Uma boa lei serve bem uma boa economia
Manuel Sebastião1
13 julho 2012
Sr. Ministro da Economia e do Emprego
Sr. Vice Presidente e Comissário da Concorrência da Comissão Europeia
Sr. Professor Doutor Henrique Sousa Antunes
Srs. Deputados
Srs. Presidentes e Membros de Conselhos de Entidades Reguladoras
Caros Colegas de Conselho e Colaboradores da Autoridade da Concorrência
Minhas Senhoras e Meus Senhores
1.
Conclui-se hoje a primeira semana de entrada em vigor da nova lei da concorrência,
a Lei n.º 19/2012, de 8 de maio. A importância da nova lei e a circunstância da sua entrada em
vigor justificam um debate público como o que esta conferência pretende promover.
2.
Permitam-me, por isso, que as minhas primeiras palavras sejam para expressar o
reconhecimento da Autoridade da Concorrência ao Sr. Ministro Álvaro Santos Pereira e ao Sr.
Vice Presidente Joaquin Almunia por terem considerado oportuno e relevante partilhar as suas
reflexões com os participantes desta conferência.
3.
O reconhecimento da Autoridade da Concorrência é igualmente devido à
Universidade Católica Portuguesa, que nos recebe hoje em sua casa, aqui representada na
pessoa do Sr. Professor Doutor Henrique Sousa Antunes, pela colaboração institucional que
ainda recentemente, e em boa hora, foi possível estabelecer entre as nossas duas instituições, e
pela contribuição que entendeu facultar para a realização desta conferência.
4.
Organizarei a minha intervenção, necessariamente breve, em quatro tópicos e uma
conclusão: primeiro, o histórico e o âmbito da reforma da lei da concorrência; segundo, os três
pilares da reforma do quadro legal e institucional da concorrência; terceiro, os regulamentos e
linhas de orientação que complementam a nova lei; e quarto, os ajustamentos internos ao nível
da Autoridade da Concorrência.
Intervenção na sessão de abertura da conferência sobre o Novo Regime Jurídico da Concorrência, organizada
pela Autoridade da Concorrência em parceria com a Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Direito e
Católica Global School of Law.
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I – Reforma da lei da concorrência: histórico e âmbito
5.
O actual Conselho da Autoridade da Concorrência, desde que iniciou as suas
funções em março de 2008, identificou a reforma da lei da concorrência como uma das
prioridades do seu mandato. Seis meses depois, em outubro de 2008, estava já em condições de
submeter um primeiro projeto a uma peer review do Comité de Concorrência da OCDE,
presidido por um dos oradores da conferência de hoje, Fréderic Jenny.
6.
Não obstante a reforma da lei da concorrência não ter sido objecto de uma
iniciativa legislativa por parte dos governos entretanto em funções, continuou sempre a ser uma
das prioridades da Autoridade da Concorrência e a beneficiar de sucessivas melhorias. A
Autoridade da Concorrência estava assim bem preparada para apoiar a discussão da reforma da
concorrência nas negociações do Memorando de Entendimento, que culminaram nas medidas
que vieram a ser adotadas sobre o assunto.
7.
Na sequência da assinatura do Memorando de Entendimento em maio de 2011, a
Autoridade da Concorrência concluiu o projecto final de uma nova lei da concorrência – como
habitualmente, todo feito in house, sem recurso a pareceres ou consultores externos – projeto
que submeteu à apreciação do atual Governo em julho de 2011. Naturalmente, este projecto
beneficiou muito dos critérios estabelecidos no Memorando de Entendimento.
8.
A partir do projeto final da Autoridade da Concorrência, o Governo elaborou o
projeto que submeteu a consulta pública e em que os comentários e sugestões recebidos muito
contribuíram para que pudesse ser melhorado em vários aspectos. Subsequentemente, o
Governo elaborou a Proposta de Lei que submeteu à apreciação da Assembleia da República e
de que resultou a nova lei da concorrência.
9.
