplicação de transformadas tempo-frequência, como a transformada rápida de Fourier (Fast Fourier Transform - FFT) e a transformada wavelet, permite identificar a contribuição de diferentes bandas de frequência na construção do espectro do sinal EMG, sendo o entendimento do significado fisiológico de cada banda de frequência alvo de relevantes estudos na última década (FARMER et al., 1993; BROWN, 2000; NETO; CHRISTOU, 2010; MIRANDA MARZULLO et al., 2010; PEREIRA et al., 2010; PEREIRA et al., 2011b; NETO et al. 2012). Através de estudos com análise da coerência das bandas de frequência entre os sinais MEG e EMG (MEG-EEG coherence) e entre os sinais EEG e EMG (EEGEMG coherence), tem sido postulado que as bandas sub-100 Hz do EMG estão relacionadas aos comandos corticais descentes para os motoneurônios medulares, os quais, através de mecanismos ainda não totalmente esclarecidos, traduzem os comandos corticais em potenciais de ação direcionados ao músculo que por final geram os potenciais de ação registrados no sinal EMG. Dentre as bandas sub-100 Hz destacam-se a banda alfa (~5-13 Hz), a banda beta (~13-30 Hz), a banda low-gamma (~30-60 Hz), que também é referida na literatura como banda piper, e a banda high-gamma (~60-100 Hz) (BROWN, 2000). Sabe-se que a contribuição destas bandas no espectro do sinal EMG pode ser modificada de acordo com as características da tarefa motora estudada, como o tipo de contração, intensidade da contração, tipo de feedback envolvido, o tipo de processamento do sinal EMG empregado entre outros (BROWN et al. 1998; BROWN, 2000; NETO; BAWEJA; CHRISTOU, 2010; NETO; CHRISTOU, 2010; NETO et al., 2012). Resultados recentes têm enfatizado as bandas beta (~13-30 Hz) e lowgamma (~30-60 Hz), relacionando estas ao aumento do comando dos motoneurônios corticais sobre os medulares, bem como o processamento sensoriomotor (BROWN, 2000; NETO; BAWEJA; CHRISTOU, 2010; MARZULLO et al., 2010, NETO e al., 2012). Apesar do crescente conhecimento produzido acerca do significado fisiológico destas bandas extraídas do sinal EMG, ainda são necessários muitos estudos para ampliar este conhecimento, especialmente pela existência de divergências 18 metodológicas quanto aos métodos de análise e pela grande diversidade de condições experimentais que ainda precisam ser testadas até que se tenha um corpo de conhecimento suficiente para a aplicação da análise das bandas de frequência do sinal EMG para fins diagnósticos e de reabilitação. Duas condições experimentais que servem para ampliar o conhecimento do significado fisiológico das bandas extraídas do sinal EMG são: 1) o estudo do controle motor em uma tarefa de flexão plantar seguindo a cadência de um sinal sonoro conduzidas até a exaustão muscular; 2) o estudo do controle motor em uma tarefa de preensão manual com feedback visual realizadas pelos membros dominante e não-dominante. Embora à primeira vista as duas condições citadas apresentem pouca similaridade, as mesmas podem ser complementares nos seguintes quesitos: 1) Membro inferior x membro superior. Partindo-se do pressuposto que as bandas de frequência contidas no sinal EMG representam comandos corticais descendentes para os músculos é de se esperar que as informações contidas nestas bandas sejam observadas em diferentes grupos musculares; 2) coordenação motora fina x coordenação motora grossa. A este respeito é possível afirmar que os comandos corticais descentes modulam a ativação dos músculos por três mecanismos essenciais que podem modificar os parâmetros espectrais do sinal EMG: variações no recrutamento, na taxa de disparo e na variabilidade dos intervalos entre disparos das unidades motoras.. Sendo assim, a priori, espera-se haver coesão entre as características do espectro do sinal EMG em tarefas com diferentes demandas de coordenação; 3) Tipo de feedback disponível na tarefa. As bandas sub-100 Hz do sinal EMG tem sido associadas aos processos de integração sensoriomotora, no entanto, não há consenso se estas são relacionadas a um tipo específico de input sensorial durante a tarefa ou mesmo se o tipo de feedback sensorial disponível ou predominante na tarefa pode modular de forma diferente as bandas alfa, beta, lowgamma e high-gamma. Sendo assim, estudar as características das bandas sub-100 Hz em tarefas com diferentes tipos de feedback sensorial, neste caso feedback auditivo e proprioceptivo para um experimento e visual e proprioceptivo para o outro, podem trazer contribuições para o entendimento destas bandas. Considerando o exposto, quanto à complementaridade dos experimentos propostos, nota-se que o entendimento das estratégias de controle neural do movimento nas tarefas propostas nos dois experimentos é de interesse da ciência 19 do esporte, pois envolvem aspectos de falha na tarefa e de influência da dominância manual no desempenho de uma tarefa. Não obstante, o fato de uma das tarefas envolver controle de ritmo e a outra uma precisão fina guiada pela visão o que gera interesse também para área de controle motor. Desta forma, a presente tese buscou investigar o conteúdo das bandas de frequência sub-100 Hz que compõe o espectro do sinal EMG em duas condições experimentais distintas, porém complementares, visando ampliar o conhecimento acerca do significado fisiológico destas bandas. 1.1. Objetivos gerais Investigar o conteúdo das bandas de frequência sub-100Hz do sinal EMG em duas condições experimentais diferentes que não foram previamente testadas: (1) durante a realização de uma tarefa dinâmica (elevação e descida do calcanhar) conduzida até a exaustão muscular; (2) durante a realização de uma tarefa isométrica submáxima de preensão manual com os membros dominante e não dominante. 1.2. Objetivos específicos • Relacionados à condição experimental 1: o Investigar a amplitude do sinal EMG de músculos envolvidos na realização de uma tarefa dinâmica conduzida até a exaustão muscular; o Investigar o conteúdo das bandas sub-100Hz do sinal EMG de músculos envolvidos na realização de uma tarefa dinâmica conduzida até a exaustão muscular; o Verificar a concordância das mudanças da amplitude e do conteúdo das bandas sub-100Hz do sinal EMG de músculos envolvidos na realização de uma tarefa dinâmica conduzida até a exaustão muscular. • Relacionados à condição experimental 2: o Comparar o desempenho dos membros dominante e não-dominante de destros e canhotos durante uma tarefa isométrica submáxima. o Investigar o conteúdo das bandas sub-100Hz do sinal EMG dos membros dominante e não-dominante de destros e canhotos durante uma tarefa isométrica submáxima. 20 2. REVISÃO DA LITERATURA 2.1 Fisiologia Neuromuscular 2.1.1. Unidades motoras e o controle motor A contração muscular é um fenômeno que depende da ativação dos neurônios motores medulares, cujos corpos (somas) estão localizados na porção anterior da área de substância cinzenta da medula espinhal e seu axônio se dirige ao músculo por ele inervado, passando pelos nervos periféricos (HAMILL; KNUTZEN, 1999; MCARDLE; KATCH; KATCH, 2003). O conjunto das fibras musculares inervadas por apenas um neurônio motor é chamado de unidade muscular e o conjunto formado pelo neurônio motor e as fibras musculares inervadas por este é chamado de unidade motora (BASMAJIAN; De LUCA, 1985; KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2000). Cada neurônio motor pode inervar um número variado de fibras musculares (Figura 1), desde 10 fibras musculares, como ocorre com os músculos motores do globo ocular, até 1000 fibras musculares como ocorre no músculo bíceps braquial (HAMILL; KNUTZEN, 1999; KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2000). Como um músculo pode possuir milhares de fibras musculares, dependendo de seu tamanho, concebe-se que este possuirá de um grande número de unidades motoras. 21 Figura 1. Componentes da unidade motora. Fonte: Robergs; Roberts (2002). As unidades motoras são responsáveis pela contração muscular e pela coordenação desta, de modo que a ativação de uma unidade motora leva de modo indiferente à ativação de todas as fibras musculares por ela inervadas, fenômeno denominado de “lei do tudo-ou-nada” (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2000; MCARDLE; KATCH; KATCH, 2003). Desta forma, quando uma unidade motora é ativada, todas as fibras musculares pertencentes a ela se contraem em poucos milisegundos (HAMILL; KNUTZEN, 1999). A característica das unidades motoras de possuírem um número grande ou reduzido de fibras musculares influencia diretamente na capacidade de produção de força e de coordenação dos músculos. Como exemplos podem ser citados os músculos das porções mais distais dos membros superiores e os músculos que movem o globo ocular que apresentam uma baixa relação neurônio-fibra muscular por esta razão sua capacidade de coordenação é mais desenvolvida que a dos músculos dos membros inferiores, os quais apresentam uma alta relação neurôniofibra muscular, o que proporciona uma grande capacidade de gerar respostas em massa, como suportar peso ou deambular (HAMILL; KNUTZEN, 1999; ROBERGS; ROBERTS, 2002). As unidades motoras se organizam de modo que os neurônios motores de menor tamanho e de axônios de menor diâmetro inervam fibras musculares com característica de contração lenta (fibras do tipo I), resistentes à fadiga, porém com 22 baixa de capacidade de produção de força em curtos espaços de tempo, já os neurônios motores de maior tamanho e axônios de maior diâmetro inervam as fibras musculares de contração rápida (fibras tipo IIa e IIb), capazes de produzir muita força em curtos espaços de tempo (ROBERGS; ROBERTS, 2002; KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2000; MCARDLE; KATCH; KATCH, 2003). O tamanho do neurônio motor influencia na sequência da ativação das unidades motoras, uma vez que o recrutamento muscular está diretamente relacionado aos fatores: tamanho do neurônio e diâmetro de seu axônio. O limiar de ativação de um neurônio depende de sua resistência elétrica, que é inversamente relacionada à sua área de superfície. Desta forma, os neurônios de menor tamanho necessitarão de um sinal sináptico menor que os de maior tamanho para gerarem um potencial pós-sináptico excitatório (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2000). O recrutamento muscular organizado de acordo com o tamanho dos neurônios motores permite que as unidades motoras menores possam ser ativadas primeiro, havendo contração das fibras tipo I inicialmente e posteriormente há a ativação das unidades motoras maiores com contração das fibras tipo IIa e IIb respectivamente (MAUGHAN; GLEESON; GREENHAFF, 2000; ROBERGS; ROBERTS, 2002). Apesar de ser didaticamente bem definida e facilitar o entendimento de um aspecto importante do controle motor, a hipótese de ativação baseada no tamanho das unidades motoras pode ser influenciada pelas características da tarefa motora que se deseja realizar (ENOKA; FUGLEVAND, 2001). O sistema nervoso central, através do córtex motor, controla o número de unidades motoras ativadas durante as diferentes tarefas motoras. Este controle depende diretamente das características da tarefa motora (i.e., intensidade, duração, velocidade, direção, segmento corporal envolvido, tipo e volume de feedback sensorial disponível etc). Alguns exemplos claros desta relação entre controle motor (i.e., controle cortical sobre os motoneurônios medulares) e dependência da tarefa motora podem ser citados, como: (1) a diferença no controle motor de um mesmo músculo quando este atua conduzindo o movimento (músculo agonista), se opondo ao movimento (músculo antagonista), ou mesmo contribuindo para a realização do movimento (músculo sinergista) (PASQUET; CARPENTIER; DUCHATEAU, 2006; NETO; MAGINI, 2008; DUCHATEAU; ENOKA, 2008); (2) a mudança no controle motor ao 23 longo de tarefas fatigantes (HUNTER et al., 2002; HUNTER; DUCHATEAU; ENOKA, 2004; MOTTRAM et al., 2006; HUNTER et al., 2008; ENOKA; DUCHATEAU, 2008); (3) a diferença no controle motor de um mesmo músculo a depender do tipo e volume de feedback sensorial disponível (CARSON et al., 1993; VAILLANCOURT; LARSSON; NEWELL, 2002; SAINBURG 2002; VAILLANCOURT; NEWELL, 2003; SAINBURG; SCHAEFER 2004; GOBLE; LEWIS; BROWN, 2006; GOBLE; BROWN, 2008). Visando explanar melhor os exemplos citados, segue-se uma abordagem individual de cada um dos exemplos de relação entre o controle motor e dependência da tarefa. 2.1.1.1. Controle motor de músculos agonistas, antagonistas e sinergistas Contextualizando este tópico, pode-se pensar na articulação do tornozelo durante a realização voluntária do movimento de flexão plantar, como ocorre ao elevarmos o calcanhar do chão. Neste caso, os músculos gastrocnênmios (medial e lateral) e soleus são responsáveis por gerar torque na articulação do tornozelo para gerar o movimento de flexão plantar e por essa razão são denominados agonistas1 neste movimento. Já o músculo tibial anterior se opõe ao movimento citado, visando controlar a velocidade com que o mesmo é realizado e por essa razão é denominado antagonista2 neste movimento. Adicionalmente, o músculo fibular longo, pode, juntamente com os agonistas do movimento de flexão plantar, contribuir para a produção de torque na articulação, sendo por essa razão denominado um músculo sinergista3 no movimento de flexão plantar. No exemplo acima se espera que os músculos agonistas tenham um grande número de unidades motoras recrutadas no momento da elevação do calcanhar, visando gerar torque suficiente para a realização do movimento. Enquanto se espera que os músculos fibular longo e tibial anterior tenham um número pequeno de unidades motoras recrutadas, visando contribuir para a produção de torque 1 “Diz-se de músculo que promove uma ação” Ferreira (2004). 2 “Diz-se de músculo que exerce ação oposta à de outro” Ferreira (2004). 3 “Músculo que, juntamente com um ou mais músculos, contribui para um movimento em particular” (Lippert, 2006) 24 juntamente ao agonistas, no caso do músculo fibular longo, ou se opor ao movimento de forma suficiente para apenas controlar a velocidade de execução do movimento para que este ocorra de forma suave sem gerar forças excessivas na articulação ao final do movimento. Pasquet, Carpentier e Duchateau (2006) estudaram o recrutamento e a taxa de disparo das unidades motoras do músculo tibial anterior durante o movimento ativo de flexão dorsal e flexão plantar da articulação do tornozelo e constataram que o controle motor é diferente nos dois movimentos. Durante o movimento de flexão dorsal o músculo tibial anterior atua como agonista e durante o movimento de flexão plantar o mesmo músculo atua como antagonista. Pasquet, Carpentier e Duchateau (2006) identificaram que a taxa de disparo das unidades motoras do músculo tibial anterior aumenta progressivamente até o final do movimento de flexão dorsal, enquanto que, durante a flexão plantar a taxa de disparo aumenta suavemente e se mantém praticamente constante ao longo do movimento de flexão plantar. Os achados de Pasquet, Carpentier e Duchateau (2006) suportam a afirmação de Duchateau e Enoka (2008) de que as estratégias de controle motor diferem durante as duas fases do movimento de contrações dinâmicas (e.g., movimento de elevação e descida do calcanhar, o que envolve flexão plantar seguida de flexão dorsal) devido à redução da capacidade de produção de força por cada unidade motora à medida que o músculo se encurta, quando atuando como agonista, e à grande dificuldade relacionada à redução gradativa da força para se obter uma trajetória objetivada enquanto o músculo se alonga, quando atuando como antagonista. Essas duas características exigem que o sistema nervoso utilize estratégias diferentes para realizar o movimento desejado dentro dos parâmetros objetivados (i.e., força, velocidade, amplitude de movimento etc). Em alguns casos um mesmo músculo pode atuar como sinergista e antagonista durante a realização de uma tarefa multiarticular (i.e., movimento que envolve mais de uma articulação). Neto e Magini (2008) mostraram que o controle motor preciso do músculo bíceps braquial (BB) durante um golpe com a palma da mão (i.e., originalmente Kung-Fu palm strike) é fundamental no desempenho da tarefa. Os autores observaram que o músculo BB é significativamente ativado no início da tarefa motora (i.e., golpe de palma), onde participa como sinergista ao contribuir na produção de torque no movimento de flexão da articulação glenoumeral (articulação do ombro), voltando a estar significativamente ativo ao final da tarefa, 25 onde participa como antagonista ao se opor ao movimento de extensão do cotovelo, contribuindo para a desaceleração do antebraço no final da tarefa motora em questão. 