ENTREVISTA
Sementes sintéticas
O desenvolvimento de sementes encapsuladas
Entrevista concedida a
Fernanda Diniz
Sementes encapsuladas, também chamadas de sementes sintéticas,
facilita o intercâmbio de espécies vegetais entre países, pois reduz o
espaço, torna o transporte aéreo mais fácil e possibilita o envio de maiores
quantidades.
Uma nova modalidade de cultura de tecidos de plantas vai beneficiar muito o
intercâmbio de espécies vegetais entre diferentes países. Trata-se das sementes
sintéticas, uma técnica que vem sendo desenvolvida pela Embrapa Recursos
Genéticos e Biotecnologia – uma das 40 unidades de pesquisa da Embrapa,
localizada em Brasília, DF – que consiste no encapsulamento de embriões
somáticos, ápices caulinares ou gemas axilares. O encapsulamento é feito com uma
matriz de alginato de cálcio (que não é tóxico para a planta), na qual as partes da
planta ficam completamente envolvidas e protegidas, assemelhando-se fisicamente a uma semente. Essa técnica vai facilitar e intensificar a troca de espécies
vegetais, já que ocupa pouco espaço e, por isso, permite que sejam enviadas, de
uma só vez, milhares de sementes.
O encapsulamento está sendo iniciado na Embrapa Recursos Genéticos e
Biotecnologia com brotos de mandioca, o que é absolutamente inovador no Brasil
e no mundo, como explica o coordenador da pesquisa, Dr. Luis Pedro Barrueto Cid.
Ele afirma ainda que essa é uma forma muito eficiente de conservação e propagação
da mandioca, já que as variedades comerciais não se propagam por sementes e sim
pela forma vegetativa, ou reprodução assexuada.
Os brotos, ou gemas, encapsulados ficam em geladeiras por 30 dias a uma
temperatura de 15ºC. Depois são retirados para germinação. Além de serem de fácil
acomodação, por ocuparem pouco espaço, as sementes sintéticas beneficiam
também a conservação das espécies vegetais, pois podem ser armazenadas sem
germinar e não precisam ser repicadas, como nas formas tradicionais de cultivo in
vitro.
Já está sendo investido, também, o desenvolvimento de testes experimentais
com sementes sintéticas de café e feijão e os resultados têm sido bastante positivos.
Para o café, em especial, será um resultado muito importante, já que um dos
problemas enfrentados para a conservação de sementes, nessa altura, é que elas não
podem ficar armazenadas por muito tempo pois perdem rapidamente o poder
germinativo.
Para falar sobre essa pesquisa inovadora no Brasil e os benefícios que pode
trazer para a pesquisa agrícola no país, a revista Biotecnologia, Ciência &
Desenvolvimento, entrevistou no dia 2 de setembro de 2004, o coordenador da
pesquisa de encapsulamento de plantas(ou sementes sintéticas), na Embrapa
Recursos Genéticos e Biotecnologia, Dr. Luis Pedro Barrueto Cid, que é biólogo,
formado pela Universidade do Chile, é Ph.D em Fisiologia Vegetal pela Unicamp,
trabalhou em Cultura de Tecidos na Universidade de Londres e tem pós-doutoramento
pela Universidade da Califórnia. É pesquisador da Embrapa desde 1979.
Confiram, a seguir, a entrevista:
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Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento n.32 - janeiro/junho 2004
Luis Pedro Barrueto Cid
Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia
[email protected]
BC&D- O que são exatamente as
sementes sintéticas, ou encapsuladas?
Barrueto – O desenvolvimento de
sementes sintéticas é uma modalidade da cultura de tecidos de plantas,
que consiste em encapsular embriões
somáticos, ápices caulinares ou gemas axilares. O encapsulamento se faz
com uma matriz de alginato de cálcio
“as sementes sintéticas podem ser
enviadas em grandes
quantidades(milhares) e em
pequenas embalagens”
na qual os explantes ficam completamente envolvidos e protegidos, parecendo exatamente uma semente. Tudo
isto é claro, realizado sob condições
estritamente assépticas. O material
encapsulado permanece por 30 dias
em geladeira a 15ºC. Depois, é retirado e colocado em estantes na sala de
cultura para germinação a 27ºC. Após
essa fase, vai para o tubo de ensaio,
onde continuará se desenvolvendo in
vitro até o campo. Os testes de
germinação feitos com o material após
esse período de 30 dias têm sido
muito satisfatórios e já comprovaram
que o alginato de cálcio não é tóxico às
plantas. Mas ainda não é o tempo ideal
de armazenamento. Vamos iniciar os
testes com 60 dias e depois passaremos para 90 dias, que é o tempo ideal.