A reforma da lei da concorrência responde bem ao que ficou acordado Memorando
de Entendimento no sentido de tomar medidas que melhorem a celeridade e eficácia na defesa das regras de
concorrência, conforme consta da medida 7.20.ii, e em particular, aos seguintes cinco critérios
referidos nessa medida:
 Simplificação da lei e autonomia face às regras de procedimentos penais;
 Abertura de investigações de acordo com o princípio da oportunidade;
 Controlo de concentrações alinhado com o regulamento de concentrações da União
Europeia;
 Maior clareza e segurança jurídicas na aplicação do Código do Procedimento
Administrativo ao controlo de concentrações; e
 Aumento da equidade e eficiência dos procedimentos de recurso judicial.
10.
As inovações e melhorias relativamente à legislação agora revogada decorrem
essencialmente de três grandes opções:
 Primeiro, revisão completa da estrutura e do articulado da lei, distinguindo os diversos
domínios de intervenção da Autoridade da Concorrência. Assim, a nova lei faz
corresponder a capítulos diferentes e autónomos as diferentes áreas de atuação e
poderes da Autoridade da Concorrência – práticas restritivas da concorrência; operações
de concentração de empresas; estudos, inspeções e auditorias; auxílios públicos;
regulamentação; e regime de clemência.
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Segundo, maior autonomia da lei, mantendo a sua natureza administrativa e consagrando
soluções próprias e mais adequadas à atividade processual da Autoridade da
Concorrência, incluindo a reprodução adaptada de normas de aplicação subsidiária, o
que torna a nova lei mais autónoma, clara e inteligível. A aplicação subsidiária de
normas pensadas para outro tipo de procedimentos e matérias nem sempre resultava
numa tarefa fácil, permitindo interpretações ambíguas das normas, com prejuízo da
certeza e segurança jurídicas.
Terceiro, maior harmonização com a legislação e jurisprudência da União Europeia e
consequente dotação da Autoridade da Concorrência de instrumentos, procedimentos e
poderes em tudo semelhantes – e em nada mais intrusivos – dos que dispõe a Comissão
Europeia e que ficaram consagrados num conjunto vasto de disposições da nova lei.
II – Os três pilares da reforma da concorrência
11.
Mas é importante ter presente que a nova lei da concorrência não constitui uma
reforma isolada, mas antes um dos três pilares da reforma mais vasta do quadro legal e
institucional de defesa da concorrência, que tem vindo a ocorrer no contexto das reformas
estruturais acordadas no Memorando de Entendimento.
12.
Os outros dois pilares são (i) a entrada em funcionamento do novo Tribunal da
Concorrência, Regulação e Supervisão, um tribunal de recurso de 1ª instância com plena
jurisdição e especializado, medida já concretizada, e (ii) o assegurar de condições de financiamento
suficiente e estável da Autoridade da Concorrência, de forma a garantir o seu funcionamento efetivo e
sustentado (medida 7.20.iii), medida a concretizar na sua plenitude, na sequência da conclusão de
um estudo independente sobre as entidades reguladoras, estudo este também resultante de uma
medida do Memorando de Entendimento.
13.
Naturalmente, a reforma dos três pilares – a Lei, o Tribunal especializado e a
Autoridade – obedece a uma conjunto integrado, em que cada pilar reforça e é reforçado pelos
outros dois.
III – Regulamentos e Linhas de Orientação
14.
O facto de a nova lei ter entrado em vigor esta semana, não significa que o trabalho
normativo tenha acabado. Por isso, é-me grato anunciar que hoje mesmo, a Autoridade da
Concorrência divulgou na sua página electrónica, para efeitos de consulta pública, quatro
projectos de diplomas:
a. O projecto de novo regulamento da clemência, que substituirá o Regulamento n.º
214/2006, em cumprimento do estabelecido no artigo 100.º, n.º 4, da da nova lei;
b. O projeto de linhas de orientação sobre prioridades no exercício dos poderes
sancionatórios, para efeitos do disposto artigo 7.º, n.º 2, da nova lei;
c. O projecto de linhas de orientação sobre instrução de processos de práticas restritivas
(investigação e tramitação processuais em processos de contraordenação por violação de
regras de concorrência), em cumprimento do estabelecido no artigo 25.º, n.º 7, da nova
lei; e
d. O projecto de regulamento de formulários de notificação de operações de controlo de
concentrações, em cumprimento do artigo 44.º, n.ºs 3 e 4, da nova lei.
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15.