2.1.1.2. Controle motor em tarefas fatigantes A fadiga muscular é definida como a incapacidade do sistema musculoesquelético de manter a força ou o desempenho em uma determinada tarefa (ENOKA; STUART, 1992), sendo a realização de tarefas fatigantes até a exaustão (exhaustion) descrita na literatura como falha na tarefa (task failure) (FULCO et al., 1996; POTVIN, 1997; HUNTER; ENOKA, 2003; BARRY; ENOKA, 2007; HUNTER DUCHATEAU ; ENOKA, 2004). A fadiga muscular possui caráter multifatorial e envolve mecanismos de origem periférica (i.e., fatores relacionados às células musculares esqueléticas) e central (i.e., fatores relacionados ao sistema nervoso central). Os mecanismos de origem central são resultados de alterações do input neural que chega ao músculo, traduzida por modificações progressivas no volume e frequência de impulsos voluntários aos motoneurônios medulares e destes aos músculos (GANDEVIA, 2001). Estas modificações no controle motor durante tarefas fatigantes ocorrem para sobrepujar a redução da capacidade de produção de força pelas fibras musculares, o que está diretamente relacionado aos mecanismos periféricos da fadiga muscular, como alterações do pH local, da temperatura e do fluxo sanguíneo no músculo, além do acúmulo de produtos do metabolismo celular, particularmente resultantes da hidrólise do ATP (ADP, AMP, IMP, Pi, amônia), a perda da homeostase do íons Ca2+, K+, Na+, Cl-, Mg2+, os danos musculares (i.e., micro-lesões musculares induzidas pelo exercício) e o stress oxidativo gerado pelo próprio músculo durante a tarefa (ALLEN; LAMB; WESTERBLAD, 2008). Ao modificar o comando cortical descendente para os músculos o sistema nervoso central tenta compensar a redução da capacidade de produção de força das fibras musculares fadigadas, visando a manutenção da realização da tarefa. O conhecimento atual sobre os mecanismos fisiológicos da fadiga central sugere que há aumento do recrutamento e da taxa de disparo das unidades motoras dos músculos agonistas ao longo da tarefa (HUNTER et al., 2002; HUNTER 26 DUCHATEAU; ENOKA, 2004; MOTTRAM et al., 2006; HUNTER et al., 2008), visando sobrepujar a redução da capacidade de produção de força pelas fibras musculares. Esta estratégia neural, associada ao aumento do recrutamento de unidades motoras de músculos sigernistas do movimento envolvido na tarefa (RUDROFF et al., 2007) contribuem para a manutenção desta até a exaustão (i.e., incapacidade fisiológica de continuar a tarefa). O aumento do recrutamento de unidades motoras de músculos antagonistas ao movimento estudado também tem sido observados ao longo de tarefas fatigantes (PSEK; CAFARELLI, 1993; ROTHMULLER; CAFARELLI, 1995; WEIR et al., 1998). Este aumento simultâneo do recrutamento muscular entre agonistas e antagonistas é descrito na literatura como co-ativação ou co-contração muscular e em condições de fadiga pode ser entendida como um mecanismo protetor, visando induzir o término da tarefa ao contrapor as forças geradas ao redor da articulação (HUNTER et al., 2008; MALUF et al., 2005; LÉVÉNEZ et al., 2005), ou mesmo aumentar a estabilidade articular e evitando lesões articulares e ligamentares (PSEK; CAFARELLI, 1993; LÉVÉNEZ et al., 2005). Não está claro se a coativação muscular observada em contrações musculares fatigantes é a causa da falha na tarefa (i.e., incapacidade de continuar a tarefa) (HUNTER et al., 2008; MALUF et al., 2005), no entanto, é plausível que este evento contribua para o término da tarefa. Hunter; Duchateau; Enoka (2004), assim como Enoka e Duchateau (2008) afirmam que os mecanismos fisiológicos envolvidos na fadiga e exaustão muscular dependem das características da tarefa. No entanto, a grande maioria dos estudos relacionados a este assunto utiliza contrações isométricas (i.e., forma de contração onde a força gerada pelos músculos e a resistência ao movimento se igualam, impedindo a realização de movimento articular) como a forma de abordagem de estudo da fadiga ou exaustão muscular (ENOKA; STUART, 1992; DELUCA, 1997; KARLSSON YU; AKAY, 1999; GANDEVIA, 2001; BARRY; ENOKA, 2007; ENOKA; DUCHATEAU, 2008; HUNTER; DUCHATEAU; ENOKA, 2004; RUDROFF et al. 2007), principalmente em estudos que utilizam análise eletromiográfica, devido à natureza não-estacionária do sinal EMG (HOSTENS et al., 2004). Uma possível saída para a limitação do uso da análise do sinal EMG durante contrações dinâmicas seria o uso de métodos de processamento de sinais a partir de transformadas tempo-frequência como o transformada wavelet (KARLSSON YU; 27 AKAY, 1999; HOSTENS et al., 2004; NETO, 2007; KARLSSON et al., 2009; NETO BAWEJA ; CHRISTOU, 2010), o que viabilizaria o aumento do conhecimento das estratégias empregadas pelo sistema nervoso central durante contrações dinâmicas até a exaustão muscular. Esta robusta ferramenta matemática é recomandada para análise de sinais EMG obtido durante em contrações dinâmicas e será abordada de forma detalhada mais à frente. Sendo assim, diferentemente dos mecanismos fisiológicos envolvidos na fadiga e exaustão muscular durante contrações isométricas, os mecanismos que contribuem para a exaustão muscular durante tarefas dinâmicas (i.e., tarefas que envolvem movimento articular) não são muito claros (BONATO; GAGLIATI; KNAFLITZ, 1996; SVANTESSON et al., 1998a; SVANTESSON et al., 1998b), havendo a necessidade de mais estudos para maior conhecimento sobre este tópico. 2.1.1.3. Controle motor e feedback sensorial disponível na tarefa Graças a receptores de estímulos mecânicos (mecanorreceptores), químicos (quimiorreceptores e metaborreceptores) e eletromagnéticos (fotorreceptores) somos capazes de perceber o meio ao nosso redor, assim como ter percepção de nosso corpo. Estes receptores captam os estímulos citados e os conduzem ao sistema nervoso central, onde estas informações são integradas e processadas visando a realização dos mais diversos ajustes fisiológicos (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2000), como ajustes no movimento. A realização de movimentos voluntários não depende, a priori, destas informações sensoriais. No entanto, tais informações são fundamentais para que o movimento voluntário seja corretamente guiado e então tenha funcionalidade (i.e., para que alcance um objetivo previamente planejado). Tarefas simples como escrever, caminhar, pegar um objeto podem ser executadas sem a visão, no entanto, é de conhecimento comum que estas tarefas são executadas com maior precisão, ou seja, com melhor desempenho, na presença da visão. Da mesma forma, a realização das referidas tarefas com a visão, mas sem as informações de deformação mecânica da pele, músculos e articulações (i.e., informações proprioceptivas), como ocorre pela administração de anestésicos locais, faria com que a precisão na execução das tarefas ficasse comprometida. 28 O que é tido como fato por método dedutivo tem sido mostrado através de experimentos científicos, o que se justifica pela necessidade do entendimento do quanto e de que forma as informações sensoriais influenciam a realização das tarefas motoras. As informações sensoriais são usadas pelo sistema nervoso central antes do início da realização das tarefas, para planejamento da mesma, e durante sua realização, para correção dos parâmetros do movimento visando a execução satisfatória do movimento previamente planejado (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2000). Desta forma, as informações sensoriais captadas durante a realização da tarefa servem como um sistema de retroalimentação de informações sobre o movimento e por essa razão o termo “feedback sensorial” é usado para designar tais informações. O estudo desenvolvido por Christou (2005) é um bom exemplo de experimento onde a influência do feedback sensorial sobre o desempenho de tarefas motoras é mostrado. Para avaliar a influência da visão e de um estímulo sensorial adicional sobre a precisão da realização de uma tarefa de força, Christou (2005) submeteu um grupo de voluntários a uma tarefa de preensão onde o polegar se opõe aos demais dedos da mão (pinch-grip force) tendo um sensor (transdutor de força) colocado entre as partes que se opõe. Os voluntários eram orientados a manter a força constante dentro de um valor alvo (2% da força máxima previamente avaliada), sendo viabilizada a informação da força exercida (i.e., feedback visual). Ao longo da tarefa os voluntários eram expostos a duas condições experimentais: 1) retirada temporária do feedback visual e 2) aplicação de um estímulo elétrico na mão oposta à envolvida na realização da tarefa. Do experimento descrito Christou (2005) pode concluir que tanto a retirada do feedback visual, quanto a inserção de um estímulo sensorial adicional comprometeram o desempenho na realização da tarefa, medido pela precisão da manutenção da força alvo (i.e., variabilidade da força em relação à força alvo). Adicionalmente, através da análise do espectro de potência do sinal do sensor de força o autor confirmou postulados prévios de que oscilações da força isométrica na faixa de frequência de 1-4 Hz estão relacionadas ao uso do feedback visual (VAILLANCOURT; LARSSON; NEWELL, 2002; VAILLANCOURT; NEWELL, 2003). A retirada do feedback visual na tarefa proposta por Christou (2005) faz com que a precisão na execução da tarefa (manutenção da força alvo) seja baseada 29 apenas no feedback proprioceptivo, que nesta tarefa é viabilizada por mecanorreceptores presentes nos ventres, tendões e fáscias dos músculos envolvidos na tarefa, nos ligamentos e cápsulas articulares das articulações envolvidas na tarefa, além da pele da região em contato com o sensor. O estímulo sensorial (estímulo elétrico) adicional na mão oposta à utilizada na tarefa introduz informações proprioceptivas adicionais, que neste caso são desnecessárias para a execução da tarefa, o que modificou a integração e processamento das informações sensoriais. Outros modelos experimentais avaliam a precisão, a velocidade e o trajeto adotado ao cumprir uma tarefa de posicionamento de uma articulação em um ângulo predeterminado com e sem o feedback visual também tem sido aplicados (CARSON et al., 1993; SAINBURG 2002; SAINBURG; SCHAEFER 2004; GOBLE LEWIS; BROWN, 2006; GOBLE; BROWN, 2008). Este modelo experimental privilegia o uso das informações proprioceptivas na execução do movimento e tem sido amplamente aplicado para avaliar a influência da dominância manual e/ou a especialização dos hemisférios cerebrais para integração e processamento de informações sensoriais. Desta forma, é possível concluir que os parâmetros motores de uma tarefa motora (i.e., força, velocidade, trajetória, precisão) são todos governados pela integração e processamento sensoriomotor em nível da córtex cerebral. 2.1.2. Comando cortical e controle do recrutamento das unidades motoras As unidades motoras estão sob comando direto dos neurônios motores corticais (i.e., da córtex cerebral), os quais possuem axônios que descendem para a medula espinhal, constituindo o trato corticoespinhal, e por fim formam sinapses com os neurônios motores medulares. Desta forma, os neurônios motores corticais podem controlar o recrutamento, a frequência de disparo e a sincronização das unidades motoras. O arranjo sináptico entre os motoneurônios corticais e medulares proporciona a conservação das frequências de disparo dos potenciais de ação originadas nos primeiros através de mecanismos ainda pouco compreendidos, em um processo denominado por Stegeman et al. (2010) como “tradução”. Stegman et al. (2010), assim como Negro e Farina (2011a, b) afirmam que as oscilações rítmicas originadas no córtex motor são conservadas após passarem pelos motoneurônios 30 medulares, chegando assim aos músculos e podendo ser identificadas no sinal EMG. Os neurônios motores corticais estão localizados na área 4 de Brodman (M1 ou área motora primária localizada no lobo frontal) de ambos os hemisférios cerebrais, em uma organização topográfica conhecida como somatotopia. Esta organização somatotópica pressupõe que as regiões corporais, os músculos e os movimentos estão representados de modo ordenado na superfície cortical, estando os pés representados na região mais medial e a cabeça mais lateralmente da área 4 (Figura 2). Figura 2. Somatotopia sensorial (A) e motora (B) representadas nas áreas S1 (área sensorial primária) e M1(área motora primária) respectivamente. Fonte: KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2000. Os axônios dos neurônios motores corticais de ambos os hemisférios cerebrais se projetam descendentemente pelo tronco encefálico, onde cerca de 95% destes axônios cruzam o plano sagital na região denominada decussação das pirâmides, direcionando-se então à região contralateral da medula espinhal. Desta forma, os motoneurônios medulares da porção direita da medula espinhal são controlados pelos motoneurônios corticais do hemisfério cerebral esquerdo e viceversa (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2000). Devido à sua origem cortical e sua 31 projeção para a medula espinhal este trato é denominado trato corticoespinhal (Figura 3). Figura 3. Trajeto do trato cortico-espinhal. Notar o cruzamento dos axônios em nível bulbar (decussação das pirâmides), o que justifica o controle cruzado exercido pelo córtex cerebral, formando um “sistema” membro/hemisfério. Fonte: KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2000. Concebe-se então que a organização anatômica do trato corticoespinhal impõe um controle predominantemente cruzado do córtex cerebral sobre os 32 músculos, ou seja, o hemisfério cerebral direito controla os movimentos dos membros do hemicorpo esquerdo e o hemisfério cerebral esquerdo controla os movimentos dos membros do hemicorpo direito. A característica morfofuncional do trato corticoespinhal justifica a denominação “sistema membro/hemisfério cerebral”, comumente utilizada na literatura para designar o conjunto formado pelo córtex cerebral e o membro por este comandado (SAINBURG; SCHAEFER, 2004; GOBLE; LEWIS; BROWN, 2006; GOBLE; BROWN, 2008; PEREIRA et al., 2011b). O predomínio de um “sistema membro/hemisfério cerebral” (e.g., membro direito/hemisfério cerebral esquerdo), quando relacionado ao uso das mãos, corresponde ao que se conhece como dominância manual (i.e., o uso preferencial de uma das mãos para atividades de preensão cotidianas). Embora a dominância manual seja considerada uma característica intrínseca do controle motor humano (OLDFIELD, 1971), os mecanismos neurais envolvidos nesse comportamento assimétrico não são completamente entendidos. 