BC&D – E quais são as principais
vantagens dessa nova técnica?
Barrueto - Hoje em dia, a redução de
custos é uma das nossas maiores preocupações. E é aí que se encontra um
dos pontos principais de benefício
dessa técnica. O encapsulamento, ou
as sementes sintéticas, nos permitirão
usar menos espaço em laboratório e
racionalizar melhor a produção de
mudas, reduzindo os custos do processo de cultivo in vitro. No caso de troca
de germoplasma livre de patógenos
com outros países, as sementes sintéticas possibilitam a redução nos custos
de transporte aéreo, já que podem ser
enviadas em grandes quantidades (mi-
Figura 01: Aspecto de micro-estaca de mandioca contendo uma gema axilar após
ser encapsulada numa matriz de alginato de cálcio- “semente sintética”
lhares) em pequenas embalagens.
Além disso, a técnica beneficia também a conservação das espécies vegetais, pois o material fica armazenado
sem germinar e sem precisar ser repicado. Para algumas culturas agrícolas,
que não se propagam por sementes
ou que tenham problemas de
armazenamento, essa técnica pode
ser bastante vantajosa.
BC&D – Com que culturas agrícolas vocês estão trabalhando? E
por quê?
Barrueto – Nós começamos a traba-
Figura 02: A semente sintética da Fig. 1 brotando após cinco dias a 27ºC, depois de
um período de 30 dias a 15ºC.
lhar com mandioca, o que é uma
experiência absolutamente inovadora
no Brasil e no mundo. A técnica de
encapsulamento é muito eficiente para
a conservação e propagação dessa
cultura porque as variedades comerciais não se propagam por sementes e
sim pela forma vegetativa, ou reprodução assexuada. No caso da mandioca, são usadas gemas (brotos), mas
em outras culturas, podem ser usados
embriões somáticos – aqueles que
repetem as características iguais aos
pais e, por isso, dão origem a clones –
ou ápices caulinares. Até agora os
nossos resultados experimentais têm
mostrado que gemas axilares de mandioca são perfeitamente encapsuláveis
e o que é melhor, os testes de germinação com essas “sementes”, em condições de laboratório, têm demonstrado excelentes resultados mesmo depois de 30 dias a 15º C, o que é muito
positivo, considerando o caráter tropical da planta. Já iniciamos também o
processo de desenvolvimento de sementes sintéticas de café, através do
encapsulamento de embriões
somáticos, e de feijão, a partir de
embriões zigóticos – oriundos de reprodução sexual – e os resultados
também têm sido muito favoráveis.
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“o material fica armazenado sem
germinar e sem precisar ser
repicado. Para algumas culturas
agrícolas, essa técnica pode ser
bastante vantajosa.”
Figura 03: O broto da Fig. 2 crescendo e enraizando em tubo de ensaio contendo
meio SP e dando origem a uma nova muda de mandioca com 20 dias de idade
empresa de biotecnologia estava interessada em comercializar mudas de
mandioca através de embriogênese
somática, porém estava se defrontando com sérios problemas de vitrificação,
um distúrbio funcional de plantas in
vitro, que causa anomalias em sua
estrutura. Além de ameaçar a sobrevivência da planta, esse fenômeno prejudica e, às vezes, até anula o seu valor
comercial. Pois bem, a vitrificação não
ocorre no caso de sementes sintéticas
via gemas axilares e, por isso, percebi
que poderia ser uma ótima opção para
o mercado de comercialização de mudas de mandioca. Trouxe a idéia para
a Embrapa e começamos a trabalhar.
Até agora, os resultados têm sido muito positivos.
BC&D – Como é uma técnica nova,
vocês têm enfrentado problemas
técnicos para o desenvolvimento
dessa tecnologia?
Barrueto – Não. Até o momento não
nos defrontamos com problemas técnicos. Mas, como em toda pesquisa,
há sempre novos parâmetros a serem
testados como, por exemplo, testes
de armazenamento mais longos, outras temperaturas e cultivares, etc.
BC&D – Essa é uma pesquisa básica ou aplicada?
Figura 04: Aspecto de semente sintética de café: embrião somático encapsulado
num estágio bastante imaturo
Para o café, essa metodologia é especialmente importante porque as sementes não podem ser armazenadas
por muito tempo pois perdem rapidamente o poder germinativo.
BC&D- Como surgiu a idéia de
desenvolver sementes sintéticas?
