C ONCURSO Lisboa, Março de 2011 “ ASTROBIOLOGIA: OUTROS MUNDOS, OUTRAS VIDAS” EM BUSCA DE VIDA PARA ALÉM DA TERRA Trabalho realizado por: Carolina Almeida Duarte, E.S. Rainha D. Leonor Gonçalo Bonifácio Vítor, E.S. D. Pedro V Professora Responsável: Fernanda Maria do Rosário Lisboa, Março de 2011 “Somewhere, something incredible is waiting to be known.” 0 ÍNDICE INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 1 A QUÍMICA DA VIDA ................................................................................................................. 2 O CONCEITO DE ZONA HABITÁVEL .......................................................................................... 3 UM PONTO AZUL CHAMADO TERRA ........................................................................................ 5 VIDA NAS REDONDEZAS .......................................................................................................... 6 QUANDO A BUSCA → ∞ ........................................................................................................... 9 VIDA INTELIGENTE EM SINTONIA ........................................................................................... 12 CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 14 BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................ 14 INTRODUÇÃO A pergunta já atravessou múltiplas gerações, diferentes perspectivas, complexas fronteiras do pensamento humano e parece ainda carecer de resposta conclusiva, mesmo dado o galgar estonteante da escala do conhecimento. Afinal de contas, estaremos sós à deriva num oásis de vida ou simplesmente alheados de uma biodiversidade universal? A procura de vida fora do Planeta Azul tem vindo a ser uma constante materializada, nos últimos tempos, em conclusões de grande reconhecimento científico. A este propósito vem a descoberta de astros promissores no que respeita à habitabilidade, alguns proibitivamente longínquos, outros suficientemente próximos para que se sucedam as explorações directas das suas características. Não sendo a vida um conceito fácil de definir e estando os seus actuais pressupostos básicos confinados unicamente à realidade da Terra, o que se espera desta intensa procura? É necessário, antes de mais, ter a mente aberta a possibilidades perfeitamente inesperadas neste ramo da Astrobiologia. Por outro lado, é fundamental ter ideias assentes sobre os mecanismos bioquímicos e as características físicas que presidem à realidade terrestre, por forma a identificar manifestações análogas noutros corpos celestes, bem como prever alternativas teóricas plausíveis. É imperativo, em suma, saber reconhecer manifestações de cariz biológico e, acima de tudo, saber onde as procurar. Aqui reside o objectivo primordial do presente trabalho: os alvos fora e dentro do Sistema Solar sucedem-se e urge seguir de perto a evolução das descobertas. Um qualquer planeta, hoje desconhecido e errante, pode acolher vida, talvez até macroscópica, facto que tocaria não um só homem, mas a Humanidade inteira. 1 A QUÍMICA DA VIDA “Then I will tell you a great secret. Perhaps the greatest of them all. […] We are starstuff. We are the universe made manifest, trying to figure itself out. And as we have both learned, sometimes the Universe requires a change of perspective" J. Michael Straczynski → O CARBONO E A VIDA A definição de vida não é consensual, pelo que os limites da sua abrangência também o não são. Face a tais indeterminações, a tendência é para uma aproximação à realidade presenciada no Planeta Azul. A grande maioria dos elementos químicos tem origem na nucleossíntese estelar, mas apesar da origem comum, apenas um pequeno grupo se destaca no desenvolvimento da vida como é dada ao Homem a conhecer - são elementos como o Carbono, Azoto, Hidrogénio e Oxigénio e, em menor escala, outros como o Fósforo e o Enxofre, uma vez que fazem parte da constituição da água e/ou dos principais tipos de biomoléculas (ácidos nucleicos - DNA e RNA, lípidos, proteínas e glícidos).3 Do referido grupo é ainda plausível uma distinção, por ser a base de todas formas de vida conhecidas actualmente - o Carbono.7 → BIOQUÍMICAS ALTERNATIVAS É um imperativo, na descoberta de formas de vida noutros corpos celestes que não a Terra, saber o que procurar, tanto a nível dos elementos como mais especificamente de manifestações químicas típicas da vida. Existe um pressuposto defendido por alguns cientistas, o chauvinismo do Carbono, segundo o qual a