2.1.2.1. Especialização hemisferial e dominância manual É interessante notar a relação entre a especialização dos hemisférios cerebrais e o uso preferencial de um dos membros superiores. É descrito na literatura que, apesar de serem anatomicamente iguais, os hemisférios cerebrais são especializados em diferentes funções, como exemplo podem ser citadas a especialização do hemisfério cerebral esquerdo para funções como a fala e a visão (GONZALEZ; GANEL; GOODALE, 2006; GONZALEZ; GOODALE, 2009), enquanto o hemisfério cerebral direito é especializado na percepção corporal e emocional (DEVINSKY, 2000). A especialização dos hemisférios cerebrais não implica em processamento exclusivo de determinadas informações ou função em um determinado hemisfério, mas sim a dominância deste hemisfério no processamento da informação. Não obstante a isto, a grande intercomunicação entre os hemisférios cerebrais, proporcionada pelo corpo caloso, permite que ambos os hemisférios contribuam, de forma majoritária ou minoritária, para as diversas funções cerebrais. Estudos recentes têm mostrado que os membros direito e esquerdo parecem apresentar vantagens em determinadas tarefas motoras, sendo postulado que o membro esquerdo apresenta melhor desempenho em tarefas guiadas por feedback 33 proprioceptivo, enquanto o membro direito apresenta melhor desempenho em tarefas guiadas por feedback visual (GOBLE; LEWIS; BROWN, 2006; GOBLE; BROWN, 2008), o que pode estar diretamente relacionado à especialização do hemisfério esquerdo no processamento da informação visual. Apesar destas evidências, a maioria dos estudos tem sido conduzidos apenas com destros e em sua maioria com apenas um tipo de feedback disponível, normalmente o proprioceptivo, e não com ambos simultaneamente. O uso preferencial de uma mão em relação à outra em diversas tarefas é definida como dominância manual e está relacionada à lateralização funcional do cérebro. Como afirmado anteriormente, embora a dominância manual seja uma característica do controle motor humano (OLDFIELD, 1971), os mecanismos neurais envolvidos neste comportamento assimétrico ainda não são totalmente entendidos. No entanto, alguns estudos têm investigado a relação entre a dominância manual e a especialização dos hemisférios cerebrais e sua influência no desempenho motor, sendo as análises cinemáticas durante tarefas de precisão sem feedback visual as abordagens metodológicas mais comuns (CARSON et al., 1993; SAINBURG, 2002; SAINBURG; SCHAEFER, 2004; GOBLE; LEWIS; BROWN, 2006; GOBLE; BROWN, 2008). Diversos estudos têm mostrado que a manipulação do feedback sensorial pode influenciar o desempenho motor dos membros dominantes e não dominantes em tarefas de precisão (CARSON et al., 1993; SAINBURG; SCHAEFER, 2004; GOBLE; BROWN, 2008). De modo geral, o que se concebe é que o membro não dominante tem mostrado maior acurácia em tarefas motoras realizadas sem feedback visual no entanto, estes estudos tem incluído apenas destros na amostra, o que tem levado os pesquisadores a concluir que o sistema membro esquerdo/hemisfério direito é especializado no processamento de informações proprioceptivas (SAINBURG, 2002; SAINBURG; SCHAEFER, 2004; GOBLE; BROWN, 2008). Considerando que o controle da força em tarefas de precisão não depende somente do feedback visual ou proprioceptivo (SOSNOFF; NEWELL, 2005), o uso de tarefas de precisão mantendo determinada força submáxima, onde o feedback visual e proprioceptivo estejam disponíveis, poderia ser uma abordagem metodológica útil para investigar as bases neurofisiológicas da dominância membro/hemisfério, da especialização dos hemisférios cerebrais e a comunicação 34 interhemisferial, já que o hemisfério esquerdo tem sido relacionado ao controle visuomotor (GONZALEZ; GANEL; GOODALE, 2006). Acerca da relação entre a dominância manual e a especialização dos hemisférios cerebrais o estado da arte sugere que o sistema formado pelo membro esquerdo/hemisfério direito apresenta vantagem em tarefas com feedback proprioceptivo, sendo postulado um melhor processamento de informações proprioceptivas pelo hemisfério direito (GOBLE; BROWN, 2008); já o sistema formado pelo membro direito/hemisfério esquerdo apresenta vantagem em tarefas com feedback visual, devido a um processamento preferencial de informações visuais pelo hemisfério esquerdo (GOBLE; BROWN, 2008). Apesar disto algumas questões básicas permanecem sem respostas claras: (1) o desempenho motor em tarefas de precisão mantendo uma força submáxima é diferente, em termos de variabilidade da força, entre destros e canhotos?; (2) há interação entre os membros dominante e não dominante de destros e canhotos quando realizam tarefas de precisão com feedback visual e proprioceptivo simultaneamente disponíveis? Tais questões são norteadoras de um dos experimentos realizados nesta tese e serão abordadas novamente na discussão dos resultados. 2.2. Eletromiografia de superfície e extração de estratégias neurais de controle do motor A eletromiografia pode ser definida como o estudo da função muscular por meio da averiguação do sinal elétrico que emana do músculo (BASMAJIAN; DELUCA, 1985). A utilização deste método permite o registro do potencial de ação da unidade motora podendo ser empregado como método diagnóstico para doenças neuromusculares, traumatismos e como instrumento cinesiológico, buscando descrever o papel de diversos músculos em atividades específicas (BASMAJIAN; DE LUCA, 1985; DELUCA, 1997) ou mesmo os padrões de integração sensorial e comando do córtex cerebral sobre os músculos (BROWN et al., 1998; BROWN, 2000). Desta forma, a eletromiografia representa uma ferramenta útil para o estudo da fisiologia neuromuscular, sendo um acesso fácil ao entendimento dos mecanismos envolvidos no controle do sistema nervoso central sobre os músculos (SODERBERG; KNUTSON, 2000; KARLSSON et al., 2009). 35 A coleta dos potenciais elétricos musculares pode ser realizada com eletrodos inseridos no ventre muscular, método invasivo onde se lança mão de agulhas ou fios, mas também de forma não-invasiva, através de eletrodos colocados sobre a superfície da pele (i.e., eletromiografia de superfície) correspondente à localização do ventre muscular (BASMAJIAN; DELUCA, 1985). A técnica de coleta através de agulhas ou fios representa um método invasivo sendo comumente relatado desconforto ou dor pelo participante, requer capacitação técnica específica do examinador (SUTHERLAND, 2001) e em geral não é bem vista por comitês de ética em pesquisa. A colocação de pares de eletrodos sobre a superfície da pele imediatamente acima do ventre dos músculos permite a detecção da atividade elétrica gerada por estes (HERMENS et al., 2000). Apesar dos eletrodos de superfície não gerarem incômodo ao indivíduo, eles captam a atividade elétrica muscular mais grosseira, apresentam uma alta impedância sendo necessária a preparação da pele realizada através de tricotomia local, abrasão com lixa, para retirar parte da camada epitelial mais superficial da pele e limpeza local com álcool, além do uso de um gel eletrolítico para aumentar o contato elétrico entre eles e a pele (HERMENS et al., 2000). O sinal eletromiográfico bruto (i.e., sem qualquer processamento) registrado é armazenado para análise off-line onde comumente são empregados métodos de análise no domínio do tempo ou no domínio da frequência. Métodos estatísticos, como a obtenção do valor médio do sinal retificado (root mean square - rms), representam medidas da amplitude do sinal e são empregados na análise do domínio do tempo para obtenção de uma estimativa do nível de atividade do músculo (REAZ; HUSSAIN; MOHD-YASIN, 2006; KARLSSON et al. 2009). De acordo com Farina, Merletti e Enoka (2004), a medida da amplitude do sinal EMG é relacionada ao número de unidades motoras ativas e à taxa de disparo destas unidades motoras. Por essa razão, muitos investigadores usam as medidas da amplitude do sinal EMG como um indicador do nível de atividade originada pelo sistema nervoso central. No entanto, o mesmo autor apresenta as limitações das medidas da amplitude do sinal EMG pra tal fim. As medias da amplitude do sinal EMG podem subestimar o sinal de ativação originado no sistema nervoso central, graças ao cancelamento das fases positiva e negativa do potencial de ação das unidades motoras, fenômeno denominada de 36 “amplitude cancellation” (DAY; HULLIGER, 2001; FARINA; MERLETTI; ENOKA, 2004). Farina, Merletti e Enoka (2004) postulam que este fenômeno se deve a diversos fatores como: (1) características anatômicas (i.e., espessura da camada adiposa subcutânea, distribuição e tamanho das fibras musculares de uma mesma unidade motora); (2) características do sistema de detecção (i.e., impedância e ruído gerado entre a pele e o eletrodo, filtros do eletromiógrafo, distância entre os eletrodos); (3) características da membrana da fibra muscular (i.e., velocidade de condução das fibras musculares); (4) propriedades das unidades motoras recrutadas (i.e., sincronização das unidades motoras, distribuição das taxas de disparo das unidades motoras, número de unidades motoras recrutadas). Os métodos de análise do sinal EMG no domínio da frequência envolvem o emprego de transformadas tempo-frequência para obtenção do espectro do sinal EMG. Neste caso, a identificação da média ou mediana do espectro do sinal EMG após a aplicação de transformadas matemáticas como a Transformada rápida de Fourier (Fast Fourier Transform - FFT) ou a Transformada Wavelet (KARLSSON; YU; AKAY, 1999; REAZ; HUSSAIN; MOHD-YASIN, 2006; KARLSSON et al., 2009) representam as formas mais simples de obtenção de informação do sinal EMG através de análises no domínio da frequência. As vantagens da transformada wavelet em relação à FFT são descritas na literatura (KARLSSON; YU; AKAY, 1999; KARLSSON et al., 2009). Matematicamente, uma das principais vantagens da transformada wavelet em relação à FFT é que na análise wavelet o tamanho das janelas de análise é tão pequeno a altas frequências e grande a baixas frequências, o que corresponde a uma boa resolução temporal em altas frequências e boa resolução de frequências em baixas frequências (KARLSSON; YU; AKAY, 1999). As propriedades matemáticas da transformada wavelet justificam o uso desta, em detrimento à FFT, para análise de sinais EMG obtidos durante contrações dinâmicas (i.e., contrações onde a força muscular gerada supera a resistência oferecida). De acordo com Neto (2007), a FFT, devido à sua construção matemática só é válida para sinais que possam ser considerados como processos estocásticos estacionários com distribuição Gaussiana de amplitudes. O sinal EMG obtido durante contrações isométricas (i.e., contrações onde não há movimento articular devido à igualdade entre a força muscular gerada e a 37 resistência oferecida), pode ser assim considerado. No entanto, em contrações dinâmicas o sinal EMG não pode ser considerado estacionário (HOSTENS et al., 2004; NETO, 2007). Como a FFT utiliza uma resolução temporal fixa (i.e., duração das janelas), com duração mínima de 250 ms, a resolução de frequência correspondente também é fixa. Desta forma, a FFT é adequada para análise de sinais EMG obtidos durante contrações isométricas, enquanto a transformada wavelet, devido à sua propriedade matemática previamente exposta (i.e., referente ao tamanho das janelas), é adequada tanto para contrações isométricas quanto dinâmicas. Análises mais elaboradas do sinal EMG no domínio da frequência envolvem a análise do conteúdo das bandas de frequência do espectro do sinal EMG, ao invés de apenas a frequência média ou mediana deste espectro. Por se tratar do método utilizado na seção experimental desta tese o método de análise do conteúdo das bandas de frequência do espectro do sinal EMG será abordado de forma mais detalhada em tópico separado. 2.2.1. Conteúdo das bandas de frequência do sinal eletromiográfico A análise do conteúdo das bandas de frequência do sinal EMG após aplicação de técnicas de análise tempo-frequência é recente, sendo os primeiros estudos datados da década de 1990 (FARMER et al., 1993; BROWN, 2000). Apesar de relativamente recente o emprego deste tipo de análise tem gerado importantes conhecimentos no campo da fisiologia neuromuscular, contribuindo para o esclarecimento da relação entre o comando central (i.e., originado no sistema nervoso central) e a resposta muscular (KILNER et al., 1999; GROSSE et al., 2003; KILNER; FISHER; LEMON, 2004; BOONSTRA et al., 2008; MCCLELLAND; CVETKOVIC; MILLS, 2012). O comando cortical para os motoneurônios medulares tem sido estudado durante contrações voluntárias, através da análise da coerência (coherence) do espectro de potência entre os sinais coletados simultaneamente do cérebro, pela eletroencefalografia ou pela magntoencefalograifa, e dos músculos, através da eletromiograma. Este tipo de análise é reportado na literatura como “EEG-EMG coherence” e “MEG-EMG coherence”, ou simplesmente coerência corticomuscular (corticomuscular coherence). 38 O método de análise da coerência entre dois sinais bioelétricos (EEG-EMG ou MEG-EMG coherence) permite identificar em quais bandas de frequência os sinais apresentam maior correlação (coerência). Por essa razão os resultados deste método de análise são apresentados como valores que variam entre 0 (zero) e 1 (um), sendo as bandas de frequência cujos valores resultantes são mais próximos de 1 (um) os de maior correlação (coerência). A figura 4 apresenta um resultado de coerência (coherence) entre dois sinais simulados, onde é observada maior coerência dos espectros dos sinais simulados ao redor de 40 Hz. Figura 4. Coerência do espectro de potência entre dois pares de sinais simulados por 10 segundos cada, com 3dB de ruído nos seguintes parâmetros: Primeiro par de sinais (Os números entre parêntesis representam a amplitude de cada frequência): SIG1 (linha fina): 23 (5) Hz e 42 (5) Hz para a primeira metade do sinal (0-5 s) e 13 (5) Hz e 42 (5) Hz para a segunda metade do sinal (5-10 s); SIG2: 13 (5) Hz e 42 (5) Hz para a primeira metade do sinal (0-5 s) e 23 (5) Hz e 42 (5) Hz para a segunda metade do sinal (5-10 s). Segundo par de sinais (linha espessa): SIG3: 23 (5) Hz e 42 (20) Hz para a primeira metade do sinal (0-5 s) e 13 (5) Hz e 42 (20) Hz para a segunda metade do sinal (5-10 s); SIG4: 13 (5) Hz e 42 (20) Hz para a primeira metade do sinal (0-5 s) e 23 (5) Hz e 42 (20) Hz para a segunda metade do sinal (5-10 s). Fonte: NETO; BAWEJA; CHRISTOU, 2010. 39 Os resultados utilizando este método têm mostrado oscilações comuns entre o córtex motor e os músculos principalmente em duas bandas de frequência: a banda “beta” (~15-30 Hz) e a banda “low-gamma” (~30-60 Hz; também chamada banda “piper”) (BROWN, 2000). Estas bandas de frequência são de grande interesse, pois existem evidências de que representem a comunicação entre centros superiores (córtex cerebral) e a periferia (músculos) e que a coerência corticomuscular nestas bandas é diferente para indivíduos neurologicamente comprometidos em comparação com indivíduos saudáveis (GROSS et al., 2000; SALENIUS et al., 2002; GROSSE et al., 2003; KILNER; FISHER; LEMON, 2004). Mudanças na coerência corticomuscular tem sido relatadas em condições patológicas de porções motoras do sistema nervoso central como em acidentes vasculares cerebrais (MIMA et al. 2001; FANG et al. 2009) e Doença de Parkinson (SALENIUS et al., 2002). Mima et al. (2001) e Fang et al. (2009) mostraram que a coerência corticomuscular nas bandas beta e low-gamma é significativamente reduzida em indivíduos que sofreram acidente vascular ao nível da capsula interna, para onde converge o trato corticoespinhal. Salenius et al. (2002) mostraram que a coerência corticomuscular nas bandas beta e low-gamma é significativamente reduzida em indivíduos com Doença de Parkinson sem uso do fármacos levodopa (fármaco que potencializa a neurotransmissão dopaminérgica nos núcleos da base do cérebro), sendo a redução nestas bandas revertida após a administração do referido fármaco. A análise das oscilações do sinal EMG de diferentes músculos ou de pares de eletrodos sobre um mesmo músculo, sem a análise simultânea do sinal EEG ou MEG tem sido denominada “EMG-EMG coherence” (KILNER et al. 1999). Diversos estudos que utilizam o método “EMG-EMG coherence” têm mostrado resultados similares aos métodos “MEG-EMG coherence” e “EEG-EMG coherence” em relação à influência cortical sobre os músculos (GROSSE et al., 2003; KILNER et al., 1999; RICHARDSON et al., 2006). O fato da coleta de dados do método “EMG-EMG coherence” ser mais simples, por envolver apenas o sinal EMG torna esta abordagem mais acessível para estudos relacionados à influência cortical sobre os motoneurônios o que é útil em pesquisas envolvendo o aparelho locomotor e também no diagnóstico clínico de desordens motoras (GROSSE et al., 2003). 