Rosilene de Lima Pinheiro Nutricionista do INCA. Especialista em Nutrição Oncológica Presidente do Comitê de Nutrição da SBNPE O câncer de mama vem se destacando mundialmente devido à sua alta e crescente incidência e mortalidade entre as mulheres(1). Os mecanismos pelo qual se desenvolve ainda não estão completamente elucidados. Nos últimos anos fatores ambientais, como obesidade, hábitos dietéticos e estilo de vida estão sendo cada vez mais relacionados a este tipo de câncer e, por isso, têm sido alvo de diversos estudos, já que são considerados evitáveis(2). A obesidade vem sendo relacionada ao câncer de mama não só como fator de risco, mas também como fator prognóstico. Diversos estudos têm mostrado uma associação positiva entre a obesidade e o aumento na recidiva da doença e segundo tumor primário, sugerindo o Índice de Massa Corporal (IMC) como um fator de significância prognóstica(3-6); entretanto, este assunto ainda permanece controverso, uma vez que há estudos que não demonstram nenhuma associação (7). Estudos mais recentes sugerem que o estado menopausal pode ser um fator determinante desta associação, onde a obesidade exerceria influência negativa em pacientes na pós-menopausa, sendo, para estas mulheres, um fator prognóstico negativo. Desta forma, poderia contribuir para aumentar o risco de um segundo tumor primário, de recidiva da doença e, conseqüentemente, elevar a taxa de mortalidade por este tipo de câncer, além de afetar adversamente a qualidade de vida (3, 8-10). O peso corporal vem sendo estudado como fator prognóstico no câncer de mama desde 1976, em um estudo conduzido no Japão por Abe e col. A partir daí, vários estudos, em diversos países, foram realizados buscando investigar o efeito do sobrepeso ou obesidade sobre o tempo de sobrevida neste tipo de câncer (11). Em 1990, Goodwin e Boyd publicaram uma crítica revisão de evidência sobre a associação do peso corporal e o prognóstico no câncer de mama, incluindo 14 estudos publicados entre 1975 e 1989, e concluíram que o aumento do peso corporal parece exercer um modesto efeito sobre o prognóstico em mulheres com câncer de mama, em especial na pós-menopausa, independente do outros fatores prognósticos (12). Uma meta-análise publicada em 2001 por Ryu e col., que objetivou integrar a relação entre IMC e prognóstico no câncer de mama ,incluindo 12 artigos publicados com um total de 8.029 casos, sugere em sua conclusão que o IMC tem significância prognóstica no câncer de mama (13). A obesidade é freqüentemente definida como uma condição de acúmulo excessivo de gordura na forma de tecido adiposo, onde sua extensão pode afetar adversamente a saúde. Nas mulheres, em condições normais, a gordura armazenada no tecido adiposo representa cerca de 20 a 25% do peso corporal. Nas obesas, representa mais de 30%, podendo chegar até 70% nos casos de obesidade severa. Parte desta gordura, cerca de 12%, é considerada essencial, necessária ao funcionamento fisiológico normal, que representa a gordura armazenada na medula óssea, coração, fígado e outros órgãos, e no sistema nervoso central. Além de ser um reservatório de energia, em forma de gordura, o tecido adiposo também desempenha uma função de proteção dos órgãos contra traumas e de isolamento térmico. Alem disso, já é sabido que este tecido apresenta características endócrinas, podendo formar hormônios a partir de substratos advindos da circulação sanguínea. Alguns prováveis mecanismos têm sido propostos para explicar o efeito da adiposidade sobre o prognóstico em mulheres com câncer de mama. O excesso de adiposidade pode interferir na concentração sanguínea e na biodisponibilidade dos hormônios sexuais (14-15). A obesidade em mulheres na pós-menopausa é freqüentemente associada ao aumento nos níveis de estrona e estradiol, e a diminuição no nível de SHBG, uma globulina transportadora de hormônios sexuais, aumentando com isso a bioatividade do estrogênio (14). Em um estudo realizado por McTierna e col. (2003), que examinou a associação entre a adiposidade e a concentração de estrogênio, androgênios e SHBG em mulheres com câncer de mama na pós-menopausa, os resultados mostraram que mulheres obesas (IMC > 30 kg/m2) tiveram uma concentração de estrona 35% e de estradiol 130 % maiores do que as mulheres mais magras (IMC < 22 kg/m2), e que a concentração de testosterona aumentou com o aumento da adiposidade. Mostrou também que a concentração de estradiol e testosterona livres foram, respectivamente, duas e três vezes maiores nas mulheres com IMC > 25 kg/m2. E ainda, que a concentração de SHBG foi 50% menor nas mulheres obesas. Todos os resultados foram altamente significativos na análise estatística (16). Outro provável mecanismo está envolvido com a insulina e com o fator de crescimento ligado à insulina-1 (IGF-1), que exibem efeito mutagênico. Alguns estudos epidemiológicos têm sugerido que o aumento do IMC em mulheres está associado à elevação nos níveis de insulina e IGF que, por sua vez, tem ação estimulatória sobre a síntese de esteróides sexuais (14-15). Além disso, a reduzida sobrevida nas mulheres obesas após o diagnóstico de câncer de mama pode, também, ser devido a efeitos subótimos do tratamento quimioterápico, uma vez que, nos casos de obesidade importante, as doses dos quimioterápicos são calculadas com pesos ajustados e não com o peso real da paciente, podendo prejudicar assim a eficácia do tratamento (14-15). Como visto, a obesidade tem sido citada em diversos estudos como um fator prognóstico negativo no câncer de mama. Alterações no peso corporal é fato comum em sobreviventes de câncer. Durante e após o tratamento, especialmente no câncer de mama, é evidente o ganho de peso, que é influenciado pelo estado menopausal, status nodal e tipo, duração e intensidade do tratamento sistêmico. As recomendações sobre nutrição e atividade física para prevenção do câncer, publicada em 2002, pela American Câncer Society, alertam para o fato de que muitas variações no risco de câncer entre as populações se devem a fatores não hereditários, e que, excluindo o cigarro, os hábitos dietéticos e atividade física são os mais importantes fatores modificáveis que determinam o risco desta doença 17. Portanto, até o presente momento, em especial para sobreviventes de câncer de mama, é recomendado que as mulheres sejam encorajadas a praticar atividade física vigorosa, ao menos quatro horas por semana; manter uma alimentação equilibrada, com conteúdo de gordura inferior a 20% das calorias totais; limitar a ingestão de bebida alcoólica para não mais do que um drinque por dia; manter o controle do peso, minimizando o ganho de peso ao longo da vida. É importante ressaltar que o desenvolvimento de programas de prevenção à recorrência do câncer de mama, no que se refere aos fatores de risco preveníveis, voltadas às mulheres consideradas sob risco, devem ser considerados nos centros especializados em tratamento do câncer. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. BRASIL, Ministério da Saúde. Serviço de Assistência à Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Coord. de Prevenção e Vigilância. Estimativas de incidência e mortalidade por câncer no Brasil em 2003. Rio de Janeiro: INCA, 2003. 2. GREENWALD, P. Cancer prevention clinical trials. Journal of Clinical Oncology, 20(18S):14-22, 2002. 3. BASTARRACHEA, J.; HORTOBAGYI, G.N.; SMITH, T.L.; KAU, S.C.; BUZDAR, A.U. Obesity as an adverse prognostic factor for patients receiving adjuvant chemotherapy for breast cancer. Annals of Internal Medicine, 120(1): 18-25, 1994. 4. SENIE, R. et al. Obesity at diagnosis of breast carcinoma influences duration of diseasesfree survival. 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