vida presente em todo o Universo tem de ter como base este elemento.3 Contudo, a Ciência tem demonstrado ser pródiga em surpresas: a descoberta de extremófilos na Terra tem vindo a alargar a compreensão dos limites da vida, dilatando o leque de informações sobre a adaptabilidade e evolução dos organismos. O exemplo mais recente, divulgado pela NASA, foi a evidência de uma bactéria capaz de substituir o Fósforo por Arsénico nos seus processos metabólicos.7 Assim, a ausência de provas que justifiquem ser o Carbono a única base possível para a vida deixa antever as designadas bioquímicas alternativas. Mais que as condições ambientais encontradas noutros astros, tal descoberta representaria o maior dos factores de multiplicidade e diversidade da vida.4 → O CASO DO SILÍCIO Existem algumas propostas neste ramo que poderão vir a afirmar-se como realidade noutros planetas ou luas do Sistema Solar e mais além. Algumas das bioquímicas que têm vindo a ser propostas são a do Boro, do Azoto e Fósforo, do Enxofre e do Silício.1 2 Actualmente, esta última é considerada uma das mais válidas hipóteses, dadas as semelhanças entre os átomos de Silício e Carbono.1 Para além do mesmo número de electrões de valência, possibilitando uma multiplicidade de ligações, sabese que o Silício exerce também funções estruturais 3 relevantes em algumas espécies como Actinomma sp (fig.1).5 Há, contudo, entraves a esta proposta teórica, como a baixa energia associada às ligações Si-Si, o que implica uma maior dificuldade na formação de longas cadeias.1 Fig 1 – Actinomma sp, cuja estrutura esquelética à base de silíca (SiO2) tem alimentado o debate sobre bioquímicas 5 alternativas. Assim, e em suma, os dados não ditam uma total impossibilidade da existência destas bioquímicas alternativas na Terra como noutro qualquer planeta. Ponto assente é que nenhum organismo vivo descoberto tem por base outro elemento químico que o Carbono.3 O CONCEITO DE ZONA HABITÁVEL “„This porridge is too hot!‟(…)„This porridge is to cold‟, she said. So, she tasted the last bowl of porridge: „Ahhh, this porridge is just right‟, she said happily and she ate it all up” R.Southey, in Goldilocks and The Three Bears Também conhecida por zona de Goldilocks, por inspiração de uma história para crianças, a zona habitável de uma estrela diz respeito às regiões privilegiadas para que, num dado corpo celeste que orbite a mesma, seja plausível encontrar condições favoráveis à vida, como água no estado líquido.3 Factores como a estabilidade do sistema planetário, estado de evolução, idade e tipo espectral da estrela, distância do planeta à mesma e respectiva atmosfera e magnetosfera são cruciais no delinear deste conceito.1 O despoletar da vida exige uma conjugação de parâmetros favoráveis traduzidos pela noção de habitabilidade: se um planeta respeita tais condições então, aos olhos da Ciência actualmente, será mais provável a sua actividade a nível biológico.3 A energia é um imperativo da vida, sendo, no caso dos sistemas planetários, maioritariamente fornecida pela estrela central dos mesmos, embora também possa surgir por outros processos, como a desintegração radioactiva.7 Deste modo, urge rever algumas características estelares, nomeadamente: → A massa da estrela, da qual intrinsecamente depende a sua evolução: quanto mais massiva a estrela, maior será a luminosidade e menor o seu tempo de vida. As estrelas tendem a incrementar a sua luminosidade, propiciando o deslocamento da zona habitável. → A temperatura da estrela, parâmetro dependente da taxa de produção energética, via reacções nucleares. Estrelas com menor temperatura têm, logicamente, uma zona habitável mais próxima.1 Através da luminosidade bolométrica de uma dada estrela e sabendo que o fluxo da mesma varia de forma inversa ao quadrado da distância é possível estimar as fronteiras de uma zona habitável.1 É fundamental ter em conta, todavia, que esses limites não são absolutos: como já referido, a luminosidade de uma estrela varia ao longo do tempo, originando um deslocamento da zona habitável. Para que um dado planeta possa albergar vida é necessário, por isso, que se mantenha dentro das fronteiras da habitabilidade durante tempo suficiente para que o processo de evolução biológica ocorra.1 Foi o caso da Terra: no Sistema Solar, a zona habitável sempre incluiu a sua órbita, embora a posição desta se tenha alterado (ver Fig 2 – A Zona Habitável no Sistema Solar actualmente (a sombreado) e à 3 4600 M.a (a ponteado). fig.2), situando-se hoje a uma distância de 130 a 225 milhões de quilómetros do Sol.3 Podem existir, num sistema planetário, outras zonas habitáveis não relacionadas com a estrela central, como é o caso de alguns satélites dos designados planetas gigantes. Para que tal seja possível, é necessário que o satélite seja suficientemente grande, sendo aquecido pelo planeta que orbita pelo processo de aquecimento por maré (tidal heatinga),1que lhe fornece energia.1 O planeta gigante, por seu turno, deve estar a uma distância considerável da estrela que orbita, possuindo um campo magnético 3 suficientemente forte para proteger o satélite de partículas energéticas. É de salientar que tal fenómeno ocorre no Sistema Solar entre Júpiter e as suas luas galileanas, por exemplo. Por outro lado, é plausível alargar a definição de zona habitável além do que acontece nos sistemas planetários: afinal, também dentro de uma galáxia existem zonas preferenciais para o desenvolvimento da vida. Devido ao gradiente de elementos pesados, maior no centro de uma qualquer galáxia, e dada a necessidade dos mesmos para uma evolução biológica análoga à conhecida, um sistema planetário deve estar suficientemente perto do centro galáctico.3 Há, contudo, outros factores a ter em conta: uma localização excessivamente central é sinónima de perturbações causadas pela proximidade de outras estrelas, pelas explosões de supernovas ou mesmo por eventuais buracos negros no seu centro, cuja emissão de radiação energética destruiria as moléculas necessárias à vida.1 a Tidal Heating - consiste no aquecimento por fricção do interior de um satélite natural devido à flexão causada pela força gravitacional do planeta primário e dos eventuais satélites vizinhos. 4 UM PONTO AZUL CHAMADO TERRA “We succeeded in taking that picture [from deep space], and, if you look at it, you see a dot. That's here. That's home. That's us. On it, everyone you ever heard of, every human being who ever lived, lived out their lives.” Carl Sagan O desenvolvimento, num dado planeta, de vida baseada no Carbono exige condições concretas de estabilidade. É expectável, portanto, que as zonas habitáveis e as 3 características físicas planetárias surjam em primeiro plano. Assim, sublinhando as ideias referidas no capítulo anterior, o nível de radiação energética deve ser baixo, garantindo que eventuais moléculas orgânicas não sejam destruídas e, por outro lado, o planeta deve estar posicionado em relação à sua estrela de tal maneira que esteja no seio da zona habitável da mesma durante tempo suficiente para o desenvolvimento da vida.1 Focando as condições próprias do planeta, é necessária também a estabilidade das suas características físicas: a superfície deve ser estável e sólida (a actividade geológica poderá ser um bom indicador), e a inclinação e excentricidade da órbita não excessivamente elevadas. No que respeita à aceleração da gravidade à superfície, esta não deve ser nem muito grande, o que resultaria numa pressão extrema, nem muito baixa, o que revelaria também a incapacidade de reter atmosfera significativa. A estabilidade da órbita é igualmente relevante, devendo esta ser o mais livre possível de outros objectos celestes - no caso de planetas mais pequenos, a presença de gigantes gasosos no mesmo sistema planetário permite desviar a maioria dos asteróides de rota, atraindo-os ou fragmentando-os, fenómeno que ocorre no Sistema Solar.1 Actualmente, o Planeta Azul é o único em que depositamos certezas sobre a existência de vida, pelo que é essencial rever as suas próprias características de estabilidade: • A distância média da Terra ao Sol é 1 UA (insere-se na zona habitável do Sistema Solar), facto que permite a existência de água à superfície nos três estados físicos;3 • Apresenta uma massa moderada de cerca de 5,97x1024 kg, o que lhe permite reter atmosfera significativa, responsável, entre outros, pela protecção face a meteoróides;3 • Os principais constituintes da atmosfera actual são: azoto (78,09%), vapor de água (1%),árgon (0,039%), oxigénio (20,95%) e dióxido de carbono (0,039%).2 Estes dois últimos têm importância capital em processos como a fotossíntese e a respiração aeróbia; • Fundamentalmente devido ao dióxido de carbono e vapor de água, responsáveis pelo efeito de estufa, a temperatura média à superfície do planeta é da ordem dos 14ºC e a amplitude térmica insere-se dentro dos limites adequados à vida;2 • Na estratosfera, a camada