40 Ao realizar análises de “EEG-EMG coherence”, “EMG-EMG coherence” e análise do sinal EMG no domínio do tempo (retificação do sinal EMG) em indivíduos que apresentavam mioclônus cortical, Grosse et al. (2003) concluíram que a análise “EMG-EMG coherence” foi superior que as demais para distinguir comandos descendentes patologicamente exagerados para os músculos, ressaltando assim o uso exclusivo de informações contidas no sinal EMG para avaliar os comandos descendentes. Desta forma, é possível afirmar que a análise da coerência no espectro do sinal entre pares de eletrodos musculares (i.e., colocados sobre o mesmo músculo ou sobre 2 músculos diferentes) provê informações confiáveis acerca do comando cortical descendente para os motoneurônios medulares por final para os músculos. Estudos mais recentes, publicados a partir de 2010, têm usado a estratificação do sinal EMG em bandas de frequência através da aplicação da transformada wavelet (NETO; CHRISTOU, 2010; PEREIRA et al., 2010; PEREIRA et al., 2011b; NETO et al., 2012) ao invés da Transformada rápida de Fourier (Fast Fourier Transform - FFT), visando acessar informações do comando cortical descendente para o controle do movimento. Além das vantagens relacionadas às propriedades matemáticas, previamente apresentadas, a aplicação da transformada wavelet para análise do conteúdo das bandas de frequência do sinal EMG também tem proporcionado um avanço em relação ao método de análise da coerência entre sinais bioelétricos (EEG-EMG, MEG-EMG e EMG-EMG coherence), pois além de permitir a identificação das frequências com maior coerência entre os sinais, também permite quantificar a contribuição de cada banda de frequência na construção do espectro de coerência dos sinais originais, conforme pode ser visto na figura 5 41 Figura 5. Espectro de potência normalizado, obtido pela aplicação da transformada wavelet, entre dois pares de sinais simulados por 10 segundos cada, com 3 dB de ruído nos seguintes parâmetros: Primeiro par de sinais (Os números entre parêntesis representam a amplitude de cada frequência): SIG1 (linha fina): 23 (5) Hz e 42 (5) Hz para a primeira metade do sinal (0-5 s) e 13 (5) Hz e 42 (5) Hz para a segunda metade do sinal (5-10 s); SIG2: 13 (5) Hz e 42 (5) Hz para a primeira metade do sinal (0-5 s) e 23 (5) Hz e 42 (5) Hz para a segunda metade do sinal (5-10 s). Segundo par de sinais (linha espessa): SIG3: 23 (5) Hz e 42 (20) Hz para a primeira metade do sinal (0-5 s) e 13 (5) Hz e 42 (20) Hz para a segunda metade do sinal (5-10 s); SIG4: 13 (5) Hz e 42 (20) Hz para a primeira metade do sinal (0-5 s) e 23 (5) Hz e 42 (20) Hz para a segunda metade do sinal (5-10 s). Fonte: NETO; BAWEJA; CHRISTOU, 2010. As figuras 4 e 5 representam a coerência do espectro de potência de dois pares de sinais simulados com os mesmos parâmetros. No entanto, na figura 4 é observada apenas a coerência entre os espectros de potência ao redor de 40 Hz, enquanto na figura 5 pode-se observar a coerência entre os espectros de potência ao redor de 40 Hz e o quanto esta frequência representa no espectro de cada par de sinais. Desta forma, é possível concluir pelo exemplo apresentado que o par de sinais SIG1-SIG2 e SIG3-SIG4 apresentam pico de coerência ao redor de 40Hz, mas o primeiro par de sinais apresentam maior contribuição desta frequência na constituição do sinal, já que este representa ~20% da densidade de potência do espectro, enquanto no par de sinais SIG3-SIG4 esta frequência representa apenas 15%. 42 Mediante o exposto pode-se afirmar que o uso de transformada wavelet para fins de análise do conteúdo das bandas de frequência do sinal EMG representa uma ferramenta mais robusta, proporcionado informações adicionais no que tange a identificação de oscilações rítmicas em certas frequências. O uso da transformada wavelet para obtenção da potência normalizada do espectro do sinal EMG tem sido usada em estudos recentes (NETO; BAWEJA; CHRISTOU, 2010; PEREIRA et al., 2010, PEREIRA et al., 2011b; NETO et al., 2012). Os resultados obtidos a partir deste método têm corroborado estudos usando a FFT, com picos de coerência nas bandas beta e low-gamma, no entanto, o diferencial está na possibilidade de se conhecer o quanto estas bandas estão contribuindo para a construção do espectro do sinal EMG. Neto, Baweja e Christou (2010), utilizando a transformada wavelet para processamento do sinal EMG, identificaram aumento nos valores normalizados das bandas beta e low-gamma associada à maior produção de força pelo músculo primeiro interósseo dorsal, o que sugere uma maior sincronização da taxa de disparo das unidades motoras para cumprir a demanda da tarefa proposta (15 e 50% da força máxima de abdução do indicador). Outros estudos utilizando a análise da banda beta e low-gamma também suportam a hipótese da relação entre estas bandas, especialmente a banda beta, e a sincronização da taxa de disparo das unidades motoras (BROWN et al., 1998). Apesar dos achados de Neto, Baweja e Christou (2010) corroborarem o postulado de Brown et al. (1998), apenas o primeiro quantificou a contribuição das bandas beta e low-gamma para a construção do espectro do sinal analisado. Assim como a banda beta, a banda low-gamma tem sido associada à sincronização da taxa de disparo das unidades motoras (BROWN et al. 1998; BROWN, 2000), mas também à integração sensoriomotora (i.e., integração de informações originadas de receptores sensoriais como mecanorreceptores, termorreceptores, fotorreceptores, visando o controle do movimento) (GRAY, 1994; SINGER; GRAY, 1995; WANG, 2010), especialmente integração sensorial de informações visuais (GRAY 1994). 43 2.3. Justificativa Ao contrário da análise da frequência média ou mediana, a análise do conteúdo de frequências sub-100 Hz do sinal EMG em estudo do controle motor é relativamente recente e, por essa razão ainda carece de mais estudos. O estado da arte a respeito da relação entre as bandas sub-100 Hz e o controle motor apontam para a associação entre o aumento das bandas beta (~1330 Hz) e low-gamma (~30-60 Hz) com estratégias de recrutamento muscular (BROWN et al., 1998; CHRISTOU et al., 2007; LOWERY; MYERS; ERIM, 2007; NETO; BAWEJA; CHRISTOU, 2010; NETO; CHRISTOU, 2010; NETO et al., 2012). As bandas citadas também tem sido associadas a diferentes sistemas de feedback sensorial, como o sistema visual (GRAY, 1994; SINGER; GRAY, 1995; GRAY; MCCORMICK, 1996; WANG, 2010), auditivo (GROSSE; BROWN, 2003) e somestésico (MIRANDA MARZULLO et al., 2010). Apesar da existência de evidências científicas a respeito do significado fisiológico das bandas sub-100 Hz ainda não há um entendimento completo sobre este assunto. Além disso, ainda existem muitas condições experimentais que poderiam ou mesmo necessitariam ser testadas para ampliar o corpo de conhecimento a este respeito, principalmente no que tange a aplicação da transformada wavelet para obtenção de informações das bandas de frequência, já que esta ferramenta começou a ser testada para este fim a partir de 2010. Mediante o exposto e associado às vantagens matemáticas do uso da transformada wavelet, as quais foram apresentadas ao longo desta revisão, é justificável o desenvolvimento de estudos aplicando a transformada wavelet para fins de obtenção de informações do conteúdo das bandas de frequência sub-100 Hz do sinal EMG em condições experimentais distintas e que não foram previamente testadas a fim de aumentar o corpo de conhecimento acerca do significado das bandas de frequência do sinal EMG. 44 3. MATERIAIS E MÉTODOS Conforme exposto previamente, a seção experimental desta tese consta de dois experimentos distintos. Para realização de ambos os experimentos foi utilizado um eletromiógrafo modelo EMG800C (EMG System, Brasil), eletrodos (Ag/AgCl) circulares descartáveis (MEDITACE, USA), aparelhos de barbear descartáveis, álcool e algodão. Os procedimentos de preparação da pele e colocação dos eletrodos seguiram as recomendações propostas pelo SENIAM (Surface EMG for a Non-Invasive Assessment of Muscles) (HERMENS et al., 2000). O sinal EMG foi obtido com um ganho total de 2000x, modo de rejeição comum de 120 dB, taxa de amostragem de 2000 Hz e filtro passa banda de 20-500 Hz para o experimento 1 e 3-500 Hz para o experimento 2. Tendo em vista as diferenças metodológicas dos dois experimentos conduzidos para a construção desta tese, segue abaixo a explanação em separado dos materiais e procedimentos de cada um destes. 3.1. Experimento 1: Conteúdo das bandas sub-100Hz durante tarefa dinâmica até a falha na tarefa. Este experimento foi desenvolvido para investigar a amplitude e o conteúdo das bandas sub-100Hz do sinal EMG dos músculos soleus, gastrocnêmio medial, gastrocnêmio lateral, fibular longo e tibial anterior (Figura 6) durante as fases de elevação e descida do movimento de elevação do calcanhar (plantiflexão) realizado até a exaustão muscular. 45 Figura 6. Ilustração dos Músculos gastrocnêmio medial (GM), gastrocnêmio lateral (GL), soleus (SOL), fibular longo (FL) e tibial anterior (TA). Os músculos são visualizados em vista anterior (A), lateral (B) e posterior (C e D). Fonte: Netter (2011). Para realização deste experimento foram utilizados um footswitch (EMG System, Brasil) acoplado ao eletromiógrafo, um aparato de teste de fadiga dos plantiflexores desenvolvido por Haber et al. (2004) (Figura 7) e um metrônomo. Figura 7. Aparato desenvolvido por Haber et al. (2004) para padronizar o movimento de flexão plantar. (A) Posição inicial do teste; (B) Elevação do calcanhar (movimento de flexão plantar). O aparato desenvolvido por Haber et al. (2004) consiste de um bastão ajustável fixado a duas colunas acopladas a uma plataforma e uma barra ajustável fixada na porção anterior da plataforma. O bastão e a barra são ajustados às características antropométricas de cada voluntário antes do início do teste visando 46 limitar o movimento de elevação do calcanhar a uma altura de 5 cm da seguinte forma: Primeiramente o voluntario é convidado a posicionar seu pé descalço no aparato encostando a ponta do hálux na barra ajustável, em seguida é orientado a realizar uma flexão plantar até que o dorso do pé encoste no bastão, a barra e o bastão são então ajustados até que o osso navicular toque o bastão ao final do movimento de flexão plantar, permitindo assim que a elevação do calcanhar fique restrita a 5 cm de altura. O metrônomo é um equipamento emissor de sinal sonoro a intervalos previamente estipulados e foi usado para controlar a cadência do movimento. O footswitch é um sensor de contato que emite sinais elétricos quando estimulado (i.e., quando recebe contato) e foi posicionado sob o calcanhar dos voluntários visando facilitar a identificação das fases de elevação e descida do calcanhar, assim como a concordância entre o intervalo de tempo demandado nestas fases do movimento e a cadência ditada pelo metrônomo. Amostra Vinte e dois voluntários adultos (14 homens e 8 mulheres [idade: 21 ± 1 anos; estatura 171 ± 2 cm; massa corporal total 65 ± 2 kg (média ± erro padrão)]) participaram do experimento. Todos foram submetidos a uma anamnese onde eram questionados a respeito do histórico de comprometimentos neurológicos e/ou ortopédicos envolvendo os membros inferiores, em seguida eram solicitados a realizar o movimento de elevação do calcanhar para avaliação de limitações de movimento ou presença de dor ao realizar o mesmo. Após a avaliação inicial todos foram classificados como saudáveis e livres de comprometimentos neurológicos e/ou ortopédicos que impedissem a realização do movimento de elevação do calcanhar (flexão plantar). Os procedimentos foram aprovados pelo comitê de ética em pesquisa da Universidade Iguaçu (UNIG) (Anexo A) e todos os voluntários foram esclarecidos sobre o estudo e em seguida assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido (Anexo B). 47 Procedimentos Eletrodos de superfície foram posicionados sobre o ventre dos músculos soleus, gastrocnêmio medial, gastrocnêmio lateral, fibular longo e tibial anterior seguindo as recomendações propostas pelo SENIAM (Surface EMG for a Non-Invasive Assessment of Muscles) (HERMENS et al., 2000). Em seguida os voluntários posicionavam o pé (membro dominante conforme informado pelo voluntário) no aparato e eram orientados a realizar o máximo possível de movimentos de elevação do calcanhar (flexão plantar) e descida do calcanhar (flexão dorsal). A cadência de execução das duas fases do movimento proposto (elevação e descida do calcanhar) foi controlada por um metrônomo ajustado a 46 bits/minuto (i.e., um bit a cada 1,3 s) conforme proposto por Haber et al. (2004). Durante a tarefa os sujeitos mantinham o membro inferior dominante em extensão de quadril e joelho, enquanto o membro inferior contralateral era mantido em extensão do quadril e flexão de joelho a 90º, sendo permitido aos voluntários apoiar o braço contra uma parede para manter o equilíbrio. Durante toda a tarefa um pesquisador assistente observava se o voluntário estava usando o apoio para outros fins que não a manutenção do equilíbrio. A tarefa foi executada sem carga adicional à própria massa corporal total do voluntário. A escolha do movimento de flexão plantar se deu porque este movimento é comumente usado em testes clínicos para avaliar o músculo tríceps sural (SVANTESSON et al., 1998a) e pela existência de um aparato e um protocolo com confiabilidade previamente testada (HABER et al. 2004). Foram considerados critérios para o término da tarefa (i.e., falha na tarefa ou exaustão): (1) a incapacidade de manter a cadência por 3 (três) movimentos consecutivos; (2) a incapacidade de tocar o bastão com o osso navicular em 3 (três) movimentos consecutivos. Para viabilizar a identificação posterior do momento da falha na tarefa e das fases de elevação e descida do movimento (concêntrico e excêntrico) um footswitch (EMG System, Brasil) foi posicionado no ponto de contato do calcanhar sobre a plataforma para posterior conferência do número total de repetições e da cadência de execução. O footswitch foi conectado ao eletromiógrafo e seu sinal coletado de forma sincronizada com o sinal EMG. 48 Um avaliador acompanhou toda a execução do exercício, orientando os voluntários a respeito da velocidade e da forma de execução, além de dar encorajamento verbal aos voluntários. Para análise do sinal EMG os 3 (três) primeiros ciclos de elevação e descida do calcanhar foram excluídas pois os voluntários ainda estavam se adaptando à cadência imposta pelo metrônomo. Da mesma forma, os 3 (três) últimos ciclos foram excluídos pois se tratavam dos ciclos considerados para fins de término da tarefa, conforme descrito anteriormente. Os ciclos considerados para análise foram divididos em 4 (quatro) momentos: (1) início (i.e., os 3 ciclos seguintes aos primeiros 3 ciclos excluídos), (2) meio, (3) pré-falha na tarefa (i.e., os 3 ciclos precedentes aos últimos 3 ciclos considerados para análise) e (4) falha na tarefa (i.e., os 3 ciclos precedentes aos últimos 3 ciclos excluídos). Foram selecionados 3 (três) ciclos de cada momento da tarefa para análise do sinal EMG, sendo analisado de forma separada as fases de elevação e descida do calcanhar. Na análise foi considerado 1 (um) segundo de cada fase do ciclo do movimento (i.e., fase de elevação e fase de decida do calcanhar) e os resultados foram apresentados como a média das 3 (três) contrações consecutivas para cada fase do movimento. A figura 8 mostra um exemplo de sinal EMG bruto de cada músculo coletado nos momentos de início e pré-falha na tarefa. 