Barrueto - Bem, na literatura referente à cultura de tecidos, existem relatos
de sementes sintéticas em banana,
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morango, etc. Diante da relevância e
das possibilidades favoráveis de utilização dessa técnica, a nossa equipe na
Embrapa Recursos Genéticos e
Biotecnologia resolveu tentar
desenvolvê-la com mandioca. Mas,
além disso, outro fato me chamou a
atenção para o desenvolvimento dessa nova modalidade de cultura de
tecidos. Quando estive na Califórnia
em 2003, por ocasião do meu pósdoutorado, soube que uma grande
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Barrueto - Essa é uma pesquisa de
caráter aplicado porque não busca
expandir o leque de conhecimento
por puro diletantismo, como nos
tempos de Newton ou Mendel.
Estamos em busca de soluções. Nessa,
como em outras pesquisas
desenvolvidas pela Embrapa, a
produção de conhecimento tem que
estar amarrada a uma solução
tecnológica, dentro de um prazo. Não
podemos esquecer que a Embrapa é
uma instituição publica que tem como
preocupação aumentar a eficiência
produtiva do setor agropecuário e
reduzir a dependência externa de
tecnologias, dentre outras atribuições.
BC&D – A pesquisa de sementes
sintéticas é desenvolvida isolada
ou faz parte de outras atividades
relacionadas à cultura da mandioca?
Barrueto – O desenvolvimento de
sementes sintéticas de mandioca está
inserido dentro de um projeto maior
de pesquisa de mandioca desenvolvido pela equipe de pesquisadores da
Embrapa Recursos Genéticos e
Biotecnologia, liderada pelo Dr. Luiz
Joaquim Castelo Branco, que tem como
objetivo enriquecer a raiz da planta
como alimento básico das populações
de baixa renda. A raiz da mandioca é
constituída basicamente de amido e o
que o projeto pretende é torná-la mais
nutritiva, através da incorporação de
proteínas e carotenóides(vitamina. A).
Essa é apenas uma das pesquisas desenvolvidas pela Embrapa hoje para
atender e melhorar a qualidade de
vida das populações mais carentes.
Dessa forma, a Embrapa transforma o
dinheiro público em conhecimento
competitivo.
BC&D – De que forma essa pesquisa pode beneficiar o mercado no
Brasil?
Barrueto - Com o fim da guerra fria,
surge uma nova economia, sensivelmente dependente do conhecimento
científico renovado. Hoje, os setores
empresariais do agronegócio não só
no Brasil como no mundo estão bastante conscientes acerca dessa nova
realidade e prontos para encarar em
melhores condições a lógica do custo/
beneficio e da competição. Prova disso é que atualmente há muito interesse dos empresários em conhecer os
novos caminhos que a ciência lhes
proporciona. Esse mês de setembro,
por exemplo, tenho marcada na minha agenda uma reunião com dois
empresários do agronegócio, que vêm
em busca de novos subsídios
tecnológicos dentro da área da cultura
de tecidos. Pois então, é a ciência
criando novas expectativas para a sociedade. A mandioca é uma cultura
“Estamos em busca de soluções. A
produção de conhecimento tem que
estar amarrada a uma solução
tecnológica, dentro de um prazo.”
agrícola com muito potencial para despertar o interesse do empresariado
brasileiro, já que além de ser um alimento nutritivo e saboroso, é também
uma verdadeira fábrica de produção
de amido com inúmeras possibilidades de derivações industriais.
mesmo é que acho importante que se
utilize dos mecanismos de controle
que tem à disposição, como a imprensa, as ONG’s, o poder judicial, etc. O
problema é que muitas vezes as discussões científicas tendem para o lado
emocional, o que só resulta em sensacionalismo e mais confusão para o
público em geral. Nas discussões
entre ciência e sociedade, é premente
que ambos os lados tenham o mesmo
espaço na mídia, para que o debate
possa ser saudável e equilibrado.
BC&D - Com tanta apologia feita
hoje aos produtos naturais e orgânicos, você teme que possa haver
alguma reação negativa da sociedade a essa pesquisa, por se tratar
de “sementes sintéticas”?
Barrueto – Essa é uma questão importante e é fundamental que fique
claro que, apesar do nome, esse é um
processo natural, que tem como único
objetivo facilitar a conservação e a
propagação das espécies vegetais,
especialmente daquelas de importância alimentar para a população brasileira. Não há nada nesse trabalho que
possa comprometer a ética. Mas é
sempre bom salientar que o conhecimento cientifico é neutro. Eu reconheço e endosso a preocupação da
sociedade civil em impor limites éticos às descobertas científicas. Por isso
Figura 05: Germinação de embrião da
Fig. 4 em meio básico SP, após 25 dias a
27ºC e depois de 30 dias a 15ºC
Figura 06: Aspecto de embrião zigótico de feijão logo após ter sido encapsulado
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