de ozono actua como um filtro da radiação UV-B e UV-C provenientes do Sol, protegendo os seres vivos;2 5 • O calor interno da Terra está na génese de correntes de convecção no núcleo externo, cuja interacção com o núcleo interno produz um mecanismo de dínamo responsável pelo campo magnético dipolar, que constitui um escudo protector do planeta: sem a sua presença, o vento solar incidiria livremente sobre a superfície.3 6 → A HIPÓTESE DE GAIA Segundo o pensamento mais tradicional foram estas as condições essenciais que permitiram a existência de vida na Terra. Apenas uma semelhante dinâmica conjunta poderia despoletar um desenvolvimento biológico análogo ao verificado, mas a consonância de tais factores tem vindo a revelar-se rara. Considerando a perspectiva da Hipótese de Gaia, contudo, as características físicas e químicas no planeta ajustam-se activamente tendo por objectivo a criação das condições mais favoráveis à vida, isto é, a biosfera e os componentes físicos da Terra estão intimamente integrados de modo a formar um sistema complexo que mantém as condições climáticas e biogeoquímicas em homeostase.1 A adopção da perspectiva descrita pode, num dado sentido, desmistificar a necessidade de existência de condições tão específicas como as referidas para explicar a vida na Terra, traduzindo uma relação entre ambiente e vida ao longo da evolução.1 Na verdade, as características primordiais do nosso planeta, quando foi formado à cerca de 4600 M.a, não favoreciam a multiplicidade de vida que hoje conhecemos: um longo processo de transformação teve por consequência a biodiversidade e equilíbrio actuais.2 VIDA NAS REDONDEZAS “We are the miracle of force and matter making itself over into imagination and will. Incredible. The Life Force experimenting with forms. You for one. Me for another. The Universe has shouted itself alive. We are one of the shouts” Ray Bradbury É com base nas características descritas nos capítulos anteriores – a título de exemplo: elementos presentes e respectiva abundância relativa, temperatura, presença de atmosfera, hidrosfera e magnetosfera – que é possível avaliar, numa primeira instância, a probabilidade de um dado corpo celeste albergar vida.3 Naturalmente os residentes no Sistema Solar, sendo candidatos mais próximos, têm vindo a ser alvo de intensas pesquisas, justificando um conhecimento mais detalhado sobre as suas condições. Analisaremos, assim, os casos mais mediáticos: Marte, Europa, Enceladus e Titã. → MARTE, O PLANETA VERMELHO Possui atmosfera, constituída essencialmente por dióxido de carbono (95%), azoto (3%) e árgon (2%), contudo a sua densidade é bastante reduzida – cerca de 1% em relação à da Terra. Uma das consequências deste facto é a ausência de uma camada de ozono, ou outra análoga, que proteja a superfície da radiação nociva e a baixa pressão atmosférica.2 Por outro lado, a distância ao Sol (1,52 UA) e o reduzido efeito de estufa implicam uma extensa gama de temperaturas reduzidas, variando estas entre os -140˚C e os 15˚C. Ao nível da dinâmica geológica, Marte é hoje um planeta inactivo, mas esteve longe de o ser no passado. De facto foi identificada, através da medição da magnetização das rochas, a alternância de material com diferentes polaridades, indiciando a actividade tectónica.7 Extintos tais mecanismos, reside nos pontos quentes (hotspots), a esperança de vulcanismo actual, o que representaria um excelente local para a vida de extremófilos. Mesmo dado o panorama geral, a crescente exploração do planeta tem permitido a descoberta de factores positivos na sua fisionomia. Destacam-se, assim, quatro aspectos: - As aparentes “Redes Hidrográficas”: Inúmeras observações sugerem que grandes quantidades de água correram a superfície de Marte, formando estruturas fluviais semelhantes às da Terra: há evidência de sedimentos depositados em deltas e milhares de vales com potencial associação a rios. Alguns estudos apontam a existêcia passada de um oceano, que teria coberto mais de um terço da superfície marciana, à cerca de 3,5 mil milhões de anos.7 Actualmente, apenas se estima a existência de água a nível do subsolo, existindo indícios de que esta possa fluir esporadicamente para a superfície, como patente nas fotografias tiradas pela Mars Global Surveyor que mostram a formação de um depósito de sedimentos, possivelmente devido à escorrência superficial (ver fig 3).3 Fig 3 – Um mesmo rego em Marte, fotografado pela Mars Global Surveyor 3 em momentos