49 Figura 8. Sinal EMG bruto dos músculos gastrocnêmio medial (A), gastrocnêmio lateral (B), soleus (C), fibular longo (D) e tibial anterior (E) durante 3 ciclos de movimento de elevação e descida do calcanhar no início (coluna da esquerda) e na pré-falha na tarefa (coluna da direita). As marcas no segundo ciclo de movimento indicam 1 (um) segundo referente à fase de elevação do calcanhar e 1 segundo de descida do calcanhar. O coeficiente de variação entre sujeitos e entre momentos da tarefa (inicio, meio, pré-falha e falha na tarefa) para o tempo demandado na execução de cada fase do movimento (elevação e descida do calcanhar) foi de 10 e 15%, respectivamente. A média de tempo demandado para cada movimento completo (i.e., elevação e descida do calcanhar) foi de 2,6 segundos devido à cadência imposta pelo metrônomo. Desta forma, há segurança para afirmarmos que o 50 primeiro segundo de cada ciclo representam a fase de elevação e o último segundo a fase de descida do calcanhar. O sinal EMG coletado foi analisado no domínio do tempo para estimar a amplitude do sinal EMG, através da obtenção da root mean square (rms), e no domínio da frequência, através da aplicação da transformada de Wavelet (Morlet wavelet transform), a qual será descrita a seguir. Ambas as análises foram conduzidas separadamente nas fases de elevação e descida do calcanhar dos 3 (três) movimentos consecutivos nos momentos de início, meio, pré-falha e no momento da falha na tarefa. Análise no domínio da frequência (Morlet wavelet transform) e quantificação das bandas de frequência do sinal EMG Morlet wavelet representa uma série de funções com pequenas ondas criadas por dilatações e traduções de uma função simples (Equação 1), a qual é chamada Morlet mother wavelet (ADDISON, 2002). − 1 4 Ψ0 (t ) = π e iw0η e −η 2 2 Equação 1 Onde η é o tempo dimensional e w0 a freqüência adimensional (neste estudo nós usaremos w0 = 6, como sugerido por Grinsted, Moore e Jevrejeva (2004). A importância da transformada de wavelet para a análise do sinal EMG obtido durante tarefas dinâmicas é que esta determina as características de amplitude e freqüência do sinal e ainda como esta amplitude varia com o tempo. A transformada de wavelet aplica uma função wavelet como filtro passa-banda a uma série temporal, como apresentado na equação 2. CWT x ( s,τ ) = ∫ x (t )Ψs*,τ (t ) dt Equação 2 Onde s representa o parâmetro de dilatação (escala mutável), τ representa o parâmetro de localização (tempo mutável) e a função básica Ψs ,τ (t ) é obtida dilatando e traduzindo a mother wavelet Ψ0(t) (ADDISON, 2002). Para w0= 6 a 51 escala Morlet wavelet é quase igual ao período Fourier (Período Fourier = 1.03 s). a partir da transformada de wavelet foi calculada a transformada “cross-wavelet” (equação 3), conforme descrito por Neto, Baweja e Christou (2010). W ( s ,τ ) XY = W ( s ,τ ) X W ( s ,τ )Y * Equação 3 Onde W ( s,τ ) XY é a transformada cross-wavelet dos sinais X (t ) e Y (t ) , W ( s,τ ) X é a transformada de wavelet do sinal X (t ) e W ( s,τ ) Y* representa a conjugação complexa da transformada de wavelet do sinal Y (t ) . O espectro de potência crosswavelet (XWPS – cross-wavelet Power spectrum) é definido como o módulo da transformada cross-wavelet (Equação 4). XWPS ( s,τ ) XY = W XY ( s,τ ) Equação 4 O espectro de potência cross-wavelet normalizado (NXWPS – Normalized cross-wavelet scale-averaged power spectrum) é definido por Neto, Baweja e Christou (2010) como o módulo da transformada cross-wavelet normalizado pela média do espectro de potência cross-wavelet sobre todas as escalas (Equação 5). NXWPS ( s,τ ) XY = W XY ( s,τ ) / s W XY ( s,τ ) ∑s ∑t s /n × 100(%) Equação 5 Onde n representa o número de amostras nos sinais X (t ) e Y (t ) . O espectro de potência cross-wavelet normalizado permite identificar a importância relativa de cada freqüência do espectro de potência wavelet, considerando a importância relativa das freqüências distribuídas do espectro de dois sinais em diferentes freqüências através do tempo. Desta forma, o espectro de potência cross-wavelet normalizado pode ser uado para comparar a força através do tempo de oscilações comuns do mesmo par de sinal EMG e entre diferentes pares de sinais EMG (NETO; BAWEJA; CHRISTOU, 2010). 52 O uso do espectro de potência cross-wavelet normalizado ao invés do método coherence é defendido por Neto, Baweja e Christou (2010) uma vez que o primeiro provê importantes informações sobre a amplitude relativa de frequências comuns do sinal EMG, o que não é obtido com o método coherence (coerência), conforme apresentado na seção de revisão da literatura (Figuras 4 e 5). A transformada de wavelet foi calculada usando uma função base desenvolvida por Torrence e Compo http://paos.colorado.edu/research/wavelets) (1998) para (disponível Matlab. Um em algoritmo URL: foi desenvolvido em Matlab 7.0.1 (MathWorks Inc.) para calcular as transformadas de cross-wavelet e mensurar a importância relativa das diferentes bandas de frequência do sinal EMG. O sinal EMG bruto e não o retificado foi usado para prover maior confiabilidade a respeito das oscilações do sinal EMG (NETO; CHRISTOU, 2010), visto que estudos recentes têm mostrado a redução da coerência do sinal EMG e inconsistências nas bandas de frequência ao enfatizar baixas frequências (NETO; CHRISTOU, 2010; STEGEMAN et al., 2010). A figura 9 apresenta um exemplo de espectro de potência wavelet normalizado do músculo gastrocnêmio lateral nas fases de elevação e descida do calcanhar nos momentos de início e pré-falha na tarefa (calculado a partir dos dados da segunda coluna da figura 8). 53 Figura 9. Exemplo de espectro de potência wavelet normalizado do músculo gastrocnêmio lateral nas fases de elevação (linha superior) e descida (linha inferior) do calcanhar nos momentos de início (coluna esquerda) e pré-falha (coluna direita) na tarefa. As bandas de frequência de interesse neste estudo foram as bandas abaixo de 100 Hz devido às evidências de relação com a modulação cortical sobre o sinal EMG estar relacionada a estas frequências (BROWN, 2000), conforme exposto anteriormente. Desta forma, será determinada a importância das bandas 13-30 (Beta drive); 30-50 (low-gamma drive); 50-100 Hz (high-gamma drive). Procedimentos Estatísticos do Experimento 1 Os dados foram submetidos ao teste de normalidade D’Agostino por ser adequado para amostras pequenas (número amostral igual ou superior a 10), sendo obtido que os dados apresentavam distribuição normal (i.e., gaussiana). Foi utilizado o teste ANOVA three-way com medidas repetidas (2 fases x 5 músculos x 4 momentos) para comparar a amplitude do sinal EMG e ANOVA fourway (2 fases x 5 músculos x 4 momentos x 3 bandas de frequência) com medidas repetidas para comparar a potência normalizada das bandas 13-30, 30-50 e 50-100 Hz. Os resultados significativos no teste ANOVA foram seguidos de teste post hoc 54 com correções de Bonferroni. Foram considerados significativos os resultados com valor de P < 0,05. Os resultados da análise do sinal EMG de todos os músculos estudados são apresentados em tabelas. Para simplificar a apresentação dos resultados alguns gráficos são apresentados como a média dos 3 músculos agonistas (sóleus, gastrocnêmios medial e lateral). Todos os resultados são apresentados em média±erro padrão. O teste de normalidade foi realizado no software Bioestat (Brasil) e os demais procedimentos estatísticos foram realizados utilizando o software SPSS v.17.0 (SPSS Inc., Chicago, IL). 3.2. Experimento 2: Conteúdo das bandas sub-100 Hz durante tarefa isométrica submáxima com feedback visual utilizando os membros dominante e não dominante. Este experimento foi desenvolvido para investigar o desempenho e as estratégias sensoriomotoras dos membros dominante e não dominante de destros e canhotos durante uma tarefa isométrica submáxima de preensão manual com feedback visual. A análise do conteúdo das frequências sub-100 Hz foi utilizada como meio de investigação das estratégias sensoriomotoras empregadas durante a tarefa. Para realização deste experimento foram utilizados um transdutor de força (EMG System, Brasil) acoplado ao eletromiógrafo, um aparato para avaliação da força de preensão manual onde o transdutor de força é acoplado (Figura 10), um projetor (datashow). 55 Figura 10. Aparato para coleta da força de preensão manual. Fonte: Pereira et al. 2011a. Amostra Vinte e quatro voluntários adultos, doze destros (9 homens e 3 mulheres [idade: 23 ± 3 anos) e doze canhotos (4 homens e 8 mulheres [idade: 24 ± 3 anos) participaram do experimento. Todos foram classificados como saudáveis e livres de comprometimentos neurológicos e/ou ortopédicos que impedissem a realização da tarefa. Os voluntários foram classificados como destros ou canhotos de acordo com a escala do quociente de lateralidade (QL) proposta por Oldfield (1971) (Destros: QL = 86.7 ± 2.8; Canhotos: QL = -77.1 ± 4.0). Todos apresentavam visão normal ou devidamente corrigida por lentes. Os procedimentos foram aprovados pelo comitê de ética em pesquisa da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) (Anexo C) e todos os voluntários foram esclarecidos sobre o estudo e em seguida assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido (Anexo D). Procedimentos Eletrodos de superfície foram posicionados sobre o ventre dos músculos flexor superficial dos dedos e extensor dos dedos direito e esquerdo (Figura 11), seguindo as recomendações propostas por Basmajian (1989) e Hoozemans e van Dieën (2005). 56 Figura 11. Ilustração dos músculos flexor superficial (FSD) dos dedos e extensor dos dedos (ED). Os músculos são visualizados em vista anterior (A) e posterior (B). Fonte: Netter (2011). Os eletrodos de superfície coletam a atividade elétrica principalmente dos músculos abaixo deste, mas também são capazes de detectar a atividade de músculos próximos. Desta forma, os eletrodos localizados sobre o músculo flexor superficial dos dedos capta também a atividade de músculos sinergistas na tarefa de flexão do punho e dedos, enquanto os eletrodos sobre o músculo extensor dos dedos capta a atividade de músculos sinergistas na tarefa de extensão do punho e dedos. Por esta razão e pelo fato de os músculos flexores e extensores do punho e dedos poderem ser considerados unidades funcionais que atuam de forma recíproca nas tarefas que envolvem a produção de torque na articulação do punho e dos dedos, nós designamos o sinal EMG coletado pelos eletrodos sobre o músculo flexor superficial dos dedos como originados dos “músculos flexores” e o sinal EMG do músculo extensor dos dedos como originados dos “músculos extensores” conforme proposto por Bertolasi et al. (1998). Após a colocação dos eletrodos os voluntários permaneciam em posição ortostática em frente ao aparato de preensão manual (Figura 12), então eram instruídos a flexionar o cotovelo membro a ser testado (i.e., direito ou esquerdo) a 900 e o antebraço em posição neutra enquanto mantinha o membro superior 57 contralateral relaxado ao longo do corpo e realizavam as tarefas isométricas descritas a seguir. Figura 12. Ilustração do procedimento experimental. (A) posicionamento dos voluntários em relação ao aparato com o transdutor de força. (B) posicionamento do voluntário em relação ao valor da força projetado em tela. Foram realizados dois testes de força isométrica voluntária máxima com duração de 3 segundos para cada membro, sendo adotado um intervalo de ~1 minuto entre estes. O melhor desempenho entre as duas tentativas de cada membro foi selecionado para calcular 30 e 50% da força máxima, utilizados como força alvo nas tarefas isométricas submáximas. Em seguida os voluntários foram instruídos a atingir a força alvo de 30 ou 50% da força máxima em 3-4 segundos e então manter de forma mais precisa possível a força alvo por 10 segundos. A ordem de execução da tarefa isométrica máxima com os membros dominante e não dominante foi aleatória, sendo que, a ordem de execução das tarefas isométricas submáximas a 30 e 50% do máximo também foi aleatória para os membros (i.e., dominante e não dominante) e as intensidades (i.e., 30 ou 50% do máximo). Para as tarefas isométricas submáximas foi adotado um intervalo de 2 minutos entre os membros e intensidades. Durante toda a tarefa os voluntários receberam feedback visual pela visualização do valor da força exercida durante a tarefa através de projeção em tela de 60 polegadas a uma distância de ~ 2,5 metros e a altura dos olhos. 58 Análise dos dados do sinal do transdutor de força durante a tarefa isométrica submáxima O sinal gerado pelo transdutor de força é um sinal contínuo que é registrado e armazenado como um sinal discreto no tempo após processo de conversão analógico/digital. Por essa razão este sinal guarda similaridade com o sinal EMG, podendo ser analisado tanto no domínio do tempo como no domínio da frequência, assim como o sinal EMG. A análise no domínio do tempo envolve a identificação da variabilidade do sinal (desvio padrão e coeficiente de variação em relação à média da força) e viabiliza uma avaliação do desempenho na tarefa, enquanto a análise no domínio da frequência viabiliza a identificação de estratégias sensoriomotoras empregadas pelo sistema nervoso central para a execução da tarefa dentro do objetivo proposto (i.e., manutenção da força no valor alvo). Conforme explanado na seção de revisão da literatura, oscilações rítmicas do sinal da força (i.e., originados pelo transdutor de força) na faixa de 1-4 Hz está relacionado ao uso do feedback visual (VAILLANCOURT; LARSSON; NEWELL, 2002; VAILLANCOURT; NEWELL, 2003; CHRISTOU, 2005). Análise no domínio do tempo A variabilidade da força, mensurada através do desvio padrão e do coeficiente de variação do sinal do transdutor de força, foi usado para investigar o desempenho dos membros dominante e não dominante nas tarefas isométricas submáximas (i.e., 30 e 50% do máximo). O sinal do transdutor de força foi pré-processado através da aplicação de um filtro passa-banda de 0,05 a 10Hz (Butterworth, 4ª ordem) e uma rotina de “detrend”. Em seguida, o desvio padrão (DV da força) e o coeficiente de variação (CV da força = DV da força/média da força) x 100) do sinal foi quantificado. Análise no domínio da frequência 59 Os dados do transdutor de força foram analisados no domínio da frequência através da aplicação da transformada de wavelet (Morlet wavelet transform) nos mesmos parâmetros descritos no experimento 1. A partir do espectro wavelet normalizado dos dados do transdutor de força foram quantificadas as potências normalizadas de 4 diferentes bandas de frequência (0-1, 1-3, 3-7, 7-10Hz). Estas bandas de frequência foram escolhidas por serem descritas como relacionadas aos diferentes mecanismos de controle da força (VAILLANCOURT; LARSSON; NEWELL, 2002; VAILLANCOURT; NEWELL, 2003; CHRISTOU, 2005). Análise do sinal EMG durante a tarefa isométrica submáxima O sinal EMG dos músculos flexores e extensores foi submetido à transformada de wavelet para obtenção do espectro cross-wavelet normalizado da mesma forma do experimento 1, no entanto, neste experimento o espectro cross-wavelet normalizado foi obtido através da identificação de oscilações comuns entre diferentes pares de sinais EMG como proposto por Neto, Baweja e Christou (2010), neste caso os pares de eletrodos dos músculos flexores e extensores (Figura 13). Figura 13. Exemplos da atividade EMG dos músculos flexores e extensores do membro dominante coletados durante a tarefa isométrica submáxima e o espectro de potência cross-wavelet normalizado correspondente. A escala de cores representa a importância relativa (0-100%) das oscilações comuns entre os sinais EMG dos flexores e extensores em diferentes frequências. Foi determinada a importância de quatro bandas de frequência abaixo de 100Hz: 5-13Hz (alfa drive), 13-30Hz (Beta drive), 30-60Hz (low-gamma drive), 60- 60 100Hz (high-gamma drive) pois estas bandas tem sido associadas aos comandos corticais descendentes durante tarefas voluntárias (BROWN, 2000). Procedimentos Estatísticos do Experimento 2 Os dados foram submetidos ao teste de normalidade D’Agostino por ser adequado para amostras pequenas (número amostral igual ou superior a 10), sendo obtido que os dados apresentavam distribuição normal (i.e., gaussiana). Foi utilizado o teste ANOVA two-way com medidas repetidas (2 grupos x 2 membros) para comparar força isométrica voluntária máxima dos membros dominante e não dominante de destros e canhotos e ANOVA three-way com medidas repetidas (2 grupos x 2 intensidades x 2 mãos) para comparar a média, o desvio padrão e o coeficiente de variação da força durante as tarefas isométricas a 30 e 50% do máximo com os membros dominante e não dominante. Adicionalmente utilizamos ANOVA four-way com medidas repetidas (2 grupos x 2 intensidade x 2 membros x 4 bandas) para comparar os espectros normalizados da força (0-1, 1-3, 3-7, 7-10Hz) e os espectros de portência cross-wavelet normalizados do sinal EMG (5-13, 13-30, 30-60 e 60-100Hz). Os resultados significativos no teste ANOVA foram seguidos de teste post hoc com correções de Bonferroni. Foram considerados significativos resultados com valor de P < 0,05. Todos os resultados são apresentados em média ± erro padrão. O teste de normalidade foi realizado no software Bioestat (Brasil) e os demais procedimentos estatísticos foram realizados utilizando o software SPSS v.17.0 (SPSS Inc., Chicago, IL). Os resultados são apresentados referenciando o braço direito como dominante para os destros e o esquerdo como não dominante. Para os canhotos a descrição foi exatamente o inverso. 