Entrevista
General Augusto Heleno
Amazônia é prioridade militar
Márcio Noronha
Equipe do EM TEMPO
O general Augusto Heleno assumiu o Comando Militar da Amazônia (CMA) no dia 14 de
setembro. Com experiência política e de comando internacional, vem impondo sua forma de
gestão à frente do mais importante comando do Exército Brasileiro na atualidade. Nesta
entrevista, ele fala francamente de assuntos até pouco tempo não eram discutidos
publicamente na esfera militar, como intervenção urbana, reaparelhamento do Exército,
conflitos internacionais e relacionamento com ministros não militares.
Agusto Heleno Pereira, 60, é casado, pai de dois filhos e avô de dois netos. Natual de
Curitiba, no Paraná, formou-se oficial do Exército pela arma de cavalaria. Entre outros
cargos, foi chefe de gabinete do Comandante do Exército, chefe do Centro de Comunicação
Social do Exército, adido militar do Brasil na França e comandante da Força de Paz das
Nações Unidas no Haiti.
Frases:
“Aqui o Exército está vivendo diariamente uma situação real. Nós estamos com problemas
reais e diários. Na nossa área de fronteira não há missão com munição de festim”.
“O nosso poder de persuasão está muito diminuído. Não queremos fazer guerra não, mas
queremos ter uma estrutura de defesa compatível. Nós não podemos ter um país com o
Brasil e ter um poodle para defender; Precisamos de um ‘pit bull’”.
“A Segunda Brigada de Selva tem a perspectiva de receber em curto prazo dois novos
batalhões. Um vai ser em Barcelos e o outro estamos estudando a localização. Com isso, até
final de 2008 vamos ter 27 mil militares atuando na Amazônia”.
Em Tempo - Como o senhor vê a atual estrutura do Exército no Amazonas?
General Augusto Heleno - A estrutura é grande. São 24 mil militares em
124 Organizações Militares. Basicamente, tentando se colocar numa posição de dominância
das principais vias de penetração da Amazônia, que são as calhas dos rios.
ET - O treinamento está adequado?
AH - Sem medo de errar, temos o melhor militar de selva do mundo. Em Todos os níveis.
Os sargentos e oficiais são treinados especialistas de Guerra na selva no Cigs (Centro de
Instrução de Guerra na Selva), que é reconhecidamente o melhor centro de instrução de
guerra na selva do Mundo. Os soldados são da região; têm desde menino a selva como aliada
e quando entram para o Exército transfere esse conhecimento. Esse é o nosso grande trunfo.
ET - A Amazônia é prioridade para o Exército?
AH - Sem nenhuma dúvida. Isso está escrito e vem sendo rigorosamente seguido. Nós
transferimos para cá duas brigadas. A brigada das missões,que veio do Sul para Tefé, e mais
recentemente a segunda Brigada de Infantaria Motorizada, que ficava em Niterói, no Rio de
Janeiro, e veio Se transformar na segunda brigada de infantaria de selva. Essa brigada tem a
perspectiva de receber em curto prazo dois novos batalhões. Um vai ser em Barcelos e o
outro estamos estudando a localização. Com isso, até final de 2008 vamos ter 27 mil
militares atuando na Amazônia.
ET - Nos últimos anos houve vários acidentes em treinamento no Cigs, como o CMA
avalia esses fatos?
AH - No ano passado tivemos dois acidentes fatais (dois sargentos mortos por
afogamento) e o inquérito mostrou que houve algum problema na montagem da instrução.
Foi uma ocorrência altamente desagradável. Ainda que seja claro que o curso de guerra na
selva seja um curso de exceção para homens de exceção, um curso bastante puxado, nós
temos uma preocupação enorme com a segurança. Qualquer acidente é indesejável e
lamentável. O acidente que aconteceu este ano (morte de um capitão), ainda está sendo
investigado pelo Inquérito Militar. Mas tudo indica que foi absoluta fatalidade. O processo está
correndo na Justiça Militar.
ET - Qual foi a maior experiência que o militar Heleno tirou da missão no Haiti?
AH - A missão, no ponto de vista profissional, foi fantástica porque permitiu que eu
aplicasse tudo o que eu aprendi ao longo da vida numa missão real. Ainda que fosse uma
missão de paz, eu tive muitas situações de combate. Eu pude me conhecer melhor, conhecer
melhor a tropabrasileira, que está responsável pela parte mais crítica da missão, que é boa
parte da capital (Porto Príncipe), onde estão localizadas as favelas mais populosas e mais
agitadas do Haiti. A missão também me permitiu fazer uma comparação da tropa brasileira
com os outros 12 contingentes que estavam sob o meu comando. Nesse sentido, me mostrou
que estamos no nível dos melhores exércitos do mundo.
ET - Como o senhor vê um país vizinho como a Venezuela armando
Fortemente suas forças armadas, com equipamentos de guerra sofisticados, isso
preocupa o Exército Brasileiro?
AH - Não preocupa porque temos relação de amizade bastante consolidada Com a
Venezuela. A Venezuela é um país soberano e tem todo o direito de se armar. Não até hoje
nenhuma demonstração de que isso ai pudesse trazer qualquer efeito imediato em relação ao
Brasil. Não estou preocupado não. Acho até que é um dever um país soberano se armar na
medida em que é necessário para que suas decisões do campo político serem respaldadas em
poder militar compatível. Encaro normalmente.
ET - Mas o senhor não acha que os constantes atritos da Venezuela com os EUA
podem resultar e um conflito de grandes proporções, com reflexos para o Brasil por
conta da fronteira?