distintos (2001 e 2005) e divulgado pela NASA. Existem ainda outros factores a ter em conta, nomeadamente a presença de ripple marks e nódulos de hematite, descobertas que indiciam a existência de água no passado.2 7 - A emissão de Metano A evidência de emissões de Metano em Marte implica actividade a nível geológico e/ou biológico. Actualmente, pensa-se que este gás, estando centralizado em focos geográficos pontuais, origina plumas cuja concentração pode atingir a ordem das 0,06 ppm (V/V).3 A fugacidade das mesmas indicia um ritmo de produção elevado e as respostas recaem no escape de grandes quantidades de clatratos enterrados, em manifestações de cariz vulcânico ou na síntese deste gás por parte de micróbios existentes no subsolo: afinal, na Terra cerca de 90% do Metano atmosférico tem origem na actividade dos seres vivos.2 - O Meteorito ALH84001 e a Missão Viking Encontrado na Antártida, o meteorito proveniente de Marte ficou célebre pelos alegados fósseis de microorganismos nele presentes. Analogamente, as sondas Viking levaram a cabo experiências em solo marciano, tendo também obtido numa delas evidências da existência de actividade biológica neste local: presença de moléculas orgânicas.3 Contudo, os resultados de ambas as investigações foram amplamente contestados, dados os índicios de contaminação das amostras.1 O tema permanece, deste forma, em debate. → ENCELADUS, O SATÉLITE CRIOVULCÂNICO Com apenas 500 km de diâmetro, esta lua de Saturno representa uma das maiores esperanças na procura de vida.2 A descoberta da sonda Cassini, de plumas gasosas a emergir do pólo sul (fig. 4), têm vindo a ser associadas a manifestações geológicas (num mecanismo semelhante aos géisers), relegando para segundo plano a existência de condições extremas como uma temperatura de -201˚C.7 Afinal, tal fenómeno pressupõe uma fonte de energia interna, possivelmente despoletada pelo mecanismo de tidal heating, o que poderia proporcionar a habitabilidade Fig 4 – Plumas gasosas em Enceladus, descobertas pela 7 Cassini. desses locais: para além do fornecimento energético e da libertação de alguns elementos essenciais, como carbono, oxigénio e hidrogénio, o elevado gradiente geotérmico possibilitaria a existência de água, quase certa na fase sólida, no estado líquido.2 Este poderia ser o local ideal para albergar, pelo menos, a vida dos extremófilos. → EUROPA, A LUA IMACULADA É um dos mais brilhantes satélites do Sistema Solar, consequência da elevada reflectividade de uma superfície jovem e anormalmente imaculada no que respeita a 8 impactes meteoríticos. Abaixo desta pequena camada gelada reside, ao que se pensa, um oceano de água líquida com um volume aproximadamente duplo da água de todos os oceanos terrestres.1 Por outro lado, uma vez que a temperatura estimada para a superfície ronda os -180˚C, a fonte de energia associada ao caso poderá ser o mecanismo de tidal heating.3 Em suma, e apesar da quantidade relativa dos elementos essenciais não ser ainda um dado fiável para este satélite, o extenso e provável oceano a nível do subsolo faz de Europa um dos mais promissores locais para uma possível existência de vida. → TITÃ, A IMPERATRIZ LUNAR DAS ATMOSFERAS É a maior lua de Saturno e a única no Sistema Solar com uma atmosfera densa (a pressão atmosférica chega a ser 60% superior à da Terra) composta por azoto e, entre outros, metano e etano.2 Muito embora a sua baixa temperatura, sendo a superfície gelada, muitos dos fenómenos ocorridos neste astro encontram paralelo com a realidade terrestre, deixando antever a possível existência de vida. Destaque-se, assim, o seu ciclo de metano, análogo ao ciclo hidrológico terrestre, bem como a semelhança entre a actual constituição atmosférica desta lua e aquela que presidiu aos primórdios do Planeta Azul.7 Há ainda evidência de actividade envolvendo numerosos compostos típicos da química pré-biótica, possivelmente formados num oceano profundo através da hidrólise de material recebido por acreção de condritos durante a formação de Titã.7 QUANDO A BUSCA → ∞ “A philosopher once asked 'Are we human because we gaze at the stars, or do we gaze at them because we are human?' Pointless really. But do the stars gaze back?” Matthew Vaughn A procura de vida para além da Terra não se restringe somente ao Sistema Solar, mas a toda a Via Láctea. A detecção desses candidatos extra-solares, os exoplanetas, é o primeiro passo de uma busca tão alargada quanto os limites tecnológicos hoje