61 4. RESULTADOS 4.1 Experimento 1: Conteúdo das bandas sub-100 Hz durante tarefa dinâmica até a falha na tarefa. A tarefa teve duração média de 194±120 s, durante o qual os voluntários realizaram 73±42 elevações do calcanhar. Amplitude do sinal EMG A tabela 1 apresenta os valores da amplitude do sinal EMG dos músculos soleus (SOL), gastrocnêmio medial (GM), gastrocnêmio lateral (GL), fibular longo (FL) e tibial anterior (TA) nas fases (elevação e descida do calcanhar) e momentos (início, meio, pré-falha e falha na tarefa) estudados. Tabela 1. Média±erro padrão da amplitude do sinal EMG nas fases (elevação e descida do calcanhar) e momentos (início, meio, pré-falha e falha na tarefa) estudados. Amplitude do sinal EMG (µV) Fase de elevação do calcanhar Início Meio Fase de descida do calcanhar pré-falha falha na tarefa Início meio pré-falha falha na tarefa GM 217±22 210±23 262±30 256±30 133±14 135±15 116±10 113±10 GL 156±17 153±17 208±17 206±17 83±11 86±10 93±14 90±11 SOL 245±17 240±17 276±17 277±17 166±15 164±14 160±16 158±16 242±20 234±19 126±30 121±23 132±31 134±24 77±7 73±6 45±3 44±3 FL TA 179±17 181±14 66±8 65±6 57±6 53±5 GM = gastrocnêmio medial; GL = gastrocnêmio lateral; SOL = soleus; FL = fibular longo; TA = tibial anterior. Foi identificado efeito significativo para as fases (F1,21 = 68,45; P < 0,01). Para todos os músculos e momentos a amplitude do sinal EMG foi maior na fase de elevação quando comparado à fase de descida do calcanhar (P < 0,01). Também foram identificados efeitos significativos para os músculos (F4,84 = 31,15; P < 0,01) e momentos (F3,63 = 14,13; P < 0,01). A comparação da amplitude EMG entre todos os músculos mostrou que o músculo tibial anterior apresenta menores valores que os 62 demais músculos ao longo de toda a tarefa (P < 0,01). Não foi identificada diferença entre os músculos que compõe o tríceps sural e o músculo fibular longo (P > 0,2). Houve interação significativa entre fase x músculo x momento para a amplitude EMG (F12, 252 = 6,54; P < 0,01). O teste post hoc mostrou um aumento significativo da amplitude EMG para todos os músculos ao longo da tarefa na fase de elevação do calcanhar (P < 0,02) como pode ser visto na figura 14. Durante a fase de elevação do calcanhar os músculos tríceps sural (i.e., soleus, gastrocnêmios medial e lateral) e fibular longo tiveram maior atividade EMG nos momento de préfalha e falha na tarefa quando comparado ao início e meio da tarefa (P < 0,01). Já o músculo tibial anterior apresentou maior atividade EMG apenas no momento préfalha na tarefa quando comparado ao meio da tarefa (P < 0,01). Na fase de descida do calcanhar o músculo gastrocnêmio medial apresentou menor atividade EMG no momento pré-falha na tarefa quando comparado ao início e meio da tarefa (P < 0,01), enquanto o músculo tibial anterior apresentou menor atividade nos momentos pré-falha e na falha na tarefa, quando comparado ao meio da tarefa (P < 0,01). Figura 14. Amplitude média do sinal EMG dos músculos tríceps sural (média dos músculos soleus, gastrocnêmios medial e lateral), fibular longo, e tibial anterior nos momentos de início, meio, pré-falha e falha na tarefa, divididos nas fases de elevação (coluna esquerda) e descida (coluna direita) do calcanhar. Somente os músculos que apresentaram mudanças significativas ao longo da tarefa são 63 apresentados. Observar a diferença entre as escalas dos gráficos. (*) Diferente do início da tarefa; (+) Diferente do meio da tarefa; (#) Diferente dos outros músculos para o mesmo momento. Espectro de potência do sinal EMG A tabela 2 apresenta os valores do espectro de potência normalizado do sinal EMG dos músculos soleus (SOL), gastrocnêmio medial (GM), gastrocnêmio lateral (GL), fibular longo (FL) e tibial anterior (TA) nas fases (elevação e descida do calcanhar) e momentos (início, meio, pré-falha e falha na tarefa) estudados. Tabela 2. Média±erro padrão do espectro de potência normalizado do sinal EMG nas fases (elevação e descida do calcanhar) e momentos (início, meio, pré-falha e falha na tarefa) estudados. Espectro de Potência Normalizado 13-30 Hz (%) Fase de elevação do calcanhar Fase de descida do calcanhar Início meio pré-falha falha na tarefa Início Meio pré-falha falha na tarefa GM 20±3 20±2 24±2 25±2 28±2 27±3 28±2 29±3 GL 23±2 23±2 28±3 28±2 25±2 26±2 26±2 27±3 SOL 21±3 22±2 23±2 23±2 26±3 26±2 27±2 27±3 FL 24±3 24±2 22±3 23±3 23±3 24±3 22±3 23±3 TA 33±4 32±4 31±3 32±3 42±4 43±4 47±3 47±2 Espectro de Potência Normalizado 30-50 Hz (%) Fase de elevação do calcanhar Fase de descida do calcanhar Início meio pré-falha falha na tarefa Início Meio pré-falha falha na tarefa GM 38±2 38±2 44±2 43±1 41±2 42±2 43±2 45±2 GL 38±1 40±2 45±1 47±2 41±3 41±3 43±2 45±1 SOL 39±2 39±2 42±2 42±2 42±3 42±3 44±2 44±3 FL 35±2 35±2 32±2 33±2 37±2 38±2 36±2 36±2 TA 48±4 47±4 46±3 46±3 55±3 56±3 57±3 57±3 Espectro de Potência Normalizado 50-100 Hz (%) Fase de elevação do calcanhar Fase de descida do calcanhar Início meio pré-falha falha na tarefa Início Meio pré-falha falha na tarefa GM 37±2 39±2 36±2 35±2 30±4 30±3 29±4 28±4 GL 36±2 37±2 36±2 34±3 31±3 32±2 31±2 30±2 SOL 38±2 40±2 40±1 40±2 32±2 33±2 32±2 30±3 FL 39±3 38±4 40±2 39±3 35±2 35±2 34±3 34±2 TA 35±2 34±2 35±3 35±2 26±3 24±4 25±3 24±4 GM = gastrocnêmio medial; GL = gastrocnêmio lateral; SOL = soleus; FL = fibular longo; TA = tibial anterior. 64 De modo geral observou-se interação significativa entre fase x músculos x momentos x bandas de frequência para o espectro de potência wavelet normalizado (F24, 504 = 4,15; P < 0,01) como pode ser visto na figura 15. As análises post hoc mostraram que, durante a fase de elevação do calcanhar, houve um aumento significativo na amplitude das oscilações nas bandas beta drive (13-30 Hz) e lowgamma drive (30-50 Hz) do sinal EMG do músculo tríceps sural ao longo da tarefa, sendo que, ambos, gastrocnêmio medial e lateral tiveram maiores valores nas bandas beta e low-gamma drive nos momentos pré-falha e na falha na tarefa quando comparados ao início e meio da tarefa (P < 0,01). O músculo gastrocnêmio lateral ainda apresentou oscilações significativamente maiores em 30-50 Hz no meio da tarefa quando comparados ao início da tarefa (P < 0,01). Adicionalmente, o músculo soleus apresentou oscilações significativamente maiores em 30-50 Hz na pré-falha e no momento de falha na tarefa quando comparados ao início e o meio da tarefa (P < 0,05). Durante a fase de descida do calcanhar o espectro de potência normalizado da banda beta (13-30 Hz) apresentou comportamento diferente da fase de elevação do calcanhar, sendo observado um aumento significativo nas oscilações em 13-30 Hz no momento de falha na tarefa quando comparado ao início e meio da tarefa apenas para o músculo tibial anterior (P < 0,01). Já as oscilações em 30-50 Hz na fase de descida do calcanhar tiveram comportamento similar ao observado na fase de elevação do calcanhar. O músculo gastrocnêmio medial apresentou maiores oscilações 30-50 Hz nos momentos pré-falha e no momento da falha na tarefa quando comparados ao início e meio da tarefa (P < 0,01), enquanto o músculo gastrocnêmio lateral apresentou diferença significativa quando comparados os momentos de falha na tarefa com o início e meio da tarefa (P < 0,01). Não foram observadas mudanças significativas na banda 50-100 Hz ao longo da tarefa para nenhum dos músculos estudados (P > 0,3). A comparação entre músculos nas bandas 13-30 e 30-50 Hz mostrou valores significativamente maiores para o músculo tibial anterior quando comparado aos demais músculos (P < 0,02), com exceção à banda 30-50 Hz do músculo tríceps sural que apresentou valores similares ao tibial anterior nos momentos pre-falha e falha na tarefa durante a fase de elevação do calcanhar (P > 0,17). O espectro de potência normalizado da banda 13-30 Hz do músculo tríceps sural foi significativamente maior que do músculo fibular longo nos momentos pre-falha e 65 falha na tarefa durante a fase de elevação do calcanhar (P < 0,01). Finalmente, O espectro de potência normalizado da banda 30-50 Hz do músculo tríceps sural foi significativamente maior que do músculo fibular longo nos momentos pre-falha e falha na tarefa durante as fases de elevação e descida do calcanhar (P < 0,01). Figura 15. Espectro de potência normalizado das bandas 13-30Hz (linha superior) e 30-50Hz (linha inferior) obtidas dos músculos tríceps sural (média dos músculos soleus, gastrocnêmios medial e lateral), fibular longo e tibial anterior durante as fases de elevação do calcanhar (coluna esquerda) e descida do calcanhar (coluna direita). Observar a diferença entre as escalas dos gráficos. (*) Diferente do início da tarefa; (+) Diferente do meio da tarefa; (#) Diferente dos outros músculos para o mesmo momento; (^) Diferente do músculo tibial anterior; (@) Diferente do músculo fibular longo. 66 4.2. Experimento 2: Conteúdo das bandas sub-100 Hz durante tarefa isométrica submáxima com feedback visual utilizando os membros dominante e não dominante. A força isométrica voluntária máxima dos membros dominante e não dominante, a média, o desvio padrão e o coeficiente de variação da força durante as tarefas isométricas submáximas (i.e., 30 e 50% do máximo) são apresentados na tabela 3. A comparação da força máxima entre os membros dominante e não dominante de destros e canhotos não mostrou diferença ou interação significativa (P > 0,05). Da mesma forma, não foram observadas diferenças ou interações significativas entre os grupos (i.e., destros x canhotos), membros (i.e., dominante x não dominante) e intensidades (i.e., 30% x 50% do máximo) para o coeficiente de variação da força. Como esperado, houve diferença significativa na média da força (F1,22 = 176,26; P < 0,0001; 50%: 14,6 ± 1,0 N; 30% 7,0 ± 0,5 N) e no desvio padrão (F1,22 = 6,17, P = 0,021; 50%: 0.25 ± 0,04 N; 30% 0,13 ± 0,04 N) da força durante a tarefa submáxima entre as intensidades, sendo os maiores valores observados na tarefa a 50% do máximo. Tabela 3. Média±erro padrão da força isométrica voluntária máxima (FIVM), média, desvio padrão (DV) e coeficiente de variação (CV) da força durante as tarefas isométricas a 30 e 50% do máximo dos membros dominante (DOM) e não dominante (NDOM) dos destros e canhotos estudados. DESTROS CANHOTOS DOM NDOM DOM NDOM FIVM (N) 330±29 319±29 255±28 259±26 Média da força (N) a 30% 100±9 94±8 80±7 78±7 DV da força (N) a 30% 1.20±0.37 2.23±1.46 1.43±0.28 1.71±0.45 CV da força (%) a 30% 1.21±0.33 2.37±1.51 1.72±0.30 2.06±0.45 Média da força (N) a 50% 166±15 159±15 127±13 131±13 DV da força (N) a 50% 2.67±0.74 2.38±0.55 2.60±0.37 2.15±0.57 CV da força (%) a 50% 1.46±0.34 1.60±0.41 2.07±0.30 1.73±0.49 67 Espectro de potência da força A análise estatística do espectro de potência normalizado da força mostrou interação significativa entre os grupos (destros x canhotos) x bandas de frequência (F3,66 = 2,636; P = 0,05) como pode ser visto na figura 16. A análise post hoc identificou que os canhotos apresentam maior oscilação na banda 1-3 Hz quando comparados aos destros (P = 0,02; Figura 16). Figura 16. Espectro de potência normalizada da força dos membros dominante e não domiante de destros e canhotos a 30% (A) e 50% (B) do máximo. (C) Interação grupo (destros x canhotos) x bandas de frequência. (*) Diferença significativa P < 0,05. 68 Espectro de potência do sinal EMG O espectro de potência cross-wavelet normalizado do sinal EMG dos músculos flexores e extensores mostrou interação significativa entre grupo e bandas de frequência (F3,66 = 8,61; P < 0,001) (Figura 17). A análise post hoc indicou que os destros apresentaram maiores oscilações na banda 30-60Hz (low-gamma drive) quando comparado aos canhotos (P = 0,008; Figura 17). Figura 17. Espectro de potência cross-wavelet normalizado dos músculos flexores e extensores dos membros dominante e não dominante de destros e canhotos obtidos durante a tarefa a 30% (A) e a 50% (B) do máximo. (C) Interação grupo (destros x canhotos) x bandas de frequência. (*) Diferença significativa P < 0,05. 69 5. DISCUSSÃO Devido às diferenças metodológicas dos experimentos 1 e 2, os resultados destes experimentos também serão discutidos separadamente nesta seção. 5.1. Experimento 1: Conteúdo das bandas sub-100 Hz durante tarefa dinâmica até a falha na tarefa. O objetivo deste experimento foi de investigar a amplitude e o conteúdo das bandas sub-100Hz do sinal EMG dos músculos soleus, gastrocnêmio medial, gastrocnêmio lateral, fibular longo e tibial anterior durante as fases de elevação e descida do movimento de elevação do calcanhar (plantiflexão) realizado até a exaustão muscular (i.e., falha na tarefa). Nossos principais resultados neste experimento mostraram que: (1) as mudanças observadas na amplitude e no conteúdo de frequências do sinal EMG ao longo da tarefa foram diferentes para as fases de elevação e descida do calcanhar; (2) contrações até a falha na tarefa podem induzir diferentes estratégias de ativação entre os músculos envolvidos na tarefa. Nós encontramos maiores valores de amplitude do sinal EMG durante a fase de elevação do calcanhar em comparação à fase de descida do calcanhar (POTVIN 1997; SVANTESSON et al. 1998a; SVANTESSON et al., 1998b; CHRISTOU; SHINOHARA; ENOKA, 2003). As razões para esta maior ativação neuromuscular durante a fase de elevação do calcanhar podem ser uma maior taxa de disparo das unidades motoras e/ou um aumento no recrutamento das unidades motoras, as quais são necessárias nesta tarefa para gerar força contra a ação da gravidade (SØGAARD et al., 1996) e compensar as diferenças regionais na curva forçavelocidade (PASQUET; CARPENTIER; DUCHATEAU, 2006). A maior amplitude do sinal EMG do músculo tríceps sural (i.e., GM, GL e SOL em conjunto) na elevação do calcanhar pode ser justificada por estes serem agonistas no movimento citado. Pasquet, Carpentier e Duchateau (2006) mostraram que a taxa de disparo das unidades motoras aumenta progressivamente até o final do movimento quando um músculo atua como agonista do movimento, visando compensar a perda da capacidade de gerar tensão das fibras musculares à medida que esta se encurta. 