Dois outros projectos de linhas de orientação serão submetidos a consulta pública
até ao final deste mês: um sobre determinação da medida da coima (a metodologia a utilizar
para aplicação de coimas), em cumprimento do estabelecido no artigo 69.º, n.º 8, da nova lei; e
outro sobre avaliação prévia em controlo de concentrações (pré-notificação), para efeitos do
disposto no artigo 37.º, n.º 5, da nova lei.
16.
Estas consultas pública terão a duração de 30 dias úteis (tendo em atenção o
disposto no artigo 66.º da nova lei), pelo que a Autoridade da Concorrência, depois de
analisados e absorvidos os contributos que receber, planeia ter finalizado o novo
enquadramento regulamentar e de linhas de orientação até ao próximo mês de outubro.
17.
O novo regime jurídico da concorrência ficará, assim, completo nas suas vertentes
regulamentares e de linhas de orientação. Todo este trabalho traduz-se, naturalmente, num
aprofundamento de institution building e de reforço das condições de escrutínio da atuação da
Autoridade da Concorrência, que muito contribuirão para que a interpretação e aplicação do
novo regime jurídico da concorrência se processe da melhor forma possível.
IV – Ajustamentos internos da Autoridade da Concorrência
18.
Naturalmente, a Autoridade da Concorrência terá de ainda de proceder aos
ajustamentos internos que as novas realidades exigem. São essencialmente de três tipos os
ajustamento a fazer: (i) gestão dos meios financeiros e humanos, (ii) definição de prioridades e
(iii) alinhamento entre a perceção exterior e a realidade factual da Autoridade da Concorrência.
19.
Na gestão dos meios financeiros e humanos, até ao fim do ano, a Autoridade da
Concorrência deverá ter o seu modelo de financiamento redefinido superiormente e dispor da
autonomia administrativa e financeira que lhe permita gerir o seu orçamento e recursos
humanos em consonância com o seu estatuto de independência e as exigências acrescidas que as
reformas estruturais em curso na economia portuguesa não deixarão de suscitar. A dedicação,
experiência, conhecimentos – em suma, o profissionalismo – dos colaboradores da Autoridade
da Concorrência, que nesta oportunidade me cumpre reconhecer publicamente, poderão ser
então devidamente enquadrados, como merecem.
20.
Na gestão de prioridades, a Autoridade da Concorrência vai ter de definir, já no
último trimestre deste ano, as suas prioridades para 2013, e terá de se organizar para gerir bem
as queixas e casos ex-officio de acordo com o princípio da oportunidade e as regras de
processamento de denúncias estabelecidas nos artigos 7.º e 8.º da nova lei.
21.
Finalmente, no que se refere a um melhor alinhamento entre a perceção exterior e a
realidade factual da Autoridade da Concorrência, há que continuar a procurar soluções de
trabalho e de organização que permitam atingir esse objetivo. Deste modo, a Autoridade da
Concorrência dará uma resposta mais pronta e mais eficaz às novas exigências e assumirá
melhor as suas responsabilidades enquanto membro ativo do sistema europeu de concorrência.
4
V – Conclusão
22.
E permitam-me que conclua. A nova lei da concorrência constitui um conjunto
equilibrado, coerente e atualizado de alterações legislativas, que representam bem o que deve ser
uma lei de concorrência de um Estado-membro da União Europeia e que são instrumentais
para permitir melhorar a celeridade e eficácia na defesa das regras de concorrência em Portugal.
23.
Desta forma – e em conjunto com a criação do Tribunal de Concorrência,
Regulação e Supervisão e as novas condições de funcionamento da Autoridade da Concorrência
– cumpre bem os três grandes objectivos que se propôs atingir: (i) melhorar a certeza e
segurança jurídicas na interpretação e aplicação do novo regime jurídico da concorrência; (ii)
introduzir uma maior harmonização da legislação portuguesa de concorrência com o direito e a
jurisprudência da União Europeia na matéria, seguir as melhores práticas internacionais e
cumprir os requisitos de reforma estrutural acordados no Memorando de Entendimento; e (iii)
reforçar a capacidade de atuação da Autoridade da Concorrência no cumprimento da sua
missão de promoção e defesa da concorrência.
24.
Em síntese, Portugal tem hoje uma boa lei da concorrência. Cumpre-nos a todos
nós merecer esta lei. Estou certo que assim será.
Muito obrigado.
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Download

Discurso de Abertura do Presidente da Autoridade da Concorrência