permitem. Naturalmente que a localização de tais planetas se revela bastante difícil, dadas as enormes distâncias a que se encontram. Desta forma, a grande maioria dos mesmos é observada através de métodos indirectos, que analisam a influência da sua presença noutros corpos celestes maiores, como a estrela mais próxima. Eis alguns exemplos: • Interferometria e Astrometria: o primeiro método consiste na combinação de imagens do mesmo astro, por forma a criar uma interferência que elimina a sua luz. Com o tempo surgem na imagem ténues pontos luminosos em redor da estrela observada, os 9 planetas.4 Já a Astrometria, permite detectar pequenas oscilações na posição de uma estrela, causadas pelos corpos que a orbitam.4 • Espectroscopia Doppler: consiste na identificação de variações no comprimento de onda da luz emitida por uma estrela, 10 causadas pela variação contínua da sua velocidade radial. Estas alterações resultam da interacção gravítica da estrela com outros corpos que orbitam o mesmo centro de massa, evidenciando a possível existência de outros planetas, caso se verifique alguma periodicidade na análise do espectro de emissão da estrela (ver fig. 5).8 Fig 5 – Medindo a periodicidade e amplitude das variações de velocidade radial é possível determinar 8 a órbita e massa do exoplaneta. • Trânsitos Planetários: este método consiste em medir a variação da luminosidade causada por um planeta quando transita diante da sua estrela hospedeira (fig. 6). Esta técnica apenas resulta para planetas cujos planos orbitais estejam alinhados com a linha de visão do observador.8 Fig 6 – Decréscimo da luminosidade da 8 estrela em função da posição do planeta. → NOVOS SISTEMAS PLANETÁRIOS E EXOPLANETAS CONHECIDOS Há medida que são descobertos cada vez mais sistemas compostos por exoplanetas, urge catalogá-los e comparar as suas características com a nossa própria realidade, a única de que temos conhecimento aprofundado. Tal comparação tem em conta não só o número de planetas do sistema, como a sua massa e posição relativa à estrela central. A maioria dos sistemas planetários descobertos contém planetas gigantes, muitos orbitando próximo da sua estrela (Júpiteres quentes). Contudo, também já foram idenficados sistemas semelhantes ao nosso, alguns com planetas promissores, semelhantes à Terra.4 Ao todo, são já mais de 400, pelo que urge analisar alguns casos: • Gliese 581 c: orbitando uma anã vermelha a cerca de 20,5 anos-luz, este é um dos mais promissores exoplanetas descobertos, uma vez que reside na zona habitável, tendo uma temperatura efectiva estimada entre 0˚C e 40˚C. Com cerca de 1,5 vezes o raio do Planeta Azul e aproximadamente 5,6 vezes a sua massa, esta Super-Terra é também famosa por ser de natureza rochosa, sendo possivelmente coberta por extensos oceanos.4 • Gliese 581 d: inicialmente pensado fora da zona habitável do seu sistema planetário, novos estudos consideraram que este exoplaneta se encontra no limite desta região teórica propícia à vida.7 É uma Super-Terra com cerca de 6 vezes a massa do nosso planeta e, embora a sua temperatura efectiva pareça ser demasiado baixa, um eventual efeito de estufa considerável poderia tornar plausível a existência de água líquida à superfície.4 11 • Gliese 581 g: pertencente ao mesmo sistema planetário dos dois exoplanetas anteriores, esta Super-Terra é um dos candidatos longínquos mais credíveis a albergar vida. Encontra-se perfeitamente inserida na zona habitável, possuindo entre 3 a 4 vezes a massa da Terra e cerca de 1,3 vezes o seu raio. Embora a temperatura média estimada seja da ordem dos -30˚C, a eventual existência de atmosfera poderia colmatar tal circunstância.4 Mas o mais interessente no Gliese 581 g é o facto de apresentar sempre a mesma face para a estrela hospedeira (mecanismo de tidal locking), pelo que a temperatura na zona iluminada pode fazer da mesma um excelente local para a vida.7 → PLANETAS GIGANTES E EXOLUAS Até agora abordámos o caso das Super-Terras por serem, dentro dos exoplanetas descobertos, aqueles que mais se assemelham ao Planeta Azul. Apesar das inúmeras descobertas dos últimos tempos, os dados sobre estes novos mundos são escassos, sendo raros os astros que parecem apresentar condições plausíveis à vida. Uma vez que a grande parte dos exoplanetas encontrados se encaixam no perfil de gigantes gasosos, alguns deles na categoria dos Júpiteres Quentes, um dos objectivos próximos nesta área será determinar possíveis exoluas