70 O argumento apresentado pode ser aplicado para justificar a maior amplitude do sinal EMG do músculo fibular longo nos momentos finais da tarefa, já que este atua como sinergista no movimento de elevação do calcanhar. No entanto, o aumento da amplitude do sinal do músculo fibular longo pode ter sido favorecido por cross-talk com os demais músculos, devido à sua localização lateral (i.e., entre o músculo gastrocnêmio lateral e o músculo tibial anterior), ou ainda devido ao aumento da instabilidade articular proporcionada pela fadiga dos demais músculos que atuam sobre a articulação do tornozelo, havendo então maior necessidade de estabilização lateral desta articulação (i.e., estabilização no movimento de inversão do tornozelo), o que se aplica à tarefa usada por ser esta de natureza dinâmica e não isométrica. A maior amplitude do sinal EMG do músculo tibial anterior na fase de elevação do calcanhar pode ser justificada pela necessidade de controle da velocidade de execução do movimento, já que o referido músculo atua como antagonista ao movimento de flexão plantar, o que é fundamental para a manutenção da cadência do movimento. A fase de descida do calcanhar se caracteriza por um movimento de flexão dorsal da articulação do tornozelo, neste caso, o músculo tibial anterior atua como agonista e sua menor amplitude do sinal EMG nesta fase pode ser justificada no fato de se tratar de um movimento “passivo” na tarefa em questão, já que a ação da gravidade é suficiente para induzir a descida do calcanhar. Desta forma, durante a descida do calcanhar todos os músculos envolvidos na tarefa precisam estar ativos apenas o suficiente para controlar a velocidade de execução da tarefa e proporcionar estabilidade articular. Nossos resultados contradizem hipóteses existentes de que as mudanças observadas na amplitude e no espectro do sinal EMG durante a tarefa seriam similares para as fases de elevação e descida do calcanhar da tarefa (POTVIN, 1997; SVANTESSON et al., 1998a; SVANTESSON et al., 1998b). Durante a fase de elevação do calcanhar foi observado aumento da atividade EMG de todos os músculos ao longo da tarefa, sendo constatada diferença significativa entre os momentos de pré-falha e falha na tarefa quando comparados aos momentos de início e meio da tarefa, enquanto na fase de descida do calcanhar os músculos gastrocnêmio medial e tibial anterior exibiram menor atividade EMG nos momentos de pré-falha e falha na tarefa. Quanto aos dados no domínio da 71 frequência o músculo tríceps sural apresentou maiores oscilações nas bandas 13-30 e 30-50 Hz nos momentos pré-falha e na falha na tarefa quando comparados ao início e meio da tarefa durante a fase de elevação do calcanhar, enquanto na fase descida do calcanhar o músculo tríceps apresentou maiores oscilações em 30-50 Hz e o músculo tibial anterior maiores oscilações na banda 13-30 Hz no momento da falha na tarefa quando comparados ao início e meio da tarefa. Fase de elevação do calcanhar Nesta fase do movimento os músculos que compõe o tríceps sural (gastrocnêmios lateral e medial, além do soleus) atuam como principais agonistas, o músculo fibular longo pode atuar como um sinergista, enquanto o músculo tibial anterior atua como antagonista. O aumento da amplitude do sinal EMG de músculos agonistas até a condição de falha na tarefa tem sido descrita na literatura e atribuída ao aumento do comando descendente aos motoneurônios medulares (HUNTER et al., 2002; HUNTER et al., 2008; MOTTRAM et al., 2006). Interessantemente, nossos resultados mostraram que o aumento da amplitude do sinal EMG não foi a mesma em todas as bandas de frequência, como discutido mais à frente. Foi observado um aumento progressivo da amplitude do sinal EMG do músculo fibular longo, um sinergista nesta fase do movimento. Aumentos na amplitude do sinal EMG de músculos sinergistas tem sido descritos na literatura durante tarefas fatigantes realizadas com contração isométrica (SIRIN; PATLA, 1987; MALUF et al. 2005; KOUZAKI; SHINOHARA, 2006; RUDROFF et al. 2007) e associados a possíveis aumentos (SIRIN; PATLA, 1987; KOUZAKI; SHINOHARA, 2006) ou reduções (RUDROFF et al. 2007) no tempo até a falha na tarefa. Não está claro para nós o que este aumento da atividade EMG do músculo fibular longo causou em nosso protocolo de teste. O aumento da amplitude do sinal EMG do músculo tibial anterior, um antagonista na fase de elevação do calcanhar, no momento de pré-falha na tarefa corrobora resultados de estudos prévios onde observa-se um aumento da atividade EMG de músculos antagonistas durante contrações fatigantes (PSEK; CAFARELLI, 1993; ROTHMULLER; CAFARELLI, 1995; WEIR et al., 1998), mas ao mesmo tempo contradiz os achados de Hassani et al. (2006). O fato de que a atividade EMG do 72 músculo tibial anterior no momento de falha na tarefa não ser estatisticamente superior ao início da tarefa, apesar de existir um aumento suave ao longo da tarefa, sugere que a coativação de músculos agonistas e antagonistas não foi a causa da falha na tarefa testada. Adicionalmente, outros estudos, conduzidos com tarefas isométricas submáximas de força e de posição, também não atribuem a coativação como causa da falha na tarefa, apesar do aumento da atividade dos músculos antagonistas (HUNTER et al., 2008; MALUF et al., 2005). Os resultados da análise no domínio da frequência mostraram aumento das oscilações nas bandas 13-30 e 30-50 Hz, bandas beta e low-gamma respectivamente, no sinal dos músculos gastrocnêmios lateral e medial ao longo da tarefa. No entanto, não foram observadas mudanças na banda 50-100 Hz (banda high-gamma). É possível que as mudanças observadas na banda beta estejam associadas a um aumento na variabilidade dos intervalos entre disparos das unidades motoras (motor unit interspike intervals) devido à fadiga (GARLAND et al., 1994), a sincronização no tempo de disparo dos potenciais de ação (FARMER et al., 1997; MORITZ et al. 2005; CHRISTOU et al., 2007; LOWERY; MYERS; ERIM, 2007), e a mudanças na taxa de disparo (DELUCA, 1997). Desta forma, o aumento do comando descendente na banda beta pode sugerir que a sincronização aumenta nos momentos pré-falha e falha na tarefa (GABRIEL; BASFORD; AN, 2001). Oscilações do sinal EMG na banda low-gamma tem sido amplamente associada a comandos corticais descendentes específicos para o músculo (SALENIUS et al. 1996; BROWN 2000), além de ser sugerido que o adequado processamento sensoriomotor requer eventos cerebrais cíclicos nesta banda de frequência (GALAMBOS; MAKEIG; TALMACHOFF, 1981), o que permite postular que o padrão de disparo muscular na banda low-gamma pode refletir a comunicação entre o córtex sensoriomotor e as unidades motoras (SALENIUS et al. 1996). Sendo assim, o aumento das oscilações na banda low-gamma pré-falha e no momento de falha na tarefa pode ser associada a mudanças no feedback sensorial que ocorrem próximas à falha na tarefa (HUNTER et al., 2008; TAYLOR; GANDEVIA, 2008). Este aumento do feedback sensorial pode ser atribuído à presença de metaborreceptores no tecido muscular, os quais são ativados pelo acúmulo de metabólitos como os íons H+ e de metabólitos musculares ao longo de tarefas fatigantes (FULCO et al., 1996). Estudos futuros deveriam testar esta hipótese 73 manipulando o grau de feedback sensorial através de métodos como anestesia local ou mesmo imersão em gelo. Fase de descida do calcanhar Foi observada uma redução na amplitude do sinal EMG dos músculos gastrocnêmio medial e tibial anterior ao longo da tarefa na fase de descida do calcanhar. A ativação simultânea destes músculos durante a fase de descida do calcanhar é importante para o controle da velocidade do movimento, neste caso a velocidade de descida do corpo, o que é fundamental para a manutenção da cadência da tarefa. Nós postulamos que há uma redução do comando descente para estes músculos visando poupar energia para a manutenção da tarefa, uma vez que, há um aumento da ativação destes músculos na fase de elevação do calcanhar. Durante a fase de descida do calcanhar também foi observado um aumento na potência normalizada da banda beta (13-30 Hz) no sinal EMG do músculo tibial anterior, o que não foi observado na fase de elevação do calcanhar. A razão para este evento não é clara, mas mostra que a contribuição relativa da banda beta em músculos antagonistas é diferente durante as fases concêntricas e excêntricas do movimento. Adicionalmente, durante a fase de descida do calcanhar houve aumento na potência normalizada da banda low-gamma (30-50 Hz) no sinal EMG do músculo tríceps sural durante a tarefa. Na figura 15 é possível notar que o comportamento da banda lowgamma é muito similar nas duas fases do movimento estudado, o que pode corroborar com a teoria de que esta banda está envolvida com o processamento das informações sensoriais e a comunicação entre o córtex sensoriomotor e as unidades motoras (GALAMBOS; MAKEIG; TALMACHOFF, 1981; SALENIUS et al. 1996), que provavelmente são similares entre ambas as fases do movimento. Ativação de músculos agonistas, antagonistas e sinergistas Nós não encontramos diferença significativa no espectro normalizado do músculo tibial anterior (músculo antagonistas na fase de elevação do calcanhar) durante a fase de elevação do calcanhar. No entanto, quando comparados os resultados da 74 potência normalilzada nas bandas beta (13-30 Hz) e low-gamma (30-50 Hz) entre os músculos, nós observamos que, na maior parte da tarefa, o músculo tibial anterior apresentou maiores valores nestas bandas quando comparado aos demais músculos estudados. A razão para estes resultados não é clara, mas é possível que, assim como em tarefas isométricas (LÉVÉNEZ et al., 2005), em tarefas dinâmicas o sistema nervoso central comande de modo diferente os músculos antagonistas em relação aos agonistas e sinergistas. Outro achado interessante foi o fato de os músculos tríceps sural e fibular longo, agonista e sinergista do movimento de elevação do calcanhar, não apresentarem diferença na amplitude do sinal ao longo da tarefa, mas apresentarem diferença na análise espectral. Enquanto estes músculos apresentavam valores iguais de potência normalizada no início da tarefa para as bandas beta e lowgamma, a ativação nestas bandas foi diferente nos momentos pré-falha e no momento da falha na tarefa. Estes resultados mostram que as estratégias neurais de ativação muscular de agonistas e sinergistas diferem ao longo da tarefa e que estas estratégias neurais não podem ser identificadas com a análise do sinal EMG no domínio do tempo. Embora as diferenças encontradas na estrutura de frequência do sinal EMG dos músculos agonistas, antagonistas e sinergistas (a depender da fase do movimento) sejam claros, é importante considerar que outros fatores, que não a ativação das unidades motoras, podem alterar as características do conteúdo de frequência do sinal EMG. Como exemplo pode-se citar que as propriedades espectrais do sinal EMG são fortemente influenciadas pela distância entre as fibras musculares ativas e o ponto de detecção do sinal EMG (i.e., localização dos eletrodos). Neste caso, o recrutamento de fibras musculares adicionais pode contribuir para o aumento de bandas de alta ou de baixa frequência do sinal EMG, dependendo da profundidade em que estas unidade motoras adicionais se encontram (FARINA; FOSCI; MERLETTI, 2002; FARINA, 2006). Ademais, o encurtamento das fibras musculares durante contrações dinâmicas e o efeito da fadiga nas propriedades intrínsecas dos músculos podem causar mudanças na velocidade de condução das fibras musculares e na forma dos potenciais de ação e por consequência da estrutura de frequência do sinal EMG (FARINA; MERLETTI; ENOKA, 2004). No entanto, estas mudanças na velocidade de condução das fibras musculares e na forma dos potenciais de ação irão causar 75 mudanças significativas no espectro do sinal EMG em bandas entre 60 e 150 Hz (FARINA; MERLETTI; ENOKA, 2004). Os resultados referentes à participação das bandas beta (13-30 Hz) e lowgamma (30-50 Hz) no controle motor são promissores e mais estudos são necessários para ampliar o conhecimento sobre a contribuição destas bandas em diferentes tarefas. É importante citar que a ausência no controle da velocidade de execução do movimento, além da ausência de controle de outros movimentos na mesma articulação, como a eversão e inversão do tornozelo, representam limitações do presente estudo, sendo, portanto variáveis a serem estudadas em pesquisas futuras. Também é importante ressaltar que a grande maioria dos estudos envolvendo falha na tarefa utilizam contrações isométricas, havendo, até então, um conhecimento limitado acerca das estratégias neurais de controle motor durante tarefas dinâmicas realizadas até a falha na tarefa. Nossos resultados proveram novas evidências de que o conteúdo de frequências sub-100Hz do sinal EMG contém informações úteis sobre as estratégias de comando neural sobre os músculos que não podem ser observados nas análises no domínio do tempo (i.e., amplitude do sinal). De modo mais pontual, foi mostrado que as bandas sub-100 Hz estão associadas a comandos neurais ao músculo principalmente durante os momentos pré-falha e no momento da falha na tarefa e que o controle muscular nas fases concêntrica e excêntrica de tarefas dinâmicas realizadas até a falha na tarefa é diferente para músculos agonistas, antagonistas e sinergistas nos momentos de pré-falha e no momento de falha na tarefa. Considerando que a análise do conteúdo das bandas de frequência sub-100 Hz foi capaz de prover informações importantes sobre a fisiologia neuromuscular durante a realização de tarefas dinâmicas, e que este tipo de tarefa compreende a maioria das tarefas empregadas no dia-a-dia e em programas de reabilitação, é possível aventar a possibilidade do uso da análise do conteúdo das bandas de frequência sub-100 Hz durante a realização de tarefas motoras na área da reabilitação, visando monitorar as estratégias de controle motor empregadas pelo sistema nervoso durante a realização das mesmas, norteando assim as ações a serem empregadas durante a reabilitação. 76 5.2. Experimento 2: Conteúdo das bandas sub-100Hz durante tarefa isométrica submáxima com feedback visual utilizando os membros dominante e não dominante. Este estudo objetivou investigar o desempenho e as estratégias sensoriomotoras dos membros dominante e não dominante de destros e canhotos durante uma tarefa isométrica submáxima de preensão manual com feedback visual. Para isto comparamos a variabilidade da força, o espectro de potência do sinal da força (i.e., espectro do sinal coletado do transdutor de força) e a ativação neuromuscular dos membros dominante e não-dominante de destros e canhotos durante uma tarefa isométrica submáxima de preensão manual com feedback visual. Sendo assim, este estudo envolve a problemática relacionada à dominância manual e a especialização hemisferial. Como apresentado na seção de revisão da literatura, a abordagem metodológica predominantemente usada para este fim envolve o uso de análises da precisão, a velocidade e o trajeto adotado pelo membro superior ao cumprir tarefas de posicionamento de uma articulação em um ângulo predeterminado ou tarefas de preensão. Diferentemente da abordagem predominante, neste estudo foi utilizada uma abordagem nova para a problemática apresentada e nossos resultados estendem conhecimentos prévios acerca da dominância manual. Os principais achados deste estudo foram: (1) os membros dominante e não-dominante de destros e canhotos apresentaram variabilidade da força similar; (2) a estrutura do espectro de frequência do sinal da força é influenciada pela dominância, com maiores oscilações na banda 1-3 Hz para os canhotos quando comparados aos destros; (3) Indivíduos destros apresentam maior ativação neuromuscular na banda low-gamma (30-60 Hz) quando comparados aos canhotos. Dominância manual e diferenças na variabilidade da força Não foram observadas diferenças no coeficiente de variação da força entre os membros dominantes e não dominantes de destros e canhotos. Apesar do desempenho igual, o espectro de potência revelou maior oscilação na banda 1-3 Hz no sinal da força dos canhotos. 