AH - Não há dados para conduzirmos o problema nesta direção. Por enquanto, é cedo
para chegar a esse tipo de conclusão. Para nós aqui, não preocupa.
ET - Quando a Venezuela começou a comprar equipamentos mais modernos, muito
se questionou a efetividade e qualidade dos equipamentos brasileiros. Houve
comparação e foi ventilado que o equipamento do Exército é obsoleto. Há respaldo
nessa declaração?
AH - Temos pleiteado o reequipamento e reaparelhamento do nosso
Exército há muito tempo. Esse é um desejo antigo nosso. À medida que o tempo vai
passando, a situação vai ficando mais crítica. O nosso fuzil, armamento individual do
combatente, e fundamental, tem 43 anos de uso. As nossas viaturas têm, em média, mais de
20 anos. Grande parte da viação do Exército foi comprada em 1988, tem 20 anos. Um país
com a estatura geopolítica do Brasil tem que mudar isso. Nós temos que conscientizar a
população que o problema da defesa do Brasil não é um problema das Forças Armadas, é um
problema da sociedade brasileira. Não tem esse negócio de sociedade civil e sociedade
militar, a sociedade é brasileira. Flagrantemente, nós estamos ficando pra trás. Precisamos
atualizar a estatura do País com sua capacidade de defesa, que está defasada. Felizmente
agora, o ministro da Defesa (Nelson Jobim) tem sido um grande arauto dessa mentalidade. O
nosso poder de persuasão está muito diminuído. Não queremos fazer guerra não, mas
queremos ter uma estrutura de defesa compatível. Nós não podemos ter um país com o
Brasil e ter um poodle para defender; precisamos de um ‘pit bull’.
ET - Como está a relação do Exército com o Ministro da Defesa, Nelson Jobim, que
não é militar?
AH - O ministro Jobim tem se preocupado em conhecer profundamente as Forças
Armadas. Ele tem demonstrado uma aplicação muito grande nisso. Ele não é só um visitante,
é um visitante aplicado. Procura tomar conhecimento das coisas e isso tem feito com que o
discurso dele tenha muita consistência. Hoje ele sabe do que está falando. Ele tem
conhecimento que é necessário um envolvimento nacional com a questão da defesa. Ele tem
pregado uma política de defesa nacional com priorização mais enfática da Amazônia.
ET - O senhor defende o serviço militar obrigatório ou faz parte da corrente que já
pensa na formação do chamado ‘exército profissional’?
AH - O serviço militar tem que ser obrigatório, sem dúvida. Estou respaldando as
declarações do ministro Jobim, que defende o serviço militar obrigatório. É o serviço militar
que garante a identidade do Exército Brasileiro com a nação. Hoje, esse termo obrigatório
tem conotação pesada. 90% dos nossos recrutas hoje são voluntários. Várias nações do
mundo estão arrependidas de terminar com o serviço militar obrigatório. Eu conheço pouca
gente dentro Exército que defende isso (profissionalização). Quem conhece o papel social de
formação do Exército sabe do valor do serviço militar. Nas grandes cidades isso não aparece
muito, mas no interior e principalmente em lugares como a fronteira do Amazonas isso é
evidente. O que temos que cuidar é do quadro do Exército. Os sargentos e oficiais, que são
pessoal permanente, esses sim merecem um cuidado muito especial. O recruta é formado
todo ano e isso até é motivador para esses quadros. Além disso, o Exército totalmente
profissional é muito mais caro. Os salários são bem maiores. Para ter um exército profissional
precisa evoluir as instruções a cada ano e isso leva a estagnação. Outro problema sério é o
tempo que o Exército leva para envelhecer. Você não pode ter um cabo com 50 anos de
idade. As missões dele em combate não são compatíveis com o vigor físico de um homem de
50 anos. Para ser profissional, esse Exército precisa se renovar a cada quatro anos e com isso
os custos sobem em progressão geométrica.
ET - O senhor é favorável a intervenção militar em conflitos internos do País, como
no Rio de Janeiro?
AH - Isso é muito discutido. Há limitações legais para emprego do Exército dentro de
suas fronteiras. Vamos usar o Exército no País? Vamos. Mas é preciso discutir as amarras
legais do uso do Exército. Hoje só é possível o uso de Forças Armadas dentro do País com
autorização expressa do presidente e quando os Estados dizem, textualmente, que é
necessária a intervenção porque os seus meios de segurança pública são falhos. É um
assunto delicado, mas é preciso discutir e isso não na esfera militar, mas no Congresso. Nós
temos pré-disposição, nós estamos preparados para atuar nesse tipo de situação. O que nós
precisamos é respaldo legal. Se precisar nós estamos preparados e não vamos nos furtar
dessa missão.
ET - Qual a grande missão do general Heleno na frente do CMA?
AH - O CMA tem uma característica diferente de outros comandos do Brasil. Aqui o
Exército está vivendo diariamente uma situação real. Nós estamos com problemas reais e
diários. Na nossa área de fronteira não há missão com munição de festim. Nós não temos
recrutas nos pelotões de fronteira. Lá nós não precisamos de gente para aprender. Lá
precisamos de gente que saiba que quando for para uma missão vai sair com munição real.
Nós somos uma fração do Exército que está numa região onde as missões são reais. Minha
missão é, basicamente, dar continuidade a esse processo, aperfeiçoar nosso trabalho e
oferecer as melhores condições possíveis para que a missão da guarda das fronteiras seja
realizada da melhor forma possível.
EM TEMPO – 11 Nov 07
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Amazônia é prioridade militar