orbitanto em redor dos mesmos: planetas como 55 Cancri f ou aqueles descobertos no sistema de Upsilon Andromeda residem dentro da zona habitável, sendo contudo gigantes gasosos: as suas luas, porém, poderiam representar um local priviligiado ao despoletar da vida.4 → RUBRICAS BIOLÓGICAS O principal objectivo da detecção de exoplanetas e caracterização das respectivas condições físicas é a procura de vida, tarefa para a qual é indispensável um conhecimento detalhado dos principais indicadores de vida. Um astro que se insira dentro da zona habitável respeita o primeiro desses indicadores. Outras das actuais principais pistas, longinquamente enviadas por via espectral, são a evidência da presença das espécies químicas oxigénio, ozono, metano e monóxido de azoto. A primeira resulta, na Terra, do processo de fotossíntese, e a segunda da interacção do oxigénio molecular com radiações altamente energéticas. Uma atmosfera rica em qualquer destes compostos implica a existência de um ciclo de reabastecimento, indiciando actividade a nível biológico. Por outro lado o metano e o monóxido de azoto são igualmente fortes indícios da presença de vida: a conjugação destes quatro gases na atmosfera de um exoplaneta seria, em suma, um sinal quase irrecusável da existência de vida.1 Mas há também outros indicadores, como a própria luz reflectida por um planeta – a observação, nesse espectro, de dimuições relativas na emissão em zonas específicas (como as correspondentes aos máximos de absorção de clorofilas e carotenóides), poderia ser um indício de actividade fotossintética.1 VIDA INTELIGENTE EM SINTONIA “The universe is a pretty big place. It's bigger than anything anyone has ever dreamed of before. So if it's just us... seems like an awful waste of space. Right?” Carl Sagan, in Contacto As estimativas actuais apontam para que o Universo tenha uma idade aproximada de 14 mil milhões de anos e é facto observacional que há múltiplos sistemas planetários espalhados pelas vizinhanças do Espaço. Por outro lado, é nítida a abundância das moléculas orgânicas no Universo, seja nas nuvens moleculares que servem de berço às estrelas, seja em meteoritos e cometas errantes.2 Estes poderão até ter sido os responsáveis pelo início da vida no planeta, trazendo consigo água e aminoácidos formados noutros sítios. Seja como for, e mesmo tendo em conta todas as especificidades envolvidas no despoletar da vida e os milhões de anos necessários à evolução, parece improvável que seja a Terra o único local onde despontou uma existência inteligente.1 Foi necessária uma escala de tempo geológica para alcançar a realidade da expressão “from molecules to minds”: no Sistema Solar, notícia certa de vida reside apenas em nós. Mas numa galáxia com cerca de 2x1011 estrelas, num Universo com mais de 1011 galáxias, muito reside por descobrir.4 A equação de Drake é o resumo destas mesmas ideias: Equação de Drake: N = R* × fp × ne × fl × fi × fc × L, sendo: N → número de civilizações na galáxia com as quais poderemos contactar; R* → taxa de formação de estrelas na nossa galáxia e fp a fracção dessas estrelas que possuem planetas; ne → número médio de planetas que potencialmente podem conter vida por estrela e fl a fracção destes que actualmente possui vida; fi → fracção de fl que diz respeito à vida inteligente, fc a fracção de fl que está disponível e apta para comunicar e L o tempo de vida expectável dessa civilização. 12 As estimativas actuais para os parâmetros da equação de Drake são diversas, de acordo com a visão optimista ou pessimista da comunidade científica relativamente ao assunto.3 Apesar de tudo, o contacto com civilizações extraterrestres tem tido repercussão em projectos reconhecidos internacionalmente como o SETI (Search for Extraterrestrial Intellegence), encontrando-se mais além da simples especulação ou ideal leigo.1 13 → RADIOASTRONOMIA As tentativas de contacto efectuadas até à data residem, fundamentalmente, na captação de ondas electromagnéticas, bem como na sua transmissão. Para esse efeito são utilizados radiotelecópios que, direccionados para alvos distantes como enxames estelares, captam os seus ruídos para que sejam posteriormente sujeitos a uma análise interpretativa.3 Até à data, a maioria dos sinais captados pouco ou nada revelou, contudo alguns permanecem sem aparente explicação, alimentando as expectativas. Foi o caso do mediático sinal Wow!, captado em 1977 em Ohio pelo radiotelescópio Big Ear. Manifestando-se