77 Esses resultados podem indicar uma grande ênfase no feedback visual para os destros em relação aos canhotos, já que é reportado na literatura que a remoção do feedback visual durante tarefas isométricas submáximas aumentam a oscilação na banda 1-3 Hz (CHRISTOU, 2005). Esta hipótese é suportada por conhecimentos prévios sobre a especialização do hemisfério esquerdo para o controle visuomotor durante tarefas guiadas pela informação visual (GONZALEZ; GANEL; GOODALE, 2006). Gonzalez, Ganel e Goodale (2006), estudando destros e canhotos juntos, mostrou que o mecanismo de controle visuomotor atribuído ao hemisfério esquerdo exerce um papel fundamental no controle visual de atos motores e que o envolvimento desta especialização do hemisfério esquerdo é independente da dominância manual. Um resultado interessante observado em nosso experimento foi a ausência de diferença estatística no desempenho da tarefa, medido pela variabilidade da força durante as tarefas submáximas, entre os membros dominante e não-dominante de ambos os grupos. É possível que a disponibilização de feedback visual e proprioceptivo (aqui representado pela ativação de mecanorreceptores nos músculos e pele em contato com o transdutor de força) justifique este fato, principalmente se considerado o grande fluxo de informações inter-hemisféricas durante os atos motores (SERRIEN; IVRY; SWINNEN, 2006; BEGLIOMINI et al., 2008). É importante notar que o processo de especialização sensóriomotora dos hemisférios tem sido testado predominantemente com métodos de análise cinemática (i.e., considerando a acurácia para atingir uma posição ou objeto alvo) ou ainda com a análise do uso preferencial de uma das mãos durante tarefas de preensão (CARSON et al., 1993; SAINBURG, 2002; SAINBURG; SCHAEFER, 2004; GOBLE; LEWIS; BROWN, 2006; GONZALEZ; GANEL; GOODALE, 2006; GOBLE; BROWN, 2008). Sendo assim, os achados deste estudo estendem hipóteses previamente postuladas acerca da especialização sensoriomotora dos hemisférios cerebrais usando uma abordagem metodológica diferente. 78 Estrutura do espectro de frequência do sinal EMG Foi observado que os voluntários destros apresentavam maior oscilação na banda 30-60 Hz quando comparados aos canhotos. Esse achado suporta a ideia de que a ativação neural durante uma tarefa guiada por feedback visual muda com a dominância. Vários estudos têm relacionado oscilações na banda 30-60 Hz à demanda de atenção durante as tarefas e à integração sensoriomotora (GRAY, 1994; SINGER; GRAY, 1995; WANG, 2010), principalmente no sistema visual (GRAY, 1994). Gray e McCormick (1996) mostraram que um conjunto de neurônios no córtex estriado e pré-estriado, o córtex visual primário relacionada ao processamento da informação visual, apresentam sincronização na banda low-gamma (considerada no referido estudo como 20-70 Hz) em resposta a estímulos visuais. A oscilação na banda lowgamma originadas no sistema visual pode ecoar nas áreas motoras do cérebro, como reflexo da integração sensoriomotora. Contudo, é importante enfatizar que conclusões acerca dos comandos corticais ao músculo devem ser vistos com cautela quando se utiliza o sinal EMG (KEENAN et al., 2007; KEENAN et al., 2011). Apesar disto, estudos recentes de simulação (JOHNSTON et al. 2010; STEGEMAN et al., 2010; NEGRO; FARINA, 2011a; NEGRO; FARINA, 2011b) sugerem que apesar das limitações na análise do sinal EMG de superfície, uma quantidade significativa de informações do comando cortical descendente pode ser identificadas no sinal EMG de superfície a partir da aplicação de técnicas de análise do conteúdo das bandas do sinal EMG. Adicionalmente, a maior ativação na banda 30-60 Hz no sinal EMG dos destros suportam nossos achados da estrutura do espectro de frequência do sinal da força e a ideia de que os destros exibem maior vantagem no uso do feedback visual durante tarefas visualmente guiadas. Novamente, é interessante notar que o desempenho na tarefa, mensurado pelo coeficiente de variação da força, não mostrou diferença entre os grupos (destros x canhotos) ou ainda entre os membros (dominante x não-dominante), o que pode ser explicado pela disponibilidade de feedback visual e proprioceptivo ao longo da tarefa, o que nos leva a crer que destros e canhotos utilizam, de forma preferencial, modalidades de feedback sensorial diferentes para cumprir uma mesma tarefa. 79 A inclusão de destros e canhotos no estudo foi um importante diferencial já que uma das maiores limitações dos estudos até então desenvolvidos sobre a relação entre dominância manual e especialização hemisferial foi a inclusão de apenas um destes grupos (i.e., destros ou canhotos) na amostra (CARSON et al., 1993; SAINBURG, 2002; SAINBURG; SCHAEFER, 2004; GOBLE; LEWIS; BROWN, 2006; GONZALEZ; GANEL; GOODALE, 2006; GOBLE; BROWN, 2008). Uma limitação deste estudo foi o fato de a disponibilização simultânea de feedback visual e proprioceptivo ser a única condição experimental testada, inviabilizando maiores conclusões acerca da retirada de uma destas modalidade de feedback sensorial. Desta forma, pesquisas futuras devem considerar a retirada de um ou outro feedback sensorial para comparar os resultados aqui obtidos e ampliar ou mesmo refutar nossa hipótese. Os resultados aqui apresentados abrem perspectivas interessantes no campo da reabilitação de afecções de ordem neurológica, visto que, destros podem se beneficiar do uso preferencial de feedback visual para o controle motor. Baseado nisto, a estruturação de programas de reabilitação poderia levar em consideração tal fato visando otimizar o processo de recuperação da função motora. No entanto, deve-se ter cautela com a extrapolação de resultados obtidos com indivíduos saudáveis para indivíduos com comprometimento neurológico. Sendo, portanto recomendado a realização de estudos futuros visando testar a hipótese de que indivíduos destros se beneficiam do uso de tarefas com ênfase no feedback visual em programas de reabilitação motora. Usando uma abordagem metodológica diferente nossos resultados dão suporte a teorias relacionadas à dominância manual e especialização hemisferial ao mostrar que indivíduos destros confiam mais na informação visual quando a tarefa é realizada com feedback visual e proprioceptivo disponíveis, o que pode estar associado à especialização do hemisfério esquerdo para o controle visuomotor. Estudos futuros manipulando o feedback sensorial (i.e., visual e proprioceptivo) devem ser realizados para ampliar o conhecimento acerca da especialização dos hemisférios cerebrais durante tarefas isométricas de precisão. 80 Perspectivas futuras Apesar de necessitarem de mais resultados para consolidar os achados referentes às bandas beta e low-gamma, nossos resultados permitem cogitar o uso deste método de análise para fins práticos na área de ciências do esporte, medicina esportiva e reabilitação. Os resultados do experimento 1 podem nortear pesquisas futuras relacionadas à ação de recursos ergogênicos de ação central, como a cafeína, amplamente utilizados para fins de melhora no desempenho de tarefas conduzidas até a exaustão muscular, visando investigar se tais recursos poderiam influenciar o comando cortical descendente através da identificação das mudanças nas bandas beta e low-gamma. A influência proprioceptiva de recursos como bandagens funcionais e crioterapia também poderiam ser estudadas através da análise das bandas beta e low-gamma. Já os resultados do experimento 2 poderiam nortear pesquisas futuras em atividades esportivas de precisão, como tiro ao alvo e arco e flecha, visando conhecer melhor o tipo de feedback sensorial preferencial de cada atleta (i.e., proprioceptivo ou visual). Tal conhecimento poderia direcionar o uso ou manipulação do feedback sensorial durante o treinamento de atletas destas modalidades esportivas. Adicionalmente, pode-se sugerir a análise do conteúdo das bandas de frequência do sinal EMG durante a realização de gestos esportivos (i.e., chutes, arremessos, saltos, golpes etc) visando a identificação de estratégias neurais empregadas pelo sistema nervoso durante o processo de aprendizagem destes gestos, direcionando assim as orientações e a manipulação dos diferentes tipos de feedback sensorial com o intuito de melhorar o desempenho na tarefa. Da mesma forma, no campo da reabilitação, tanto de atletas quanto de indivíduos com acometimentos do sistema nervoso central, a análise do conteúdo das bandas de frequência do sinal EMG durante a realização de tarefas de reabilitação também poderia nortear as orientações e a manipulação dos diferentes tipos de feedback sensorial com o intuito de melhorar o desempenho na tarefa. 81 6. CONCLUSÕES Os resultados dos dois experimentos permitiram aumentar o corpo de conhecimento acerca do conteúdo das bandas sub-100 Hz do sinal EMG e sua aplicabilidade em estudos de fisiologia neuromuscular, corroborando conhecimentos prévios sobre a influência do comando cortical descendente sobre o espectro do sinal EMG. O experimento 1 permitiu postular que as bandas beta e low-gamma estão diretamente relacionadas ao comando cortical descendente, sendo que, a banda low-gamma reflete ainda informações sobre a integração sensoriomotora. Adicionalmente, foi possível identificar estratégias neuromusculares empregadas por músculos agonistas, antagonista e sinergista ao longo das fases concêntrica e excêntrica do movimento de uma tarefa conduzida até a falha na tarefa. Já o experimento 2, através de informações da banda low-gamma, suportou hipóteses prévias a respeito da especialização do hemisfério cerebral esquerdo no controle visuomotor. Desta forma, a presente tese contribui para a ampliação dos conhecimentos acerca do uso das informações contidas nas bandas de frequência sub-100 Hz do sinal EMG para estudos em fisiologia neuromuscular, abrindo perspectivas futuras para o uso da eletromiografia, um recurso acessível do ponto de vista técnico e financeiro, para fins de pesquisa, diagnóstico e/ou monitoramento do controle exercido pelo sistema nervoso central sobre os músculos. 82 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADDISON, P.S. The illustrated wavelet transform handbook. New York: Taylor and Francis Group, 2002. ALLEN, D.G.; LAMB, G.D.; WESTERBLAD, H. Skeletal Muscle Fatigue: Cellular Mechanisms. Physiol. Rev. 88: 287–332, 2008. BARRY, B.K.; ENOKA, R.M. The neurobiology of muscle fatigue: 15 years later. Integr. Comp. Biol. 47: 465–473, 2007. BASMAJIAN, J.V. Biofeedback: principles and practice for clinicians. Baltimore: Wiliams & Wilkins, 1989, p. 45. BASMAJIAN, J. V.; DE LUCA, C. J. 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Propósito de estudo: verificar se a análise do conteúdo das bandas de frequência sub-100Hz do sinal EMG podem informar estratégias utilizadas pelo sistema nervoso durante um exercício dinâmico. Participação: ao concordar com a participação na pesquisa, você deverá realizar um teste de elevação do calcanhar até a exaustão muscular, associado a um exame de eletromiografia de superfície durante o teste. Riscos: este estudo não trará riscos para sua integridade física, mental ou moral. No entanto, pode haver desconforto muscular (dor suportável) ao término do exercício. Todos os dados obtidos serão utilizados somente para fins científicos com garantia de anonimato. Confidencialidade do Estudo: os registros de sua participação nesse estudo serão mantidos em sigilo. Serão guardados esses registros e somente os pesquisadores responsáveis terão acesso a essas informações. Se alguma publicação resultar deste trabalho, a identificação do participante não será revelada e os resultados serão relatados de forma sumariada preservando o anonimato da pessoa. Benefícios: a importância desta pesquisa reside na perspectiva de compreender melhor as estratégias usadas pelo sistema nervoso durante tarefas dinâmicas realizadas até a exaustão. Desta forma, os resultados deste projeto poderão aumentar o corpo de conhecimento sobre este tema. 93 Dano advindo da pesquisa: se houver algum dano decorrente desse estudo, tratamento será oferecido sem ônus e será providenciado pelos pesquisadores responsáveis. Participação voluntária: toda participação é voluntária, não há penalidades para aqueles que decidam não participar desse estudo. Ninguém será penalizado se decidir desistir de participar do estudo em qualquer época. Podendo retirar-se da participação da pesquisa, sem correr riscos e sem prejuízo pessoal. CONSENTIMENTO PARA PARTICIPAÇÃO Eu__________________________________________________, declaro que estou devidamente informado e esclarecido quanto aos itens acima citados, referentes à pesquisa. Além disso, os pesquisadores responsáveis pela pesquisa me garantiram disponibilizar qualquer esclarecimento adicional que eu venha solicitar durante o curso desta, por isso estou de acordo com a minha participação voluntária no referido estudo. Itaperuna, ___/___/20__ Assinatura COMPROMISSO DO PESQUISADOR Eu, RAFAEL PEREIRA DE PAULA, discuti as questões acima representadas com este participante deste estudo e estou consciente que o mesmo compreendeu todos os itens supracitados. Jequié, ___/___/20__ Assinatura 94 Anexo C Termo de aprovação do projeto pelo CEP (Experimento 2) 95 Anexo D Termo de consentimento livre e esclarecido (Experimento 2) TERMO DE CONSENTMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Resolução nº 196/96 do CNS O presente termo em atendimento à Resolução 196/96, destina-se a esclarecer ao participante da pesquisa intitulada: Comparação da flutuação do torque e da atividade eletromiográfica entre os membros dominante e não dominante de indivíduos saudáveis, sob responsabilidade do Professor Rafael Pereira de Paula, do Departamento de Ciências Biológicas da UESB, os seguintes aspectos: Objetivos: estudar a flutuação de torque e a atividade eletromiográfica dos músculos agonistas e antagonistas dos membros superiores dominante e não-dominante. Propósito de estudo: verificar se o uso preferencial de um membro superior em atividades cotidianas causa adaptações no sistema nervoso. Participação: ao concordar com a participação na pesquisa, você deverá responder um questionário referente à preferência manual na execução de tarefas comuns no dia-a-dia e realizar testes de força manual máxima e submáxima associada a exames de eletromiografia de superfície. Riscos: este estudo não trará riscos para sua integridade física, mental ou moral. Todos os procedimentos são comumente realizados em estudos científicos conduzidos em diversas universidades do mundo. Todos os dados obtidos serão utilizados somente para fins científicos com garantia de anonimato. Confidencialidade do Estudo: os registros de sua participação nesse estudo serão mantidos em sigilo. Serão guardados esses registros e somente os pesquisadores responsáveis terão acesso a essas informações. Se alguma publicação resultar deste trabalho, a identificação do participante não será revelada e os resultados serão relatados de forma sumariada preservando o anonimato da pessoa. Benefícios: a importância desta pesquisa reside na perspectiva de compreender melhor a influência da dominância manual na flutuação do torque e no controle neuromuscular durante contrações isométricas constantes. Desta forma, os resultados deste projeto poderão aumentar o corpo de conhecimento acerca dos aspectos neurofisiológicos envolvidos na habilidade motora induzida pelo uso preferencial de determinado segmento corporal. 96 Dano advindo da pesquisa: se houver algum dano decorrente desse estudo, tratamento será oferecido sem ônus e será providenciado pelos pesquisadores responsáveis. Participação voluntária: toda participação é voluntária, não há penalidades para aqueles que decidam não participar desse estudo. Ninguém será penalizado se decidir desistir de participar do estudo em qualquer época. Podendo retirar-se da participação da pesquisa, sem correr riscos e sem prejuízo pessoal. CONSENTIMENTO PARA PARTICIPAÇÃO Eu__________________________________________________, declaro que estou devidamente informado e esclarecido quanto aos itens acima citados, referentes à pesquisa. Além disso, os pesquisadores responsáveis pela pesquisa me garantiram disponibilizar qualquer esclarecimento adicional que eu venha solicitar durante o curso desta, por isso estou de acordo com a minha participação voluntária no referido estudo. Jequié, ___/___/20__ Assinatura COMPROMISSO DO PESQUISADOR Eu, RAFAEL PEREIRA DE PAULA, discuti as questões acima representadas com este participante deste estudo e estou consciente que o mesmo compreendeu todos os itens supracitados. Jequié, ___/___/20__ Assinatura