primeiramente como um sinal fraco, embora diferente dos demais, aumentou gradualmente de intensidade, ultrapassando o limite da escala preparada para as observações, e decaiu abruptamente logo de seguida. O tempo de detecção foi de 72 segundos, concluindo-se que proviera da constelação de Sagitário, numa frequência aproximada de 1.4GHz, o que se insere dentro do designado Water Holeb.2Por ter sido um caso pontual a sua origem não foi, até hoje, determinada.7 São igualmente de sublinhar os esforços pelo envio da nossa própria informação: talvez o feito mais marcante nesta área tenha sido a Mensagem de Arecibo, emitida a 16 de Novembro de 1974, para o grande enxame globular da constelação de Hércules, M13, a 25 000 anos luz. Enviada por ondas rádio, a mensagem continha 1679 dígitos binários contendo os números de 1 a 10, número atómico dos elementos químicos que constituem o DNA, sua representação gráfica e número de nucleótidos, bem como as respectivas fórmulas de estrutura. Incluía ainda a figura representativa de um homem e da população terrestre, bem como um gráfico da Terra no Sistema Solar e do radiotelescópio de Arecibo (fig. 7).6 Fig 7 – Representação Gráfica 6 da Mensagem de Arecibo. Mas apesar dos múltiplos esforços, de parecer quase absurdo que sejamos “os” nesta imensidão, escasseiam as provas. O paradoxo de Fermi, no fundo: “Where is everyone?” b “Water Hole” corresponde a uma banda de frequências menos ruidosa do espectro electromagnético e que seria, portanto, a eleita por uma possível civilização extraterrestre que desejasse estabelecer contacto por este meio. CONCLUSÃO A procura de vida fora da Terra tem-se afirmado como uma das questões fundamentais do conhecimento humano. As últimas décadas assistiram, por isso, a progressos de extrema relevância nesta área, contribuindo para a identificação e caracterização de corpos celestes e para o estudo da vida, do ponto de vista estrutural e bioquímico. Mas o maior erro associado a esta incessante busca reside ainda na delimitação dos parâmetros da própria vida: a indefinição deste conceito tem vindo a instigar a procura, o que se traduz, a título de exemplo, na tentativa de detecção de exoplanetas no seio da zona habitável do seu sistema planetário e da sua galáxia. Elementos químicos essenciais em favorável abundância, fontes de energia, tempo, estabilidade...São múltiplas as condicionantes ao despoletar da vida num dado astro e, talvez por isso, o Planeta Azul é hoje o único em que depositamos certezas quanto a esta realidade. À escala humana, contudo, a actual dimensão do Universo surge de tal modo inconcebível que a probabilidade de estarmos sós se parece reduzir proporcionalmente. Esta é, no fundo, a base de esperança de projectos científicos actuais como o KEPLER, DARWIN ou Terrestrial Planet Finder, e missões antigas, como a Viking ou a Cassini. “Dar novos mundos ao mundo” é, por tudo isto, o mote do tema do presente trabalho e de múltiplas investigações actuais. Da Terra partimos em busca de vida, além de todas as fronteiras possíveis, com a certeza, porém, de não esquecer a extraordinária e complexa biodiversidade do nosso próprio planeta. Por agora, somos para nós exemplares únicos, mas convém não esquecer que “a ausência de evidência não é evidência de ausência”. BIBLIOGRAFIA 1. Hanslmeier A. Habitability and Cosmic Catastrophes. Germany: Springer; 2009. 2. Jones B. Life in the Solar System and Beyond. USA: Springer; 2004. 3. Jones B. Search For Life Continued: Planets Around Other Stars. Germany: Springer; 2008. 4. Mason J. Exoplanets: Detection, Formation, Properties, Habitability. Germany: Springer; 2008. 5. Miracle: Microfossil Image Recovery and Circulation for Learning and Education. Londres: University College London – Micropalaeontology Unit; s.d. [actualizada em 2011 Janeiro 28; acesso em 2010 Dezembro 29]. Disponível em: www.ucl.ac.uk/GeolSci/micropal/index.html. 6. National Astronomy and Ionosphere Center. Porto Rico: Arecibo Observatory; s.d. [actualizada em 2010 Novembro 1; acesso em 2011 Fevereiro 8]. Disponível em: www.naic.edu. 7. NASA Astrobiology: Life in the Universe. USA: NASA; c2007-11 [actualizada em 2011 Fevereiro 28; acesso em 2011 Janeiro 5]. Disponível em: astrobiology.nasa.gov. 8. Projecto Exoplanetas. Braga: Escola Secundária D.Maria II; c2010-3 [actualizada em 2011 Maio 30; acesso em 2011 Fevereiro 18]. Disponível em: http://sites.google.com/site/exoplanetasesdm/metodos-de-deteccao-de-exoplanetas. 14